Entenda como funciona o golpe do Empréstimo Consignado (golpe da falsa portabilidade)?
A Operação Falsa Portabilidade resultou na prisão de mais um indivíduo, elevando para 27 o total de detidos no desmantelamento de uma associação criminosa especializada em golpes contra servidores e uma instituição financeira. A ação, conduzida pela Delegacia Especializada de Estelionato e Outras Fraudes de Cuiabá, teve início em 7 de novembro, com a execução de 116 ordens judiciais, incluindo 32 mandados de prisão temporária.
No desenrolar das investigações, a polícia identificou a participação de pessoas envolvidas em fraudes relacionadas à falsificação de documentos para a abertura de contas digitais utilizadas nos golpes. Além das prisões, a operação incluiu 44 mandados de busca e apreensão em residências, 39 bloqueios de contas bancárias vinculadas à associação criminosa e um mandado de sequestro de bens e valores, totalizando mais de R$ 511 mil, que correspondem ao prejuízo causado à instituição financeira.
O indivíduo preso recentemente era um dos foragidos e se entregou à polícia na presença de seu advogado. Após ser formalmente interrogado, foi encaminhado para audiência de custódia na Capital.
A investigação, que se estendeu por aproximadamente um ano e meio, desvendou uma organização criminosa composta por pelo menos 44 pessoas, envolvida em estelionato eletrônico e lavagem de dinheiro. As vítimas incluíam diversos servidores públicos e a instituição financeira.
Conforme revelado nas investigações, os criminosos, após abrir contas com documentos falsos, solicitavam fraudulentamente a portabilidade dos salários de várias pessoas para as contas criadas. Posteriormente, os valores eram rapidamente transferidos para outras contas ou sacados em caixas automáticos.
O delegado responsável pela coordenação das investigações, Marcelo Torhacs, destacou que a execução das medidas cautelares visou desarticular financeiramente o grupo criminoso. Acrescentou que as investigações continuam com a análise do material apreendido, buscando identificar outros envolvidos e cessar suas atividades criminosas.
Como funciona o golpe da falsa portabilidade de empréstimo consignado?
Empresas fraudulentas, disfarçadas como correspondentes bancários, implementam um sofisticado golpe contra servidores públicos, conforme revelado pelas investigações. O modus operandi consiste em atrair servidores, ativos ou aposentados, oferecendo a portabilidade de dívidas consignadas com a promessa de redução das parcelas. O processo inicia-se com o aliciamento por funcionários da empresa, que obtêm informações detalhadas das vítimas por meio de redes de tráfico de dados.
A estratégia envolve persuadir as vítimas a assinarem contratos denominados "Cessão de Crédito" ou "Instrumento Particular", induzindo a crer que se trata de uma operação legítima. O envolvimento de correspondentes bancários autorizados é crucial, pois eles fornecem informações sigilosas, conferindo à organização criminosa a credibilidade necessária para realizar a fraude.
O correspondente bancário, em conluio com a organização criminosa, facilita a contratação de novos empréstimos consignados sem o consentimento das vítimas. Após o depósito do dinheiro na conta da vítima, os criminosos solicitam transferências para contas vinculadas à empresa fraudulenta, alegando a necessidade de concluir a portabilidade. A empresa mantém uma fachada de normalidade, depositando algumas parcelas e justificando a inadimplência.
Quando as vítimas percebem o golpe, já contrataram um novo empréstimo consignado sob condições desfavoráveis. A participação ativa dos correspondentes bancários na obtenção de informações e na facilitação da contratação é evidente. A operação policial realizada no Mato Grosso reforçou essa conexão, evidenciando a responsabilidade dos correspondentes bancários na redação dos contratos.
Empresas envolvidas, com filiais em várias cidades, atuam como correspondentes bancários autorizados, apresentando-se em posse de informações detalhadas e contratos bancários.
O golpe, dessa forma, pode ser resumido da seguinte forma: as empresas se passando por correspondentes bancários contatam vítimas, prometendo reduzir as parcelas de empréstimos consignados anteriores. Ao aceitar, as vítimas enviam documentos pessoais e autorização para um novo empréstimo. A empresa fraudadora realiza a contratação, muitas vezes falsificando assinaturas. O valor do novo empréstimo é depositado na conta da vítima sob pretexto de quitar o anterior. No entanto, no mês seguinte, a vítima percebe que a portabilidade não ocorreu, surgindo um novo empréstimo com termos desfavoráveis.
Desse modo, não resta outra alternativa às vítimas além da de buscar a tutela jurisdicional do Estado, a fim de que tenham seus prejuízos reparados.
A responsabilidade civil dos falsários e das instituições financeiras envolvidas
De início, deve-se destacar que a relação entre o cliente e a instituição financeira é regida pelo Código de Defesa do Consumidor - CDC, conforme entendimento dominante da jurisprudência e já disciplinado na Súmula 297 do Superior Tribunal de Justiça - STJ que assevera que “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.".
Assim, não há dúvidas de que se trata de uma relação consumerista e in casu a vítima de fraude bancária é vista como o elo mais fraco da relação jurídica.
Para delimitarmos então a responsabilidade da instituição financeira mais uma vez nos socorremos ao entendimento sumulado do STJ que sobre a fraude bancária realizada por terceiro já formou o seguinte entendimento, in verbis:
“Súmula 479 do STJ - As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias.”.
Desta forma, diante deste entendimento precisamos destrinchar conceitos básicos tratados no referido enunciado de súmula.
É possível verificar que o Douto Tribunal reafirma que as “instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados” reafirmando o que já era disciplinado no art. 14 do CDC, que trata da responsabilidade objetiva do prestador de serviço, e como visto, a relação bancária trata-se de relação consumerista, ou seja, não havendo novidade neste ponto.
A inovação do conceito vem na segunda parte do enunciado que disciplina “danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias”.
Desta forma o referido conceito visa determinar a responsabilidade da instituição financeira de forma objetiva, reconhecendo que as fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito das operações bancárias é um fortuito interno, ou seja, um dano decorrente da própria atividade desenvolvida que traz prejuízos inesperados para o consumidor.
Portanto, no caso de dano decorrente de fortuito interno não pode a instituição financeira alegar culpa exclusiva de terceiro ou da vítima (art.14, §3º do CDC) para se eximir da responsabilidade, até porque este é considerado um risco do empreendimento.
Caso a fraude bancária realizada por terceiro não fosse considerada um fortuito interno, a atividade bancária não teria riscos como todo o empreendimento, ou seja, o empresário estaria desonerado dos riscos de seu próprio empreendimento, imputando este ao consumidor, o que é vedado pelo nosso ordenamento jurídico.
Desta forma, a culpa exclusiva de terceiros apta a eliminar a responsabilidade objetiva da instituição financeira é apenas a decorrente de fortuito externo (fato que não guarda relação de causalidade com a atividade do fornecedor).
Confira o entendimento do STJ sobre o assunto:
As instituições financeiras envolvidas na operação de portabilidade, ainda que concorrentes, passam a integrar uma mesma cadeia de fornecimento, impondo-se a ambas o dever de apurar a regularidade do consentimento e da transferência da operação, recaindo sobre elas a responsabilidade solidária em relação aos danos decorrentes de falha na prestação do serviço.
Reconhecida a fraude na assinatura do contrato que deu ensejo à operação de portabilidade, impõe-se a reparação dos danos sofridos pelo consumidor.
STJ. 3ª Turma. REsp 1771984-RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 20/10/2020 (Info 682).
Ora, as fraudes ou delitos contra o sistema bancário, dos quais resultam danos a terceiros ou a correntistas configura fortuito interno, pois fazem parte do próprio risco do empreendimento e, por isso, não livram o banco do dever de indenizar.
É importante salientar que a responsabilidade da instituição se torna ainda mais evidente quando os falsários, denominados correspondentes bancários, possuem acesso a informações confidenciais sobre a vítima, uma vez que resta evidenciada o compartilhamento ou vazamento indevido de dados bancários do consumidor.
Anota-se, por fim, que ao reconhecer a solidariedade entre as instituições financeiras, ambas sendo objetivamente responsáveis pelos danos resultantes da fraude, é incumbente a elas o encargo de reparar integralmente os prejuízos suportados pelo consumidor. Isso implica na restituição do status quo ante, como consequência automática da inexistência do contrato fraudulento.
Como o poder judiciário vem decidindo esses casos na prática?
Na esfera prática das decisões judiciais, ainda primeira instância, observa-se que, após a suspensão dos descontos averbados nos contracheques, e mesmo diante da ausência de conhecimento inequívoco das instituições financeiras quanto à fraude, o Poder Judiciário tem considerado falhas na verificação da manifestação de vontade do contratante, seguindo o entendimento acima mencionado.
Desse modo, em um contexto em que a fraude é caracterizada como um fortuito interno, juízes têm invocado a jurisprudência para fundamentar a responsabilidade das instituições financeiras em situações análogas. Essa abordagem destaca a ênfase do judiciário na proteção do consumidor, evidenciando a importância dada à diligência e à responsabilidade das instituições financeiras na celebração de contratos. Confira a parte dispositiva da sentença:
Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos para anular os contratos 637163663 e 872516554, retornando às partes ao status quo ante, condenando as rés à devolução à autora das parcelas mensais eventualmente descontadas, conforme se apurar em liquidação de sentença, com incidência de correção monetária pelo INPC desde o desconto e com juros de mora de 1% desde a última citação, cabendo à autora a devolução às rés dos valores creditados, devidamente corrigidos pelo INPC desde o depósito, deduzido do valor devido à primeira ré o valor relativo aos boletos de ID 138996059. Ainda, condeno às rés, de forma solidária, ao pagamento de R$3.000,00 (três mil reais) a título de reparação.
Portanto, o juiz decidiu pela anulação dos contratos, determinando o retorno das partes ao estado anterior. Isso inclui a devolução das parcelas indevidamente descontadas pelas instituições financeiras e a restituição, pela parte autora, do valor dos empréstimos creditados em sua conta corrente. Além disso, as instituições financeiras rés foram condenadas a pagar uma indenização por danos morais, pois as fraudes praticadas causam nítidos prejuízos aos consumidores, os quais ultrapassam meros dissabores cotidianos e resultam em angústia, sofrimento e desgaste na tentativa de resolução amigável.
Portanto, essa decisão destaca a importância da proteção do consumidor e responsabilidade das instituições financeiras em casos de fraude financeira, reforçando os direitos dos consumidores e a aplicação das normas protetivas previstas no Código de Defesa do Consumidor.
A decisão ora noticiada foi proferida nos autos de nº 0737903-87.2022.8.07.0001, a qual pode ser consultado no site do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT).
A causa foi defendida pelo escritório de advocacia NASCIMENTO & PEIXOTO ADVOGADOS, com atuação especializada em fraudes bancárias e golpes no mercado financeiro.
Por último, vale destacar que esse o golpe da falsa portabilidade teve um aumento exponencial nos últimos anos, o que pode facilmente ser constatado a partir da análise de centenas de reclamações feitas por consumidores.
Conclusão
Desse modo, o "Golpe da Falsa Portabilidade" no contexto do mercado financeiro brasileiro, não é mais uma conduta praticada de maneira isolada por criminosos, pois se trata de um esquema complexo praticado por organizações criminosas estruturadas, que se valem de correspondentes bancários e possuem abrangência nacional.
No âmbito judicial, observa-se uma postura proativa na proteção dos consumidores, com decisões que anulam contratos, restituem valores e responsabilizam as instituições financeiras, mesmo sem conhecimento direto da fraude. No entanto, faz necessário que a defesa da vítima seja promovida por profissionais especializados nesse tipo de causa, pois as instituições financeiras tentam se insurgir fortemente contra sua responsabilidade.
Referências:
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Reportagem: "Grupo dá golpe do crédito consignado em servidores de 3 estados e do DF" no site Metrópoles, disponível em: https://www.metropoles.com/distrito-federal/seguranca-df/grupo-dava-golpe-do-credito-consignado-em-servidores-de-3-estados-e-do-df (Acesso em 27/08/2023)
Artigo: "O golpe da falsa portabilidade de empréstimo consignado" no site Migalhas, disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/389955/o-golpe-da-falsa-portabilidade-de-emprestimo-consignado (Acesso em 27/08/2023)
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Artigo: "Não caia no golpe do empréstimo consignado ou da falsa portabilidade" no site Migalhas, disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/382258/nao-caia-no-golpe-do-emprestimo-consignado-ou-da-falsa-portabilidade (Acesso em 27/08/2023)
Artigo: "Veja as faces do golpe do empréstimo consignado e da falsa portabilidade" no Jornal Contábil, disponível em: https://www.jornalcontabil.com.br/veja-as-faces-do-golpe-do-emprestimo-consignado-e-da-falsa-portabilidade/ (Acesso em 27/08/2023)
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Artigo: "Conheça os detalhes práticos do golpe do empréstimo consignado e da falsa portabilidade" no Jornal Contábil, disponível em: https://www.jornalcontabil.com.br/conheca-os-detalhes-praticos-do-golpe-do-emprestimo-consignado-e-da-falsa-portabilidade/ (Acesso em 27/08/2023)
Artigo: "Entenda a falsa portabilidade de empréstimo consignado" no Jusbrasil, disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/entenda-a-falsa-portabilidade-de-emprestimo-consignado/1793220143?_gl=11mkh8b6_gaMTQzOTY3ODc0MS4xNjkxNzQ3ODg5_ga_QCSXBQ8XPZ*MTY5MzE1OTU3OS4xMy4xLjE2OTMxNjAwNzcuMTAuMC4w (Acesso em 27/08/2023)
Artigo: "O golpe do empréstimo em servidores públicos federais" no Jusbrasil, disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/o-golpe-do-emprestimo-em-servidores-publicos-federais/1765977979?_gl=11mkh8b6_gaMTQzOTY3ODc0MS4xNjkxNzQ3ODg5_ga_QCSXBQ8XPZ*MTY5MzE1OTU3OS4xMy4xLjE2OTMxN (Acesso em 27/08/2023)