Além dos números: uma profunda análise do feminicídio em Natal-RN

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RESUMO

O feminicídio em Natal, RN, emerge como uma sombra sinistra em meio aos desafios enfrentados pelo Brasil no que diz respeito aos diversos tipos de abusos. Esta cruel realidade lança um olhar preocupante sobre a qualidade de vida das mulheres natalenses, ampliando os contornos de um problema nacional que assola a sociedade. O feminicídio, dentro desse contexto, assume contornos trágicos como uma expressão extrema da desigualdade de gênero. As perspectivas teóricas lançam luz sobre as raízes culturais e estruturais que alimentam essa violência, clamando pela urgente desconstrução de estereótipos e padrões prejudiciais que permeiam a sociedade. As vítimas de feminicídio, tal como aquelas que enfrentam outros tipos de abusos, carregam um fardo pesado. O trauma duradouro, problemas de saúde mental e emocional, bem como as dificuldades nas relações interpessoais, são desafios enfrentados por essas mulheres, evidenciando o impacto profundo na esfera pessoal. A impunidade dos agressores, uma barreira significativa na luta contra o feminicídio, ecoa o panorama nacional. A fragilidade do sistema judiciário e a cultura de tolerância à violência de gênero contribuem para a perpetuação dessa impunidade, minando os esforços para deter o ciclo mortal que assola a cidade. Urge, assim, uma resposta coletiva e abrangente para enfrentar o feminicídio em Natal. Investir em educação para prevenir a violência, promover campanhas de conscientização específicas para a região, fortalecer as instituições judiciais para responsabilizar os agressores e criar redes de apoio eficazes são medidas cruciais para romper com esse ciclo nefasto. O feminicídio em Natal representa não apenas um desafio local, mas também um reflexo de um problema nacional complexo que exige esforços coordenados em várias frentes. Enfrentar essa trágica realidade não só reduzirá o sofrimento humano, mas também contribuirá para a construção de uma cidade mais segura, igualitária e próspera. Com a conscientização, ação governamental efetiva e participação ativa da sociedade natalense, é possível criar um ambiente mais justo e seguro para todas as mulheres que chamam Natal de lar.

Palavras-chave: Feminicídio; Natal-RN; Violência Domestica; Desigualdade de Gênero; Educação.

ABSTRACT

Femicide in Natal, RN, emerges as an ominous shadow amidst the challenges faced by Brazil with regard to various types of abuse. This cruel reality takes a worrying look at the quality of life of women in Natal, expanding the scope of a national problem that is plaguing society. Femicide, within this context, takes on tragic contours as an extreme expression of gender inequality. Theoretical perspectives shed light on the cultural and structural roots that fuel this violence, calling for the urgent deconstruction of harmful stereotypes and patterns that permeate society. Victims of femicide, like those who face other types of abuse, bear a heavy burden. Long-lasting trauma, mental and emotional health problems, as well as difficulties in interpersonal relationships, are challenges faced by these women, highlighting the profound impact on the personal sphere. The impunity of attackers, a significant barrier in the fight against feminicide, echoes the national panorama. The fragility of the judicial system and the culture of tolerance for gender-based violence contribute to the perpetuation of this impunity, undermining efforts to stop the deadly cycle that is plaguing the city. Therefore, a collective and comprehensive response is urgently needed to confront femicide in Natal. Investing in education to prevent violence, promoting awareness campaigns specific to the region, strengthening judicial institutions to hold perpetrators accountable and creating effective support networks are crucial measures to break this harmful cycle. Femicide in Natal represents not only a local challenge, but also a reflection of a complex national problem that requires coordinated efforts on several fronts. Facing this tragic reality will not only reduce human suffering, but will also contribute to building a safer, more equitable and prosperous city. With awareness, effective government action and active participation of Natal society, it is possible to create a fairer and safer environment for all women who call Natal home.

Keywords: Femicide; Natal, RN; Domestic violence; Gender Inequality; Education.

1 INTRODUÇÃO

A tragédia do feminicídio em Natal, capital do Rio Grande do Norte, vai além das estatísticas, revelando histórias de mulheres que tiveram suas vidas brutalmente interrompidas pela violência de gênero. Este artigo propõe uma imersão profunda nesse contexto complexo, abordando o perfil das vítimas, oferecendo uma análise sob a ótica de perspectivas teóricas relevantes e explorando as consequências avassaladoras que reverberam em toda a sociedade.

As vítimas de feminicídio em Natal não são apenas números em relatórios; são indivíduos com experiências singulares, muitas vezes marcadas por vulnerabilidades socioeconômicas. Traçar o perfil dessas mulheres é fundamental para compreender a interseção de fatores que as tornam mais suscetíveis a essa forma extrema de violência. Dessa forma, poderemos identificar lacunas em políticas de proteção e promover medidas direcionadas à prevenção.

Além do perfil das vítimas, a análise teórica se torna essencial para desvelar as raízes profundas do feminicídio. Ao adotar perspectivas teóricas, como o feminismo, a sociologia e a psicologia, podemos elucidar padrões culturais, normas sociais e estruturas de poder que contribuem para a perpetuação desse fenômeno. A compreensão teórica não apenas revela a complexidade do problema, mas também orienta intervenções eficazes e transformadoras.

Contudo, não podemos desconsiderar as consequências devastadoras que o feminicídio impõe à sociedade como um todo. Além da perda irreparável de vidas, essa forma extrema de violência deixa marcas profundas nas famílias, comunidades e no tecido social. Ao explorar as consequências, buscamos não apenas sensibilizar, mas também fortalecer o argumento para a implementação de políticas públicas abrangentes e a promoção de uma cultura que repudie veementemente a violência de gênero.

Em última análise, este artigo não apenas documenta a realidade do feminicídio em Natal, mas também almeja ser um chamado à ação. Somente por meio de uma abordagem abrangente, que envolva a compreensão do perfil das vítimas, perspectivas teóricas esclarecedoras e a conscientização das consequências, podemos traçar um caminho rumo a uma Natal onde todas as mulheres possam viver sem o temor constante da violência de gênero.

2 AS ORIGENS E CONSEQUÊNCIAS DO FEMINICÍDIO

2.1 PERFIL DAS VÍTIMAS DE FEMINICÍDIO EM NATAL-RN

As vítimas de feminicídio em Natal, capital do Rio Grande do Norte, representam uma triste narrativa que reflete não apenas a violência de gênero, mas também as complexas interações de fatores sociais que amplificam essa tragédia. Diferentes faixas etárias, cores, raças e classes sociais baixas compõem um perfil diversificado de vítimas, e entender por que esses grupos são especialmente vulneráveis exige uma análise aprofundada.

“A associação entre gênero e raça pode, frequentemente, criar um contexto de múltiplas discriminações e violências que se manifestam tanto como fatores de aumento da vulnerabilidade, especialmente para os grupos etários mais jovens, quanto em obstáculos que as mulheres negras enfrentam para denunciar as violências sofridas.” (PASINATO, 2016, p37)

Nesse sentido, mulheres jovens constantemente se tornam vítimas de feminicídio devido a uma interseção complexa de fatores sociais, econômicos e culturais. A vulnerabilidade dessas mulheres a essa forma extrema de violência reflete dinâmicas específicas da juventude e das relações sociais contemporâneas.

Em muitos casos, as relações de poder e controle são amplificadas em relacionamentos em estágios iniciais, nos quais questões de dominação podem surgir. A falta de experiência emocional e relacional pode tornar mais desafiador para as mulheres jovens identificar sinais de perigo e buscar ajuda quando necessário.

Importante ressaltar, ainda, que pressões culturais e normativas exercem uma influência significativa. Expectativas sociais e estereótipos de gênero podem restringir a liberdade das mulheres jovens, contribuindo para situações de violência quando essas normas são desafiadas.

Além disso, a interseccionalidade entre cor e raça desempenha um papel crucial na compreensão do feminicídio, ampliando as dimensões da vulnerabilidade enfrentada por mulheres negras e pertencentes a minorias étnicas. Essas mulheres, ao lidarem com a interação complexa da discriminação racial e de gênero, enfrentam desafios distintos que contribuem para uma maior suscetibilidade ao feminicídio.

A discriminação racial adiciona uma camada significativa de dificuldade, pois as mulheres negras e de minorias étnicas frequentemente experimentam estereótipos negativos que permeiam todas as áreas de suas vidas. Esses estereótipos, muitas vezes enraizados em estruturas históricas de opressão, desvalorizam suas vidas e podem perpetuar uma cultura que subestima a gravidade da violência dirigida a elas.

A falta de representação adequada e inclusão em diversas esferas sociais, incluindo instituições de segurança e serviços de apoio, cria uma barreira adicional. A ausência de uma resposta sensível às diferenças culturais pode deixar essas mulheres desamparadas, sem acesso efetivo a recursos que poderiam oferecer proteção e suporte.

A interseção entre discriminação racial e de gênero também se reflete nas dinâmicas de poder em relacionamentos. Mulheres negras podem enfrentar não apenas a misoginia, mas também estereótipos racistas que influenciam a maneira como são tratadas em seus relacionamentos, aumentando o risco de abuso e violência.

De acordo com uma pesquisa realizada por Rosely Pires, professora da Ufes, o grupo que mais sofre com este crime é o composto por mulheres negras das periferias. Seu estudo, baseado em dados coletados entre 2015 e 2021, mostra que, das vítimas de feminicídio no Rio Grande do Norte, 88% eram mulheres negras.

“Existe uma relação direta entre feminicídio, negativa de medida protetiva e morte de mulheres negras, porque nos estados onde há um aumento de feminicídio, há também um número elevado no percentual de negativa de medida protetiva” (PIRES, Rosely, 2023)

“Os dados mostram que a mulher que está morrendo porque não estão dando a medida protetiva é a mulher negra. A mulher negra periférica não consegue formalizar uma denúncia pessoalmente por não ter dinheiro para se locomover, e não tem condições de fazer pelo computador, porque ela não tem acesso à internet.” Avalia a coordenadora, que é doutora em Ciências Jurídicas e Sociais.

Por último, o contexto complexo em que mulheres de baixa renda estão inseridas cria uma teia de desafios que as expõem a um risco aumentado de feminicídio. A escassez de recursos financeiros e oportunidades econômicas pode resultar em dependência econômica, deixando-as vulneráveis a relacionamentos abusivos, nos quais a falta de autonomia financeira muitas vezes as aprisiona em ciclos de violência.

A limitação no acesso à educação também desempenha um papel significativo, perpetuando desigualdades e dificultando a busca por alternativas fora de ambientes prejudiciais. Adicionalmente, a precariedade das condições de vida pode criar um cenário onde o acesso a serviços de apoio, como abrigos e aconselhamento, é limitado, tornando difícil para essas mulheres encontrar saídas seguras.

A discriminação de gênero e as desigualdades estruturais contribuem para a complexidade do problema. O feminicídio, nesse contexto, não é apenas resultado de violência física, mas também de um sistema que perpetua a vulnerabilidade de mulheres de baixa renda.

2.2 FEMINICÍDIO: PERSPECTIVA TEÓRICA

O feminicídio, enquanto trágico reflexo das desigualdades de gênero profundamente enraizadas em diversas sociedades, é objeto de análise por meio de perspectivas teóricas antropológicas, psicológicas e criminológicas. Cada abordagem oferece insights valiosos para compreender as origens e dinâmicas desse fenômeno complexo.

O fenômeno do feminicídio, à luz da teoria antropológica, revela uma intricada teia de fatores que remontam às raízes mais profundas das sociedades humanas. A desigualdade de gênero, como conceito central, se manifesta historicamente em normas culturais que perpetuam a subjugação das mulheres. Em contextos antropológicos, observamos que, ao longo dos séculos, estruturas patriarcais consolidaram-se, impondo uma dinâmica de poder desigual que, por vezes, encontrava na violência um meio de manter o controle masculino.

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A justificativa da superioridade masculina frequentemente encontra respaldo em construções culturais profundamente enraizadas. Essas construções, seja em sistemas legais, religiosos ou tradições, contribuem para a legitimação da violência como um instrumento aceitável para afirmar o poder masculino. Culturas antigas muitas vezes vinculavam a masculinidade à força e autoridade, enquanto associavam a feminilidade à submissão, estabelecendo assim normas que, de certa forma, legitimavam a violência como um meio de reforçar essa suposta ordem social.

Com isso, a análise antropológica desse fenômeno requer uma compreensão profunda das diversas camadas que compõem a sociedade. Estruturas familiares, sistemas educacionais, normas comunitárias e o papel das instituições devem ser examinados para entender como esses elementos interagem na perpetuação ou contestação das dinâmicas de poder de gênero.

A perspectiva psicológica sobre o feminicídio se concentra nas dinâmicas individuais que podem contribuir para esse fenômeno grave. A análise psicológica explora como a socialização pode levar a internalização de atitudes machistas, onde tanto homens quanto mulheres podem absorver e perpetuar estereótipos de gênero prejudiciais. Esse machismo internalizado pode influenciar atitudes que desvalorizam as mulheres e, em casos extremos, resultar em comportamentos violentos.

Como também, em muitos casos de feminicídio, questões relacionadas ao controle e poder desempenham um papel significativo. Indivíduos que buscam exercer controle excessivo sobre parceiras podem recorrer à violência como um meio de afirmar sua autoridade, muitas vezes em resposta a sentimentos de inadequação ou ameaça percebida.

Por último, a perspectiva criminológica sobre o feminicídio oferece uma análise profunda dos fatores que contribuem para esse crime de gênero. A criminologia examina o perfil dos perpetradores de feminicídio, investigando históricos criminais, comportamentos anteriores e indicadores de propensão à violência. Ao estudar padrões de vitimização recorrente, a criminologia busca entender se a vítima estava em situação de vulnerabilidade devido a um histórico de violência doméstica. Compreender o ciclo de violência é crucial para interromper o ciclo e oferecer suporte adequado às vítimas.

A análise criminológica abrange fatores socioeconômicos, explorando como desigualdades de gênero, acesso limitado a recursos financeiros e educacionais podem contribuir para a ocorrência do feminicídio. Esses elementos contextualizam o crime dentro de estruturas mais amplas da sociedade.

No entanto, essa análise criminológica do feminicídio, enfrenta críticas substantivas que apontam para suas falhas e limitações. Uma preocupação central reside na subnotificação e classificação inadequada de casos, distorcendo as estatísticas e minando a precisão da análise criminológica. Além disso, a aplicação da lei pode estar sujeita a viés, interpretando os motivos por trás dos assassinatos de maneira enviesada devido a influências culturais, sociais e institucionais.

De acordo com uma pesquisa realizada pelo Jusbrasil, publicada pelo Âmbito Jurídico, 2013, a escassez de delegacias e varas especializadas, aliada a atitudes machistas de certos juízes e delegados, cria obstáculos para a eficácia do cumprimento da lei:

"Eu diria que esta questão do machismo é muito presente nas instituições também, o que dificulta a aplicação da nossa legislação, em particular da Lei Maria da Penha. Falta capacitação dos profissionais. Precisamos investir muito na capacitação, não só de quem atende lá na ponta, como são os policiais nas delegacias, que precisam de capacitação intensa. Mas também de promotores, de juízes, de todos aqueles que têm papel no andamento do processo." Ana Rita (PT-ES), senadora

A falta de sensibilidade para as nuances das dinâmicas de gênero relacionadas ao feminicídio é uma preocupação significativa, refletindo-se em respostas inadequadas e no fornecimento insuficiente de apoio às vítimas. Como também, a falta de recursos e treinamento especializado para lidar com casos de feminicídio afeta a capacidade da aplicação da lei de conduzir investigações eficazes e garantir um julgamento justo. Além disso, normas culturais arraigadas e pressões sociais podem influenciar a abordagem desses casos, muitas vezes minimizando a violência doméstica como uma questão privada.

Concluindo, a análise interdisciplinar das perspectivas teóricas antropológica, psicológica e criminológica do feminicídio proporciona uma compreensão abrangente e multifacetada desse fenômeno alarmante. A abordagem antropológica lança luz sobre as raízes culturais e sociais que alimentam a violência de gênero, enquanto a perspectiva psicológica destaca os aspectos individuais e relacionais. Por sua vez, a criminologia oferece insights cruciais sobre os padrões criminais subjacentes e as lacunas no sistema de justiça. Integrar essas disciplinas é essencial para desenvolver estratégias eficazes de prevenção e intervenção, visando erradicar o feminicídio e construir sociedades mais seguras e justas para todas as mulheres.

2.3 CONSEQUÊNCIAS E IMPUNIDADE

A cidade de Natal, RN, é testemunha de uma dolorosa realidade que vai além das estatísticas de feminicídio. O impacto desse fenômeno transcende o indivíduo, estendendo-se às raízes da sociedade e confrontando a impunidade que muitas vezes envolve os homens que cometem esses atos hediondos.

As consequências do feminicídio para a sociedade são tão profundas quanto inegáveis. Este não é simplesmente um caso de perda de vidas individuais; é, na verdade, uma ferida aberta na coletividade natalense. As cicatrizes desse tipo de violência transcendem o âmbito das famílias das vítimas, espalhando-se silenciosamente pelas comunidades e projetando uma sombra duradoura sobre o tecido social.

A perda de vidas para o feminicídio não é apenas uma tragédia pessoal; é um ataque à própria estrutura da sociedade. As vítimas não são apenas indivíduos; são mães, filhas, amigas e membros ativos de suas comunidades. Quando o feminicídio ocorre, deixa para trás lacunas emocionais e físicas que afetam não apenas os círculos mais próximos, mas reverberam por toda a sociedade. A dor e a tristeza das famílias das vítimas tornam-se compartilhadas, pois a comunidade como um todo é impactada por essa perda devastadora. 

Além disso, as consequências do feminicídio se estendem para além do momento do crime. A presença constante dessa violência de gênero cria um ambiente de medo e desconfiança, alterando a dinâmica social e minando a sensação de segurança que deveria ser um direito fundamental. O tecido social é gradualmente desgastado, tornando-se mais frágil e menos capaz de proporcionar um ambiente saudável e seguro para todos os seus membros.

Dessa forma, o feminicídio não é apenas um problema individual, mas uma questão que afeta a integridade de toda uma sociedade. É imperativo reconhecer a amplitude das consequências e buscar ativamente soluções que não apenas punam os perpetradores, mas também promovam uma transformação cultural e estrutural que combata eficazmente essa forma insidiosa de violência de gênero.

"A tipificação em si não é uma medida de prevenção. Ela tem por objetivo nominar uma conduta existente que não é conhecida por este nome, ou seja, tirar da conceituação genérica do homicídio um tipo específico cometido contra as mulheres com forte conteúdo de gênero. A intenção é tirar esse crime da invisibilidade." (HEIN DE CAMPOS, Carmen, 2015)

“Os dados e a própria imprensa têm mostrado que as mulheres estão morrendo com o boletim de ocorrência e com a medida protetiva em mãos – ou seja, estão morrendo sob instrumentos que deveriam garantir sua proteção. Isso faz com que tenhamos que repensar qual deve ser a nossa estratégia de intervenção. Esse é o grande desafio que está colocado: quais são as medidas que o Estado tem que tomar para garantir a proteção a essas mulheres?” (GONÇALVES, Aparecida, 2013)

A desintegração das relações interpessoais é uma das consequências mais evidentes. A quebra da confiança e o medo generalizado corroem os laços comunitários. As mulheres passam a viver sob a ameaça constante, restringindo sua liberdade e impactando negativamente sua participação ativa na sociedade. O feminicídio, portanto, não apenas ceifa vidas, mas semeia desconfiança e insegurança em todos os cantos da comunidade. 

A impunidade dos homens que cometem feminicídio é uma chaga social que amplia de maneira significativa a ferida já profunda causada por esses atos hediondos. A fragilidade inerente ao sistema judiciário, aliada à persistente cultura de tolerância à violência de gênero, cria um cenário propício para que muitos agressores evitem as devidas consequências de seus atos horrendos. Esta combinação desastrosa não apenas frustra as esperanças de justiça por parte das vítimas e suas famílias, mas também alimenta o ciclo vicioso do feminicídio.

A cultura de tolerância à violência de gênero, ao invés de desencorajar comportamentos agressivos, paradoxalmente, fornece uma espécie de salvo-conduto aos agressores. A impunidade resultante não só mina a confiança na eficácia do sistema judicial, mas também cria um ambiente que encoraja a repetição desses atos repugnantes. O impacto negativo dessa impunidade vai além do aspecto legal, infiltrando-se nas fibras mais profundas da sociedade, onde a confiança nas instituições é corroída e a sensação de insegurança é exacerbada. 

Assim, a impunidade não apenas frustra a busca por justiça, mas também lança uma sombra penetrante sobre os alicerces da sociedade, insinuando que crimes tão atrozes podem ser perpetrados sem enfrentar as punições rigorosas que deveriam ser inerentes à barbárie do feminicídio. Este trágico ciclo de impunidade não é apenas uma distorção do sistema de justiça; é uma afirmação perturbadora de que a violência de gênero pode prosperar sem a devida responsabilização. Ao fazer isso, não apenas deixa as vítimas desamparadas, mas também perpetua a vulnerabilidade das mulheres, criando um terreno fértil para a repetição desses atos hediondos. A falta de punição não apenas desencoraja denúncias, mas também emana uma mensagem tácita de que o feminicídio pode ocorrer impunemente, lançando uma sombra sombria sobre as comunidades afetadas.

Quebrar esse ciclo demanda uma abordagem enérgica e holística que vá além das soluções superficiais. A fragilidade do sistema judiciário deve ser encarada de frente, com iniciativas direcionadas a fortalecer não apenas a capacidade de investigação, mas também a efetividade das penalidades aplicadas aos agressores. Além disso, é imperativo desafiar a cultura arraigada que tolera a violência de gênero. Isso exige uma transformação substancial e sistêmica na mentalidade coletiva, visando criar uma sociedade que não apenas repudie veementemente o feminicídio, mas que também proteja ativamente suas mulheres.

No contexto específico de Natal, essa batalha contra a impunidade adquire uma urgência ainda maior. Confrontar a impunidade de maneira enérgica implica em reformas significativas no sistema judiciário local, desde o aprimoramento das investigações até a garantia de que as decisões judiciais reflitam a gravidade desses crimes. Além disso, é fundamental promover uma cultura de responsabilidade que permeie todos os estratos da sociedade, desafiando as normas que minimizam a seriedade da violência de gênero. A conscientização pública e a educação são componentes essenciais dessa transformação cultural, capacitando a comunidade a reconhecer a gravidade do feminicídio e a agir como agentes de mudança em prol de uma sociedade mais justa e segura para todas as mulheres.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo se propôs a lançar uma luz esclarecedora sobre a trágica realidade do feminicídio em Natal, no Rio Grande do Norte, priorizando uma análise minuciosa das origens, do perfil das vítimas, das perspectivas teóricas e das consequências devastadoras desse fenômeno. Ao realizar essa investigação, destaca-se, de maneira especial, a importância crucial de aprofundar-se no perfil das vítimas como um componente essencial na compreensão e prevenção do feminicídio.

A análise do perfil das vítimas não é apenas uma questão de coletar dados estatísticos, mas uma exploração aprofundada das histórias individuais dessas mulheres. Entender essas narrativas é fundamental, uma vez que muitas delas estão intrinsecamente ligadas a complexas vulnerabilidades socioeconômicas, experiências de vida singulares e desigualdades estruturais. É por meio do estudo desses perfis que podemos vislumbrar as dinâmicas específicas que tornam essas mulheres mais suscetíveis a essa forma extrema de violência.

A relevância de estudar o perfil das vítimas vai além do âmbito acadêmico. Ela constitui uma peça-chave na formulação de políticas públicas mais eficazes e direcionadas à prevenção do feminicídio. Ao compreender os fatores sociais, econômicos e culturais que contribuem para a vulnerabilidade dessas mulheres, é possível identificar lacunas nas atuais estratégias de proteção e, assim, formular medidas mais assertivas para enfrentar as raízes do problema.

Além disso, enfatizar a importância do estudo do perfil das vítimas é uma maneira de dar voz a essas mulheres, muitas das quais tiveram suas vidas interrompidas de maneira brutal. Ao reconhecer e documentar suas experiências singulares, estamos não apenas gerando dados, mas também promovendo uma compreensão mais empática e humana do impacto do feminicídio em nível individual e coletivo.

Em última instância, este artigo ressalta que o estudo aprofundado do perfil das vítimas não é apenas uma peça do quebra-cabeça na luta contra o feminicídio; é um elemento vital e estratégico. A compreensão dessas histórias não apenas informa sobre a complexidade do fenômeno, mas também oferece insights fundamentais para a formulação de abordagens mais efetivas na prevenção dessa forma extrema de violência de gênero.

Primeiramente, é crucial compreender o feminicídio não apenas como um problema estatístico, mas como uma questão que afeta indivíduos reais, cada um com uma história única e muitas vezes marcada por vulnerabilidades socioeconômicas. Traçar o perfil das vítimas revelou a complexidade das interações de fatores sociais que contribuem para a vulnerabilidade, destacando a necessidade de políticas de proteção mais eficazes e medidas direcionadas à prevenção.

A análise teórica, por sua vez, proporcionou insights valiosos sobre as raízes profundas do feminicídio, destacando a importância de abordagens interdisciplinares que integram perspectivas antropológicas, psicológicas e criminológicas. A compreensão dessas dinâmicas culturais e estruturais é essencial para orientar intervenções eficazes e transformadoras que visam erradicar o feminicídio.

As consequências avassaladoras do feminicídio, tanto para as vítimas quanto para a sociedade em geral, foram destacadas como um chamado à ação. A necessidade de políticas públicas abrangentes, sensibilização e promoção de uma cultura que repudie veementemente a violência de gênero foi enfatizada como um caminho para enfrentar não apenas as perdas irreparáveis de vidas, mas também as cicatrizes emocionais e sociais que persistem.

Por fim, a questão da impunidade foi identificada como uma barreira significativa na luta contra o feminicídio. A fragilidade do sistema judiciário, aliada a uma cultura que tolera a violência de gênero, perpetua um ciclo perigoso que precisa ser quebrado. Fortalecer o sistema judiciário, responsabilizar os agressores e promover uma mudança cultural são medidas cruciais para interromper esse ciclo de impunidade.

Em última análise, este artigo busca não apenas documentar a realidade do feminicídio em Natal, mas também ser um apelo à ação. Somente por meio de uma abordagem abrangente, que compreende as complexas interações de fatores, adota perspectivas teóricas esclarecedoras e enfrenta a impunidade, podemos aspirar a uma sociedade em que todas as mulheres possam viver sem o constante temor da violência de gênero.

4 REFERÊNCIAS

PASINATO, W. Diretrizes nacionais Feminicidio. Investigar, processar e julgar com a perspectiva de gênero. As mortes violentas de mulheres Brasília: ONU Mulheres, Secretaria de Política para as Mulheres, Secretaria Nacional de Segurança Pública; 2016.

Âmbito Jurídico. Lei Maria da Penha enfrenta dificuldades para ser cumprida integralmente. JUSBRASIL, 2013. Disponível em https://www.jusbrasil.com.br/noticias/lei-maria-da-penha-enfrenta-dificuldades-para-ser-cumprida-integralmente/100663364

DAMANESCO, Adriana. Pesquisa relaciona recusa de medidas protetivas a aumento de casos de feminicídio. UFES, 23/02/2023. Disponível em https://www.ufes.br/conteudo/pesquisa-relaciona-recusa-de-medidas-protetivas-aumento-de-casos-de-feminicidio#:~:text=O%20estudo%20mostrou%2C%20por%20exemplo,foram%20negras%20moradoras%20de%20periferias.

LÍRIA PAZ E KAYLLANI LIMA SILVA. “95% das vítimas de feminicídio no RN não tinham medida protetiva.” Tribuna do Norte, 28/10/2023. Disponível em: https://tribunadonorte.com.br/natal/95-das-vitimas-de-feminicidio-no-rn-nao-tinham-medida-protetiva/

GALVÃO, Patrícia. “Feminicídio/ Impactos e importância da Lei de Feminicídio”. 2015. Disponível em: https://dossies.agenciapatriciagalvao.org.br/violencia/violencias/feminicidio/#impactos-e-importancia-da-lei-de-feminicidio

PRADO, Débora. “Os dados têm mostrado quedas mulheres estão morrendo com a medida protetiva nas mãos.” Compromisso e Atitude, 2023. Disponível em: https://www.compromissoeatitude.org.br/os-dados-tem-mostrado-que-as-mulheres-estao-morrendo-com-a-medida-protetiva-nas-maos-alerta-secretaria-da-spm/

Sobre os autores
Rilawilson José de Azevedo

Dr. Honoris Causa em Ciências Jurídicas pela Federação Brasileira de Ciências e Artes. Mestrando em Direito Público pela UNEATLANTICO. Licenciado e Bacharel em História pela UFRN e Bacharel em Direito pela UFRN. Pós graduando em Direito Administrativo. Policial Militar do Rio Grande do Norte e detentor de 19 curso de aperfeiçoamento em Segurança Pública oferecido pela Secretaria Nacional de Segurança Pública.

Ana Vitória Santos da Costa

Discente do primeiro período do Curso de Bacharelado em Direito da FCST.

Maria Helena Pereira da Silva

Discente do primeiro período do Curso de Bacharelado em Direito da FCST.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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