O intituto do perdão judicial no Direito Penal Brasileiro

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RESUMO

É importante destacar que o perdão judicial não é um instituto aplicável a qualquer crime, mas tão somente a pré determinados crimes previstos em Lei. Quanto à natureza jurídica da decisão que concede o perdão judicial, o STJ já se manifestou por meio da súmula 18, ao definir que a sentença concessiva de perdão judicial terá natureza declaratória da extinção da punibilidade, não subsistindo qualquer efeito condenatório. Tendo em vista que o perdão judicial não é um direito absoluto de todos os réus, devendo o juiz analisar sua possibilidade de aplicação caso a caso. Haver a adequação da ação ao tipo, descritivo e valorativo, salvo quando existam permissões legais para a realização do injusto penal. Revisar a narrativa da literatura realizada em novembro de 2023, partindo do levantamento de artigos no Google Scholar por meio dos descritores “Perdão judicial” , “Punibilidade” , “Sentença concessiva” , “Lesão corporal” e “Infração”.

Os resultados obtidos demonstram que para que ocorra a extinção da punibilidade de um acusado, deve-se, primeiro, averiguar qual das causas está presente no caso concreto. No caso de renúncia, perdão, retratação do acusado e perdão judicial, tais situações também devem ser verificadas nos autos, com o cumprimento dos requisitos específicos de cada uma delas, para depois passar pelo crivo judicial e ter a extinção da punibilidade decretada. Desta forma, nas demais hipóteses, deve-se verificar se estão cumpridos os requisitos autorizativos da medida em cada caso.

O Código Imperial dispunha que o perdão concedido pelo Poder Moderador não isentava o acusado de proceder à reparação do dano. Tal princípio impregnou também o perdão judicial - instituto diverso, porém afim - na forma que hoje o conhecemos, de modo que o beneficiário da mercê também não se exime de reparar civilmente o dano causado.

Palavras – Chaves: Perdão Judicial. Punibilidade. Infração. Sentença Concessiva

INTRODUÇÃO

O perdão judicial não é um direito absoluto de todos os réus, devendo o juiz analisar sua possibilidade de aplicação caso a caso. Em situações semelhantes à exposta acima, envolvendo ascendente, descendente, cônjuge ou irmão, certamente que o perdão será um direito subjetivo do réu. No entanto, em outros casos, envolvendo algum amigo ou parente distante, o perdão se torna uma faculdade do magistrado, devendo este analisar se é viável ou não a aplicação da pena. (BARBOSA, p.63, 1991).

Para fundamentar esse pensamento, será relatado o Art. 129 do Código Penal:

Art. 129 § 8º “O perdão judicial também está previsto para os casos de lesão corporal culposa, desde que presentes os mesmos requisitos do art. 121, § 5º do Código Penal (as consequências de a infração atingir o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária).” (NUCCI, p. 1293, 2019).

O instituto do perdão judicial somente viu-se instituído em nosso ordenamento jurídico com o advento do Código Penal de 1.940. Contudo, este diploma apenas tratou do instituto em sua Parte Especial. “Os casos eram esparsos, não havia nada que justificasse teoricamente ou doutrinariamente a presença do Perdão Judicial no Código e nem sequer havia menção à nomenclatura Perdão Judicial” - MARCELO FORTES BARBOSA . Somente com a reforma da parte geral em 1.984 é que o instituto passou a ter uma concreta disciplina legal, a qual, todavia, ainda peca em muitos pontos, deixando espaços para entendimentos os mais diversos pelos mais variados operadores do Direito. (BARBOSA, p.63, 1991).

As hipóteses legais de aplicação instituto previstas originalmente no Código de 1.940 foram posteriormente ampliadas, passando a abranger também o homicídio culposo e lesões corporais culposas pela Lei 6.416, de 1.977, o parto suposto pela Lei 6.898, de 1.981, a receptação pela Lei 9.426, de 1.996, e, finalmente, a apropriação indébita previdenciária e sonegação de contribuição previdenciária. (BARBOSA, p.63, 1991).

O CÓDIGO CRIMINAL DO PERDÃO JUDICIAL

Mesmo proclamada a independência do país, a 07 de setembro de 1.822, o sistema repressor pátrio permaneceu regido pelo Livro V das Ordenações Filipinas. Noticia ANÍBAL BRUNO que “a lei de 27 de setembro de 1.823 revigorou as disposições do Livro V das Ordenações, e a lei de 20 outubro do mesmo ano restabelecia penas graves cominadas naquele Livro”. Mas a alteração dessa situação era algo que se impunha. CIRILO VARGAS relata que:

“O sentimento de autonomia, de término da humilhante condição de colônia e da necessidade mesma de uma codificação penal que afastasse o primitivismo das idéias contidas no Livro V das Ordenações Filipinas, impunham a feitura de um código brasileiro”. (BRUNO, p. 163-164, 1997).

No mesmo sentido, Aníbal Bruno (1997) noticia que:

“Proclamada a independência do país, duas ordens de motivos viriam contribuir para a substituição das velhas Ordenações: de um lado, a situação de vida política autônoma da nação, que exigia uma legislação própria, reclamada mais ainda pelo orgulho nacional e a animosidade contra tudo o que podia lembrar o antigo domínio; do outro lado, as ideias liberais e as novas doutrinas do Direito, do mesmo modo que as condições sociais do tempo, bem diferentes daquelas que as Ordenações foram destinadas a reger”. (BRUNO, p. 163-164, 1997).

Além destes fatores históricos, some-se que a própria Constituição do Império, outorgada em 1.824, impunha, em seu art. 179, § 18, a urgente organização de “um Código Criminal, fundado nas sólidas bases da justiça e da igualdade”. Para ZAFFARONI e PIERANGELI : “Era, pois, sob a ótica das idéias iluministas, que provinham de outras regiões, e que aqui se encontravam presentes, inclusive no espírito do Imperador, que deveria se alicerçar a primeira codificação penal brasileira”. (ZAFFARONI, p. 216, 1999).

Os trabalhos no sentido da elaboração deste primeiro Código Criminal brasileiro são assim noticiados por ANÍBAL BRUNO: Da elaboração do novo Código passou a ocupar-se a Câmara dos Deputados desde a sessão de 04 de maio de 1.827, quando BERNARDO PEREIRA DE VASCONCELOS apresentou o seu projeto, que havia se servir de fundamento à preparação do Código. A este seguiu-se o trabalho de JOSÉ CLEMENTE PEREIRA, que a 15 do mesmo mês oferecia um projeto de bases para a formação do Código e, no dia seguinte, o projeto mesmo do Código Criminal, projeto que, embora aceito e louvado como o de BERNARDO DE VASCONCELOS, pouco veio a influir sôbre a redação final. (BRUNO, p. 163-164, 1997).

Proferido pela Comissão da Câmara o projeto VASCONCELOS, sobre este assentaram os trabalhos da comissão mista da Câmara e do Senado e, por fim, o projeto que saiu desta Comissão e que, estudado por outra de três membros, discutido e emendado, veio a aprovar-se a 23 de outubro de 1.830 e a ser sancionado como Código Criminal do Império da 16 de dezembro seguinte”. Pois bem. Entre diversas disposições trazidas a lume pelo Código Criminal do Império, interessa-nos, aqui, apenas uma. Vejamos: “Art. 66. O perdão ou minoração das penas impostas aos réos com que os agraciar o Poder Moderador não os eximirá da obrigação de satisfazerem o mal causado em toda sua plenitude”. (ZAFFARONI, p. 216, 1999).

Isto porque se mesmo sendo agraciado o Réu com o perdão, ainda assim subsistia a obrigação de reparação cível do dano. Ou seja, perdoava-se o crime, eximindo o acusado da pena, mas preservava-se os interesses das vítimas, vez que o dano haveria de ser reparado, nada obstante a mercê concedida. (BEMFICA, p. 65, 1969).

Este aspecto, outrora presente no Código Imperial, é uma marca atribuída unanimimente ao perdão judicial tal qual o conhecemos atualmente. Revela importante preocupação com as vítimas, e separa, sabiamente, as esferas relativas ao direito de punir - do qual o Estado abre mão - e ao dever de indenizar - o qual preserva-se, em atenção aos interesses das vítimas. Todavia, não podemos deixar de ressaltar que o perdão judicial é ato privativo do Magistrado, enquanto que o perdão versado no Código Imperial era concedido pelo “Poder Moderador” - um quarto poder exercido pelo imperador, assessorado pelo Conselho de Estado, e que era uma forma de interferência o imperador nos poderes judiciário e legislativo. Por vários aspectos, dentre eles esta preocupação com a situação da vítima mesmo diante do perdão pelo poder Moderador, foi o Código Criminal de 1.830 bastante elogiado. BEMFICA relata que: “Foi o quinto Código Penal do mundo e, de certa forma, original. (...) Reivindicamos para nós a honra de haver sido o nosso primeiro Código superior aos da maioria dos países mais importantes da época, servindo de modelo para muitos”. (BEMFICA, p. 65, 1969).

Certamente pelo fato de que a Constituição de 1.824 foi outorgada pelo imperador, trouxe aquela Carta Política a instituição de quatro poderes: Executivo, Legislativo, Judiciário e Moderador. Tanto o poder Executivo quanto o Moderador eram exercidos pelo imperador. BEMFICA, Francisco Vani, Curso de Direito Penal, São Paulo: Centrais Impressoras Brasileiras, 1.969, v. 1, p. 65. (BEMFICA, p. 65, 1969).

PERDÃO JUDICIAL DA EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE

Conceitua-se o delito após a evolução dos sistemas clássico, neoclássico e finalista, como a ação típica e antijurídica (injusto), praticado por autor, culpável. Seus elementos analíticos componentes são a tipicidade, a ilicitude e a culpabilidade. Deve haver a adequação da ação ao tipo, descritivo e valorativo, salvo quando existam permissões legais para a realização do injusto penal, o qual deverá ser reprovável ao autor, desde que seja imputável, possua consciência potencial da ilicitude, não lhe sendo razoável conduta diversa. Assim, coloca-se a punibilidade não como requisito, mas como consequência jurídica do ilícito penal (possibilidade de imposição ou execução da sanção penal).(MAYRINK, 2020).

Assim, cessa a punibilidade do ato em razão de certas contingências ou por motivos vários de conveniência ou oportunidade política. Extingue-se a pretensão punitiva impedindo a persecutio criminis, ou fazendo com que a condenação imposta se torne inexistente. Sabe-se que quando há a realização típica surge para o Estado o direito subjetivo de impor ao autor do injusto penal uma sanção específica como consequência jurídica da violação da norma penal.(MAYRINK, 2020).

Porém, em determinadas situações, extingue-se a punibilidade e por consequência o Estado vê desaparecer a pretensão punitiva à punição, isto é, a possibilidade jurídica de impor uma sanção pela violação da norma penal. O injusto não desaparece como ente jurídico, visto que, extinto, ainda continua a produzir vários efeitos jurídicos. É certo que, mesmo na hipótese da novatio legis, em que desaparece o injusto penal, permanecem os efeitos civis, não deixando de ser uma causa extintiva da punibilidade.(MAYRINK, 2020).

A extinção da punibilidade configura o desaparecimento do ius puniendi estatal em relação a atos configurativos de injustos penais, diante da ocorrência e acontecimentos determinados por norma legal como causas extintivas da punibilidade. Registre-se que a causa extintiva da punibilidade está locada na Parte Geral e a escusa absolutória, na Parte Especial do Código Penal.(MAYRINK, 2020).

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As escusas legais absolutórias são circunstâncias ditadas pelo princípio da utilidade pública e possuem o escopo básico de excluir a punibilidade do autor do injusto penal, quando relacionadas: a) à sua qualidade pessoal; à própria atividade extratípica; à atividade de um terceiro; à situação do cometimento factual, sem que estejam vinculadas diretamente com a conduta reprovável do autor.

Cogita-se de causas especiais de exclusão da pena que assinalam teologicamente um tipo comum que se funda na conduta socialmente danosa e reprovável, que deve ser reprimida pelo Estado, que perde o interesse de aplicar a pena pela ratio do interesse predominantemente específico.(MAYRINK, 2020).

Em nossa legislação, cita-se o art. 181 do Código Penal (imunidades absolutas), que prevê a isenção da pena (pessoal e objetiva) relativa aos delitos patrimoniais, quando praticados em prejuízo:

a) do cônjuge, na constância da sociedade conjugal; b) de ascendente ou descendente, seja o parente legítimo ou ilegítimo, civil ou natural. Deixa-se de aplicar o favor legis em duas hipóteses: a) se o injusto é do tipo de roubo ou extorsão ou, em geral, quando haja emprego de grave ameaça ou violência à pessoa; b) ao estranho que participa do delito. Ainda é prevista a relação de parentesco no favorecimento pessoal excluindo-se a pena (art. 348, § 2º, CP), cuidando-se de estratégia de política criminal.(MAYRINK, 2020).

As causas extintivas da punibilidade se classificam em: a) gerais e especiais, as primeiras abarcam todos os injustos penais, ao passo que, as segundas, a determinadas categorias; b) comunicáveis e incomunicáveis, conforme se comuniquem (perdão aceito, abolitio criminis, decadência, perempção, renúncia ao direito de queixa, retratação, nos casos em que a lei admite) ou não (a morte, o perdão judicial, a graça, o indulto, a anistia observado o caso, a retratação do querelado na calúnia e difamação) aos coautores ou partícipes do delito.(MAYRINK, 2020).

Quanto aos efeitos, variam em relação ao momento em que ocorrem. Podem acontecer antes da sentença final ou depois da sentença condenatória passada em julgado. Se ocorrer antes da sentença passada em julgado, haverá a prescrição da pretensão punitiva, ao passo que, se ocorrer depois de transitada em julgado, ocorrerá a prescrição da pretensão executória.(MAYRINK, 2020).

Se a causa extintiva da punibilidade ocorre antes da sentença final, vindo a cometer novo crime, não haverá reincidência, embora portador de maus antecedentes. Contudo, se a causa ocorrer depois do trânsito em julgado do decisum condenatório, vindo o agente a cometer novo crime, será reincidente.(MAYRINK, 2020).

Nas hipóteses de abolitio criminis e anistia, mesmo ocorrendo após o trânsito em julgado da condenação, há retroatividade para atingir a pretensão punitiva, visto que, por exceção, a causa resolutiva do ius puniendi apaga o ato punível e rescinde a sentença irrecorrível. A possibilidade de o Estado impor a sanção como consequência jurídica do injusto é que se denomina punibilidade.(MAYRINK, 2020).

3. A LEI N. 6.416 / 77

Em 1.977 sobreveio a Lei nº. 6.416, que inaugurou novas hipóteses de perdão judicial, alargando a aplicação do instituto também aos crimes de homicídio culposo e lesões corporais culposas. (ZAFFARONI, p.223-223, 1999).

“Como resposta mínima a um clamor generalizado da opinião jurídica do país, materializou-se a Lei 6.416, de 24/05/1977”. Este clamor viu-se gerado justamente pela atabalhoada tentativa de inovação em que se transformou o CP de 1.969. (ZAFFARONI, p.223-223, 1999).

Todos os adiamentos e o final abandono da proposta causaram indignação, a qual viu-se aplacada com a pequena reforma logo trazida pela Lei 6.416/77. Veja-se a notícia histórica que nos passa PAULO TORVO: “Quando o Projeto de Lei nº. 2/77 - hoje Lei nº. 6.416/77 - tramita no Congresso Nacional, o deputado José Bonifácio Neto apresentou a emenda nº. 27, acrescentando um inciso X ao art. 108, do CP de 1940, nos termos seguintes: Art. 108 - Extingue-se a punibilidade: X - pelo perdão judicial, quando do fato decorram graves consequências desfavoráveis, físicas ou morais, de tal ordem que a imposição de uma pena apareça ao juiz como desnecessária. (ZAFFARONI, p.223-223, 1999).

Este dispositivo é inaplicável aos crimes cuja pena mínima seja superior a um ano. Tal emenda foi criticada pelo parecer da comissão mista do Congresso Nacional, sub-mendada e, a final, resultou desdobrada no atual § 5º., do art. 121, e § 8º., do art. 129, do CP”. (ZAFFARONI, p.223-223, 1999).

Vemos, pois, que a proposta inicial era muito mais ousada do que o texto aprovado pelo legislador. Conquanto seja aquela semelhante à solução adotada pelo § 60 do CP Alemão, diferem-se na medida em que o limite de um ano para dispensa de pena alhures é feito com base na pena fixada na sentença, enquanto aqui sugeriu-se fosse feito com base no mínimo legal abstratamente cominado ao delito. (ZAFFARONI, p.223-223, 1999).

A diferença é gritante. Nada obstante, este diploma legou representou grande avanço do instituto do perdão judicial entre nós, já que anteriormente “O Direito brasileiro abria suas portas para a incidência do instituto apenas em delitos de insignificância ou inexpressividade penal”. (ZAFFARONI, p.223-223, 1999).

EXTINÇÃO DE PUNIBILIDADE

A punibilidade surge a partir da prática de um crime por um agente, momento este em que nasce, para o Estado, a possibilidade de punir o responsável. Por sua vez, a extinção da punibilidade é a perda da pretensão punitiva do Estado, de modo que não há mais a possibilidade de impor uma pena ou sanção ao réu. A legislação impõe uma série de hipóteses que, quando comprovadas, impedem o Estado de prosseguir com o processo criminal.(FRAGOSO, 2003).

O Código Penal é a legislação responsável por contemplar as principais causas de extinção da punibilidade. Elas estão previstas, em sua maioria, em seu art. 107, mas também são encontradas na parte especial do Código, em parágrafos de crimes específicos. Um exemplo é a causa de extinção de punibilidade para o crime de peculato culposo, caso o agente repare o dano antes da sentença (art. 312, §3º, CP).(FRAGOSO, 2003).

Além disso, vale destacar que o rol do CP é exemplificativo, uma vez que existem leis esparsas que preveem e regulam crimes não previstos nele, e que podem conter suas próprias causas de extinção da punibilidade. É o caso, por exemplo, da extinção da punibilidade nos crimes tributários previstos na Lei nº 8.137/90, quando o pagamento do tributo for efetuado antes do recebimento da denúncia (art. 34 da Lei 9.249/95).(FRAGOSO, 2003).

Para que ocorra a extinção da punibilidade de um acusado, deve-se, primeiro, averiguar qual das causas está presente no caso concreto. Por exemplo, se houve o falecimento do réu, para que seja decretada a extinção de sua punibilidade deve ser apresentada a certidão de óbito do mesmo. Na sequência, a ação penal deverá ir para análise do juiz, que poderá decretar a extinção. (FRAGOSO, 2003).

Desta forma, nas demais hipóteses, deve-se verificar se estão cumpridos os requisitos autorizativos da medida em cada caso. Para anistia, graça ou indulto, deve haver uma lei federal ou um decreto que autorize, para depois passar pela análise do juiz. (FRAGOSO, 2003).

No caso do abolitio criminis, deve existir uma lei que deixa de considerar crime uma determinada conduta. Para decretar a extinção da punibilidade em razão de prescrição ou decadência, deve haver o transcurso de um prazo legal que impede a conduta do Estado ou da vítima. Já na perempção, deve ser verificada a inércia do ofendido. (FRAGOSO, 2003).

No caso de renúncia, perdão, retratação do acusado e perdão judicial, tais situações também devem ser verificadas nos autos, com o cumprimento dos requisitos específicos de cada uma delas, para depois passar pelo crivo judicial e ter a extinção da punibilidade decretada. (FRAGOSO, 2003).

A morte é definida legalmente pela Lei nº 9.434/97, a qual entende que, com a cessação da atividade cerebral, há ocorrência do falecimento. Neste momento, a morte deve ser declarada e registrada no Cartório de Registro Civil. Somente com o seu registro é possível comprovar, no processo judicial, que o acusado faleceu e que não persiste mais o direito do Estado de puni-lo. (FRAGOSO, 2003).

Essa causa de extinção da punibilidade está de acordo com o previsto no art. 5º, inciso XLV, da Constituição Federal, que preconiza que “nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido”. (FRAGOSO, 2003).

Assim, somente eventuais obrigações de cunho civil poderão, sim, subsistir e ser transmitidas aos sucessores do acusado; mas, por conta da sua morte, não há como impor um cumprimento de pena de natureza criminal a ele. (FRAGOSO, 2003).

Vale destacar, ainda, que a morte é causa personalíssima de extinção de punibilidade, aplicando-se somente ao agente falecido, e não se comunica aos demais coautores ou partícipes do crime. Além disso, ela pode ser comprovada e aplicada em qualquer momento da persecução penal, desde a etapa investigativa até o processo criminal e execução da pena. (FRAGOSO, 2003).

A POSIÇÃO DO STJ SOBRE O TEMA

O Superior Tribunal de Justiça não vem impondo resistência à tese de aplicabilidade do perdão judicial aos crimes de trânsito.Para a Corte, "ainda que o Código de trânsito não preveja expressamente hipóteses de perdão judicial, entende-se que o diploma admite a aplicação analógica do instituto aos delitos de homicídio e lesão corporal, ambos na modalidade culposa, por inteligência das razões de veto impostas ao diploma". (DELMANTO, p. 311-316, 1979).

Recentemente, ainda que o caso concreto não tratasse sobre a prática de crime de trânsito, o Tribunal da Cidadania firmou posição no sentido de não haver "empecilho a que se aplique o perdão judicial nos casos em que o agente do homicídio culposo — mais especificamente nas hipóteses de crime de trânsito — sofra sequelas físicas gravíssimas e permanentes, como, por exemplo, ficar tetraplégico, em estado vegetativo, ou incapacidade para o trabalho".Como se observa, a causa de extinção da punibilidade em estudo é perfeitamente aplicável aos crimes de trânsito, notadamente àqueles contidos nos artigos 302 e 303 do CTB. (DELMANTO, p. 311-316, 1979).

De todo modo, o STJ tem exigido a demonstração de um "vínculo, um laço prévio entre os envolvidos", pois, "entender pela desnecessidade do vínculo seria abrir uma fenda na lei, que se entende não haver desejado o legislador, pois, além de difícil aferição — o tão grave sofrimento — serviria como argumento de defesa para todo e qualquer delito de trânsito, com vítima fatal". (DELMANTO, p. 311-316, 1979).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conquanto sua efetiva presença no ordenamento jurídico brasileiro tenha se dado apenas a partir do Código Penal de 1.940, o instituto do perdão judicial no nosso sistema repressor tem suas origens enraizadas no Código Criminal do Império, de 1.830. 2). O Código Imperial dispunha que o perdão concedido pelo Poder Moderador não isentava o acusado de proceder à reparação do dano. Tal princípio impregnou também o perdão judicial - instituto diverso, porém afim - na forma que hoje o conhecemos, de modo que o beneficiário da mercê também não se exime de reparar civilmente o dano causado. (MARTINELLI, p. 1282, 2021).

Diante do exposto, nota-se que a extinção da punibilidade é um instrumento legal por meio do qual não é mais possível punir um agente criminoso. A depender do caso, serão extintos todos os efeitos provenientes de uma sentença penal, enquanto, em outros, ainda é possível buscar indenizações na justiça cível, por exemplo. É de suma importância, portanto, que os advogados criminalistas conheçam o instituto em comento, a fim de saber quando é cabível, quando solicitá-lo e quando ele pode ser comunicado com outros participantes do delito. (MARTINELLI, p. 1282, 2021).

REFERÊNCIAS

NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de Direito Penal: parte geral: arts. 1º a 120 do Código Penal [livro eletrônico] / Guilherme de Souza Nucci. – 3ª ed. – Rio de Janeiro:Forense,2019,p.1293.

MARTINELLI, João Paulo Orsini. Direito Penal parte geral: lições fundamentais / João Paulo Orsini Martinelli, Leonardo Schmitt de Bem. – 6ª ed - Belo Horizonte, São Paulo : D' Plácido, 2021, p. 1282.

DELMANTO, Celso, Perdão Judicial e Seus Efeitos, in Revista dos Tribunais, vol 524, pp. 311- 316, jun./1979.

BARBOSA, Marcelo Fortes, Do perdão judicial, in Revista do Advogado, n. 35, pp. 63-80, out./1991.

FRAGOSO, Heleno Cláudio, Lições de Direito Penal, Rio de Janeiro: Forense, 2003.

BRUNO, Aníbal, Op. Cit., p. 164. FARIA, Ricardo de Moura, História, Belo Horizonte: Ed. Lê, 1.993, p. 223.

BEMFICA, Francisco Vani, Curso de Direito Penal, São Paulo, 1.969, v. 1, p. 65.

BRUNO, Aníbal, Direito Penal, Rio de Janeiro: Forense, 1.959, Vol.1, Tomo I, p.162.

VARGAS, José Cirilo de, Instituição de Direito Penal, Belo Horizonte: Del Rey, 1.997, Tomo I, p.52

ZAFFARONI, Eugenio Raul; e PIERANGELI, José Henrique, Manual de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral, São Paulo: RT, 1999, p.216.

Sobre os autores
Rilawilson José de Azevedo

Dr. Honoris Causa em Ciências Jurídicas pela Federação Brasileira de Ciências e Artes. Mestrando em Direito Público pela UNEATLANTICO. Licenciado e Bacharel em História pela UFRN e Bacharel em Direito pela UFRN. Pós graduando em Direito Administrativo. Policial Militar do Rio Grande do Norte e detentor de 19 curso de aperfeiçoamento em Segurança Pública oferecido pela Secretaria Nacional de Segurança Pública.

Maria Vitória Dutra Dias Fernandes

Acadêmica do curso de Direito da Faculdade Católica Santa Teresinha em Caicó/RN.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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