Análise da produção de provas ilícitas no processo penal: O papel do princípio da proporcionalidade na aplicação da lei

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RESUMO

O propósito deste estudo científico reside na análise das evidências no contexto do Processo Penal Brasileiro, abordando especialmente a proibição constitucional de práticas ilegais e suas implicações. É relevante destacar, desde já, que a aplicação dessas normas pode ser considerada em situações particulares, sendo submetida a uma avaliação abrangente sob a lente do princípio da proporcionalidade. Isso ocorre porque as salvaguardas constitucionais são mecanismos destinados a conter possíveis excessos do Estado, em vez de serem utilizadas indevidamente para limitar a liberdade. Este enfoque destaca as concepções que fundamentam os direitos e garantias fundamentais presentes em nossa Constituição Federal de 1988 e no Código de Processo Penal. Adicionalmente, nos casos em que ocorra um conflito entre princípios, a abordagem seguirá um exame específico com base nas circunstâncias do caso, sempre com ênfase no princípio da proporcionalidade.

Palavras-chave: Evidências no Processo Penal brasileiro. Proibição Constitucional de Práticas Ilegais. Direitos e garantias fundamentais. Constituição Federal de 1988. Princípio da Proporcionalidade.

ABSTRACT

The purpose of this scientific study lies in the analysis of evidence in the context of the Brazilian criminal process, especially addressing the constitutional prohibition of illegal practices and its implications. It is important to highlight, from the outset, that the application of these standards can be considered in particular situations, being subject to a comprehensive assessment under the lens of the principle of proportionality. This is because constitutional safeguards are mechanisms designed to contain possible excesses of the State, rather than being misused to limit freedom. This focus highlights the concepts that underlie the fundamental rights and guarantees present in our Federal Constitution of 1988 and in the Code of Criminal Procedure. Additionally, in cases where a conflict between principles occurs, the approach will follow a specific examination based on the circumstances of the case, always with an emphasis on the principle of proportionality.

Keywords: Evidence in the Brazilian Criminal Process. Constitutional Prohibition of Illegal Practices. Fundamental rights and guarantees. Federal Constitution of 1988. Principle of Proportionality.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO

2 OS DIREITOS HUMANOS E A LIMITAÇÃO DO MODELO AUTORITÁRIO NA COLETA DE PROVAS

3 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO ELEMENTO CENTRAL DO ORDENAMENTO JURÍDICO

4 O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE APLICADO AO PROCESSO PENAL BRASILEIRO

5 A PRODUÇÃO DE PROVAS E SUA APLICABILIDADE NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO

5.1 ANALISE SOBRE O OBJETO DA PROVA NO PROCESSO PENAL

6 LIMITAÇÕES AO DIREITO À PROVA NO PROCESSO PENAL

7 PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E A PROVA ILÍCITA NO SISTEMA CONSTITUCIONAL PÁTRIO

7.1 PROPORCIONALIDADE PRO REO E PRO SOCIETATE

7.2 EXCEÇÕES À INADMISSIBILIDADE DA PROVA ILÍCITA NO CONTEXTO BRASILEIRO

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

REFERÊNCIAS

1 INTRODUÇÃO

Os direitos humanos desempenham um papel fundamental e podem ser considerados como o cerne mais valioso dos direitos, abrangendo bens jurídicos essenciais, tais como a vida, a liberdade, a propriedade, a segurança, a honra, a igualdade e todos os seus desdobramentos, entre outros. Assim, os direitos humanos devem ser percebidos como uma construção consciente e contínua, cujo propósito é garantir a dignidade humana e prevenir o sofrimento decorrente de interesses humanos conflitantes. Além disso, eles desempenham um papel vital na limitação do exercício do poder pelo Estado.

Portanto, é evidente que os direitos e garantias individuais inerentes aos cidadãos que compõem o Estado Democrático de Direito têm como objetivo principal conter potenciais abusos por parte das autoridades estatais. Em outras palavras, à medida que a relação entre o indivíduo e o Estado evoluiu, tornou-se necessário estabelecer normas que protegessem os direitos fundamentais das pessoas contra a interferência excessiva do poder estatal.

No contexto de um Estado Democrático de Direito, o Processo Penal é orientado pelo respeito aos direitos fundamentais. Nesse sentido, a validade das provas apresentadas em um processo está intrinsecamente ligada ao princípio do devido processo legal e à proibição de admitir provas obtidas por meios ilícitos.

Assim, o Estado está sujeito aos limites estabelecidos pela lei em todos os seus atos, o que serve como salvaguarda contra possíveis abusos de poder. Diante disso, em algumas situações específicas, pode ocorrer um choque de princípios, e o Estado é chamado a tomar decisões, orientadas pelo princípio da proporcionalidade. Esse princípio se baseia na ideia de ponderação e prevalência, fornecendo um quadro racional para a concretização de direitos fundamentais.

No capítulo dedicado aos direitos e garantias na Constituição, o legislador estabelece cláusulas relacionadas ao direito à liberdade em todas as suas dimensões, destacando, em particular, a liberdade de informação, comunicação e expressão, que desempenham um papel crucial em nossa participação na sociedade contemporânea.

Ao enfatizar essa salvaguarda, a Constituição eleva ao status de direito fundamental a proteção da intimidade e da vida privada. Com esse propósito, a legislação Processual Penal estabeleceu diversas normas, reafirmando a inadmissibilidade de provas obtidas de maneira ilícita, bem como as provas derivadas dessas ilicitudes.

2 OS DIREITOS HUMANOS E A LIMITAÇÃO DO MODELO AUTORITÁRIO NA COLETA DE PROVAS

A definição de direitos humanos é um tema que gera considerável divergência doutrinária, refletindo uma variedade de interpretações. No entanto, em termos gerais, todos eles compartilham o objetivo de enfatizar as liberdades individuais e públicas, assim como os direitos fundamentais associados à pessoa humana.

O termo "direitos humanos" é amplamente adotado no campo da filosofia do direito e abrange uma ampla gama de tratados e convenções internacionais. Além disso, esses princípios expressam e garantem a visão de uma convivência digna, livre e igualitária para todos os seres humanos, independentemente de raça, nacionalidade, sexo, religião ou quaisquer outras características pessoais ou físicas.

Os Direitos Humanos, dessa forma, englobam normas e instituições com o propósito de definir e proteger liberdades e necessidades à medida que as sociedades evoluem. Eles caracterizam-se por sua universalidade, inalienabilidade, indivisibilidade e interdependência, entre outras características.

Esses direitos referem-se às garantias fundamentais estabelecidas pelo Direito Internacional, reconhecidas pelas normas vigentes no âmbito internacional, podendo se manifestar por meio de acordos, práticas costumeiras ou princípios do Direito Internacional.

Por outro lado, os direitos fundamentais são a manifestação normativa dos direitos humanos, ou seja, a consagração constitucional dos direitos das pessoas que vivem dentro de um Estado, limitados a um território específico e um período de tempo delimitado. Para reforçar essa ideia, uma definição formal teórica expressa por Luigi Ferrajoli pode ser citada:

Os direitos fundamentais são, de forma abrangente, todos os direitos subjetivos que são universalmente aplicáveis a todas as pessoas, independentemente de seu status como pessoa, cidadão ou pessoa capaz de agir. A noção de direitos subjetivos refere-se a qualquer expectativa, seja ela positiva ou negativa, que está vinculada a um sujeito por uma norma jurídica. (FERRAJOLI, 2011, p.9)

Os direitos fundamentais podem ser entendidos como um conjunto institucionalizado de direitos e garantias essenciais da pessoa humana. Seu principal objetivo é assegurar o respeito à dignidade de cada indivíduo, prevenindo violações decorrentes de abusos e arbitrariedades do Estado e promovendo condições básicas para a vida e o desenvolvimento da personalidade.

Seguindo o entendimento de Bobbio (1992), os direitos humanos possuem uma importância inquestionável e incontestável. Eles servem como a base de todo o sistema jurídico e são um requisito indispensável para que um Estado seja classificado como democrático, uma vez que os direitos humanos são um pressuposto essencial para a convivência em sociedade. Ao protegê-los adequadamente, garantimos a dignidade da pessoa humana, que pertence a cada indivíduo simplesmente por ser humano, sendo um bem inalienável que não pode ser privado.

Nos dias atuais, diversas correntes teóricas buscam redefinir os direitos humanos com o intuito de estabelecer um referencial ético que oriente a ordem internacional em que vivemos. Isso se torna necessário quando os seres humanos são tratados como descartáveis e supérfluos, quando prevalece uma lógica de destruição que ameaça o valor intrínseco da humanidade. Nesse contexto, a reconstrução dos direitos humanos é fundamental para restabelecer um equilíbrio ponderado.

Assim, os valores dos direitos humanos, como liberdade, igualdade, democracia, bem-estar e felicidade, são considerados cláusulas abertas e, portanto, inesgotáveis. Respeitar os direitos humanos significa proporcionar as condições mínimas para que cada indivíduo desenvolva seu potencial com o máximo de liberdade possível.

3 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO ELEMENTO CENTRAL DO ORDENAMENTO JURÍDICO

A dignidade da pessoa humana ocupa um lugar central no ordenamento jurídico brasileiro, sendo expressamente mencionada no início da Constituição Federal de 1988, mais especificamente no artigo 1º, inciso III, como um dos fundamentos da República. Este princípio é considerado o núcleo axiológico do constitucionalismo contemporâneo e o valor supremo que orienta a criação, interpretação e aplicação de todo o sistema normativo constitucional.

A positivação do princípio da dignidade humana é relativamente recente, ganhando destaque após a Segunda Guerra Mundial, com exceções limitadas, como as Constituições de Weimar e a Constituição Portuguesa de 1933. Esse princípio passou a ser expressamente consagrado nas constituições, sobretudo após sua consagração na Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU em 1948.

No âmbito dos direitos e garantias individuais, o princípio da dignidade da pessoa humana tornou-se o epicentro do extenso catálogo de direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais que as constituições e os instrumentos internacionais vigentes oferecem aos indivíduos e às comunidades.

Além disso, a dignidade é uma característica essencial do ser humano, inerente a sua condição, independentemente de quaisquer qualificações específicas. A doutrina ressalta que a dignidade não é apenas um atributo fundamental do ser humano e um fundamento da República brasileira, mas é também um valor absoluto e insubstituível, fundamentando os direitos humanos. Como expresso por Fábio Konder Comparato:

Com efeito, a dignidade da pessoa humana não se limita ao fato de que ela deve ser considerada e tratada como um fim em si mesma, e nunca como um mero instrumento para alcançar um fim específico. Ela também decorre do fato de que, por meio de sua capacidade racional, a pessoa é a única que vive em um estado de autonomia, ou seja, é capaz de autodeterminação, seguindo as leis que ela própria estabelece. Isso significa que a pessoa humana tem a capacidade de tomar decisões conscientes e agir de acordo com sua própria vontade, dentro dos limites estabelecidos pela ética, pelo direito e pela moral. Essa autonomia é um aspecto fundamental da dignidade da pessoa, que deve ser respeitada e protegida em todas as esferas da vida. (COMPARATO, 2003, p. 21)

A Constituição Federal de 1988, representando uma inovação jurídica na transição para o regime democrático, introduziu um avanço na consolidação legislativa dos direitos e garantias fundamentais, consagrando a dignidade humana como um valor máximo da democracia e orientando a atuação do Estado. Com essas atribuições, o princípio da dignidade da pessoa humana passou a atuar como um catalisador para a efetivação da dignidade de cada indivíduo.

A dignidade humana possui um valor inestimável em todos os aspectos do Direito, e não é uma criação constitucional, mas sim um conceito a priori, uma realidade preexistente a qualquer especulação. A Constituição, ao reconhecer sua existência e importância, a transforma em um valor supremo da ordem jurídica ao declará-la como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, constituída como um Estado Democrático de Direito.

Conforme Flávia Piovesan (2013), considerando que uma constituição deve ser entendida como um sistema que prioriza determinados valores sociais, a Constituição de 1988 elege a dignidade humana como um valor essencial que lhe confere unidade de sentido, dando à ordem constitucional uma característica particular.

Na esfera penal, a dignidade da pessoa humana não apenas define os limites do poder punitivo estatal, mas também, como argumentado aqui, desempenha um papel crucial na definição das penas a serem aplicadas e na execução das mesmas. Nesse contexto, as palavras de Vicente Grecco Filho ganham relevância e apoiam essa perspectiva:

O direito pode estar intrinsecamente relacionado à história do homem e da sociedade, mas só pode ser compreendido plenamente quando consideramos sua função na realização dos valores fundamentais. Um desses valores, considerado supremo e transcendental em relação à realidade jurídica histórica, é o valor da pessoa humana. É em torno desse valor que todo o sistema jurídico gira e encontra sua razão de existir. A dignidade da pessoa humana é o alicerce sobre o qual repousam os princípios e normas do direito, orientando sua finalidade e propósito. (GRECO FILHO, 1989, p.8)

Assim, a dignidade humana desempenha um papel fundamental na Constituição Federal de 1988, tornando-se uma diretriz de caráter normativo para os indivíduos e vinculante para o Estado no que se refere à resolução de conflitos e disputas de interesses. Portanto, a valorização da dignidade da pessoa humana é o núcleo essencial e orientador de todo o sistema jurídico, servindo como critério e parâmetro para a interpretação e compreensão do sistema constitucional como um todo.

4 O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE APLICADO AO PROCESSO PENAL BRASILEIRO

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O princípio da proporcionalidade evoluiu ao longo do tempo como resultado de uma construção histórica. Podemos traçar sua origem à era do Iluminismo, quando a atual concepção de proporcionalidade começou a se desenvolver e se expandiu para várias áreas do Direito. A ideia de proporção já era debatida nos primeiros modelos de aplicação da pena, especialmente em relação à qualidade e quantidade das penas.

Nas primeiras civilizações, a resposta a essas questões estava relacionada à ideia jusnaturalista de que a pena deveria ser equivalente ao delito, ou seja, um mal de mesma natureza e intensidade. Inicialmente, a proporcionalidade no Direito Penal estava ligada à ideia de retribuição, onde a pena era vista como uma resposta proporcional ao ato cometido.

No entanto, com o surgimento do movimento Iluminista, a proporcionalidade no Direito Penal começou a evoluir e adquirir um significado mais amplo. O Iluminismo trouxe contribuições importantes para a compreensão contemporânea desse princípio.

Com o passar dos anos, a proporcionalidade deixou de se limitar à relação entre a pena e o delito cometido e passou a ser vista como um instrumento fundamental no controle das intervenções nos direitos fundamentais. O direito penal, como uma das formas de intervenção do Estado na esfera privada, muitas vezes entra em conflito com os direitos fundamentais. Nesse contexto, Humberto Ávila pondera sobre o assunto:

O postulado da proporcionalidade não deve ser confundido com a ideia de proporcionalidade nas suas diversas manifestações. Aplica-se apenas a situações em que existe uma relação causal entre dois fatores empiricamente discerníveis, nomeadamente meios e fins, pelo que podem ser realizados três testes básicos. nomeadamente, adequação (os meios promovem o fim), necessidade (entre os meios disponíveis e igualmente apropriados para promover o objetivo, existem outros meios que sejam menos restritivos dos direitos fundamentais relevantes?) e proporcionalidade no sentido estrito (as vantagens e as desvantagens de promover o objetivo correspondem à aceitação do meio). (ÁVILA, 2014, p. 163)

Nesse contexto, a intervenção em direitos fundamentais somente seria admissível sob a ótica de três pressupostos que correspondem ao princípio da proporcionalidade no direito constitucional alemão. Esses pressupostos orientam a atuação dos juristas nas situações em que a interferência nos direitos fundamentais é necessária. São eles:

Os pressupostos em questão devem, em primeiro lugar, ser meios apropriados para alcançar o objetivo pretendido. Em segundo lugar, a intervenção deve ser necessária, ou seja, não deve haver nenhum meio menos intrusivo disponível. Terceiro, a intervenção deve ser proporcional, o que implica que as razões justificativas da intervenção devem pesar mais quando a intervenção é mais intensiva. (ALEXY, 2015, p. 131)

O princípio da proporcionalidade desempenha um papel crucial no Estado de Direito contemporâneo, pois está intrinsecamente ligado à ideia de limitar o poder do Estado para proteger os interesses individuais e, ao mesmo tempo, atender ao interesse público. Nesse contexto, a proporcionalidade é vista como uma medida de atuação estatal, onde a ação do Estado deve ser proporcional, garantindo que os meios utilizados sejam adequados aos fins a serem alcançados.

É importante destacar que o princípio da proporcionalidade não deve ser interpretado apenas como uma proibição de excesso por parte do Estado. Em vez disso, ele abrange a obrigação do legislador de proteger os bens jurídicos de maneira suficiente, evitando tanto o excesso quanto a insuficiência na resposta do Estado. Embora não esteja expressamente mencionado na Constituição brasileira, esse princípio tem sua base no conceito de devido processo legal substantivo e na busca pela justiça. É um instrumento valioso na proteção dos direitos fundamentais e do interesse público.

Assim, o princípio da proporcionalidade é inerente a todos os sistemas jurídicos e tem como objetivo equilibrar normas e valores em conflito. A aplicação desse princípio visa a evitar resultados desproporcionais, injustos ou tirânicos. Portanto, a proporcionalidade é fundamental em qualquer sistema jurídico democrático, pois estabelece limites formais à atuação do Estado, garantindo a proporcionalidade entre a restrição à liberdade individual e o objetivo perseguido pelo Estado.

5 A PRODUÇÃO DE PROVAS E SUA APLICABILIDADE NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO

O conceito de prova, de acordo com Guilherme Souza Nucci (2017), tem origem no termo em latim "probatio", que significa ensaio, verificação, inspeção, exame, argumento, razão, afirmação ou confirmação. Além disso, o verbo "provar", "probare" em latim, significa ensaiar, verificar, examinar, reconhecer por experiência, persuadir alguém a alguma coisa ou demonstrar.

No contexto jurídico brasileiro, a palavra "prova" possui diversos significados e sentidos. Ela representa o meio utilizado pelas partes em um processo para comprovar os fatos da causa, ou seja, as alegações que servem como fundamentação para a prestação jurisdicional. De acordo com Hélio Campo no Direito Processual Civil brasileiro, pode-se conceituar a prova da seguinte forma:

Considerando uma abordagem eclética dos significados propostos pela doutrina, podemos definir a prova como um conjunto de meios probatórios que consiste em uma série de atos realizados por uma ou mais partes envolvidas em um litígio ou requerentes em um processo judicial. Esses atos têm como principal objetivo convencer o julgador da veracidade das afirmações feitas, com a finalidade principal de obter êxito na demanda, demonstrando a comprovação das alegações apresentadas.(CAMPO, 1994, p.18)

Conforme o ensinamento de Mirabete (2007), "provar é produzir um estado de certeza na consciência e na mente do juiz, a fim de consolidar sua convicção sobre a existência ou não de um fato, a veracidade ou falsidade de uma afirmação relativa a uma situação ou evento considerado relevante para uma decisão judicial ou a solução de um processo." Nas palavras de Nestor Távora e Rosmar Rodrigues:

O processo, em sua concepção ideal, tem como objetivo realizar a reconstrução histórica dos eventos ocorridos, a fim de que se possam extrair as respectivas consequências com base no que for comprovado. O que as partes em litígio almejam é a convicção do juiz, e buscarão alcançá-la por meio das evidências apresentadas nos autos. Essa etapa do processo é conhecida como instrução processual, na qual são utilizados os elementos disponíveis para revelar a "verdade" das alegações, na esperança de obter uma decisão judicial favorável. A demonstração da veracidade dos fatos é realizada por meio de elementos probatórios, e a prova compreende tudo o que contribui para a formação da convicção do juiz, demonstrando os fatos, atos ou até mesmo o direito em disputa no litígio. (TÁVORA, 2016, p. 163)

É importante ressaltar que o propósito principal da prova é permitir que o juiz adquira conhecimento dos fatos que servirão de base para a aplicação do direito, auxiliando-o na compreensão e na decisão do caso. No entanto, esse direito à prova, que é garantido constitucionalmente por estar vinculado às garantias do devido processo legal e do contraditório, não é absoluto.

Em um Estado Democrático de Direito, o processo é regido pelo respeito aos direitos fundamentais e, portanto, está sujeito à validade das provas produzidas em juízo, em conformidade com o princípio do devido processo legal e à inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos. Isso significa que, embora as partes tenham o direito de produzir provas, existem limitações legais e constitucionais que regem o uso dessas provas, com o objetivo de garantir a justiça e a integridade do processo.

5.1 ANALISE SOBRE O OBJETO DA PROVA NO PROCESSO PENAL

Por "objeto de prova," compreende-se os fatos relevantes para esclarecer o pleito apresentado à autoridade judiciária para avaliação e para determinar se há ou não responsabilidade penal. Logo, é principalmente a parte que determina qual deve ser o tema da evidência a ser examinado. De acordo com o doutrinador Tourinho Filho:

O propósito ou a finalidade da prova reside em moldar a convicção do juiz a respeito dos elementos essenciais para a resolução do caso. Para decidir a disputa, o juiz deve estar ciente da existência dos fatos em questão. Portanto, a finalidade da prova é tornar esse fato conhecido do juiz, de modo a persuadi-lo de sua veracidade. (TOURINHO FILHO, 2012, p. 232)

No âmbito do Processo Penal, a atividade probatória gira em torno da alegação de um ato criminoso, ou seja, da afirmação feita pela acusação de que ocorreu um fato tipificado pelo Direito Penal. Portanto, as provas apresentadas ao longo do processo penal desempenham um papel fundamental na construção da convicção do juiz no momento do julgamento do caso.

6 LIMITAÇÕES AO DIREITO À PROVA NO PROCESSO PENAL

O direito à prova é um direito fundamental, portanto, integra o conjunto de direitos básicos, sociais, políticos e individuais consagrados em nossa legislação. No entanto, assim como qualquer outro direito fundamental, ele não é absoluto e está sujeito a limitações devido à existência de outros direitos protegidos pelo ordenamento jurídico. No que se refere aos direitos individuais, a proibição de provas ilícitas visa, principalmente, a proteger o direito à intimidade, à privacidade, à imagem (conforme o art. 5°, X), e a inviolabilidade domiciliar (conforme o art. 5°, XI), que são frequentemente os mais afetados durante as investigações criminais. Acrescentando a este tema, Eugenio Pacelli admite:

Mais do que declarar intenções éticas no tratamento das questões do Direito, essas normas, tanto as constitucionais quanto as legais, desempenham um papel de grande relevância, especialmente no contexto do processo penal. A proibição de provas ilícitas tem um papel fundamental no controle da legalidade da atividade de persecução estatal, desencorajando e desestimulando a utilização de práticas probatórias ilegais por parte daqueles que são os principais responsáveis por sua produção. Nesse sentido, ela tem uma função essencialmente educativa, ao mesmo tempo em que protege valores específicos reconhecidos pela ordem jurídica. (PACELLI, 2009, p.282)

Além disso, é importante destacar que o direito à prova e todos os procedimentos no âmbito processual estão estritamente regulamentados pelas normas processuais e pela Constituição Federal de 1988. A garantia central concedida a todas as partes é o acesso à jurisdição e, a partir desse acesso, a segurança de que serão julgadas com base nas provas apresentadas durante o processo, garantindo, dessa forma, o devido processo legal e todas as garantias inerentes a ele. Aqui estão algumas lições de Aury Lopes Jr:

A compreensão dos métodos de formação da convicção do juiz, da eficácia dos princípios probatórios e da superação do conceito de verdade real, bem como dos limites à atividade probatória, emerge como resultado do desenvolvimento do processo penal, que leva à valorização da observância das formalidades dos atos processuais como uma "garantia" a ser respeitada. .(LOPES JUNIOR, 2010, p.533)

De acordo com a Constituição Federal de 1988 (artigo 5°, LVI), "são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos". Para o cidadão comum, pode parecer injusto permitir a absolvição de um culpado devido à introdução de provas obtidas de maneira ilícita no processo. Geralmente, essa visão se baseia na ideia de que os fins justificam os meios. Nesse sentido colabora o autor Luis Otavio Vincenzi:

Levando em consideração que a obtenção de provas no decorrer do processo penal é uma atividade oficialmente estabelecida pelo Princípio Republicano e regulamentada pelo ordenamento jurídico, não se pode permitir que a autoridade policial, membros do Ministério Público ou mesmo o juiz criminal tolerem a violação do Estado Democrático de Direito, aceitando práticas processuais ilícitas disfarçadas como se fossem provas válidas ou justificativas para decisões judiciais.(VINCENZI,2011, p.89)

No Código de Processo Penal brasileiro, mais especificamente nos termos do art. 157, caput, com redação dada pela Lei n° 11.690/08, reproduz a mesma vedação, assim descrita:

Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008).

§ 1o São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)

§ 2o Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova. (Incluído pela Lei nº11.690, de 2008)

§ 3o Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente. (BRASIL, 1941, p. 32).

Além disso, o Estado está vinculado ao princípio da legalidade e deve seguir procedimentos específicos. Na busca pela verdade, não pode utilizar qualquer meio ou motivação. A persecução criminal não deve ser entendida como a busca pela verdade a qualquer custo. O Estado Democrático de Direito se baseia em um ideal que busca sempre um processo justo, em conformidade com os direitos e garantias fundamentais da pessoa humana. Portanto, não pode admitir a utilização de provas obtidas através da violação de direitos. Para Renato Brasileiro:

Seria inteiramente contraditório que, em um processo criminal cujo propósito é investigar a prática de um crime, o Estado recorresse a métodos que violam direitos, comprometendo a legitimidade de todo o sistema de punição. (LIMA, 2010, p.829)

Além de salvaguardar os direitos e garantias fundamentais, a proibição de provas ilícitas desempenha um papel essencial no controle da legalidade durante a persecução penal, atuando como um elemento dissuasório contra a utilização de práticas probatórias ilegais. Assim, desempenha uma função educativa de destaque, ao mesmo tempo em que protege os direitos e garantias estabelecidos pelo ordenamento jurídico brasileiro.

7 PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E A PROVA ILÍCITA NO SISTEMA CONSTITUCIONAL PÁTRIO

O direito à inadmissibilidade de provas ilicitamente obtidas no processo, conforme já explanado, tem como destinatário primário o Estado, uma vez que este é encarregado de produzir provas por meio do sistema judiciário. Seria contraditório que o próprio Estado, em um processo criminal destinado a investigar um delito penal, utilizasse métodos que violassem direitos, comprometendo a integridade do sistema jurídico.

No entanto, tanto a doutrina quanto a jurisprudência reconhecem a possibilidade de utilização dessas provas proibidas. A relevância do direito à liberdade justificaria essa possibilidade, observando o princípio da proporcionalidade. O princípio da proporcionalidade é aplicado quando princípios ou garantias constitucionais colidem.

No contexto de provas ilícitas, isso significa que, apesar da proibição dessas provas ser um direito fundamental, entende-se que o direito de defesa (CF, art. 5°, LV) e o princípio da presunção de inocência (CF, art. 5°, LVII) devem prevalecer em relação ao direito de punir, assegurando as garantias fundamentais dos cidadãos.

7.1 PROPORCIONALIDADE PRO REO E PRO SOCIETATE

Aborda a restrição da admissão de provas ilícitas, ressaltando que tanto a doutrina quanto a jurisprudência convergem ao reconhecer a possibilidade de sua utilização no âmbito do Processo Penal, em situações excepcionais e graves. Essas circunstâncias justificam a obtenção e admissão de tais provas quando forem consideradas a única opção viável e proporcional para proteger outros valores fundamentais. Em relação ao princípio da proporcionalidade a favor do réu, Paulo Rangel observa:

A aplicação da teoria da exclusão da ilicitude envolve a alegação de que a conduta do réu ao obter provas ilícitas está amparada por um motivo legalmente aceitável (causa de exclusão da ilicitude). Nesse caso, argumenta-se que essa prova não pode mais ser considerada ilícita. Por exemplo, a interceptação telefônica realizada pelo próprio réu, sem ordem judicial, pode ser admitida se o objetivo for provar sua inocência em um processo criminal que busca sua condenação. Da mesma forma, se o réu comete um delito, como invasão de domicílio ou violação de correspondência, para buscar elementos que demonstrem sua inocência, pode alegar estado de necessidade como justificativa, o que exclui a ilicitude de sua conduta e leva à admissão da prova. (RANGEL, 2002, pag.146)

Essa interpretação se fundamenta no princípio do "favor rei", que orienta o direito Processual Penal brasileiro. A liberdade é considerada um direito que vai além do indivíduo, abrangendo toda a coletividade. Portanto, o Estado tem a obrigação de garantir a liberdade, e sempre que o magistrado se deparar com uma dúvida insuperável entre a punição e a liberdade, o princípio "favor rei" ou "favor libertatis" determina que a liberdade do acusado deve prevalecer:

É importante esclarecer que o princípio favor rei, embora muitas vezes seja usado como sinônimo de outros princípios do Direito Penal e Processual Penal, é, na verdade, um gênero do qual o princípio do in dubio pro reo, por exemplo, é uma das espécies. O princípio do favor rei, ou favor libertatis, é essencialmente uma diretriz do Estado Democrático de Direito que concede ao réu um tratamento diferenciado, fundamentado principalmente na primazia do direito à liberdade, quando este entra em conflito com o direito de punição do Estado. (QUEIROZ, 2014, p. 99).

De acordo com o valor da ilicitude das provas criminais, a análise se baseia nos critérios epistemológicos de necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito. É fundamental considerar que a proporcionalidade implica o equilíbrio entre a medida adotada e a finalidade desejada. Assim, o Estado de Direito não pode permitir uma condenação injusta, mesmo que haja uma prova ilícita capaz de demonstrar a inocência do acusado. Portanto, em consonância com uma interpretação sistemática.

A aplicação da admissibilidade da prova ilícita pro societate é controversa e deve ser restrita a casos muito específicos, uma vez que há riscos para a busca da justiça e para a segurança. Pode legitimar amplas violações dos direitos fundamentais pelo Estado, colocando em segundo plano o preceito constitucional que proíbe a admissão de provas ilícitas no processo (art. 5°, LVI, Constituição Federal de 1988). Nesse sentido, o princípio da proporcionalidade também permite a utilização de prova ilícita em benefício da sociedade, por exemplo, em casos de criminalidade organizada, quando esta supera os recursos da Polícia e do Ministério Público. Isso resgata o princípio da isonomia e a igualdade substancial na persecução criminal. Sobre o uso de provas ilegais pela sociedade, Simone Prudêncio ganha destaque:

A persecução criminal deve ser conduzida com base no cumprimento das disposições legais e constitucionais do sistema processual penal acusatório, garantindo assim que a administração da justiça seja realizada em conformidade com o devido processo legal. Em situações em que a proteção dos interesses das crianças e dos adolescentes entra em conflito com os direitos fundamentais do acusado, é fundamental lembrar o mandamento constitucional que concede prioridade absoluta àquelas pessoas. No entanto, isso não significa que o Estado esteja autorizado a intervir de maneira abusiva na vida do acusado. Em alguns casos, pode ser admitida a admissibilidade de provas obtidas por meios ilícitos, desde que seja justificado por motivos de interesse social, sem, no entanto, endossar práticas estatais abusivas. . (PRUDÊNCIO, 2013, p.629)

Assim, o direito Processual Penal estabelece que a atividade jurisdicional deve estar em conformidade com os princípios constitucionais e não pode ser realizada a qualquer custo. Portanto, considerando o princípio da proporcionalidade, é possível que um direito fundamental seja relativizado em um caso concreto em busca da verdade real, desde que isso esteja em consonância com o interesse coletivo.

7.2 EXCEÇÕES À INADMISSIBILIDADE DA PROVA ILÍCITA NO CONTEXTO BRASILEIRO

Embora as provas ilícitas sejam geralmente inadmissíveis em um processo, há momentos em que não podem ser simplesmente ignoradas, apesar de sua limitada eficácia. Em outras palavras, mesmo que sejam consideradas ilícitas, o juiz, ao tomar conhecimento delas, levará em consideração seu conteúdo durante o julgamento, ainda que de maneira subjetiva. Avolio descreve essa situação da seguinte forma:

[…] Nas fases iniciais, quando a questão das provas ilícitas foi abordada pela primeira vez, a ênfase no livre convencimento e na busca da verdade real significava que qualquer ponderação de interesses geralmente pendia claramente a favor do princípio de investigação da verdade, mesmo que isso envolvesse o uso de meios ilícitos. (AVOLIO, 2003, p. 45).

A evidência permanece como prova ilícita, embora válida, de acordo com o contexto do exame judicial, com o juiz incumbido da tarefa de averiguar se o caso se enquadra em uma das três exceções à inadmissibilidade, amplamente aceitas pela doutrina: "provas derivadas das ilícitas, provas ilícitas em favor do réu e provas ilícitas em favor da sociedade".

Estas situações, conforme descritas, delimitam direitos constitucionais que são altamente protegidos pela proibição de provas ilícitas. É razoável considerar que o método constitucionalista sirva como base teórica, orientando a aplicação da atividade jurídica, que nada mais é do que a implementação destes obstáculos.

No que diz respeito às provas decorrentes de provas ilícitas, é interessante analisar um caso nos tribunais dos Estados Unidos que adotou a teoria da contaminação das provas ilícitas por derivação. No entanto, em julgamentos subsequentes, esse princípio foi esclarecido com a formulação de critérios restritivos, influenciando vários casos julgados nos tribunais brasileiros. Isso é conhecido como o conceito dos "frutos da árvore envenenada", conforme descrito por Badaró (2008, p. 207), que define provas ilícitas por derivação como aquelas que, por si só, são lícitas, mas que foram obtidas por meio de informações ou elementos provenientes de provas obtidas de maneira ilícita.

No que concerne às provas ilícitas por derivação, observamos que a proibição de provas ilícitas no Brasil foi inspirada no sistema jurídico norte-americano. No entanto, nos Estados Unidos, a utilização de provas ilícitas é mais comum com base no princípio da razoabilidade, o qual não difere substancialmente do princípio da proporcionalidade.

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro já emitiu uma posição sobre a obtenção de provas obtidas por meios ilícitos. De acordo com o julgado, é necessário comprovar a ilegalidade, sendo insuficiente a mera alegação de que as testemunhas estão envolvidas em atividades ilegais ou que o conjunto probatório é derivado de provas ilícitas:

[…] meras alegações, sem a devida comprovação, de que as testemunhas estão comprometidas com a ilegalidade ou que o conjunto probatório é derivado de provas ilícitas, não tem o condão de macular a condenação, cabendo, exclusivamente, à defesa, nos termos do art. 156 do CPP, o ônus de provar que os policiais agiram de forma ilegal ou abusiva ao prenderem o acusado. Ademais, eventual irregularidade ocorrida na fase inquisitorial, peça meramente informativa, não necessariamente contamina a ação penal. (BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. 8a Câmara Criminal. Apelação nº 0029665- 98.2015.8.19.0206. Relator: Desembargador. Claudio Tavares de Oliveira Junior.).

De certo modo, simples alegações de tendenciosidade das testemunhas em não relatar a verdade ou da ilicitude das provas não são suficientes; é necessário apresentar provas substanciais para corroborar tais afirmativas. No caso em análise, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro determinou que fosse incumbência da defesa comprovar que as provas apresentadas pelos policiais foram obtidas de maneira ilícita. Mesmo com essa obrigação, a corte considerou que eventuais irregularidades na fase inquisitorial, na qual o contraditório não é admitido, não afetam a validade das provas apresentadas, mesmo que inicialmente obtidas de forma ilícita.

Quando se trata da aplicação de provas ilícitas em benefício do réu, é fundamental reconhecer que não se trata de direitos e garantias individuais triviais. Nesse contexto, a liberdade e a dignidade da pessoa humana sempre prevalecerão sobre qualquer outro valor, refletindo o interesse do próprio Estado em absolver o inocente e punir o verdadeiro culpado, visando evitar a impunidade.

Por fim, no que diz respeito às provas ilícitas em prol da sociedade, a questão da admissibilidade não é tão consensual como é no caso das provas ilícitas em favor do réu. Assim, é necessário fazer um equilíbrio de princípios para que a decisão proferida em uma sentença penal seja a mais justa possível.

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A utilização desordenada de meios de produção de prova no Processo Penal constitui uma violação dos direitos e garantias fundamentais. Tanto os direitos humanos quanto os direitos fundamentais desempenham um papel fundamental, uma vez que servem de alicerce para todo o sistema jurídico, sendo requisitos essenciais para qualificar um Estado como democrático.

É importante destacar que os direitos humanos são uma condição indispensável para uma convivência democrática. Através da proteção desses direitos, podemos assegurar a dignidade humana, uma vez que esses direitos são inerentes ao ser humano e não podem ser despojados em nenhuma circunstância.

A Constituição de 1988, por sua vez, é um marco significativo na consolidação das garantias e direitos fundamentais. Nesse sentido, consagra a dignidade humana como o valor máximo do sistema jurídico, além de servir como princípio orientador da atuação do Estado.

Quando a dignidade é estabelecida como um princípio constitucional fundamental e o alicerce do Estado Democrático de Direito, ela se torna uma ferramenta para a efetivação e promoção da dignidade da pessoa humana. Em um Estado democrático de direito, que respeita as liberdades individuais e coletivas, bem como as garantias fundamentais, a proteção jurídica e a separação de poderes são aplicadas de forma independente e harmoniosa.

O Brasil é signatário de tratados internacionais de direitos humanos e, portanto, assume responsabilidades perante a comunidade internacional, que se traduzem na obrigação de manter e desenvolver o Estado Democrático de Direito, bem como de proteger um núcleo de direitos básicos e absolutos. Isso também inclui a aceitação da supervisão e controle dessas obrigações por órgãos internacionais.

Portanto, todo o sistema jurídico deve ser guiado pela garantia dos direitos humanos e das garantias fundamentais individuais e coletivas, com a Constituição como a lei suprema. Todos os atos administrativos e a jurisdição penal devem estar limitados pela lei, em conformidade com os princípios constitucionais, para controlar e orientar o poder estatal.

Além disso, em um Estado Democrático de Direito, o processo é fundamentado em direitos e princípios básicos que estão condicionados à validade das provas apresentadas em juízo, de acordo com o princípio do devido processo legal e a proibição de provas obtidas de maneira ilícita. A Constituição Federal de 1988 proíbe expressamente o uso de provas proibidas, que estão sujeitas a vícios no âmbito do direito material e processual.

Entretanto, a doutrina e a jurisprudência reconhecem a possibilidade de utilização de provas proibidas em circunstâncias específicas. Dada a importância do direito à liberdade, em observância ao princípio da proporcionalidade, pode-se admitir a utilização dessas provas em equilíbrio com o direito de liberdade de um inocente, em comparação com um direito sacrificado na obtenção da prova.

Em resumo, a avaliação da ilicitude das provas criminais deve seguir critérios objetivos de necessidade, adequação e proporcionalidade estrita. Portanto, a restrição das provas ilícitas, mesmo sendo uma garantia individual contra o Estado, leva a um entendimento na doutrina de que é possível a utilização de provas em favor do acusado. Isto é, mesmo que as provas estejam viciadas, elas podem ser admitidas em casos limitados, com base na ponderação do direito de liberdade de um inocente sobre um direito sacrificado na obtenção da prova, especialmente nos casos de legítima defesa.

Portanto, se a decisão judicial definitiva for baseada em provas obtidas por meio de um devido processo legal, respeitando todos os direitos e garantias constitucionais, ou seja, em provas ilícitas que não violem o direito material e os princípios consagrados na Constituição, o juiz deve agir com discernimento, buscando equilibrar a inadmissibilidade da prova ilícita de acordo com a inteligência da norma.

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