A sentença condenatória e seus efeitos extrapenais: uma breve análise acerca da suspensão dos direitos políticos em detrimento da ressocialização

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RESUMO

O presente artigo tem como objetivo discutir e trazer a reflexão acerca da imposição dos efeitos extrapenais na condenação penal, aludidos nos artigos 91 e 92 do Código Penal, em especial, da suspensão dos direitos políticos ativos, previsto no artigo 15, III, da Constituição Federal de 1988, a partir da análise de seus impactos no processo de ressocialização do condenado, dado as incongruências dessa imposição com os princípios que norteiam a espécie da pena no ordenamento jurídico brasileiro, a exemplo da própria Constituição Federal de 1988 e a Lei nº 7.210/1984 (Lei de Execuções Penais). Para isso, fizemos uso de uma metodologia baseada em pesquisa bibliográfica exploratória, buscando como aporte teórico, estudiosos contemporâneos, tais como: Carvalho (2021), Greco (2020), Silva et. al (2016), Machado (2015) entre outros, que nos possibilitaram apresentar possíveis propostas viáveis, respeitados os dispositivos legais, em relação ao direito do exercício político dos condenados em pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos, com pena transitada em julgado, nos termos do Código Penal pátrio, visando o efetivo cumprimento do processo de ressocialização social, em face das dificuldades que se impõe ao condenado, no período intra e pós-cumprimento da pena, considerando para tanto as premissas formais do Estado democrático de direito e a materialidade de um ambiente histórico e cultural de preconceitos do Brasil, amplamente ainda mais dificultosos no mundo moderno contemporâneo.

PALAVRAS-CHAVE: Sentença condenatória. Efeitos extrapenais. Direitos políticos. Ressocialização.

INTRODUÇÃO

A condenação é ato do Poder Judiciário, haja vista apenas o Estado possuir a competência de aplicar a sanção penal ao agente praticante de crime, compreendido como fato típico, ilícito e culpável, conforme teoria tripartida do crime, utilizada no direito penal brasileiro. Tal prática criminal gera consequências jurídicas, que na fase executória, pós condenação transitada em julgada, produzem efeitos penais e extrapenais a pessoa do condenado.

A sentença condenatória na seara penal produz efeitos principais, a partir da aplicação de pena privativa de liberdade, de pena restritiva de direitos e de pena pecuniária, conforme preceitua o artigo 32, do Código Penal, e tem-se ainda, os efeitos secundários ao condenado, e nesses se englobam os extrapenais, que se subdividem em genéricos – não necessitam de declaração, e os específicos, que necessariamente precisam está expressos na sentença condenatória.

Entre os efeitos extrapenais da condenação penal, temos o da suspensão dos direitos políticos, conforme previsto no art. 15, III, da CF/88, que será arbitrado em pena privativa de liberdade (PPL) e pena restritiva de direitos (PRD), após o trânsito em julgado. Tal efeito constitucional, traz o impedimento aos apenados de se candidatar a cargos políticos (direito político passivo) e de exercer o voto (direito político ativo).

Desse modo, impõe-se ao brasileiro condenado penalmente, efeitos que ultrapassaram as grades do estabelecimento prisional e/ou outras reprimendas restritivas de limitação de locomoção (PRDs) e do tempo determinado de pena, levando ao não exercício do voto para a escolha de representantes políticos e privando o condenado da participação ativa dos interesses da sociedade em que está inserido, que pode ter impactos por períodos superiores ao do tempo da condenação imposta.

Sobrepondo tal contexto fático, sob um olhar crítico mais amplo, em outras palavras, o condenado perdem o direito de participação decisória na democracia de seu país, pelo fato exclusivo de estar cumprindo pena criminal, mesmo não havendo nenhum nexo causal do crime praticado com o contexto político, colocando o condenado à margem da sociedade, dado a incapacidade de qualquer manifestação política durante o cumprimento da pena.

E aqui, fazendo uma correlação dos efeitos extrapenais da condenação, em especial o de suspensão dos direitos políticos, com os institutos da ressocialização prevista na Lei de Execução Penal e o da reabilitação previsto nos arts. 93 e 94, do Código Penal, bem como a própria CF/88, quando em seu art. 5º, garante a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade como direito de todos. Assim, tanto a pena imposta, como a reabilitação pós cumprimento da sanção penal, visam a ressocialização do condenado, de tal modo que merece a reflexão e discussão acerca da eficácia e reais efeitos da imposição extrapenal objeto do presente estudo.

Com esse intuito, o nosso trabalho, para melhor compreensão da discussão e didática objetiva, subdivide-se em 05 (cinco) tópicos principais. No primeiro deles, apresentaremos os efeitos da condenação no direito penal brasileiro, bem como o conceito e objetivos da execução penal em conversação com a irrazoável suspensão dos direitos políticos. Nos dois tópicos seguintes, discorreremos sobre os direitos não atingidos na sentença penal e os efetivos danos ocasionados pelo não exercício do voto. Nos últimos tópicos, abordaremos a problemática da irregularidade eleitoral, para a ressocialização do condenado e o seu exercício político dentro e fora do sistema carcerário. E por fim, nas considerações finais, apresentaremos uma proposta resolutiva em conformidade com a Carta Magna e demais leis que norteiam a espécie, para a problemática em torno do objeto de estudo aqui tratado.

1. DOS EFEITOS DA CONDENAÇÃO

A sentença penal condenatória tem como finalidade aplicar ao agente a pena na proporção do mal pelo mesmo realizado, dado a reprovação e prevenção ao crime buscada no Código Penal, conforme determina o seu art. 59, a qual passa a ter o seu cumprimento exigido a partir do trânsito em julgado, com a execução forçada.

Desse modo, com a sentença penal transitada em julgado possui os seus efeitos penais, presentes em vários artigos do Código Penal e Código Processual Penal, a exemplo da revogação do sursis, a revogação de livramento condicional ou de reabilitação, o lançamento do nome do réu no rol dos culpados, a possibilidade de torná-lo reincidente se já foi condenado anteriormente, entre outros. Além deles, outros efeitos, tais como: tornar certa a obrigação de reparação do dano causado pelo crime, perda do cargo ou função pública, perda de mandato eletivo, entre outras (SILVA. et al., 2016).

Os chamados efeitos secundários da sentença penal, considerados também como efeitos extrapenais, elencados nos arts. 91 e 91-A (efeitos genéricos da condenação) e art. 92 (efeitos especiais da condenação), todos, do CP, tem sua natureza acessória e aparentam ser outra pena, os quais devem ser expressamente motivados pelo Juiz no texto condenatório, para que produzam os seus legais efeitos.

Além dos efeitos extrapenais dispostos no Código Penal, o ordenamento jurídico brasileiro, prevê ainda inúmeros efeitos extrapenais decorrentes de uma sentença penal, a exemplo da indenização civil pela prática de homicídio, lesão, crimes contra a honra ou ofensa à liberdade pessoal, dispostos, respectivamente, nos arts. 948,949,953 e 954, do Código Civil (GRECO, 2020).

Sobre os efeitos da condenação penal, o professor Luiz Régis Prado (2008), destaca que:

Os efeitos da condenação são todos aqueles que, de modo direto ou indireto, atingem a vida do condenado por sentença penal irrecorrível. [...] A imposição de sentença penal (pena privativa de liberdade, pena restritiva de direitos e/ou multa) ou de medida de segurança é, sem dúvida, o principal efeito da condenação. Entretanto, o fato de estar o réu compelido à execução da pena aplicada pela sentença condenatória não afasta a existência de outros efeitos secundários, reflexos, ou acessórios, de natureza penal e extrapenal, que em alguns casos necessariamente a acompanham (2008, p. 610)

Assim, cumpre destacar que a sentença condenatória tem como principal efeito a fixação da pena a ser cumprida pelo condenado, sendo os efeitos secundários ulteriores.

2. A SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS

A suspensão automática dos direitos políticos se dá enquanto durarem os efeitos da sentença penal condenatória transitada em julgado, conforme a aplicabilidade direta do art. 15, inciso III, da Constituição Federal de 1988, imputando ao cidadão brasileiro condenado a impossibilidade de participar das eleições ativamente através do voto e passivamente, por meio da candidatura a cargo eletivo.

Desse modo, o texto constitucional sugere ao ordenamento jurídico brasileiro que a incapacidade eleitoral do condenado é uma consequência necessária da condenação, independentemente do tipo do crime e da pena principal, conforme o supracitado artigo 15, III, CF/88, in verbis:

Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:

(...)

III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos;

Machado (2015) aponta que o legislador brasileiro defende que a suspensão dos direitos políticos não é uma pena assessória, mas tão somente, uma consequência necessária da condenação penal, como se fosse uma espécie de segunda pena principal da condenação imposta, que passa a legitimar consequências jurídicas automáticas, sem fundamentos, taxativa, com eficácia plena e imediata, contra um direito fundamental do Estado democrático de direito, sem atentar-se a nenhuma análise do caso concreto, para a sua adequação e/ou aplicabilidade.

Nesse sentido, Dias (1993) apud Machado (2015) complementa que é possível a aceitação da tese de que a suspensão dos direitos políticos se trata de uma segunda pena principal, dado a sua falta de fundamentação, finalidades e os seus próprios limites, dado a sua automaticidade de aplicação.

Tais entendimentos, passam a ser confirmados a partir do levantamento de que diferente seria, enquanto consequência jurídica, caso fosse determinada a incapacidade eleitoral de modo facultativo, enquanto intervenção judicial em face do caso concreto ou tipos penais específicos, dado a gravidade dos fatos, que desencadeassem a inidoneidade cívica para o exercício direto do voto.

Silva. et al. (2016) afirma que o impedimento dos direitos políticos do condenado, referente ao não exercício do voto, não se restringe somente ao questionamento da perda da participação ativa nas questões políticas e sociais do país, mas também merece a reflexão acerca dos efeitos do não exercício do voto a longo prazo, já que implica diretamente em outras atividades fundamentais para a vida útil do condenado, principalmente, no processo de ressocialização, quando em regime menos gravosos de penas privativas de liberdade.

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A polêmica em face da suspensão dos direitos políticos automaticamente, tão somente, por estarem cumprindo pena, leva a concepção de que os condenados estão à margem da sociedade, demonstrando serem incapazes de qualquer ato político. Além de que, a irregularidade junto a Justiça Eleitoral acarreta uma série de restrições, tais como: impossibilidade de nomeação em cargo público, suspensão do Cadastro de Pessoa Física (CPF), impedimento de criação de empresa privada, dificuldade do ingresso em rede de ensino superior, e notadamente dificulta também, o ingresso no mercado de trabalho formal, dado a comum exigência de certidão de quitação eleitoral (Silva. Et al., 2016).

Além disso, a finalidade da execução penal é buscar ferramentas para a redução da criminalidade, a partir de condições que facilitem a reinserção do condenado no ambiente social e campo de trabalho, e a burocratização em face da suspensão dos direitos políticos do apenado junto a Justiça Eleitoral vai de encontro com essa finalidade, sendo contrária também aos princípios da dignidade humana, do Estado democrático de direito e uma grande afronta a ressocialização norteadora da execução penal, conforme destaca Carvalho (2021).

3. DA SUPORTABILIDADE DA SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS EM FACE DOS OBJETIVOS DA EXECUÇÃO PENAL

A execução penal inicia-se com a sentença condenatória penal transitada em julgado, tendo ainda alguns casos com início antes de tal ato processual, como quando o réu tem negado o direito de recorrer em liberdade.

Porém, a Lei de nº 7.210 de 11 de julho de 1982 (Lei de Execuções Penais), vem ditar os objetivos da execução penal, conforme art. 1º, in verbis:

Art. 1º A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.

Desse modo, a execução penal não visa tão somente o efetivo cumprimento da sanção pelo condenado, mas também a efetivação de condições de ressocialização, com foco na não reincidência do condenado e a redução da criminalidade.

Nesse sentido, cumpre destacar os postulados de Roig (2018) apud Carvalho (2021), quando discorre acerca dos princípios da execução penal, ao defender “que jamais um princípio da execução penal pode ser evocado como fundamento para restringir direitos ou justificar maior rigor punitivo sobre as pessoas presas”. Ou seja, os princípios devem ser instrumentos normativos em favor do condenado e não meros instrumentos mecânicos a favor do Estado e a serviço da sua pretensão punitiva.

O autor supracitado defende ainda que os princípios da execução penal devem ser aplicados ao caso concreto, como um meio de acesso e escudo em defesa do apenado para a ampliação e o exercício de seu direito, liberdade ou garantia.

No Brasil, a suspensão dos direitos políticos em face de condenação penal é recorrente em nosso ordenamento jurídico desde o império, quando em na Constituição de 1824, trazia em seu art. 8º, inciso II, que a referida suspensão se dava “por sentença condenatória a prisão, ou decreto, enquanto durarem os seus efeitos”.

Fazendo um breve comparativo entre os textos constitucionais de 1824, com o atual da CF/88, percebe-se que no tocante a suspensão dos direitos políticos do condenado, houve apenas a mudança da exigência de sentença transitada em julgado, mantendo-se os demais requisitos/condições, tratando-se de norma genérica e abrangente.

Carvalho (2021) destaca ainda que a comumente aceita abordagem com base em preceitos ético-jurídicos acerca da constitucional suspensão dos direitos políticos, não deve ser aceito, dado a dualidade das espécies de suspensão - ativa e passiva, ao passo que defende a manutenção dos direitos políticos ativos do condenado, dado as inúmeras restrições geradas ao indivíduo, dificultando a ressocialização almejada pela Lei de Execução Penal.

Assim também é o entendimento de Sanguiné (2012), ao defender que o direito ao voto não tem nenhuma relação jurídica com a conduta do cidadão, considerando que o direito do voto é sagrado, e impor ao condenado tal restrição, seria uma retroação aos períodos elitistas e discriminatórios em que as mulheres e negros não podiam votar, enfatizando que “as restrições legislativas ao direito do voto dos condenados configuram uma prática anacrônica e sem justificação, ao menos como regra geral”.

Esse também tem sido o posicionamento de Puggina (2016), ao passo em que ele defende a distinção entre as restrições do direito ao voto (ativo) e as restrições de elegibilidade (passivo), sendo as segundas mais amplas e justificáveis, ao passo que “não é necessário que as pessoas que se encontram presas sejam eleitas, podem apenas votar”.

4. DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E A SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS

Inicialmente, é importante mencionar que em um Estado democrático de direito, a própria condição de cidadão enquanto possuidor de direitos e sua condição humana, devem se sobressair acima da idoneidade moral, enquanto razão da garantia do direito ao sufrágio do mesmo. Tal preceito decorre do princípio da soberania popular, ou seja, todo poder emana do povo, que o exerce através dos seus representantes eleitos, através do voto popular. De modo que os direitos políticos surgem como garantedouro da participação popular no poder.

Machado (2015) traz um importante questionamento acerca da conexão entre o crime e a consequente suspensão dos direitos políticos, colocando em cheque o elo que liga o fato típico e ilícito com a privação da faculdade legal e constitucional do direito de votar, onde ele ressalta:

(...) certamente que há situações em que a capacidade eleitoral activa é incompatível com o sentido da sentença condenatória, justificando-se uma diferenciação de tratamento, uma restrição à universalidade, em relação à participação em eleições. (pág. 04)

Nesse contexto, o autor aponta que o princípio da universalidade não representaria o direito a uma igualdade absoluta ou nem mesmo a proibição de tratamentos distintos. E tal diferenciação, seria a presunção de um ato de autoridade ou uma decisão de poder de natureza jurídico-constitucional.

E assim, por força da Constituição Federal de 1988, que assegura o a República Federativa do Brasil o status de Estado democrático de direito, é o mesmo que afirma taxativamente que todos os seus condenados judicialmente na esfera penal são incapazes de votar enquanto durarem os efeitos de suas condenações, considerando-os como “incompetentes para discutir questões políticas”, de modo que concede a supracitada interpretação de diferenciação de tratamento (MACHADO, 2015).

Nessa relação está intrínseco o pensamento jurídico funcional declinado para os valores políticos, com propósitos ideológicos-políticos na intencionalidade e na efetivação do direito, resumindo a juridicidade à constitucionalidade (NEVES, 2013).

Para Machado (2015), a discussão objeto do presente trabalho, está interposta com maior rigidez, ao passo que:

É por todos conhecido o tratamento radicalmente estigmatizante que foi dado (e que por vezes continua a ser dado) aos mendigos, aos vagabundos, aos homossexuais, às prostitutas, aos reclusos, e a outras pessoas indesejáveis para a comunidade. Mas também é conhecido o tratamento radicalmente estigmatizante que foi dado (e que por vezes continua a ser dado) às mulheres, aos imigrantes e aos reclusos ao nível dos direitos políticos, particularmente em relação ao direito de voto. Agora, também, aos “condenados” (pág. 05).

O autor aqui destaca a distinção entre recluso e condenado, ao passo que faz um comparativo entre as Constituições do Brasil e Portugal. E tal comparação, se dá devido a forte relação entre os dois países, já que a República brasileira, sabidamente, foi colônia portuguesa, e a presença da pena extrapenal da suspensão dos direitos políticos remota da Constituição de 1824 do Imperador português D. Pedro I, como anteriormente dito. Além, do Estatuto de igualdade prescrito no Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta entres os dois países, datado do ano de 2000, não existindo no lado português “incapacidade eleitoral automática” por força de condenação penal transitada em julgado.

5. A SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS E SUAS CONSEQUÊNCIAS PARA A RESSOCIALIZAÇÃO

Mais uma vez, inicialmente, cumpre destacar que os direitos políticos previstos no art. 15, da CF/88, tido como um direito fundamental, possibilita uma ampliação de tal dispositivo, já que dentro desses direitos políticos garantidos ao cidadão, estão inclusos justamente a elegibilidade e o ato do voto direto e secreto.

Já no tocante ao debatido art. 15, III, da CF/88, Carvalho (2021) aconselha que haja uma interpretação restritiva, haja vista a falta de clareza do legislador no texto do dispositivo constitucional, principalmente, no que diz respeito o direito de voto.

Roig (2018) apud Carvalho (2021) aponta que não é acertada a proibição do ato de votar aos condenados penalmente, ressalvados os casos em que englobem a área política e administrativa pública. O autor afirma que a suspensão dos direitos políticos torna-se um instrumento constitucionalizado de “estigmatização e seletividade”, aumentando a lacuna abissal entre o cárcere a vida pós liberdade.

Para muitos doutrinadores, a exemplo de Beccaria e Rousseau, a suspensão dos direitos políticos, mesmo que temporária, representa uma espécie de “morte civil”, dado a imposição de exclusão do condenado da vida pública, por meio da sua destituição formal da cidadania, e ainda, consolidando um estigma de apátrida (CARVALHO, 2021).

Nesse contexto, Machado (2015), disserta:

“(...) a incapacidade eleitoral automática, enquanto pressuposto necessário da condenação, poderá contrariar as exigências de prevenção. Pense-se na ressocialização do delinquente, seja na qualidade de recluso, seja na qualidade de condenado; por estar em causa qualquer tipo de crime, nada garante que a imposição automática da incapacidade de voto apareça associada ao tratamento das tendências individuais que conduziram ao crime no caso concreto (pág. 06)

Para o autor, mesmo que se defenda a tese de que tal suspensão vise promover algum efeito no sentido de defesa social ou até mesmo a segurança, a suspensão ao ato de votar não traz nenhuma efetividade de neutralização da periculosidade do agente delinquente ou mesmo de que ele volte a reincidir. Pelo contrário, podendo ter, automaticamente, como formalmente e generalizada é imposta, resultar em um efeito estigmatizante contrário à ressocialização.

Assim sendo, visando a ressocialização, tão necessária no Brasil, onde a população carcerária tem aumentado ano após ano, e com o advento da Lei de Execução Penal, passou a ser buscada e objetivada dentro do ordenamento jurídico pátrio, sublinha-se que deve haver uma correspondência entre o crime praticado e as consequências jurídicas, construindo uma ideia de adequação e necessidade para a sanção imposta ao agente delinquente.

Nessa discussão, é importante ressaltar que o direito penal radica sob dois elementos basilares: a tutela de bens jurídicos no caso concreto e na restauração da paz social retirada pela prática criminosa específica, ou seja, o nexo causal entre a suspensão dos direitos políticos e o crime praticado deve existir, conforme defende Moreira (2007) apud Machado (2015), ao propor como exemplo “crimes relacionados com deveres da cidadania ou com responsabilidade política”

De fato, a suspensão dos direitos políticos passivos do condenado, enquanto perdura os efeitos de sua condenação é algo justificável, conforme aponta Pontes de Miranda (1967), dado a idoneidade cívica do condenado para ser eleito a um cargo público, não podendo ter o mesmo entendimento quanto ao ato ativo de votar, dado seu caráter pessoal e secreto de contribuição ao poder político fundamental à democracia (MACHADO, 2015).

O próprio Código Penal disciplina que o sistema penal brasileiro seja progressivo, onde o condenado inicia a sua pena no regime fixado em sentença transitada em julgado, e por meio de requisitos cumulativos, vai progredimento de um regime mais gravoso para o menos gravoso, até o término da pena, e em cada um dos regimes, do fechado ao livramento condicional, o trabalho formal é garantido como um direito do apenado, bem como requisito para distanciamento do ambiente carcerário, buscando a efetiva reinserção social, conforme previsto nos arts. 33, 36 e 83, do Código Penal pátrio.

Porém, a ressocialização do condenado na sociedade, principalmente no mercado de trabalho formal não é direito utópico, dado a situação de vulnerabilidade do apenado nos regimes semiaberto, aberto ou no livramento condicional. Nesse contexto, muitas têm sido as estratégias e programas desenvolvidos pelos governos e órgãos de segurança pública para facilitar o egresso do condenado ao emprego formal, a exemplo do programa seloresgate, criado em 2017, pelo Ministério de Segurança Pública, através da portaria 630, que objetiva dá maior visibilidade as empresas que ofertem vagas de trabalho aos condenados.

Nesse contexto, a suspensão dos direitos políticos surge como uma agravante dificultoso, haja vista a necessidade/exigência de documentação básica para o ingresso no mercado de trabalho, entre elas a certidão de quitação eleitoral.

Além disso, a irregularidade junto a Justiça Eleitoral acarreta também, na maioria das vezes, em restrição junto à Receita Federal, deixando o Cadastro da Pessoa Física (CPF) pendente de regularização ou suspenso, não podendo assim o portador condenado abrir e movimentar conta bancária, tirar passaporte, realizar financiamento, abrir empresa, adquirir ou vender imóveis, entre outras atividades pertinentes a vida civil.

Assim, por fim, com base no art. 15, III, da CF/88, os direitos políticos do condenado só serão reestabelecidos após o cumprimento integral da sentença condenatória, devendo ainda, a prolação de sentença de extinção da punibilidade e sua posterior remessa ao Tribunal Superior Eleitoral, impondo assim aos presos, a situação de vulnerabilidade do mercado de trabalho informal, com baixa remuneração, não podendo participar das decisões políticas, subjugado socialmente, e bem mais fácil de permanecer ou reincidir ao mundo dos crimes.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto, em consonância com os fatos narrados e do amparo teórico apresentados ao longo do presente trabalho, chegamos à esse tópico finalístico com a discussão de uma proposta de possível solução para o objeto em debate, qual seja, da pena extrapenal suspensiva dos direitos políticos, através da chamada mutação constitucional.

Historicamente, o Brasil é regido pelas normas estabelecidas pela Constituição, sendo a última promulgada no ano de 1988, a qual preceitua direitos e garantias fundamentais norteadoras do Estado democrático de direito brasileiro. Entretanto, a Carta Magna, como também é conhecida a CF/88, não é um documento imutável e absoluto, possuindo lacunas e disponibilizando ao Poder Legislativo propor alterações de acordo com as necessidades impostas a bem social.

Nesse contexto, a mutação constitucional, a qual consiste em um fenômeno jurídico de atribuição de novo entendimento sem que haja a efetiva alteração no texto formal, por meio da aplicação congruente e condescendente no caso concreto, com foco no direito de maneira estendida e direcionada.

No tocante à disposição da suspensão dos direitos políticos preceituada no art. 15, III, da CF/88, conforme expõe Carvalho (2015), o legislador não especifica quais dos direitos políticos devem ser obrigatoriamente e automaticamente suspensos, abrindo assim, a possibilidade de adequação do entendimento em benefício dos condenados, população essa, amplamente marginalizada e com amplos direitos básicos violados, na maioria das vezes, até mesmo antes da prática criminal originária da sua condenação.

Assim sendo, diante dessa ausência de especificidade dos direitos políticos a serem suspensos e da falta de fundamentação que demonstre a idoneidade que assevere a manutenção não exercício ato suspensivo de votar por parte dos condenados, a mutação constitucional surge como o instrumento legal mais fácil de solução ao problema, considerando para tanto que até hoje, a suspensão prevista no art. 15, III, da CF/88, no tocante aos direitos políticos ativos vigorem, não passam de pressupostos meramente éticos e morais, não cabendo, no nosso entendimento, mais a sua manutenção no ordenamento jurídico, dada a realidade amplamente discutida no presente estudo.

Aqui é importante ressaltar que o direito político passivo, estabelecido no texto constitucional, compreendido como o direito do condenado ser eleito a cargo político, não entra no âmbito da propositura da mutação constitucional, haja vista ter inclusive um reforço por lei complementar de nº 135/2010 (Lei da Ficha Limpa), que disciplina as condições de elegibilidade, dentre eles, o candidato não está cumprindo pena, indo de encontro com o entendimento literal do art. 15, III, da CF/88.

Em sentido diverso, o direito político ativo por parte do condenado, não implica em nenhum malefício a sociedade, dado a mesma não ser parte interessada em tal reprimenda. Já para o condenado, que tem total interesse em participar da política nacional, torna-se parte prejudicada por tal suspensão, dados os prejuízos oriundos da sua irregularidade eleitoral explanados no item anterior do presente estudo.

Nesse contexto, em detrimento dos prejuízos sociais, morais e de direitos fundamentais ao condenado, ocasionados pela suspensão do voto, e diante da omissão da CF/88 em não diferenciar os direitos políticos a serem suspensos por condenação penal, bem como não existir lei complementar que venha a retificar tal impedimento político ativo, possibilita aqui, a propositura da mutação constitucional que direcione a interpretação do art. 15, III, da Carta Magna, para manter apenas a suspensão dos direitos políticos passivos, como amplamente defendido por doutrinadores e juristas contemporâneos, tratados aqui.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Código Penal. Decreto Lei nº 2.848, publicado em 07 de dezembro de 1940, disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decretolei/del2848compilado.htm, acesso em 01/11/2023.

BRASIL. Constituição Federal. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm, acesso em 02/11/2023.

BRASIL, Lei de Execução Penal, Lei nº 7.210 de 11 de julho de 1984, disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm, acesso em 02/11/2023.

CARVALHO, Andreza Ribeiro. Efeitos extrapenais da sentença condenatória a suspensão dos direitos políticos e seus impactos na ressocialização. Disponível em https://repositorio.pucgoias.edu.br/jspui/bitstream/123456789/1879/1/TCC%20Andreza.pdf. Acesso em 02/11/2023.

GRECO, Rogerio. Código Penal Comentado. 6. ed. Niteroi, RJ: Impetus, 2020.

MACHADO, Pedro Sá. Efeitos da condenação e direito de voto (num brevíssimo divagar à procura da justiça do caso concreto). Ballot. Rio de Janeiro: UERJ. Volume 1 Número 2 Setembro/Dezembro 2015. pp. 71-81. Disponível em: http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/ballot. Acesso em 05/11/2023.

Neves, A. Castanheira, “Metodologia jurídica. Problemas fundamentais”, Stvia Ivridica 1, Boletim da Faculdade de Direito, 1ª edição (reimpressão), Coimbra: Coimbra Editora, 2013

NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 15. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro, v. 1: Parte Geral, arts. 1.º a 120. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

SANGUINÉ, Odone. Prisión provisional y derechos fundamentales, Valencia: Tirant loblanch, 2012.

SILVA, Bruna de Linhares. Et. al. DOS EFEITOS DA CONDENAÇÃO E DA REABILITAÇÃO: uma análise acerca das implicações da sentença condenatória e da eficácia da reabilitação. Disponível em https://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/documentacao_e_divulgacao/doc_biblioteca/bibli_servicos_produtos/bibli_informativo/bibli_inf_2006/Rev-Fac-Dir-S.Bernardo_22.04.pdf. Acesso em 04/11/2023.

Sobre os autores
Rilawilson José de Azevedo

Dr. Honoris Causa em Ciências Jurídicas pela Federação Brasileira de Ciências e Artes. Mestrando em Direito Público pela UNEATLANTICO. Licenciado e Bacharel em História pela UFRN e Bacharel em Direito pela UFRN. Pós graduando em Direito Administrativo. Policial Militar do Rio Grande do Norte e detentor de 19 curso de aperfeiçoamento em Segurança Pública oferecido pela Secretaria Nacional de Segurança Pública.

Gilberto Leandro Dutra

Acadêmico do curso de Direito da Faculdade Católica Santa Teresinha em Caicó/RN.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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