"Com 18 anos ou não, enquanto você não pagar suas contas, quem manda em você sou eu!" - Uma análise da fala parental com base no Código Civil

17/11/2023 às 19:54
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Se você tem 18 anos, ou está prestes a completar esta idade, você já deve ter visto e/ou ouvido esta fala em algum lugar, mesmo que com palavras um pouco diferentes. Mas, será que os pais e/ou antigos tutores têm mesmo o direito de mandar na sua vida, mesmo com você sendo maior de idade? É sobre isto que falaremos neste artigo.

De acordo com a Lei 10.406/2002, a menoridade de uma pessoa (entenda-se, popularmente, a condição de a pessoa "ser dona do próprio nariz") acontece quando uma pessoa completa 18 anos. Confira o que diz o texto:

"Art. 5º A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil."

Na prática, isto significa que, com 18 anos, você pode comprar, vender, abrir e/ou fechar um negócio, dirigir, trabalhar, consumir bebidas alcoólicas, fumar cigarros (desde que não sejam cigarros de drogas ilícitas), etc., além de poder tomar decisões próprias de um adulto sem precisar da autorização de um responsável (como, por exemplo, se casar, mudar de endereço, etc).

"Mas e como fica a situação dos pais quando o filho faz 18 anos?"

De acordo com o Art. 1635 do Código Civil Brasileiro, texto este que trata sobre o poder familiar (entenda-se o poder dos pais e/ou responsáveis legais de mandar na sua vida), é dito que uma das razões pelas quais se acaba o poder familiar é pela maioridade. Ou seja, a partir dos seus 18 anos, você não deve mais obediência alguma a seus pais e/ou cuidadores. Veja o que diz o texto:

"Mas eu preciso ensinar a fulano(a) a importância de agir com sabedoria/cautela/etc., para não quebrar a cara na vida, e a melhor forma de ensinar é não deixando ele(a) fazer tudo que dá na telha! Eu sou pai/mãe/responsável, e tenho esse poder!" (sic)

Se este é o seu caso, sinto muito, mas, segundo o Art. 1635 do CC, você não pode mais mandar na vida de um jovem a partir do momento em que ele completa 18 anos, a menos que ele se enquadre em alguma das exceções previstas na Lei 10.406/2002, onde está escrito:

"Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil:

      I - os menores de dezesseis anos;

      II - os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos;

      III - os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.

Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer: (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)

I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;

II - os ébrios habituais e os viciados em tóxico; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)

III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)

IV - os pródigos."

Vamos falar de parte por parte destes textos.

O Art. 3º mostra os casos onde uma pessoa está permanentemente incapacitada de exercer os atos da vida civil, o que, num linguajar mais simples, significa que este cidadão específico "não tem condições de ser dono do próprio nariz" (sic), e isso de forma permanente, o que significa que, dependendo da situação, o indivíduo não tem condições e/ou discernimento suficientes para decidir o que é melhor para sua vida, precisando que alguém faça isto por ele.

O parágrafo II fala sobre aqueles que "por enfermidade ou deficiência mental", não têm o discernimento necessário para "mandarem na própria vida" (sic). Mas é preciso ter em mente que, conforme a Lei 13.146/2015, Art. 6º, a deficiência, por si só, não necessariamente torna uma pessoa incapaz. Por isto, não pense que o simples fato de o seu filho/a sua filha ter 18 anos e ser uma pessoa com deficiência te dá o direito de continuar mandando na vida dele ou dela. A avaliação das capacidades de uma pessoa com deficiência para ser considerada maior de idade deve vir de uma análise pericial feita por pessoas qualificadas para isto, não dos pais e/ou tutores.

O parágrafo III se refere àqueles que "mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade". Este texto se refere não à "imaturidade" comumente vista em pessoas mais jovens, mas sim a situações onde a pessoa, temporária ou permanentemente, não tem condições de decidir por si mesma o que é melhor para ela. Exemplos disso são: um paciente hospitalar em coma, ou, ainda, uma pessoa alcoólatra, que passa a maior parte do tempo embriagada, tendo seu senso de julgamento comprometido.

Já o Art. 4º versa sobre pessoas que, temporariamente, estão sem condições de "exprimirem sua vontade", e por "exprimir sua vontade", entenda-se o coloquial "fazer da vida o que achar melhor".

O parágrafo I cita os ébrios, os viciados em tóxicos, e aqueles que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido.

Ébrios são pessoas alcoólatras, que, por passarem a maior parte do tempo alcoolizadas, têm seu senso de julgamento alterado e, por conseguinte, não conseguem responder por si mesmas. Já os viciados em tóxico (i.e., maconha, cocaína, crack, etc.), são aqueles que, por ação desses entorpecentes, tiveram sua estrutura psicológica, emocional, etc., alterada a tal ponto, que, simplesmente, já não podem mais assumir a responsabilidade por seus atos.

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No parágrafo II, são mencionados "os que, por enfermidade ou deficiência mental, tenham o discernimento reduzido". É preciso se atentar ao fato de que certas deficiências de raiz neurológica (como autismo, TDAH, dentre outras) não necessariamente impedem uma pessoa de ter o discernimento necessário para exercerem a maioridade. Além disto, a avaliação destes casos deve ser feita por uma perícia devidamente capacitada para esta finalidade.

Já o parágrafo III comenta sobre "os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo". Para mim, este parágrafo "chove no molhado" em relação ao anterior, pois sugere que pessoas sem desenvolvimento cerebral concluído não tenham discernimento suficiente para serem maiores de idade.

Por último, são citados os pródigos. Pródigo é aquele que esbanja seus bens, colocando em risco o próprio patrimônio e/ou de outras pessoas. Um exemplo de pródigo é um pai de família que gasta todo o seu salário em jogos de azar, arriscando perder nas apostas posses como, por exemplo, a casa onde vivem ele e sua família.

Se um(a) jovem sob seus cuidados tiver ao menos 18 anos completos e não se enquadrar em nenhuma destas exceções, passa a valer o que está escrito no Art. 1635 do Código Civil, § III, que diz:

"Extingue-se o poder familiar:

(...)

III - Pela maioridade;

(...) "

"Não quero saber! Enquanto viver na minha casa e eu pagar as contas, quem manda sou eu! Comeu do meu pirão, leva do meu cinturão!" (sic)

Neste caso, você pode responder pelos crimes de cárcere privado (Art. 148 do Código Penal), caso não deixe o jovem de 18 anos sair para onde quiser, além de responder também pelo crime de perturbação de liberdade (Art. 147-A), caso interfira de alguma forma na liberdade de decisão e/ou de locomoção do jovem.

Tendo em vista os textos que apresentei ao longo deste artigo, a menos que uma pessoa jovem possua algum impedimento devidamente atestado que a torne incapaz de ser considerada uma pessoa maior de idade (impedimento este que deverá ser atestado por perícia devidamente realizada por profissionais devidamente qualificados), os pais e/ou antigos tutores já não têm mais nenhum poder e/ou direito de mandar na vida dela.

Portanto, jovem, se você é maior de 18 anos e não é alcoólatra, viciado(a) em drogas, não esbanja seus bens e nem tem nenhum outro impedimento que afete o seu discernimento sobre os seus atos, você é uma pessoa maior de idade e nem seus pais nem ninguém podem mandar em você. Considerando-se que você não descumpriu nenhuma lei e que não haja nenhum mandado judicial e/ou ação de interdição e/ou curatela contra você, nenhuma pessoa, nem mesmo as autoridades, pode mandar na sua vida privada, o que, inclusive, está garantido pelo Art. 5º da Constituição Federal, § IX.

Obs.: Em determinadas situações, uma figura de autoridade pode sim dar ordens a um cidadão sobre o que fazer ou não, mas, a menos que haja um mandado judicial para isto, nenhuma autoridade pode interferir na vida privada de uma pessoa, por exemplo, dizendo a ela o que comer ou não, o que vestir ou não, dentre vários outros exemplos.

Créditos da imagem: https://www.istockphoto.com/br/foto/acusação-de-culpados-pessoa-cara-jovem-gm492415224-76285067

Fontes: https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/91577/codigo-civil-lei-10406-02#art-1635

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm#:~:text=1%20o%20Toda%20pessoa%20é,concepção%2C%20os%20direitos%20do%20nascituro.

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm

Sobre o autor
Ronaldo Duarte

Um ser humano em busca da equidade entre as pessoas.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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