Gustav Radbruch (21 de novembro de 1878 - 23 de novembro de 1949) foi um jurista e político alemão. Ele serviu como Ministro da Justiça da Alemanha durante o início do período de Weimar. Radbruch também é considerado um dos filósofos jurídicos mais influentes do século XX.
BIOGRAFIA:
Nascido em Lübeck, Radbruch estudou Direito em Munique, Leipzig e Berlim. Ele passou no primeiro exame da ordem ("Staatsexamen") em Berlim em 1901, e no ano seguinte recebeu seu doutorado com uma dissertação sobre "A Teoria da Causalidade Adequada". Isto foi seguido em 1903 por sua qualificação para lecionar Direito Penal em Heidelberg. Em 1904, foi nomeado professor de Direito Penal e Judicial e Filosofia do Direito em Heidelberg. Em 1914 ele aceitou um chamado para ser professor em Königsberg, e mais tarde naquele ano assumiu o cargo de professor em Kiel. [2]
Radbruch foi membro do Partido Social Democrata da Alemanha (SPD) e ocupou um assento no Reichstag de 1920 a 1924. Em 1921-22 e ao longo de 1923, foi ministro da justiça nos gabinetes de Joseph Wirth e Gustav Stresemann. Durante o seu mandato, foram implementadas uma série de leis importantes, como as que dão às mulheres acesso ao sistema de justiça e, após o assassinato do Ministro dos Negócios Estrangeiros Walther Rathenau, a Lei de Proteção da República, que aumentou as punições para atos de violência com motivação política e proibiram organizações que se opunham à "forma republicana constitucional de governo", juntamente com seus impressos e reuniões.[3]
Em 1926, Radbruch aceitou um novo chamado para lecionar em Heidelberg, onde proferiu sua palestra inaugural intitulada "Der Mensch im Recht (Imagem do Direito do Humano)" como o recém-nomeado Professor de Direito Penal em 13 de novembro de 1926. Após a tomada do poder pelos nazistas em janeiro de 1933, Radbruch, como ex-político social-democrata, foi demitido de seu cargo universitário nos termos da chamada "Lei para a Restauração da Função Pública Profissional" ("Gesetz zur Wiederherstellung des Berufsbeamtentums"). (As universidades, como organismos públicos, estavam sujeitas às leis e regulamentos da função pública.) Apesar da proibição de emprego na Alemanha nazista, durante 1935/36 ele pôde passar um ano em Inglaterra, no University College, Oxford. Um resultado prático importante disso foi seu livro, Der Geist des englischen Rechts (O Espírito do Direito Inglês), embora só pudesse ser publicado em 1945.[5] Durante o período nazista, dedicou-se principalmente ao trabalho histórico-cultural.
Imediatamente após o fim da Segunda Guerra Mundial em 1945, ele retomou suas atividades de ensino, mas morreu em Heidelberg em 1949, sem poder concluir a edição atualizada planejada de seu livro sobre Filosofia do Direito.
Em setembro de 1945, Radbruch publicou um pequeno artigo "Fünf Minuten Rechtsphilosophie (Cinco Minutos de Filosofia do Direito)", que foi influente na formação da jurisprudência de valores (Wertungsjurisprudenz), predominante no rescaldo da Segunda Guerra Mundial como uma reação contra o positivismo jurídico. [6][7][8]
OBRAS:
A Filosofia do Direito de Radbruch derivou do neokantianismo, que assume que existe uma clivagem categórica entre "ser" (sein) e o "dever ser" (sollen). De acordo com esta visão, “dever ser” nunca pode ser derivado de “ser”. Um indicativo da escola de neokantianismo de Heidelberg, à qual Radbruch subscreveu, foi o fato de ela interpolar os estudos culturais relacionados a valores entre as ciências explicativas (ser) e os ensinamentos filosóficos de valores (dever ser).
Em relação ao direito, esse triadismo se manifesta nos subcampos da Sociologia Jurídica, da Filosofia do Direito e do Dogma Jurídico. O Dogma Jurídico assume um lugar intermediário. Coloca-se em oposição ao Direito Positivo, uma vez que este último se retrata na realidade social e metodologicamente no sentido objetivo do “dever ser” do direito, que se revela através da interpretação baseada em valores.
O núcleo da Filosofia do Direito de Radbruch consiste em seus princípios: o conceito de direito e a ideia de direito. A ideia de direito é definida por uma tríade de justiça, utilidade e certeza. Radbruch fez com que a ideia de utilidade ou uso surgisse de uma análise da ideia de justiça. Nesta noção baseou-se a fórmula de Radbruch, que ainda hoje é vigorosamente debatida. O conceito de direito, para Radbruch, “nada mais é do que o fato dado, que tem o sentido de servir à ideia de direito”.
É muito controversa a questão de saber se Radbruch era um positivista jurídico antes de 1933 e executou uma reviravolta no seu pensamento devido ao advento do nazismo, ou se continuou a desenvolver, sob a impressão dos crimes dos nazistas, o ensino de valores relativistas que já havia defendido antes de 1933.
O problema da controvérsia entre o espírito e a letra da lei, na Alemanha, voltou a chamar a atenção do público devido aos julgamentos de antigos soldados da Alemanha Oriental que guardavam o Muro de Berlim – a chamada necessidade de cumprir ordens. As teorias de Radbruch são postuladas contra os "princípios jurídicos puros" positivistas representados por Hans Kelsen e, até certo ponto, também por Georg Jellinek.
Em suma, a fórmula de Radbruch argumenta que onde a lei estatutária é incompatível com os requisitos da justiça "num grau intolerável", ou onde a lei estatutária foi obviamente concebida de uma forma que nega deliberadamente "a igualdade que é o núcleo de toda a justiça", a lei estatutária a lei deve ser desconsiderada por um juiz em favor do princípio da justiça. Desde a sua primeira publicação em 1946, o princípio foi aceito pelo Tribunal Constitucional Federal da Alemanha em vários casos. Muitas pessoas culpam parcialmente a antiga tradição jurídica alemã do positivismo jurídico pela facilidade com que Hitler obteve o poder de uma forma aparentemente “legal”, em vez de através de um golpe. Indiscutivelmente, a mudança para um conceito de direito natural deveria funcionar como uma salvaguarda contra a ditadura, um poder estatal desenfreado e a revogação dos direitos civis.
PRINCIPAIS CITAÇÕES:
Der Relativismus in der Rechtsphilosophie (1934):
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Porque é impossível um julgamento sobre a verdade ou o erro das diferentes convicções jurídicas, e porque, por outro lado, é necessária uma lei uniforme para todos os cidadãos, o legislador enfrenta a tarefa de cortar com um golpe de espada o nó górdio que a jurisprudência não consegue desvendar. Como é impossível determinar o que é justo, deve-se decidir o que é lícito. Em vez de um ato de verdade (o que é impossível), é necessário um ato de autoridade. O relativismo leva ao positivismo.
Rechtsphilosophie (1932):
A filosofia não consiste em aliviar alguém de decisões, mas em confrontá-lo com decisões. É tornar a vida não fácil, mas, pelo contrário, problemática.
Como é da essência da justiça moldar, em última análise, essas relações no sentido da igualdade, também é essencial que o preceito jurídico, no seu significado, seja direcionado para a igualdade, afirme ser suscetível de generalização ou ter caráter geral.
A validade de uma lei comprovadamente errada não pode ser justificada. No entanto, qualquer resposta à questão da finalidade do direito que não seja a enumeração das múltiplas opiniões partidárias sobre ele revelou-se impossível – e é precisamente nessa impossibilidade de qualquer direito natural, e apenas nisso, que a validade do direito positivo pode ser fundado. Neste ponto o relativismo, até agora apenas o método da nossa abordagem, entra no nosso sistema como um elemento estrutural.
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A ordenação da convivência não pode ser deixada às noções jurídicas dos indivíduos que convivem, pois esses diferentes seres humanos possivelmente emitirão rumos contraditórios. Pelo contrário, deve ser governada uniformemente por uma autoridade transindividual. Uma vez que, no entanto, na visão relativista da razão e da ciência são incapazes de cumprir essa tarefa, a vontade e o poder devem empreendê-la. Se ninguém for capaz de determinar o que é justo, alguém deverá estabelecer o que deve ser legal.
É dever profissional do juiz validar a pretensão de validade da lei, sacrificar o seu próprio sentido de direito ao comando autorizado da lei, perguntar apenas o que é legal e não perguntar se também é justo.
O conceito de direito só pode ser definido como a realidade que tende para a ideia de direito.
Conceitos como sujeito jurídico e objeto jurídico, relação jurídica e erro jurídico e, na verdade, o próprio conceito de direito, não são posses acidentais de várias ou de todas as ordens jurídicas, mas são pré-requisitos necessários para que qualquer ordem jurídica seja entendida como jurídica.
"Cinco Minutos de Filosofia do Direito" (1945):
Esta visão de uma lei e da sua validade (nós a chamamos de teoria positivista) tornou os juristas e o povo indefesos contra leis arbitrárias, cruéis ou criminais, por mais extremas que fossem. No final, a teoria positivista equipara a lei ao poder; só há lei onde há poder.
Claro que é verdade que o benefício público, juntamente com a justiça, é um objetivo da lei. E é claro que as leis têm valor em si mesmas, mesmo as más leis: o valor, nomeadamente, de proteger a lei contra a incerteza.
"Ilegalidade Estatutária e Lei Supra-Estatutária" (1946):
O positivismo, com o seu princípio de que “uma lei é uma lei”, tornou de fato a profissão jurídica alemã indefesa contra leis que são arbitrárias e criminais. Além disso, o positivismo é, por si só, totalmente incapaz de estabelecer a validade dos estatutos. Alega ter provado a validade de uma lei simplesmente mostrando que a lei tinha poder suficiente para prevalecer. Mas embora o poder possa de fato servir de base para o “dever” da compulsão, nunca serve de base para o “dever” da obrigação ou para a validade jurídica. A obrigação e a validade jurídica devem basear-se, antes, num valor inerente ao estatuto.
Na verdade, um valor acompanha cada lei positiva, sem referência ao seu conteúdo: qualquer lei é sempre melhor do que nenhuma lei, uma vez que pelo menos cria segurança jurídica. Mas a segurança jurídica não é o único valor que o direito deve concretizar, nem é o valor decisivo. Ao lado da segurança jurídica, existem outros dois valores: a finalidade e a justiça. Ao hierarquizar estes valores, atribuímos em último lugar a finalidade da lei em servir o bem público.
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A característica mais notável da personalidade de Hitler, que através da sua influência se tornou também o espírito penetrante de toda a “lei” nacional-socialista, era uma completa falta de qualquer sentido de verdade ou de qualquer sentido de certo e errado.
EXAME DE ORDEM:
Gustav Radbruch foi cobrado no XIV Exame da OAB realizado em 2014, em questão de Filosofia do Direito, eis a questão:
O jusfilósofo alemão Gustav Radbruch, após a II Guerra Mundial, escreve, como circular dirigida aos seus alunos de Heidelberg, seu texto “Cinco Minutos de Filosofia do Direito”, na qual afirma: “Esta concepção da lei e sua validade, a que chamamos Positivismo, foi a que deixou sem defesa o povo e os juristas contra as leis mais arbitrárias, mais cruéis e mais criminosas.”
De acordo com a fórmula de Radbruch,
A embora as leis injustas sejam válidas e devam ser obedecidas, as leis extremamente injustas perderão a validade e o próprio caráter de jurídicas, sendo, portanto, dispensada sua obediência.
B apenas a lei justa pode ser considerada jurídica, pois a lei injusta não será direito.
C o direito é o mínimo ético de uma sociedade, de forma que qualquer lei injusta não será direito.
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D o direito natural é uma concepção superior ao positivismo jurídico; por isso, a justiça deve sempre prevalecer sobre a segurança.
Gabarito no fim do artigo.
REFERÊNCIAS:
"Biografie Gustav Radbruch (German)". Deutsches Historisches Museum. Recuperado em 24 de Outubro de 2014.
"Biografie Gustav Radbruch(German)". Bayerische Staatsbibliothek. Recuperado em 24 de Outubro de 2014.
"Vor 100 Jahren: Reichstag verabschiedet Gesetz zum Schutz der Republik" [100 Years Ago: The Reichstag Adopts the Law for the Protection of the Republic]. Deutscher Bundestag, Online-Dienste (in German). 2022. Recuperado em 14 de Setembro de 2023.
Radbruch, Gustav (2020). Traduzido por Jeutner, Valentin. "Law's Image of the Human". Oxford Journal of Legal Studies. 40 (4): 667–681. doi:10.1093/ojls/gqaa026. PMC 7839934. PMID 33536836.
Alexy, Robert. "Gustav Radbruch". Kiel University:History of the University:Famous scholars from Kiel. Christian-Albrechts-Universität zu Kiel. Recuperado em 16 de Setembro de 2021.
Radbruch, Gustav (2006). Traduzido por Litschewski Paulson, Bonnie; Paulson, Stanley L. "Five Minutes of Legal Philosophy (1945)". Oxford Journal of Legal Studies. 26: 13–15. doi:10.1093/ojls/gqi042.
Ver também Radbruch, Gustav (2006). Traduzido por Litschewski Paulson, Bonnie; Paulson, Stanley L. "Statutory Lawlessness and Supra-Statutory Law (1946)". Oxford Journal of Legal Studies. 26: 1–11. doi:10.1093/ojls/gqi041.
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Paulson, Stanley L. (2006). "On the Background and Significance of Gustav Radbruch's Post-War Papers". Oxford Journal of Legal Studies. 26: 17–40. doi:10.1093/ojls/gqi043.
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LEITURA ADICIONAL:
Kaufmann, Arthur (1987). Gustav Radbruch – Rechtsdenker, Philosoph, Sozialdemokrat (in German). Munich: Piper Verlag.
von Hippel, Fritz (1951). Gustav Radbruch als rechtsphilosophischer Denker (in German). Heidelberg: Schneider Verlag.
Van Niekerk, Barend (1973). The Warning Voice from Heidelberg: The Life and Thought of Gustav Radbruch. Kenwyn: Juta.
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Taekema, Sanne (2003). The Concept of Ideals in Legal Theory. Den Haag: Kluwer. chs 3 & 4.
LINK EXTERNO (EM INGLÊS):
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Newspaper clippings about Gustav Radbruch in the 20th Century Press Archives of the ZBW
Gabarito:
A embora as leis injustas sejam válidas e devam ser obedecidas, as leis extremamente injustas perderão a validade e o próprio caráter de jurídicas, sendo, portanto, dispensada sua obediência.