Home Office e Teletrabalho no Brasil: Guia Completo da Nova Legislação

24/11/2023 às 00:39
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VICTOR HABIB LANTYER

Em 25 de março de 2022 é editada a Medida Provisória nº 1.108, posteriormente convertida na Lei nº 14.442 de 2 de setembro 2022, que versa sobre a regulamentação do teletrabalho no Brasil. Na exposição de motivos, o objetivo da MP e da nova lei foi o de modernizar e oferecer maior clareza conceitual e segurança jurídica às relações trabalhistas regidas pela modalidade, em complemento às inovações já trazidas pela Reforma Trabalhista de 2017.

Elucida ainda que o teletrabalho foi adotado maciçamente durante a emergência de saúde pública causada pela Covid-19, como forma de manter o isolamento social dos trabalhadores. A ampla adoção dessa forma de trabalho, contudo, evidenciou a necessidade de se aprimorar a estrutura normativa do teletrabalho em alguns pontos.

Antes da Lei nº 14.442, o teletrabalho consistia na prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com utilização de tecnologias de informação e comunicação que, por sua natureza, não se constituíam como trabalho externo. Ela altera este art. 75-B da CLT para delimitar que o teletrabalho consiste na: prestação de serviços fora das dependências do empregador, de maneira preponderante ou não, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação, que, por sua natureza, não se configure como trabalho externo.

Ressalta que mesmo havendo o comparecimento presencial habitual do trabalhador em regime de teletrabalho, isso não descaracteriza o regime de trabalho. Novamente em sua exposição de motivos é explicado que a medida visou conferir segurança jurídica às partes da relação trabalhista, já que de acordo com eles já é admitida a execução de tarefas específicas presencialmente de forma habitual, para aqueles que estão no regime de teletrabalho.

O empregado submetido ao regime de teletrabalho poderá prestar serviços por jornada ou por produção ou tarefa. Houve preocupação também em diferenciar o regime de teletrabalho com a ocupação de operador de telemarketing ou de teleatendimento, delimitando que não existe equiparação entre eles.

Ademais, estabelece que o tempo de uso de equipamentos tecnológicos e de infraestrutura necessária, e de softwares, de ferramentas digitais ou de aplicações de internet utilizados para o teletrabalho, fora da jornada de trabalho normal do empregado, não constitui tempo à disposição, regime de prontidão ou de sobreaviso, exceto se houver previsão em acordo individual ou em acordo ou convenção coletiva de trabalho. Esses termos não estavam previstos na reforma da CLT que trouxe a regulamentação do teletrabalho, o que gerou grandes discussões e debates na seara trabalhista.

Fica também permitida a adoção do regime de teletrabalho para estagiários e aprendizes. No que diz respeito ao contrato de trabalho do empregado admitido no Brasil que optar pela realização de teletrabalho fora do território nacional, aplica-se a legislação brasileira, excetuadas as disposições constantes na Lei nº 7.064, legislação que versa sobre a situação de trabalhadores contratados ou transferidos para prestar serviços no exterior.

A lei garante ainda que o acordo individual poderá dispor sobre os horários e os meios de comunicação entre empregado e empregador, desde que assegurados os repousos legais. Ainda determina que os empregadores deverão conferir prioridade aos empregados com deficiência e aos empregados e empregadas com filhos ou crianças sob guarda judicial até quatro anos de idade na alocação em vagas para atividades que possam ser efetuadas por meio do teletrabalho ou trabalho remoto.

Neste aspecto, cabe uma distinção entre teletrabalho e home office, já que não são a mesma coisa, pois possuem características e atributos próprios. A Lei nº 13.467/2017 (Reforma Trabalhista) trouxe normatização própria acerca do teletrabalho pela primeira vez nos artigos 75-A ao 75-E da CLT, alterados pela MP 1.108. Antes da reforma trabalhista, a CLT não fazia distinção do trabalho realizado no estabelecimento do trabalhador ou a distância.

A prestação do serviço em caráter de teletrabalho pode se dar em qualquer lugar, sendo preponderantemente fornecido fora das dependências do empregador ou não, podendo ser prestado da residência do empregado.

Assim, com o teletrabalho, antes da MP nº 1.108 não haveria o controle de jornada do empregado, não sendo possível o direito ao adicional de horas extras, intervalo intrajornada, interjornada, dentre outros, já que o empregado, em regra, controla sua jornada. Existia apenas a exceção, que caso ficasse caracterizado o efetivo controle de jornada por parte da empresa, o empregado faria jus a esses pagamentos.

Com a MP nº 1.108, e posteriormente a Lei nº 14.442, o empregador passa a ter que controlar a jornada dos empregados nessa modalidade, salvo se estes prestam serviço por tarefa ou produção, exercem algum tipo de cargo de gestão e confiança, ou trabalham externamente.

Deverá constar expressamente em contrato individual de trabalho ou em aditivo que a atividade laboral será prestada por meio de teletrabalho. Sendo assim, é essencial que empregador e empregado formalizem como ocorrerá o custeio e o fornecimento de materiais e equipamentos necessários para a prestação da atividade, como, por exemplo, de computador, tablet, energia elétrica, internet, impressora e softwares. Deste modo, cabe trazer o disposto no artigo 75-D da CLT:

As disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado, serão previstas em contrato escrito.

Salienta-se que a CLT, em seu artigo 75-C § 2º, garante que o prazo de transição mínimo do regime de teletrabalho para o presencial aconteça em 15 (quinze) dias, com correspondente registro em aditivo contratual.

Enquanto isso, verifica-se como home office quando o trabalho é realizado remotamente, de maneira eventual, na residência do empregado, podendo ou não configurar a hipótese de teletrabalho, sendo benéfico, principalmente, em casos de emergências como pandemias, enchentes e greves. Nem todas as atividades em home office utilizam-se da tecnologia, que é condição preponderante para caracterização do teletrabalho.

Ademais, no home office, pode existir uma flexibilização no regime de trabalho presencial, em que o empregado pode prestar o serviço alguns dias em sua residência remotamente. Neste sentido, o home office poderá ser caracterizado como teletrabalho quando utilizar tecnologias de informação e comunicação, não for eventual e não configurar qualquer hipótese de trabalho externo.

Em regra, quando o regime de home office não se enquadrar como teletrabalho, o empregado continuará recebendo os mesmos direitos trabalhistas dos funcionários na modalidade em que existe a prestação do serviço presencial. Assim, é importante que o empregador ajuste a forma de controle de jornada. Atualmente, existem softwares que conseguem monitorar a frequência, pontualidade e produtividade do empregado em home office ou teletrabalho. A partir disso, o empregador pode acompanhar os sites visitados durante o horário de trabalho, ter acesso à captura de tela do colaborador, usar o GPS do telefone celular para localizá-lo, tirar foto da webcam, bem como, até mesmo, ver os movimentos do mouse e a quantidade de cliques.

Dessa maneira, o controlador deverá adequar as formas de controle de jornada dos empregados às diretrizes estabelecidas pela LGPD, sob pena de violar a privacidade, a vida íntima e os dados pessoais do empregado. Nesse contexto, mecanismos de controle abusivos poderão acarretar sanções da ANPD e possíveis questionamentos judiciais do âmbito trabalhista, podendo incidir, inclusive, em indenização por danos morais.

Recomenda-se aos controladores o uso de meios menos nocivos e abusivos à privacidade dos funcionários, sendo transparentes, deixando à disposição do colaborador todos os dados coletados e permitindo a exclusão de tais informações a qualquer momento, coletando a anuência específica dos monitorados para tais práticas e o uso daqueles dados colhidos apenas para a finalidade informada. Essa abordagem de respeito à privacidade é crucial em um cenário onde o teletrabalho se tornou uma norma.

O teletrabalho trouxe mudanças significativas na cultura organizacional das empresas brasileiras. A necessidade de comunicação clara e eficiente tornou-se mais evidente, assim como a importância de manter os funcionários engajados e conectados à cultura da empresa, mesmo à distância. Neste contexto, as soluções tecnológicas desempenham um papel crucial. Ferramentas como Slack, Zoom e Trello facilitam a colaboração e comunicação, enquanto softwares de segurança cibernética garantem a proteção de dados sensíveis da empresa.

Além da tecnologia, as empresas estão cada vez mais conscientes da importância da ergonomia e saúde mental no home office. Iniciativas como workshops sobre ergonomia, pausas regulares e apoio psicológico online têm sido adotadas para promover o bem-estar dos funcionários. Esta atenção ao bem-estar dos funcionários é parte de uma tendência maior em direção a modelos de trabalho mais flexíveis.

As tendências indicam um aumento no modelo de trabalho remoto híbrido, onde os funcionários alternam entre trabalho em casa e no escritório. Isso pode levar a mudanças nas políticas de teletrabalho e exigir adaptações nas estruturas organizacionais. Essa evolução é refletida nas experiências dos próprios empregados. Pesquisas realizadas com empregados que adotaram o teletrabalho revelam uma resposta positiva, com muitos apreciando a flexibilidade e a redução no tempo de deslocamento. No entanto, alguns relatam desafios como a falta de interação social e a dificuldade em separar a vida profissional da pessoal.

No âmbito jurídico, o teletrabalho também apresenta desafios. Têm surgido questões relacionadas à interpretação da nova legislação, especialmente em casos de disputas sobre horas extras e adequação do ambiente de trabalho em casa. Casos recentes no tribunal trabalhista brasileiro estão começando a formar um precedente sobre como essas questões são tratadas legalmente.

Finalmente, considerando que a legislação trabalhista não delimitou expressamente medidas protetivas em relação à privacidade do empregado dentro da dinâmica laboral, caberá ao empregador regular internamente e adequar as modalidades de teletrabalho e home office existentes aos preceitos legais. Nesse aspecto, a construção doutrinária, a jurisprudência e os instrumentos coletivos serão preponderantes para suprir lacunas que devem existir, perante a gama de novas situações proporcionadas pela tecnologia.

TELETRABALHO NO MUNDO

O teletrabalho, uma modalidade de trabalho que ganhou destaque globalmente, é abordado de maneiras distintas em diferentes países. Esta diversidade reflete não apenas as variações culturais e econômicas, mas também as respostas políticas e legais de cada nação. Analisar essas abordagens oferece insights valiosos sobre como diferentes sociedades equilibram as necessidades dos trabalhadores e das empresas no contexto do trabalho remoto.

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Nos Estados Unidos, a abordagem do teletrabalho é marcada por uma flexibilidade significativa. As empresas têm liberdade para desenvolver suas próprias políticas de trabalho remoto, sem uma legislação abrangente que as regule. Esta liberdade permite uma variedade de arranjos de trabalho, desde modelos totalmente remotos até abordagens híbridas, adaptando-se às necessidades específicas de cada organização.

Contrastando com os EUA, a Alemanha adota uma postura mais estruturada e regulamentada. As leis alemãs asseguram a proteção dos direitos dos trabalhadores em regime de teletrabalho, exigindo formalização escrita dos acordos, que devem detalhar aspectos como horário de trabalho e reembolso de despesas. Os trabalhadores remotos na Alemanha desfrutam dos mesmos direitos que seus colegas presenciais, incluindo benefícios e proteção contra demissões injustas.

O Japão, com sua intensa cultura de trabalho, tem promovido o teletrabalho como uma estratégia para melhorar o equilíbrio entre vida profissional e pessoal. Apesar do incentivo governamental, a adoção enfrenta desafios devido à preferência cultural por trabalho presencial e comunicação direta.

No Reino Unido, o teletrabalho é amplamente aceito e incentivado como uma maneira de aumentar a flexibilidade no local de trabalho. A legislação permite que os trabalhadores solicitem arranjos de trabalho flexíveis, e os empregadores são encorajados a considerar esses pedidos de forma justa. A pandemia de COVID-19 acelerou a adoção do teletrabalho, demonstrando sua viabilidade em diversos setores.

A Índia, com sua robusta força de trabalho no setor de tecnologia da informação, experimentou um crescimento significativo no teletrabalho. Cidades como Bangalore e Hyderabad se tornaram centros de trabalho remoto, embora o país enfrente desafios como infraestrutura de internet inconsistente e falta de espaço adequado para o trabalho em casa. Apesar desses obstáculos, muitas empresas indianas adotaram o teletrabalho para atrair e reter talentos.

A análise das abordagens ao teletrabalho em diferentes países revela uma tapeçaria rica de estratégias e práticas. De políticas flexíveis nos Estados Unidos a regulamentações estritas na Alemanha, cada país adapta o teletrabalho às suas circunstâncias únicas. Essa diversidade sublinha a importância de considerar os contextos locais ao desenvolver e implementar políticas de trabalho remoto. Para países como o Brasil, observar essas abordagens internacionais pode oferecer valiosas lições e inspirações para moldar suas próprias políticas de teletrabalho.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A implementação da Lei nº 14.442, que regulamenta o teletrabalho no Brasil, representa um marco significativo na adaptação das práticas de trabalho às novas realidades tecnológicas e sociais. Esta legislação reflete uma evolução necessária, considerando a crescente demanda por flexibilidade no local de trabalho e a necessidade de equilibrar a vida profissional e pessoal dos trabalhadores. A lei oferece um quadro legal claro, que não apenas facilita a adoção do teletrabalho, mas também protege os direitos dos trabalhadores, garantindo que as condições de trabalho remoto sejam justas e equitativas.

Apesar dos avanços, o teletrabalho apresenta desafios únicos, tanto para empregadores quanto para empregados. Questões como a gestão eficaz do tempo, a manutenção da produtividade e a preservação da cultura organizacional são cruciais. Por outro lado, o teletrabalho oferece oportunidades significativas, como a redução de custos com deslocamento e infraestrutura de escritório, maior flexibilidade de horários e a possibilidade de atrair talentos de diferentes regiões. As empresas devem, portanto, buscar um equilíbrio entre flexibilidade e produtividade, garantindo que as políticas de teletrabalho sejam benéficas para ambas as partes.

A privacidade dos trabalhadores é uma preocupação crescente no contexto do teletrabalho. As empresas devem assegurar que as práticas de monitoramento e controle de jornada estejam em conformidade com a LGPD, evitando violações de privacidade. Além disso, a segurança dos dados corporativos é fundamental, exigindo que as empresas invistam em soluções de segurança cibernética robustas para proteger informações sensíveis, independentemente de onde o trabalho esteja sendo realizado.

O teletrabalho também tem um impacto cultural e social significativo. Ele altera a dinâmica tradicional do local de trabalho, exigindo uma nova abordagem na comunicação e colaboração entre equipes. Além disso, a necessidade de equilibrar o trabalho e a vida pessoal se torna mais complexa, levantando questões sobre saúde mental e bem-estar dos trabalhadores. As empresas devem, portanto, ser proativas na promoção de um ambiente de trabalho saudável e sustentável, mesmo à distância.

Observando as práticas de teletrabalho em diferentes países, fica claro que não existe uma abordagem única. Cada país adapta o teletrabalho às suas circunstâncias específicas, refletindo suas culturas, economias e estruturas legais. Para o Brasil, há uma oportunidade valiosa de aprender com essas experiências internacionais, adaptando as melhores práticas ao contexto local e continuando a evoluir suas políticas de trabalho remoto para atender às necessidades de um mercado de trabalho cada vez mais dinâmico e globalizado.

Sobre o autor
Victor Habib Lantyer

Advogado. Autor do livro Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e seus reflexos no Direito do Trabalho, pela editora NaVida, já disponível para venda (www.lantyer.com.br/lgpd/). Criador e idealizador do site Lantyer Educacional (www.lantyer.com.br), descomplicando assuntos jurídicos de forma simples, fácil e democrática.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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