O aumento do antissemitismo global ou o aumento das barbáries globais?

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O aumento do antissemitismo global não é de causar perplexo a ninguém. Explico. Mesmo com as condenações dos responsáveis pelo Holocausto Nazista houveram debates acirrados, até mesmo dos advogados dos réus nazistas, sobre a ilegitimidade do Tribunal de Nuremberg, pelos feitos também desumanos dos Aliados, como os bombardeios na cidade de Dresden ,na Alemanha.

No YouTube vários vídeos "engraçados" com o führer Adolf Hitler, desde jogos de futebol até provas (vestibular etc.). Alguns vídeos como:

  • Hitler descobre que Flamengo contratou Márcio Araújo;

  • Desabafo de Hitler-Hilário.

Se pensarmos nas atrocidades na Segunda Guerra Mundial, as pilhérias envolvendo o personagem führer não deveriam ser disponibilizadas. Por quê? Não seria uma "censura prévia"? Concordo, contudo, pensemos. Um estuprador dono de escravos. Vamos admitir que o personagem, fictício, seja chamado de Luís. O senhor de escravos Luís estuprou, com o consentimento do Estado (escravagista), mais de 30 mulheres negras, por serem suas "propriedades" — escravos e escravas, não importando suas idades, eram propriedades dos senhores e senhoras escravagistas. O personagem Luís é "ressuscitado" no século XXI. Vídeos sarcásticos sobre algum time de futebol, outros contra certos adversários políticos. Notem. Ao algoz de pessoas negras há uma nova roupagem de sua figura: antes cruel, agora engraçada.

Outro exemplo. Alguns dos sacerdotes judeus, ou Pôncio Pilatos, são "ressuscitados" no século XXI. Canais de streaming disponibilizam vídeos cujos personagens nos vídeos são os algozes de Jesus. Tais personagens são irônicos e raivosos contra os "politicamente corretos". Não há ataques aos seguidores do cristianismo, mas aos diversos outros personagens humanos. Seriam tais vídeos, com os sacerdotes e com Pilatos, "engraçados"? Seriam os conteúdos de intolerância e discursos de ódios ao colocar Pilatos ironizando Jesus? Não tão drástico quanto colocar sacerdotes judeus ironizando Jesus. Percebe-se que tudo depende do "ponto de vista" de cada pessoa conforme suas ideologias (política, religiosa, econômica etc.).

Vamos compreender "Não tão drástico quanto colocar sacerdotes judeus ironizando Jesus". O momento histórico-social é o crescimento do antissemitismo no Brasil. Colocar Pilatos ironizando Jesus não tem a mesma intensidade negativa, histórico-social, quanto colocar sacerdotes judeus ironizando Jesus. É o momento psicossocial das forças psíquicas e emocionais na atualidade.

Delineando particularidades com o antissemitismo e o Dia da Consciência Negra.

Hoje, Dia da Consciência Negra, as ironias. Por exemplo, no "X" (ex-Twitter) o perfil do Ministério Público Federal (MPF):

Banco do Brasil acata pedido do MPF e pede perdão ao povo negro por histórico de apoio a práticas escravistas.

Providências oficializadas hoje são resultado de trabalho da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão no Rio de Janeiro.

Muitos dos comentários feitos sobre a atuação do MPF foram de ironia, por não ser algo "relevante". Ora, como bem exposto por mim, a importância do valor da dignidade humana depende de quem avalia o valor da dignidade humana. Fazer vídeos com Hitler, ainda que não atacando os judeus, os LGBTQI+, as pessoas com necessidades especiais, os ciganos etc. — o Holocausto Nazista não foi somente contra os judeus —, fere coletividades de pessoas que sofreram perseguições, foram mortas. Compreender isso é também compreender o porquê de estátuas serem destruídas por movimentos sociais da etnia negra nos EUA. Estátuas homenageando escravagistas.

Importante. Há diferenças entre homenagear e contar fatos históricos. Tomemos como exemplo a LEI Nº 7.716, DE 5 DE JANEIRO DE 1989:

Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)

Pena: reclusão de um a três anos e multa.(Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)

§ 1º Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo. (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)

Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.(Incluído pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)

§ 2º Se qualquer dos crimes previstos neste artigo for cometido por intermédio dos meios de comunicação social, de publicação em redes sociais, da rede mundial de computadores ou de publicação de qualquer natureza:      (Redação dada pela Lei nº 14.532, de 2023)

Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.(Incluído pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)

§ 2º-A Se qualquer dos crimes previstos neste artigo for cometido no contexto de atividades esportivas, religiosas, artísticas ou culturais destinadas ao público:       (Incluído pela Lei nº 14.532, de 2023)

Pena: reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e proibição de frequência, por 3 (três) anos, a locais destinados a práticas esportivas, artísticas ou culturais destinadas ao público, conforme o caso.     (Incluído pela Lei nº 14.532, de 2023)

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Estudos acadêmicos sobre o nazismo não podem ser censurados. Uma peça teatral com os símbolos do nazismo somente deve ser proibida pelo Estado quando há apologia ao Nazismo. Ora, se o nazismo é a expressão máxima da objetificação da dignidade humana, tudo que possa coisificar ou instrumentalizar a dignidade humana deve ser também repudiado. Alhures disse que ter vídeos de forma que o füherer passa a ser engraçado, ainda que não faça menções aos judeus, LGBTQI+, pessoas com necessidades especiais, ciganos etc., é totalmente inaceitável.

Uma diferenciação, oportuna, quanto aos crimes nos direitos humanos.

Bruno Fernandes das Dores de Souza cumpriu sua sentença. Aplicando o que disse sobre Hitler, aplicar-se-ia ao Bruno? Bruno Fernandes das Dores de Souza cumpriu sua sentença. O crime que cometera é muito, mas muito diferente dos crimes praticados por Hitler e os nazistas. Não há uma legião de seguidores de Bruno para matar mulheres. Houve uma tragédia no caso Bruno. Hitler queria o genocídio de pessoas. Se Bruno incitasse seus seguidores ao homicídio de mulheres, aí sim a proibição da divulgação e a sua posterior condenação. Bruno "pagou" o mal que fez e está tentando construir uma nova vida. Errou, cumpriu sua pena, e quer retornar ao seio social. Se Hitler fosse vivo, com certeza, mesmo cumprindo sentença, caso não fosse sentenciado à morte, não mudaria sua ideologia e seu comportamento de genocida. Eis a diferença entre um erro, de Bruno, e a continuação do erro, do nazismo.

Os vídeos com a figura de Hitler, ainda que não fazem apologias ao genocídio de judeus, ciganos, LGBTQI+, pessoas com necessidades especiais, comunistas, é bem diferente pela realidade que se apresenta no século XXI, o neonazismo. Aliás, já vinha desde a metade do século XX. Notem. Digitei "comunistas". Os comunistas também foram perseguidos pelos nazistas. Aqui se desdobra para o plano atual de rivalidades, acirradas, entre alguns religiosos e alguns "liberais" contra os "comunistas". Há uma formação psíquica para acabar com os "comunistas", na expressão literal da palavra "matar". Não deixa de ser apologia ao homicídio de pessoas consideradas "comunistas". Entre os "comunistas", sempre friso para entendimento, os advogados trabalhistas, os advogados consumeristas, enfim, qualquer advogado que advoga pelos direitos humanos.

Assim, podemos tranquilamente pensar que tudo que está em desconformidade com os direitos humanos deve ser rechaçado e, sim, proibido de divulgação. Sites de pedofilia permanecem quando são descobertos pelas autoridades? Não! Não se trata de censura estatal, mas de segurança para a sociedade e, principalmente, às crianças e aos adolescentes.

De tudo que disse, o ódio pode ser perpetuado, diretamente ou não. O ódio e o menosprezo podem ser camuflados pela escolha de um fato importante, mas para quem? Para específicas comunidades? Para específicas ideologias? Todo e qualquer crime, contra os direitos humanos, é universal (tratados internacionais e direitos humanos), e urge proteção da pessoa humana, independentemente de crença religiosa, etnia etc. Não há "menos relevante" quando há crime contra a pessoa humana.

O aumento do antissemitismo global é a ponta do iceberg dos aumentos de crimes contra a pessoa humana: honra, integridade física, liberdade individual. Impossível categorizar "menos relevante" quando há crime contra a pessoa humana. Se feito tal categorização teremos uma relativização da dignidade humana, formar-se-ão categoria de pessoas humanas, as "menos relevante" e as "mais relevantes". E a História já nos contou muito de tal relativização.

REFERÊNCIAS:

OAB-ES. Arbitrariedades no julgamento, condenação e morte de Jesus Cristo. Disponível em: https://www.oabes.org.br/noticias/arbitrariedades-no-julgamento-condenacao-e-morte-de-jesus-cristo-555724.html

REALE, Miguel. Lições preliminares de direito / Miguel Reale. — 27. ed. — São Paulo : Saraiva, 2002.

Sobre o autor
Sérgio Henrique da Silva Pereira

Articulista/colunista nos sites: Academia Brasileira de Direito (ABDIR), Âmbito Jurídico, Conteúdo Jurídico, Editora JC, Governet Editora [Revista Governet – A Revista do Administrador Público], JusBrasil, JusNavigandi, JurisWay, Portal Educação, Revista do Portal Jurídico Investidura. Participação na Rádio Justiça. Podcast SHSPJORNAL

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