O Direito Digital é o ramo multidisciplinar do direito, complementar, que tem como objeto a regulamentação a todo fato jurídico oriundo das relações do mundo real com o universo virtual1. O Direito Digital é especial, pois se vale de diversos ramos do direito, bem como conhecimentos multidisciplinares de outras áreas para suprir uma demanda de respostas atreladas a tecnologia e ao seu uso2.
De acordo com Peck (2021), referência no Brasil sobre o assunto, o Direito Digital não seria uma área autônoma do direito, e sim uma evolução do próprio Direito, que incorpora todos os princípios fundamentais e institutos de todos os ramos (Direito Civil, Penal, Empresarial, Trabalhistas, Econômico, Financeiro, Tributário e Internacional, dentre outros), introduzindo ainda novos elementos e fundamentos para o pensamento jurídico.
Neste ramo do direito, prevalecem os princípios em relação às regras, pois o ritmo de evolução tecnológica será sempre mais veloz que o da atividade legislativa, tendendo para a autorregulamentação3. A principal fonte do direito digital são os costumes, já que prevalece o ritmo da evolução tecnológica, uma vez que o legislador não consegue acompanhar o ritmo dessas inovações.4.
Purkyt5 explica que o Direito Digital não possui uma autonomia científica, pois não tem institutos, fins, objetos e princípios informativos próprios, tratando-se de uma nova visão acerca da aplicação do direito. O Direito Digital pode ser concebido também como a resultante da junção entre Direito e a Ciência da Computação, sendo o conjunto de aplicações, normas, conhecimentos e relações jurídicas advindas do universo digital6.
Nos últimos anos podemos ver uma série de inovações como blockchain, criptomoedas, contratos inteligentes, armazenamento de dados na nuvem e Big Data, a internet das coisas (IOT), machine learning e deep learning, visual law, startups, na qual a atividade legislativa não tem como suprir, reforçando a importância crescente que o Direito Digital tem alcançado. Neste sentido, o Direito Digital proporciona a oportunidade de aplicação, dentro de uma lógica jurídica uniforme, uma série de soluções e princípios que já vinham sendo utilizados de modo difuso, o chamado Direito Costumeiro, o que proporciona o preenchimento de diversas lacunas legais7.
Recentemente, com o reconhecimento formal pelo Ministério da Educação através da Resolução de nº 5/2018 do Conselho Nacional de Educação (CNE) e da Câmara de Educação Superior (CES), o Direito Digital foi incluído como disciplina obrigatória nas graduações de Direito em todo o Brasil. Esta decisão reflete a importância crescente dessa área, evidenciada pelo notável crescimento das startups brasileiras. Com um aumento de 234% no número de startups ativas nos últimos seis anos, essas empresas têm impulsionado a diversificação dos conflitos jurídicos e ampliado a demanda por especialização em áreas como segurança cibernética e propriedade intelectual.
Paralelamente, o avanço impressionante do comércio eletrônico no Brasil, consolidando o país como líder mundial neste setor, também reforça essa tendência. O aumento nas vendas e no faturamento do comércio eletrônico não apenas reflete uma mudança no comportamento do consumidor, mas também impõe novos desafios jurídicos, especialmente em questões de governança da informação e criptoativos. Estes desenvolvimentos estão moldando a prática do Direito Digital, demandando uma abordagem multidisciplinar e dinâmica dos profissionais do direito.
Consequentemente, os profissionais jurídicos devem estar preparados para se adaptar às rápidas mudanças tecnológicas e compreender as novas regulamentações, como a LGPD e o Marco Legal das Startups8. Essa necessidade de atualização constante e eficaz é crucial para enfrentar os desafios de um cenário jurídico em evolução9.
Peck10 define ainda sete características que definem o Direito Digital: a celeridade, o dinamismo, a autorregulamentação, poucas leis, altamente baseado no direito costumeiro, uso de analogias, e solução por meio de arbitragem. O Direito Digital não é algo totalmente novo, pois tem bases legais na maioria dos princípios existentes no Direito atual, além de aproveitar as legislações em vigor11. O que muda é a postura de quem aplica e interpreta a lei12.
Portanto, o Direito Digital tem uma grande aplicabilidade sobre diversos ramos jurídicos, como o Civil, Penal, Internacional, Empresarial, Tributário, Consumidor, Trabalhista e Previdenciário13. Além disso, podemos citar algumas legislações próprias do Direito Digital como a Lei Carolina Dieckmann, o Marco Civil da Internet, Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), Lei dos Crimes Informáticos e o Marco Legal das Startups14.
Um aspecto peculiar, e que deve ser revisto dentro do Âmbito do Direito Digital, é o princípio da territorialidade, já que estamos diante da internet globalizada, não sendo possível determinar exatamente um território em que acontecem os fatos jurídicos15. Assim, surgem os questionamentos acerca de qual o alcance do direito dentro da esfera tecnológica16.
A este questionamento, recorre-se aos institutos de Direito Internacional, buscando encontrar qual a norma a ser aplicada àquele fato, a origem do ato e onde se produz os seus efeitos, para que se possa aplicar as leis do país onde ocorreu a origem ou os efeitos do ato17.
Digamos que um brasileiro, com provedor de origem brasileira, tente aplicar o crime de estelionato em um americano, que por sua vez, acessa a internet através de um provedor americano18. Temos que a origem da tentativa de crime se dá no Brasil, podendo ser aplicada a legislação brasileira neste caso19. Caso produza efeitos dentro dos Estados Unidos, poderá ser aberto um processo dentro do país. Lembrando que o Brasil não permite extradição de brasileiro nato, mas nada impede o cumprimento da pena americana no Brasil20.
Patricia Peck21 explica que:
Aqui entra um dilema importante, que não se aplica no mundo real: na Internet, muitas vezes não é possível reconhecer facilmente de onde o interlocutor está interagindo. Muitos sites têm terminação “.com”, sem o sufixo de país (por exemplo, sem o “.br” em seguida) o que teoricamente significa que estão localizados nos Estados Unidos. Só que vários deles apenas estão registrados nos Estados Unidos e não têm nenhuma existência física nesse país. Uma tendência mundial é assumir definitivamente o endereço eletrônico como localização da origem ou efeito do ato. Assim, se uma empresa brasileira registra um site como “.com”, em vez de “. com.br”, pode ter de se sujeitar às leis de diversos países no caso de questões jurídicas internacionais. No caso da parte a ser protegida, um consenso é a busca da proteção ao lesado. Se, por exemplo, um consumidor chileno é lesado por um site brasileiro, serão aplicadas as leis de consumidor daquele país. Se esse site não quer responsabilizar-se por problemas que gere no Chile, deve deixar claro, de alguma forma, seu limite de atuação; deve informar quais os usuários que terá condições de atender e a que legislação está submetido, já que não necessariamente um site chileno tem empresa constituída no Chile, como o fato de um site brasileiro ter terminação “.com” não significa que tem empresa constituída nos Estados Unidos. Ter presença virtual representa a responsabilidade de poder ser acessado por indivíduos de qualquer parte do mundo. Portanto, o princípio de proteção na sociedade da informação é justamente a informação22.
Para determinar o território competente em assuntos relacionados a internet se utilizam de diversos princípios legais, como o do domicílio do consumidor, o endereço eletrônico, a localidade do réu, o do local em que a conduta ocorreu ou produziu efeitos, e finalmente, o da eficácia na execução judicial23.
Diante desses desafios, o Direito Digital surge como um importante instrumento para lidar com as questões legais que envolvem a era digital24. Ao mesmo tempo, é crucial que profissionais do Direito se mantenham atualizados sobre as tecnologias emergentes e as mudanças regulatórias para garantir que possam oferecer orientações precisas e eficazes a seus clientes25.
Além disso, a cooperação entre países e o fortalecimento das relações internacionais se tornam cada vez mais relevantes para o enfrentamento dos desafios jurídicos que transcendem as fronteiras nacionais26. Acordos bilaterais e multilaterais, bem como a colaboração entre órgãos reguladores e autoridades de diferentes jurisdições, podem ser fundamentais para garantir a aplicação adequada das leis e a proteção dos direitos dos envolvidos em disputas legais no âmbito digital27.
Outro aspecto relevante do Direito Digital é a necessidade de se adaptar às constantes mudanças e inovações tecnológicas. Isso implica não apenas na capacidade de compreender e interpretar as leis existentes, mas também na habilidade de prever e antecipar possíveis desafios legais que possam surgir no futuro28. Dessa forma, os profissionais do Direito devem estar sempre atentos às tendências e desenvolvimentos do mercado digital e buscar aprimorar seus conhecimentos e habilidades para lidar com as questões jurídicas relacionadas a essas inovações29.
Em suma, o Direito Digital é uma área em constante evolução, que demanda uma abordagem multidisciplinar e dinâmica por parte dos profissionais do Direito30. A crescente importância das questões relacionadas ao universo digital nas sociedades contemporâneas torna cada vez mais evidente a necessidade de se desenvolver e aperfeiçoar métodos e princípios jurídicos capazes de acompanhar o ritmo acelerado das transformações tecnológicas31.
REFERÊNCIA
LANTYER, Victor Habib. Direito Digital e Inovação. 1. ed. Salvador: Editora Navida, 2023. ISBN 978-65-89020-17-2. Disponível em: https://www.amazon.com.br/Direito-Digital-Inova%C3%A7%C3%A3o-Victor-Lantyer-ebook/dp/B0C21B9DCL . Acesso em: 15 nov. 2023.
PECK, Patricia. Direito Digital. São Paulo: Saraiva, 2021. ISBN 9786555598438.
PURKYT, Paulo. Um Direito para o mundo na era digital. Purkyt Veneziani, [s. l.], 2018. Disponível em: https://purkytveneziani.com.br/um-direito-para-o-mundo-na-era-digital/ . Acesso em: 21 maio 2022.
ALVES, Marcelo de Camilo Tavares. Direito Digital. Goiânia, 2009.
Notas
LANTYER, Victor Habib. Direito Digital e Inovação. 1. ed. Salvador: Editora Navida, 2023. ISBN 978-65-89020-17-2. Disponível em: https://www.amazon.com.br/Direito-Digital-Inova%C3%A7%C3%A3o-Victor-Lantyer-ebook/dp/B0C21B9DCL . Acesso em: 15 nov. 2023.
LANTYER, Victor Habib. Op. cit.
PECK, Patricia. Direito Digital. São Paulo: Saraiva, 2021. ISBN 9786555598438.
PECK, Patricia. Op. cit.
PURKYT, Paulo. Um Direito para o mundo na era digital. Purkyt Veneziani, [s. l.], 2018. Disponível em: https://purkytveneziani.com.br/um-direito-para-o-mundo-na-era-digital/ . Acesso em: 21 maio 2022.
ALVES, Marcelo de Camilo Tavares. Direito Digital. Goiânia, 2009.
PECK, Patricia. Op. cit.
LANTYER, Victor Habib. Op. cit.
LANTYER, Victor Habib. Op. cit.
PECK, Patricia. Op. cit.
PECK, Patricia. Op. cit.
PECK, Patricia. Op. cit.
LANTYER, Victor Habib. Op. cit.
LANTYER, Victor Habib. Op. cit.
PECK, Patricia. Op. cit.
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PECK, Patricia. Op. cit.
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LANTYER, Victor Habib. Op. cit.
LANTYER, Victor Habib. Op. cit.
LANTYER, Victor Habib. Op. cit.
PECK, Patricia. Op. cit.
PECK, Patricia. Op. cit. p. 56
PECK, Patricia. Op. cit.
LANTYER, Victor Habib. Op. cit.
LANTYER, Victor Habib. Op. cit.
LANTYER, Victor Habib. Op. cit.
LANTYER, Victor Habib. Op. cit.
LANTYER, Victor Habib. Op. cit.
LANTYER, Victor Habib. Op. cit.
LANTYER, Victor Habib. Op. cit.
LANTYER, Victor Habib. Op. cit.