O ordenamento jurídico brasileiro prevê diversas formas de impugnar uma decisão judicial.
A forma mais conhecida e mais tradicional de se insurgir contra um pronunciamento judicial é o recurso.
Os recursos têm como objetivo a reforma, anulação ou integração (no caso dos embargos de declaração por omissão) de uma determinada decisão judicial, sendo um ato postulatório que prolonga o direito de ação, mas que não inaugura nova relação jurídica, tratando-se apenas de uma nova fase da mesma relação processual ainda não terminada, impedindo a formação da coisa julgada. Importante mencionar que isso não significa que os autos processuais devem ser os mesmos, pois o recurso pode ser autuado em processo próprio, como por exemplo o agravo de instrumento, mas integralizando o mesmo processo.
Recurso é o remédio voluntário e idôneo a ensejar, dentro do mesmo processo, a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração da decisão judicial que se impugna1.
Também, o recurso é um ato voluntário da parte, ele deve ser interposto de acordo com o artigo 996 do Código de Processo Civil, ou seja, o recurso pode ser interposto pela parte vencida, pelo terceiro prejudicado e pelo Ministério Público, como parte ou como fiscal da ordem jurídica.
Os recursos são pautados por princípios. Vejamos.
O princípio do duplo grau de jurisdição diz respeito à submissão da decisão judicial a um reexame derivado de uma impugnação interposta pela parte. Contudo, não há previsão expressa de duplo grau de jurisdição na Constituição Federal, tratando-se, portanto, de mero princípio (e não garantia constitucional), sendo que o legislador infraconstitucional pode criar leis limitando as hipóteses recursais e os cabimentos.
Estando a parte diante de uma hipótese em que tanto a lei como a jurisprudência e a doutrina não sabem expressar qual o recurso cabível na situação, aplica-se o princípio da fungibilidade recursal. Inexiste previsão explícita do princípio no CPC, contudo a doutrina e a jurisprudência admitem a sua aplicação, desde que observados determinados requisitos: (1) existência de dúvida objetiva sobre qual é o recurso cabível; (2) divergência na doutrina e jurisprudência; (3) quando o juiz profere um pronunciamento no lugar de outro; (4) ausência do chamado “erro grosseiro”.
O princípio da voluntariedade estabelece que aquele que detém legitimidade e interesse de recorrer, sob pena de preclusão e coisa julgada, deverá se manifestar nos termos do procedimento especifico de cada recurso. Ou seja, o interessado deve, voluntariamente, no prazo legal, exteriorizar a sua inconformidade com a decisão proferida apresentando nos autos o recurso cabível.
A unirrecorribilidade (unicidade recursal ou singularidade recursal) significa dizer que para cada decisão judicial é cabível somente a interposição de um recurso por cada uma das partes.
Destaque-se, também o princípio da proibição da reformatio in pejus aplicável aos recursos. Esse princípio evita que o cenário do recorrente piore em razão de seu próprio recurso interposto. A única exceção seria na hipótese de matéria de ordem pública, que pode ser conhecida a qualquer momento e, uma vez reconhecidas pelo Tribunal, podem prejudicar o recorrente.
O princípio da colegialidade das decisões determina que toda vez que for interposto um recurso ou uma ação de competência originária do Tribunal, a regra é que um órgão colegiado profira a decisão. Se for um recurso de apelação ou um agravo de instrumento, o princípio determina que ele seja julgado por três desembargadores. Na hipótese de embargos de declaração contra acordão do Tribunal ou ação rescisória, o julgamento também será por três embargadores, ou seja, uma decisão proferida por um órgão colegiado. Porém, desde a reforma de 1994/95 do CPC/1973 foram criadas situações de decisões proferidas apenas pelo Relator que, atualmente, estão previstas no artigo 932 do CPC/15. Trata-se, portanto, de uma relativização do princípio da colegialidade das decisões.
Por fim, destaca-se o princípio da sanabilidade dos vícios, o qual tem relação com o princípio da primazia do julgamento de mérito, os quais estão previstos no artigo 317 do CPC que determina que antes de proferir decisão sem resolução de mérito, o juiz deverá conceder à parte oportunidade para, se possível, corrigir o vício. Esses princípios são aplicáveis, inclusive, em grau recursal, uma vez que o parágrafo único do artigo 932 determina que antes de considerar inadmissível o recurso, o relator concederá o prazo de 5 (cinco) dias ao recorrente para que seja sanado vício ou complementada a documentação exigível.
Os outros meios de impugnação de decisões judiciais são: os sucedâneos recursais e as ações impugnativas autônomas.
As ações impugnativas autônomas também atacam uma decisão judicial, porém elas criam um novo procedimento com uma autuação de um novo processo. Portanto, a decisão judicial é impugnada por meio de uma nova ação. São exemplos de ações autônomas de impugnação o mandado de segurança, a ação rescisória, a ação anulatória, a reclamação, a ação de querela nullitatis e os embargos de terceiro.
A diferença entre as duas modalidades de impugnação – recursos e ações autônomas de impugnação – é que os recursos são interpostos na mesma relação jurídico-processual, enquanto que as ações impugnativas autônomas criam uma nova relação processual, por isso são chamadas de autônomas. Portanto, os recursos são endo processuais e as ações impugnativas são autônomas.
Os sucedâneos recursais parecem e fazem a função de recurso, porém não podem ser chamados de recurso.
Como enquadrar um ato da parte em sucedâneo recursal?
Como regra, há no ordenamento jurídico o princípio da taxatividade dos recursos, o qual estabelece que para que seja considerado recurso aquele ato da parte que visa impugnar uma decisão judicial é obrigatório a sua previsão expressa em lei federal. Há, portanto, um rol de recursos previsto, por exemplo, no Código de Processo Civil e na Lei do Juizado Especial Cível, sendo que o artigo 22, inciso I, da Constituição Federal estabelece que somente a lei federal pode criar recursos no sistema processual civil vigente.
Assim, para enquadrar um ato da parte em sucedâneo recursal deve ser feita análise por exclusão e de acordo com o princípio da taxatividade. Trata-se, então, de todo meio de impugnação que não é um recurso (por ausência de tipicidade no ordenamento jurídico) e nem se enquadra como ação autônoma de impugnação (por ausência de criação de uma nova relação jurídica).
Integram a modalidade denominada sucedâneos recursais o pedido de reconsideração e a remessa necessária (também chamado de duplo grau obrigatório ou reexame necessário).
O pedido de reconsideração não tem previsão legal e não tem natureza recursal, podendo ser utilizado nas hipóteses em que não é cabível a interposição do agravo de instrumento. Mesmo não existindo previsão legal para o pedido de reconsideração, não há dúvidas de que ele produz efeitos no processo, contudo, ele não interrompe o prazo para a interposição de algum recurso previsto em lei. E a decisão proferida no pedido de reconsideração não pode, via de regra, ser impugnada por meio de agravo de instrumento.
A remessa necessária, também conhecida como reexame necessário ou duplo grau obrigatório, também não tem natureza recursal e está prevista no artigo 496 do Código de Processo Civil. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença proferida contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público; e a sentença que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução fiscal. Mesmo que não haja recurso, por um impulso oficial do juiz, o processo irá para segunda instância para que o Tribunal julgue a causa novamente.
Todos os meios de impugnação previstos no ordenamento jurídico tentam rediscutir a decisão judicial que foi impugnada, sendo que a única que não depende de atuação da parte prejudicada é a remessa necessária.
Assim, resumindo: quando a parte quer impugnar uma decisão judicial dentro do mesmo processo em que ela foi proferida, tem-se o recurso; quando é instaurada outra ação com objetivo de impugnar uma decisão que foi proferida no processo anterior, há uma ação autônoma de impugnação, como por exemplo a ação rescisória e o mandado de segurança contra ato judicial; e os sucedâneos recursais que não são um recurso por falta de taxatividade, mas que fazem a função de um recurso.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. 10 ed. v. 2. São Paulo: Saraiva Jur, 2020.
BRUSCHI, Gilberto Gomes; COUTO, Mônica Bonetti, Recursos cíveis. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019.
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 4. ed., vol. III, São Paulo: Malheiros, 2004.
Primeiros comentários ao novo código de processo civil: artigo por artigo / coordenação Teresa Arruda Alvim Wambier – 1º ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.
José Carlos Barbosa Moreira, Comentários ao Código de Processo Civil. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. v. V︎