RESUMO: No presente artigo faremos uma pequena introdução acerca de alguns contextos históricos do nosso ordenamento processual, dos fundamentos e sobre o ponto onde foi necesssária uma reforma processsual. Em sequência falaremos das crises jurídicas e do processo de execução, que busca efetivar ou tornar real no mundo dos fatos uma norma jurídica revelada. Essa atuação normativa do plano positivado para o plano fático às vezes é muito difícil, pois raramente os vencidos diante de uma sentença condenatória a eles imposta a cumprirão espontaneamente. Faremos uma breve conceituação do que são, pra que servem e como os princípios são de extrema relevância para entender o nosso ordenamento jurídico, logo após discorreremos sobre os princípios aplicáveis à fase de execução, conceituando e delimitando algumas mudanças ocorridas a esses princípios após as reformas processuais.
Palavras chave: Reforma processual, Novo Código de Processo Civil, Conflito de interesses, Processo de execução, Princípios, Princípios da execução.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1. APROXIMAÇÃO DO SISTEMA CIVIL LAW DO COMMON LAW NO NOVO CPC. 2. CRISES JURÍDICAS. 3. PROCESSO DE EXECUÇÃO. 4. PRINCÍPIOS. 5. PRINCÍPIOS DA EXCUÇÃO. CONCLUSÃO.
INTRODUÇÃO
Nem sempre tivemos uma interpretação do nosso ordenamento jurídico como hodiernamente, nem foi logo após a promulgação da Constituição Federal de 1988 que foram alteradas a forma de interpretação e aplicação de algumas codificações já antigas. Para se ter uma ideia, a modificação do nosso Código Civil para atender as disposições constitucionais veio apenas no ano de 2002, quase 15 anos depois, já a codificação processual civil demandou mais tempo, somente em 2015 é que começou a valer o novo texto, que trouxe inúmeras novidades, dentre elas a incorporação de vários princípios processuais já consagrados na Constituição.
Até então as relações jurídicas civis eram reguladas a partir de uma ótica liberal e menos intervencionista, a liberdade, a propriedade, os interesses individuais, a manifestação de vontade das pessoas eram bens altamente protegidos pela legislação. Portanto, a invasão do Estado na esfera de interesses dos particulares nesse período era uma exceção e deveria seguir uma série de cautelas, não podia ser de qualquer forma e os particulares tinham uma certa previsibilidade, pois toda forma de execução estava prevista na lei e o juiz estava restrito a elas. Os aplicadores do direito questionados sobre a interpretação baseado na Constituição, diziam que se estava na lei deveria ser aplicado conforme a lei e não conforme a CF, tipo um descaso constitucional arrastado nos primeiros anos após a nova Carta.
O processo já estava muito afastado da realidade, já não conseguia atender o número crescente de demandas que só aumentavam após o advento do Código de Defesa do Consumidor e a reforma civil de 2002, que inovou ao mitigar a Pacta Sun Servanda e a autonomia da vontade, trazendo princípios inovadores como o da Função Social que marcou a quebra da supremacia dos interesses individuais e da liberalidade da vontade. Não só isso, suas características conservadoras impediam a inovação, a introdução de novas técnicas, novos métodos, por muito tempo a tecnologia já muito difundida no seio social foi impedida de fazer parte do dia a dia forense sob argumentos de prejudicar as decisões dos magistrados e colocar em risco a publicidade dos atos. Por anos escritórios e órgãos do poder Judiciário foram obrigados a tramitar e juntar vários autos de processos em papel, o salvamento em nuvem e a utilização dos meios digitais não podiam ser utilizados, pois segundo entendimento das Cortes Superiores não haviam leis para tais finalidades. Várias leis Estatais sobre procedimentos eletrônicos foram declaradas inconstitucionais e diversos atos realizados pelas plataformas digitais declarados nulos.
A Lei do fax (Lei n° 9800/1999), foi o pontapé inicial para a digitalização do processo, mesmo assim deixava a desejar com o condicionamento à apresentação posterior do ato original. Inovação mesmo veio com a Lei n° 11.419/2006, que alterou o Código de Processo Civil de 1973 e introduziu a possibilidade de informatização do processo judicial, facultando aos órgãos do Poder Judiciário informatizarem integralmente o processo judicial e torná-lo acessível pela internet.
Esse engessamento processual só gerou o acúmulo desmedido de processos e a morosidade da prestação jurisdicional que só beneficiava quem não estava com a razão, os meios adotados não eram mais adequados partindo do plano abstrato da lei para o plano real no mundo dos fatos. No processo de execução por exemplo, o devedor possuía muito mais vantagem do que o próprio credor, só se podia invadir o seu patrimônio e seria culturalmente intolerável em um Estado liberal que se permitisse que o Estado pudesse obrigar ou coagir o sujeito a realizar a tutela específica (fazer, não fazer), pois o direito reservava para tais hipóteses a compensação pecuniária. A tutela antecipada de um direito só foi possível a partir da Lei n° 8952/94, que rompeu o princípio da nulidade da execução sem o título, até aí não era possível se realizar um direito antes que ele fosse declarado no processo de conhecimento, exigia-se a sentença condenatória, que constituía um título. A derrocada da necessidade de nova ação pelo credor para fazer atuar a norma declarada na sentença no mundo real só aconteceu no ano de 2005 com a Lei n° 11.232/2005, que reuniu o processo de conhecimento e o cumprimento de sentença como fases de um único processo. Até aí o devedor tinha a segurança de que apenas seria forçado a alguma coisa caso tivesse alguma ação para isso.
Foram muitas as costuras feitas nessas codificações após a CF de 88, buscando adapta-las a nova realidade social, mas não foram suficientes pois suas características peculiares e marcantes de época permaneciam.
Com tudo isso apenas um novo código seria capaz de eliminar o enorme descompasso entre as normas vigentes e a atualidade, por mais que uma reforma fosse implementada, não se conseguiria, nunca, criar uma sintonia entre todo o sistema do Código depois dos enxertos legislativos feitos ao longo dos anos, fato este que podia ser comprovado no CPC de 1973 pelas diversas antinomias nele existentes ao tempo de sua revogação.
O direito deve estar em sintonia com a realidade social, do contrário se torna apenas um amontoado de regras sem sentido, deve estar de acordo com a constituição, pois é um pressuposto inafastável de um Estado Democrático de Direito. Desse modo, por razões de adaptação as inovações sociais, econômicas, científicas, culturais, tecnológicas e jurídica do ponto de vista constitucional, foi o que motivou e fundamentou a criação de um código totalmente novo, o Código De Processo Civil de 2015.
APROXIMAÇÃO DO SISTEMA CIVIL LAW DO COMMON LAW NO NOVO CPC.
O sistema jurídico de muitos países, como Inglaterra, Irlanda, a maioria das Províncias (Estados) dos EUA e do Canadá entre outros adotam a Common Law, cultura dos precedentes para ditar o direito aos jurisdicionados, já no Brasil e na maioria dos países da América do Sul, o sistema adotado é o da Civil Law, ou seja, a Lei é considerada a fonte primária do direito que é positivado (escrito) e o juiz é o interprete e aplicador da Lei ao caso concreto. Esse sistema positivista confere mais segurança jurídica, pois se interpõe previamente para solução das controvérsias, colocando ao julgador a obrigação de fundamentação conforme adequação normativa ao caso concreto. Mas o nosso ordenamento após a promulgação da Carta Magna de 1988 vem passando por diversas reformas pontuais que vem aproximando o Civil Law predominante do Common Law, retirando desse sistema institutos importantes e os incorporando ao nosso ordenamento.
Na sistemática Common Law as normas e regras não estão escritas, utiliza-se a jurisprudência e os costumes predominantes para ditar o direito, decisões proferidas por cortes de jurisdição superiores hierarquicamente tem força vinculante a todas as demais cortes de hierarquias inferiores, uma espécie de subsunção de um tribunal a seus próprios precedentes e de submissão dos tribunais inferiores a julgados dos superiores.
Precedentes são decisões no âmbito jurisdicional tomadas à luz de um caso concreto, cuja razão de decidir (núcleo) pode servir como diretriz para julgamento posterior de casos análogos (iguais, semelhantes). Pode ser invocado pelas partes ou utilizado de critério pelo magistrado na fundamentação de sua decisão.
Costumes é a pratica reiterada de hábitos, condutas de uma sociedade, que no direito servem de base para teses e para determinar uma decisão acima de um caso concreto.
Jurisprudências são o conjunto de decisões e interpretações das leis feitas pelos tribunais de uma determinada jurisdição.
Durante a preparação do anteprojeto do que seria o NCPC, a preocupação era solucionar os problemas enfrentados pelo Estado na prestação jurisdicional durante a vigência do CPC de 1973, dentre eles a morosidade processual, insegurança nos resultados do processo devido a diversidade de posicionamentos dos tribunais referentes a aplicação da mesma norma jurídica, tudo isso levou a consideração prática da sistemática da Common Law, o resultados poderiam ser obtidos mais rápidos e seria alcançado uma estabilidade do direito aplicado.
O papel dos precedentes, dos costumes e da jurisprudência como fontes do direito sempre foram muito evidentes, proporciona aos jurisdicionados muito mais igualdade e segurança jurídica e social.
É nessa lógica que que o NCPC, procura aproximar-se da técnica anglo-americana e reconhecer maior força normativa aos precedentes dos tribunais. Faz se importante dizer que o objetivo não é estudar um caso resolvido que seja igual ao novo, o novo Código apenas amplia as possibilidades de julgamentos e teses com base em decisões do passado que sirva também de base para julgamentos futuros. No Common Law o passado molda o presente, mas no caso da nossa sistemática ocorre o contrário o presente se torna norma capaz de influenciar e pré-ordenar o futuro, ou seja, no novo CPC a uniformização e estabilização de jurisprudências tem cuidados especiais com a fundamentação, não se considera fundamentada decisão que se limita a invocação de precedentes ou enunciados de súmulas sem identificar fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso se amolda àqueles fundamentos, nem decisões que deixam de seguir (seguem caminho diverso) de enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção entre um caso e outro ou a superação de um entendimento.
Essa aproximação do nosso sistema Civil Law do Common Law tem fundamentos nos direitos e garantias fundamentais de igualdade e segurança jurídica, princípios basilares e indispensáveis em um Estado Social Democrático de Direito.
É evidente as diferenças básicas que se constroem ao longo do tempo em um sistema de direito costumeiro, formado com base em precedentes vinculativos definidos a partir decisões de casos concretos e em condutas e costumes habituais de uma sociedade, daquele que ocorre em um sistema de direito escrito, no qual as posições dos tribunais acontecem a partir de interpretação e aplicação das normas que constituem o Ordenamento jurídico de uma sociedade a um caso concreto.
Common Law puro: não há um ordenamento escrito para interpretar e aplicar a um caso concreto, a fonte da decisão é o precedente ou o costume, cultura de um povo.
Civil Law puro: solução de um caso concreto por meio de interpretação e aplicação de um ordenamento escrito, podem ocorrer interpretações e aplicações diversas de uma mesma norma jurídica em casos concretos idênticos.
Mesclagem Civil Law como fonte primária e Common Law como fonte secundária, subsidiária, complementar: solução de um caso concreto por meio da interpretação e aplicação da lei escrita, costumes, precedentes, jurisprudências como formas de aplicação do direito sempre fundamentado com base principiológica no ordenamento positivado. Busca-se uma uniformização e estabilização de interpretações e aplicações do direito escrito a casos análogos, fornece aos operadores do direito subsídios para suas teses e fundamentações respeitando-se sempre as peculiaridades de cada caso, ou seja, dar aos iguais o tratamento conforme suas igualdades e aos desiguais o tratamento conforme suas desigualdades.
“O sistema inspira-se nas tradições do Common Law, mas não se limita a uma simples versão do instituto anglo-saxônico. Respeita as peculiaridades da construção histórica de nosso ordenamento jurídico, dos movimentos doutrinários, bem como da experiência que, em torno da matéria, a lei e os tribunais têm vivido.” (Humberto Theodoro Júnior, Genjurídico, 06 de fevereiro de 2019)
No novo CPC é visível essa aproximação em diversas passagens, diga-se de passagem, o Capítulo III do Livro I da Parte Especial, que diz respeito às hipóteses de improcedência liminar do pedido, em diversos artigos do Livro III da Parte Especial como exemplo os Capítulo I das Disposições Gerais que vai dos artigos 926 ao 928 NCPC, no Capítulo II é visível no artigo 932, IV e V, NCPC, no Capítulo V artigo 954, Parágrafo único, NCPC, no Capítulo VIII artigo 976, § 4°, artigo 979, 982, 985, 987, § 2°, NCPC, no Capítulo IX artigo 988, NCPC, ademais estará visível também a partir do Título II também do Livro III da Parte Especial que ditará os mecanismos para interposição de recursos como por exemplo artigos 1036 e 1037, NCPC.
Ao nosso ver além de atender aos princípios constitucionais da segurança jurídica e da igualdade, atende também às competências constitucionais outorgadas às Cortes Superiores de Justiça, em especial O Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição, suas decisões são sempre fundadas em matérias de direito e não de fato e tem o condão de interpretar de dar sentido às normas constitucionais, sendo assim os seus pronunciamentos na solução dos recursos extraordinários repetitivos, não podem deixar de prevalecer sobre os demais processos com a mesma questão constitucional em discussão. O Supremo Tribunal de Justiça na esfera infraconstitucional cumpre papel parecido com o do STF, ao julgar os recursos especiais interpreta a Lei e garante a unidade do direito aplicado, eliminando conflitos de interpretação. O objetivo é muito maior, quando a CF confere essas competências às Cortes Maiores, pois seus posicionamentos vão além do caso concreto em si, não interessa somente as partes, mas sim é de interesse de toda a coletividade.
AS CRISES JURÍDICAS
Para se distinguir o tipo de procedimento, de provimento ou de processo apropriado para o caso concreto, primeiro é preciso definir o tipo de conflito de interesses em jogo. Conflito de interesses são crises sociais que o Judiciário deverá se comprometer a solucionar, a doutrina divide essas crises jurídicas em três modalidades: a) crise de certeza; b) crise da situação jurídica; c) crise de cooperação. Iremos detalhar cada uma delas:
Crise de certeza: conflito tipificado pela necessidade de se obter do Poder Judiciário uma certeza jurídica acerca da existência ou inexistência de uma relação jurídica, ou sobre a falsidade ou autenticidade de um documento.
Crise da situação jurídica: conflito tipificado pela necessidade de obter do Poder Judiciário uma situação jurídica nova, que represente uma mudança jurídica da situação anterior.
Crise de cooperação (adimplemento ou inadimplemento): conflito tipificado pela necessidade de se obter do Poder Judiciário o cumprimento da norma jurídica desobedecida (cooperação ou adimplemento).
Sendo o processo ferramenta imprescindível para a pacificação social, deverá ofertar as técnicas apropriadas para atingir a finalidade para a qual existe. Assim poderá existir um processo de conhecimento, outro de execução ou ambos os dois em que cognitivo e executivo se mostram presentes (tutela sumária). O tipo de provimento deverá ser adequado para o que cada caso concreto exigir, casos urgentes exigem tratamento diferenciado dos não urgentes, tutelas de família exigem técnicas diversas daquelas usadas para tutela de direitos patrimoniais, etc.
O direito processual encontra na crise de cooperação sua maior dificuldade de pacificação, pois somente a declaração do direito não é o suficiente para por fim ao conflito de interesses, é preciso ir além disso, ir da norma jurídica declarada para sua atuação no mundo dos fatos, ou seja, do direito ao fato (la legge ai fatti). Declarar e fazer atuar o direito separa a atividade jurídica de conhecimento da de execução. A cognição é certamente marcada por um amplo contraditório, diálogo, cooperação entre juiz e às partes com a finalidade de revelar o direito e definir quem está com a razão. Já a execução, restrita às crises de cooperação, tem como ponto de partida o próprio direito revelado nas normas. Nessa fase o contraditório é reduzido porque a finalidade aqui é fazer atuar a norma jurídica declarada, satisfazer um direito reconhecido o realizando no mundo dos fatos. Por intermédio dessa atividade, o Poder Judiciário substitui ou estimula (sub-rogação ou coerção) a vontade do executado, atuando a norma jurídica concreta. Enquanto as normas jurídicas concretas constitutivas e declaratórias independem do comportamento do vencido para se efetivarem, não é o que se passa com a norma jurídica concreta revelada a partir de uma crise de cooperação. Raros são os casos de devedores, que diante de uma sentença condenatória que lhes seja imposta, decidem cumpri-la espontaneamente.
PROCESSO DE EXECUÇÃO
Quando for a alguém imposta uma obrigação e este não a cumprir espontaneamente, surge o direito de execução. Para se exercer esse direito necessita-se que o Estado seja intermediário, pois são raros os casos em que o nosso ordenamento permite a autotutela (exercício da vontade individual sem intervenção do Estado). Portanto, através do explanado percebe-se a existência de duas formas de execução: a primeira se trata da execução espontânea, quando o devedor por sua própria vontade salda ou cumpre com a sua obrigação assumida; a segunda trata-se da execução forçada, que é aquela realizada em juízo, ocorre quando o devedor não cumpre com seus deveres perante o credor o obrigando a entrar em juízo para obter através da ferramenta estatal a satisfação de um direito reconhecido ou um provável direito. A segunda é o nosso objeto de apreciação.
São pressupostos para existência da execução forçada: obrigação sobre a qual não existe incerteza quanto a sua existência e titularidade, cabendo ao Estado forçar aquele que tem o dever de cumpri-la a realiza-la. Obrigação indiscutível (título executivo), o titular do título (exequente) e aquele que deve cumpri-la (executado).
O novo CPC prevê dois tipos de execução, em dois livros distintos: o primeiro se destina ao cumprimento de sentença, que é a forma executiva para os títulos judiciais; o segundo livro se destina ao processo de execução, que é a forma de execução para os títulos extrajudiciais.
A fase de cumprimento de sentença com a reforma do CPC em 2015, deixou de ser autônomo e passou a ser uma etapa do processo de conhecimento, ou seja, a sentença deixou de ser decisão que extingue o processo e que ensejava propositura de nova ação para satisfação da obrigação. No novo CPC o processo de conhecimento e de execução são fases de um único processo, que só terá fim com a satisfação do julgado.
PRINCÍPIOS
Toda ciência tem um ponto de partida, um alicerce para tudo que será construído, uma base sólida, premissas que influenciam a sua própria formação e sem as quais é impossível trabalhar, nem pensar e nem seguir uma sequência lógica e obter resultados eficazes. No direito não é diferente, os princípios são enunciados normativos, de valor muitas vezes universal, ou seja, abrangentes de todo um ordenamento jurídico. São os princípios que orientam a compreensão do ordenamento quanto sua elaboração, aplicação, integração, alteração ou supressão. Ao se elaborar uma norma deve ser observado um conjunto de valores e princípios, sendo que estes podem estar ou não escritos, mas são universalmente aceitos.
A reforma do CPC em 2015, trouxe uma nova interpretação a dialética processual, trazendo para dentro do código princípios já consagrados na Constituição Federal, impondo a máxima efetividade como princípio de justiça a ser alcançado pelo Poder Judiciário. O Processo Civil não é mais um fim em si mesmo e sim um meio de se alcançar a satisfação da tutela jurisdicional, a partir da reforma passou a compreender a efetividade como norte a ser alcançado, o processo deixou de ser extinto com a sentença tendo continuidade com a fase de execução e sendo extinto apenas com a satisfação do julgado.
A fase de execução deve também ser pautada sobre a égide da legalidade, pois assim como tem de um lado os direitos do exequente em satisfazer suas pretensões, existe do outro lado o executado que tem o direito de não ter a sua esfera de interesses e o seu patrimônio invadido para aquém daquilo que realmente deve. Por isso a fase de execução também deve correr observando o devido processo legal, a doutrina processualista é divergente e variável classificando diversos princípios à fase de execução, mas a verdade é que todos os princípios que regem o direito processual são aplicáveis à execução por esta fazer parte do processo, vamos ver a seguir alguns princípios a serem observados.
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PRINCÍPIOS DA EXECUÇÃO:
a) Princípio da autonomia:
O processo executivo já foi totalmente autônomo, ou seja, qual fosse sua origem deveria ser provocado, deveria se entrar com uma ação em juízo postulando um título, seja ele judicial ou extrajudicial e levava-se anos para que um direito reconhecido fosse finalmente satisfeito. Existia uma interrupção entre as prestações jurisdicionais, a sentença dava fim ao processo de conhecimento e o vencedor era obrigado a ingressar com um novo procedimento para tentar impor ao vencido o comando contido na sentença.
Com a reforma processual civil a autonomia nesse tipo de ação foi fragmentada, no cumprimento de sentença a cognição e execução passaram a constituir fases de um mesmo processo e com isso o ingresso de ação autônoma para esse tipo de execução deixou de existir. Nos demais casos a ação continua sendo autônoma, é necessário provocar o Poder Judiciário para executar títulos extrajudiciais. Os títulos judiciais derivados de sentença penal condenatória, sentença arbitral e sentença estrangeira, não sendo adimplidas espontaneamente as obrigações contidas neles, será sempre necessário o ingresso de um novo processo, com inicial, citação e tudo que é peculiar em uma ação autônoma de execução civil, é que nesses casos pela sua própria natureza e características peculiares não é possível a reunião desses procedimentos cognitivo e executivo como fases de um só processo.
No mais, a autonomia continua presente, seja no cumprimento de sentença ou na execução de títulos extrajudiciais, isso porque as regras e finalidade específica desse procedimento foram mantidas, qualquer discussão de mérito que ocorra nesta fase deve ser discutida em apartado. O que mudou foi a forma de se ingressar com a execução, enquanto que para os títulos extrajudiciais é necessário provocar o Poder Judiciário com uma ação autônoma peticionando e citando o devedor, no cumprimento de sentença essa provocação já veio muito antes, no início da lide de conhecimento e quando prolatada a sentença basta ao credor o desejo de iniciar a execução de seu título, não sendo mais necessário o ingresso com outra ação, nem de citação de seu devedor.
(1)-Pode até parecer que após a reforma processual e após mencionar esse sincretismo processual (reunião de cognição e execução em fases de um só processo), que somente há autonomia nas execuções de títulos extrajudiciais e de que no processo de execução derivado de cumprimento de sentença não há mais que se falar em autonomia. Mas no nosso ponto de vista, ainda assim vigora autonomia executiva, pois mesmo no cumprimento de sentença a execução só será instaurada e terá prosseguimento no interesse do credor e nada mais (princípio da unilateralidade do interesse na atividade executiva), ou seja, não cabe ao magistrado a não ser em casos excepcionais de risco de perecimento do direito ou de impossibilidade de cumprimento pelo devedor, instaurar, prosseguir a execução de ofício no lugar do credor. Não pode o juiz substituir a vontade do credor sob pretensa função jurisdicional, mesmo que a sentença seja do juiz, o crédito e a iniciativa de executar e prosseguir é pessoal do credor, sua vontade pode ser de no momento não executar por ora seu devedor, por algum motivo particular ou buscando uma solução amigável para o pagamento da dívida. O processo deixou de ser autônomo para os títulos judiciais, mas o procedimento continua gozando de autonomia e baseada no interesse do credor.
Vale ainda ressaltar que embora a lei traga como título judicial apenas sentenças judiciais, as decisões interlocutórias que tenham natureza condenatória também são cabíveis o incidente de cumprimento de sentença. As decisões interlocutórias que concedam a tutela de urgência também são exequíveis em procedimento incidental antecipado ou no curso do processo de conhecimento, mas ainda não conferem ao exequente um título, pois a ampla defesa e o contraditório serão exercidos em momento posterior, sem prejuízos as custas e sanções impostas às partes e eventuais responsabilidades da parte vencida.
b) Princípio da unilateralidade do interesse na atividade executiva:
Ler princípio da autonomia, vide item número 1.
c) Princípio da Inércia:
Um dos pilares para existência do próprio processo, sem o qual a máquina estatal sequer se move, o Judiciário é inerte (ou seja permanece em repouso até que o provoquem), isto significa que, para se ter a tutela jurisdicional sobre suas pretensões é necessária a provocação do interessado, ou seja, que este entre com a ação em juízo, para só assim haver a aplicação das normas jurídicas para obter ou não o que se pretendia.
Pode até parecer contraditório falar em inércia na fase de execução depois de ter dito que com a reforma feita no CPC de 2015 a fase de execução passou a ser só mais uma fase de um mesmo processo, que mesmo assim após a sentença deva haver provocação para a execução do julgado, mas não é assim, veja que nesses casos a relação jurídica processual concentra os dois módulos, cognitivo e executivo e na propositura da ação e início da contenda o pedido do autor já é enigmático, pois revela a pretensão cognitiva com a pretensão executiva. Portanto, mesmo no cumprimento de sentença o princípio da inércia está presente, a execução do julgado somente se iniciará e prosseguirá no interesse do credor e nas excepcionalidades mesmo a lei conferindo atos de ofício pelo juiz, inclusive a efetivação da execução no caso de risco de perecimento ou de impossibilidade de realização do direito, ela já foi provocada muito antes, quando o autor deu início a demanda propondo a ação. Nos casos em que se trata de processos autônomos, como acontece com os títulos extrajudiciais a inércia é evidente.
d) Princípio da disponibilidade da execução:
O credor não é obrigado a prosseguir a execução que deu início, a lei lhe confere a livre disponibilidade do processo de execução. No processo de conhecimento o autor pode desistir de sua pretensão (extinguindo o processo) ou alterar o seu pedido unilateralmente até a citação válida, a partir da qual não será mais possível sem a anuência de ambas às partes, autor e réu. Isto ocorre porque decorrido prazo de resposta o direito a tutela jurisdicional pertence a ambas às partes.
Quanto ao processo de execução a sistemática é outra, pois, aqui não se discute mais o mérito da controvérsia nem às normas aplicáveis a esta, o crédito do autor da lide aqui já é certo e líquido e o que busca a jurisdição aqui é apenas torná-lo efetivo. O direito já se encontra reconhecido e conferiu ao credor um título executivo, portanto, na execução a lei confere ao autor detentor do título o direito de desistir de toda execução ou apenas parte dela ou de algumas medidas executivas sem participação do réu. Da desistência o autor assume a responsabilidade pelas custas, se houver embargos do executado o autor além das custas terá o ônus de indenizar os honorários do advogado deste.
Quanto aos embargos cumpre destacar que se forem meramente para discutir questões de cunho processual serão extintos com a desistência do autor, pois o réu nada teria a ganhar com sentença de procedência processual. Mas, se forem embargos relacionados ao mérito como anulação do título ou extinção do débito poderá o devedor prosseguir o recurso, mesmo com a desistência da execução pelo autor, nesse caso para a extinção dos embargos terá a necessidade de concordância do embargante (devedor). Isso ocorre para evitar que o exequente possa tentar com a desistência de executar escapar de eventual procedência dos embargos do executado em relação ao mérito, pois a demanda perderia seu objeto e com isso ocorreria a extinção dos embargos e das impugnações.
Humberto Theodoro Jr. enumera as consequências desse estado de sujeição em que se encontra o devedor dento do processo de execução, vejamos:
enquanto não embargada a execução, “é o exequente senhor de seu crédito, e dele pode desistir, parcial ou totalmente”, sem depender de consentimento do devedor;
pode, igualmente, alterar o pedido, para variar de espécie de execução, sem o assentimento do executado, mesmo após a citação;
se vários são os coexecutados, cabe ao credor o poder de desistir, a qualquer tempo, em relação a um ou alguns deles, já que “tem a livre disponibilidade da execução”;
a desistência da execução, no todo ou em parte, depois dos embargos, independe de anuência do executado, mas não impede que este faça prosseguir sua ação incidental, se versar sobre o mérito da dívida” (Curso de Direito Processual Civil, vol. III, Editora Forense, Rio de Janeiro, 2016).
Ocorre que a desistência depois de julgados improcedentes os embargos, exonera o credor dos honorários da parte adversa e fortalece seu título, pois o devedor já exerceu sua defesa e já foi condenado aos encargos, com autoridade da coisa julgada. Vale destacar ainda que a desistência não se confunde com a renúncia, a renúncia diz respeito ao mérito da causa e uma vez exercida faz extinguir a pretensão formulada na ação, não sendo mais possível nova execução fundada no mesmo título executivo. A desistência por sua vez diz respeito somente ao processo e não ao mérito que continua a existir, portanto, não impede a renovação da execução sobre o mesmo título. Havendo improcedência de embargos do devedor e após isso ocorrer a desistência, o credor a qualquer tempo poderá voltar a executá-lo, contando agora com a inquestionabilidade do que foi decidido na sentença pronunciada nos embargos.
e) Princípio da Patrimonialidade ou da execução real:
A garantia do débito é o patrimônio e não a pessoa do devedor, a exceção ocorre quando a execução recai sobre dívida de alimentos. Assim dispõe o art. 789 do Novo CPC: “o devedor responde com todos os seus bens presentes e futuros pra o cumprimento de suas obrigações”. Salvo as restrições estabelecidas em lei”. Assim sendo, a submissão do patrimônio do devedor não é absoluta e em alguns casos previstos em lei pode atingir patrimônio de terceiros (art.591 novo CPC). No caso de dívida de alimentos a responsabilidade é pessoal e a prisão é vislumbrada como um meio de coerção, nos demais casos ela é patrimonial e caso o devedor não tenha bens patrimoniais frustra-se a execução e suspende-se o processo, sendo inadmissível que a execução recaia sobre a pessoa do devedor como ocorria no antigo direito Romano. O art. 5, inciso LXVII da Constituição Federal não permite a prisão civil derivativa de dívidas, salvo provinda de inadimplemento alimentício. Quanto a prisão do depositário infiel incluso no art. 5 mesmo inciso da CF como outra hipótese de prisão civil, foi declarada ilícita em votação pelo STF com fundamento no parágrafo 2° do mesmo artigo que dispõe que outras garantias decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados que o Brasil seja parte não serão excluídos. De fato o Brasil é signatário de diversos tratados relacionados aos direitos humanos, dentre eles o Pacto de San Jose da Costa Rica, que trata da matéria vedando a prisão civil, seguindo essa lógica o STF a partir da votação da súmula vinculante 25 declarou “ilícita a prisão civil do depositário infiel, qualquer que seja a modalidade de depósito”, prevalece aqui o entendimento de que entre o conflito de normas internacionais e normas internas no que se refere aos direitos humanos prevalecerá a que for mais ampla, diversas normas do direito civil foram declaradas inconstitucionais, portanto no direito atual somente se permite a prisão por dívida civil referente aos alimentos.
f) Princípio da atipicidade e adequação dos meios executivos:
Esse princípio sofreu uma transformação importante após a reforma processual, a nova tendência constitucional de salvaguardar e entregar ao cidadão seus direitos (tutela justa e efetiva), fez com que o legislador aos poucos modificasse os institutos introduzindo novas técnicas mais adequadas a nova realidade social: o Estado Democrático. A reforma processual foi uma delas, com isso o processo deixou o estado de engessamento em que se encontrava e passou a ser mais dinâmico, o juiz deixou de ser apenas um personagem tímido e inerte e passou a assumir uma postura mais participativa e comprometida com a entrega em tempo razoável e com a efetividade da tutela jurisdicional. A antiga tipicidade dos meios executórios, a qual não permitia ao magistrado a escolha do meio executivo e que não dava espaço para invenções ou criações a não serem aquelas previstas em lei foi superada com a adoção da atipicidade dos meios de execução. Com o novo ditame, o juiz em cada caso concreto pode escolher o meio que lhe parecer mais adequado para a atividade executiva e satisfação da tutela jurisdicional. Com a reforma processual, o rol dos meios executivos se tornou meramente exemplificativos e não exaustivos, ou seja, não se encerram ali, o novo Código consagrou esse princípio em seu artigo 536, § 1°, que possibilita ao magistrado em cada caso concreto adotar outros meios de execução que não estejam expressamente previstos na legislação. Este princípio também fica demonstrado no art. 139, IV, NCPC e para as execuções provisórias fica expresso no art. 297. NCPC.
O art. 139, IV ainda possibilita a cumulação dos meios comuns com os indutivos e coercitivos para obter a eficácia, inclusive a pecúnia como menciona o dispositivo. Mas em alguns casos o legislador ainda manteve a tipicidade dos meios executivos como por exemplo: os títulos judiciais e extrajudiciais para pagamento de quantia sem urgência.
g) Princípio da efetividade, da satisfatividade ou exato adimplemento:
O processo deve dar à parte aquilo e exatamente aquilo que ela teria direito se o devedor tivesse cumprido sua obrigação espontaneamente. A execução incidirá sobre o patrimônio do devedor somente naquilo que for indispensável para a satisfação do credor.
Assim traz redação do art. 831 do NCPC, “a penhora deverá recair sobre tantos bens quantos bastem para o pagamento do principal atualizado, dos juros, das custas e dos honorários advocatícios”. E art. 899, NCPC, “será suspensa a arrematação logo que o produto da alienação dos bens for suficiente para o pagamento do credor e para satisfação das despesas da execução”. Ressalvados o caso de insolvência, em que tem lugar o concurso universal e a expropriação universal do patrimônio do devedor (art. 797, NCPC).
h) Princípio da utilidade da execução:
O processo de execução não será admitido quando apenas trouxer prejuízos ao devedor sem converter vantagem alguma ao credor, ou seja, a execução não pode ser transformada em instrumento de simples castigo ou sacrifício do executado.
Humberto Theodoro Jr. diz, “em consequência, é intolerável o uso do processo executivo apenas para causar prejuízo ao devedor, sem qualquer vantagem para o credor. Por isso, “não se levará a efeito a penhora, quando ficar evidente que o produto da execução dos bens encontrados será totalmente absorvido pelo pagamento das custas da execução” (art. 836). Por força do mesmo princípio, o art. 891 do NCPC proíbe a arrematação de bens penhorados, por meio de lance que importe preço vil, considerando-se como tal o que for inferior ao mínimo estipulado pelo juiz e constante do edital; e não tendo sido fixado preço mínimo, o que for inferior a cinquenta por cento do valor da avaliação (art. 891, parágrafo único)” (Curso de Direito Processual Civil, vol. III, Editora Forense, Rio de Janeiro, 2016).
i) Princípio da nulidade da execução sem o título (NULLA EXECUTIO SINE TITULO) e da execução sem título permitida:
Qualquer execução é nula sem a existência de um título, seja ele judicial ou extrajudicial. Se a lei não atribuir caráter executivo a qualquer documento, não há que se falar em título. Não há como executar alguém sem algo concreto que seja capaz de traduzir a existência de uma obrigação a ser realizada pelo executado. No caso das antecipações de tutela deve-se existir pelo menos uma probabilidade (FUMUS BONI IURIS) de existência do direito alegado, por isso boa parte de juristas e doutrinadores entendem haver uma exceção nesses casos de “princípio de “execução sem título permitida”, outra parte entende que o termo sentença abrange a decisão interlocutória que defere o pedido de tutela antecipada, permitindo-se sua execução (título judicial provisório). Ficamos com a primeira posição, pois decisão interlocutória no novo CPC não se reveste de caráter de sentença e apenas fornece a alguém um título quando parte do direito se torna reconhecido durante a fase de conhecimento condenando a outra parte a realiza-lo, veja que esse título é parcial e o restante do mérito continua em discursão, somente terá se sentença com o fim da fase de cognição.
j) Princípio do desfecho único:
Sobre a égide desse princípio não se fala em procedência ou improcedência, pois na fase executória o que se busca é apenas a satisfação do direito do credor (cumprimento de sentença ou processo autônomo) e não a discussão do mérito, portanto o que se tem aqui é a previsão de um desfecho único da execução que pode ser frutífera ou infrutífera mas não procedente ou improcedente. No processo executivo a sentença tem caráter meramente processual, ou seja sua função é declarar a extinção da execução pois todos seus atos já foram realizados e sua função se exauriu.
Marcelo Abelha conceitua que “o princípio do desfecho único implica dizer que a função executiva termina de forma típica ou normal quando se prolata uma sentença que reconhece a satisfação do direito exequendo” (Manual de Execução Civil, 5ª ed. Editora Forense, Rio de Janeiro, 2015).
Isso significa que diferentemente do processo de cognição que admite um desfecho duplo (procedência ou improcedência) como formas normais de esgotamento, o mesmo não ocorre no processo de execução que tem como meta um desfecho único, a satisfação de um direito já reconhecido ao credor, qualquer outra forma de esgotamento que não seja a declaração de satisfação do direito do exequente é considerada anormal. A principal consequência da adoção desse princípio é o isolamento do processo executivo de modo que qualquer discursão deve correr em procedimento próprio incidental apenso à execução. Esse princípio sofre modificação a depender se é cumprimento de sentença ou processo autônomo de execução, no primeiro o executado vale-se das impugnações através dos agravos instrumentais, no segundo valera-se dos embargos à execução, os recursos podem variar caso a caso.
k) Princípio da responsabilidade do devedor ou dos ônus da execução:
Só haverá execução com a existência de um título executivo ou pelo menos a probabilidade da existência de um direito e inadimplemento do devedor (descumprimento de uma obrigação). O devedor em mora deve suportar todas as consequências da demora em cumprir a obrigação, deve reparar além da dívida principal todas as custas e prejuízos que a mora houver acarretado ao credor, juros, atualização monetária e os honorários advocatícios.
No que concerne a tal princípio Marcos Vinicius Rios Gonçalves deixa claro “É frequente que o credor tenha de antecipar o pagamento de tais despesas, sob pena de não haver como prosseguir a execução. No entanto, feita a antecipação, as despesas serão incluídas no débito e suportadas pelo devedor” (Processo de Execução e Cautelar, 15ª ed. Editora Saraiva, São Paulo, 2012).
Responsabilidade do credor pela execução indevida: a responsabilidade se inverte caso a execução tenha sido injusta. Todos os tipos de danos dela decorrentes terão que ser reparados, inclusive os extrapatrimoniais. Para que esteja configurada a responsabilidade por execução indevida é necessária uma decisão judicial transitada em julgado que reconheça a inexistência no todo ou em parte do direito do exequente. Como por exemplo decisão de procedência de mérito do devedor transitada em julgado nos embargos, acordão favorável transitado em julgado em sede de apelação, decisão favorável com trânsito em julgado das impugnações ao cumprimento de sentença, etc.
Pode ocorrer também quando julgada procedente revisão criminal do executado, em que seja absolvido pela autoria do crime que deu origem a sentença penal condenatória e seus efeitos civis.
Não é necessário que o rito esteja em seus atos finais, basta que a execução instaurada seja injusta, os atos e própria instauração injustamente já são suficientes para criar ao executado consequências danosas.
Por uma leitura básica do art. 776, NCPC é necessário a união dos seguintes elementos para sua configuração: que o executado tenha sofrido danos; que tenha movido ação face ao exequente; que o objeto dessa demanda seja declaração de inexistência do direito do credor; que esta decisão seja favorável ao executado e tenha transitado em julgado. O prejudicado deverá demandar o credor em ação própria, provando os danos e liquidando o seu quantum. A simples procedência dos embargos de rito nem sempre responsabilizam o exequente por danos, pois o seu direito pode existir e apenas a forma, as medidas executivas estejam em desacordo com o fim que a execução deseja atingir.
As partes com o reconhecimento de que a execução é indevida devem voltar ao estado anterior (Quo Ante) sempre que possível, na impossibilidade o exequente deve ressarcir o executado em tudo aquilo que ele gastou (valores penhorados, bens desapossados, interditados, honorários do advogado, custas do processo, etc.) mais os danos decorrentes.
l) Princípio da menor onerosidade ou da economia da execução:
Tal princípio visa vedar arbitrariedades no procedimento executivo, que este não seja usado como instrumento de vingança, garantindo ao executado que não sofra mais consequências do que as necessárias para a satisfação do credor. Quando o credor por vários meios puder obter a satisfação, o juiz mandará que se faça pelo meio menos gravoso para o executado (Art. 805, NCPC). No conflito a efetividade não pode ser sacrificada pela menor onerosidade, o juiz deve observar os princípios da razoabilidade em conjunto com o da proporcionalidade e encontrar um meio que evite sacrifícios descomunais tanto ao credor bem como ao devedor.
Marcelo Abelha, ainda sobre esse princípio nos informa que: “Por outro lado, é importante deixar claro que esse princípio não autoriza que o executado possa dele se valer para trazer alegações metajurídicas do tipo: a execução é absurda; ficará na penúria; o credor não precisa do dinheiro etc. Enfim, as mazelas da vida não devem ser suportadas pelo exequente” (Manual de Execução Civil, 5ª ed. Editora Forense, Rio de Janeiro, 2015).
m) Princípio da lealdade ou boa-fé processual:
É uma norma fundamental do direito processual seja ele de qualquer natureza, exige-se que no processo todas as partes envolvidas atuem de forma cooperativa e de boa-fé. Existem sanções previstas no novo CPC para os sujeitos que agirem de forma desleal e com má-fé, praticando atos considerados atentatórios à dignidade da justiça.
Na execução civil a tutela da boa-fé encontra se descrita em diversos artigos sendo os mais específicos o art. 772, II e 774 NCPC.
É uma possibilidade esperada que na fase de execução o devedor lance de meios antiéticos para burlar ou impedir que a execução alcance êxito, pois nessa fase o exequente espera receber o seu crédito e o devedor se sujeita a pagar o que deve. Nesse estágio o Estado pode expropriar, desapossar ou até mesmo impor o fazer e o não fazer mesmo contra a vontade do devedor. Diante dessa situação iminente de perda de patrimônio pode o devedor em desespero agir maliciosamente e de má-fé. Sabendo dessa tendência natural o legislador deu um destaque especial a essa fase prevendo regramentos específicos relativos às penalidades a serem impostas às partes que agirem atentatoriamente a dignidade da justiça. Além do art. 774 e o seu rol exaustivo de condutas maliciosas do executado, que são consideradas atentatórias a dignidade da justiça, ainda o art. 918, III, do NCPC, prevê que os embargos manifestamente protelatórios do executado serão liminarmente indeferidos e o seu parágrafo único os consideram conduta atentatória a dignidade da justiça.
Cabe ainda ressaltar que as penalidades previstas para os atos desleais cometidos na execução poderão ser cumulativas com outras de ordem processual ou material, ou seja, umas não excluem as outras é o que define o parágrafo único do art. 774 NCPC: “Nos casos previstos neste artigo, o juiz fixará multa ao executado em montante não superior a vinte por cento do valor atualizado do débito em execução, a qual será revertida em proveito do exequente, exigível na própria execução, sem prejuízo de outras sanções de natureza processual ou material”.
Ficando provado que no decorrer processual o exequente agiu de má-fé e a sanção lhe for aplicada, esta será abatida do valor do seu crédito, por compensação, sempre que isto se mostrar viável.
n) Princípio do contraditório:
Nesta fase sua aplicação é mitigada e peculiar e não possui a mesma característica da fase de conhecimento, é de se entender, pois no processo de conhecimento busca se reconhecer ou não um mérito (autor e réu estão em pé de igualdade, com um ou com outro poderá estar a razão, a um ou ao outro poderá ser entregue a tutela jurídica), tendo aqui um amplo e irrestrito contraditório, ampla defesa, métodos probatórios, etc. justamente por estar se buscando aqui a demonstração de um direito reclamado, a revelação de uma norma jurídica aplicável ao caso concreto ou no popular “quem está ou não com a razão”. E na fase executiva já não há discussão de razão, porque ela já foi reconhecida lá atrás na sentença que reconheceu o mérito na fase cognitiva e está representada no título judicial, no caso de títulos extrajudiciais a razão já vem demonstrada no próprio título. As posições jurídicas na execução se invertem, credor está em uma posição privilegiada em relação ao devedor, que a este está submisso, tendo em seu favor um encargo a cumprir, contra ou com sua vontade e sujeito a coerções por parte do Estado para efetivação de um pressuposto e muito provável direito exequendo (credor tem o poder de exigir e a sujeição do devedor em pagar). O que se busca é apenas satisfazer um direito já reconhecido anteriormente (desfecho único). O contraditório é reduzido e fica imposto de limites, sendo que qualquer outra discussão em relação a mérito de existência, liquidez, deve ser julgado em procedimento cognitivo em apartado da execução.
Mesmo não havendo discussão de mérito no provimento executivo, existe o contraditório, pois ao longo do procedimento o juiz profere diversas decisões, determina os métodos mais eficazes e determina a prática de atos pelas partes devendo assegurar às partes a possibilidade de manifestação. O contraditório é assegurado pela CF art. 5, LV em todos os processos judiciais e não faz exceção, sendo indiscutível sua aplicação na execução civil. O contraditório é indispensável e sem ele não se deve falar em devido processo legal, já que um está intrinsecamente ligado ao outro. A oportunidade de poder ser ouvido conferindo aos litigantes a paridade de armas é fator essencial de legalidade do processo como meio realizador de justiça.
o) Princípio da subsidiariedade:
É um princípio universal aplicável a todo o ordenamento jurídico, se aplica tanto ao direito material como processual de qualquer natureza, busca-se preencher vazios na lei que poderiam acarretar dificuldades ou até a impossibilidade de se entregar a tutela jurídica. No direito processual é garantidor de legalidade, pois, garante aos jurisdicionados que eles obterão a máxima efetividade da prestação jurisdicional sem sacrificar os seus direitos e garantias fundamentais, dentre eles o acesso à justiça que compreende não apenas o direito de ingressar com uma pretensão em juízo, mas também de obter em tempo razoável a solução a resposta aos postulados (eficácia). De nada adiantaria entrar com uma ação em juízo com a certeza de que na dúvida ou na falta de norma reguladora o caso não seria resolvido. Por isso, o ordenamento jurídico é dotado de princípios e métodos que visam preencher esses vácuos, garantindo aos jurisdicionados segurança jurídica e a máxima eficácia com a certeza de que seus conflitos serão solucionados e a paz social novamente estabelecida.
Um exemplo prático da subsidiariedade jurídica no processo é o caso dos institutos da litispendência e da coisa julgada, que são institutos previstos no Código de Processo Civil, mas que na sua ausência podem ser aplicados a todo e qualquer processo de qualquer natureza, o Código de Processo Penal por exemplo, não traz explícitos estes institutos, mas por uma leitura básica do nosso ordenamento e de qual sejam suas finalidades constitucionais, são aplicáveis subsidiariamente e garantem aos indivíduos processados criminalmente que não sejam processados duas vezes ou que não cumpram pena duas vezes por um mesmo fato criminoso.
Na execução, sempre que necessário, as regras do Livro I concernentes ao procedimento de cumprimento de sentença serão emprestadas para Livro II referentes ao procedimento de execução dos títulos extrajudiciais:
“Art. 771. Este Livro regula o procedimento da execução fundada em título extrajudicial. Suas disposições aplicam-se, também, no que couber, aos procedimentos especiais de execução, aos atos executivos realizados no procedimento de cumprimento de sentença, bem como aos efeitos de atos ou fatos processuais a que a lei atribuir força executiva.
Parágrafo único. Aplicam-se subsidiariamente à execução as disposições do Livro I da Parte Especial.”
Na necessidade o inverso também poderá ocorrer:
“Art. 513. O cumprimento da sentença será feito segundo as regras deste Título, observando-se, no que couber e conforme a natureza da obrigação, o disposto no Livro II da Parte Especial deste Código.”
Marcelo Abelha descreve bem a instrumentalidade desse instituto e sua presença clara no procedimento executório ao dizer que “resta clara, portanto, a simbiose entre os dos Livros da parte especial. E ela será muito importante porque, regra geral, o cumprimento de sentença para pagamento de quantia sempre dependerá das regras expropriatórias descritas no Livro II da parte especial, ao passo que, tratando-se de processo de execução de obrigações específicas, é fato inconteste que o Livro I da parte especial é mais bem aparelhado que o Livro II, que, por exemplo, nem sequer tem execução de obrigação de não fazer (o art. 822 trata do desfazer)” (Manual de Execução Civil, 5ª ed. Editora Forense, Rio de Janeiro, 2015).
p) Princípio da dignidade da pessoa humana:
Premissa do Estado Democrático de Direito e corolário de todo ordenamento jurídico, fonte onde nascem todos os demais princípios, não pode ficar excluído ao procedimento executivo.
Com a promulgação do texto constitucional de 1988 o homem deixou de ser apenas um sujeito de obrigações e passou a ser também um sujeito de direitos, a partir da nossa Carta Maior o nosso ordenamento jurídico necessitou passar por longos processos de adaptação e aos poucos vai assumindo as características do novo Estado Democrático.
Com a reforma processual, se tornou também além da duração razoável norte a ser alcançado, ou seja, um elemento indispensável da efetividade, a tutela deve ser entregue respeitando a dignidade humana dos sujeitos do processo, os efeitos da sentença e da execução não podem leva-los a uma condição indigna.
A execução não pode levar o executado e sua família a uma situação incompatível com a dignidade humana, não pode lhe causar a extrema pobreza, à fome, o desabrigo. Com escopo de coibir arbitrariedades e que a execução venha a causar a ruína total do executado, o Código definiu a impenhorabilidade de determinados bens, alguns diretamente ligados a dignidade da pessoa humana, como salários, instrumentos de trabalho, provisões alimentícias, seguro de vida, etc. Mas também faz ressalvas, quanto às dívidas de alimentos, dívidas relacionadas ao próprio imóvel onde reside o sujeito, etc. (Art. 833, NCPC).
CONCLUSÃO
O processo é a ferramenta utilizada para sanar as crises jurídicas e estabelecer novamente a paz social, sendo assim a reforma processual ocorrida já era necessária a um bom tempo. Para ser efetivo e transmitir segurança aos jurisdicionados o direito deve sempre estar de acordo com a época que pretende regular.
Os princípios como informadores do direito são por si só premissas indispensáveis para entender qualquer ordenamento jurídico e quais são as suas finalidades. Ressaltamos aqui que todos os princípios aplicáveis ao processo em geral são também aplicáveis ao processo de execução e servem para lhe conferir legitimidade garantindo que não seja usado arbitrariamente para prejudicar uma das partes ou como instrumento de vingança para uma delas. Os princípios da execução sofreram algumas alterações conceituais e práticas importantes após as reformas processuais, ficaram de acordo com as novas propostas do legislador, ou seja, a desburocratização, celeridade e efetividade da prestação jurisdicional.
O novo código não deixou a desejar com sua influência constitucional e instituiu uma série de princípios que somados às regras garantem às partes um processo justo e seguro. A nova dinâmica processual, com uma interpretação e aplicação constitucional, traz uma segurança jurídico-social de que os direitos e garantias fundamentais serão preservados.
Por fim, a aproximação do nosso ordenamento processual do sistema Common law, fortalece o nosso direito, garantindo a uniformidade das decisões pra situações idênticas, além de uma maior celeridade na resolução dos conflitos.
A cultura do precedente vinculante é de extrema importância em um Estado Democrático de Direito, que coloca todos em pé de igualdade perante a lei. Se todos são iguais perante a lei, as decisões precisam ser iguais para os casos iguais, ainda mais com uma diversidade normativa e com uma sociedade massificada com demandas iguais e em série. O NCPC de 2015 tratou de adotar de forma racional o respeito aos precedentes dos tribunais superiores, sem deixar de lado as peculiaridades de cada caso concreto.
REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS:
Abelha, Marcelo Manual de execução civil / Marcelo Abelha. – 5.ª ed. rev. e atual. – Rio de Janeiro: Forense, 2015.
Theodoro Júnior, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum – vol. III / Humberto Theodoro Júnior. 47. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2016.
Gonçalves, Marcus Vinicius Rios Processo de execução e cautelar / Marcus Vinicius Rios Gonçalves. – 15. ed. – São Paulo: Saraiva, 2012. – (Coleção sinopses jurídicas; v. 12) 1. Processo cautelar – Brasil 2. Processo civil – Brasil 3. Processo de execução – Brasil I. Título. II. Série. CDU-347.9(81)