Ciclo Vicioso da Recidiva: Razões e Impactos do Reingresso de Ex-Apenados no Mundo do Crime

Leia nesta página:

RESUMO

Este artigo científico aborda o tema da recidiva criminal após o encarceramento, investigando as causas e consequências desse fenômeno complexo. Com um enfoque multidisciplinar, o estudo analisa as razões subjacentes à reincidência e as implicações que essa recorrência tem tanto para os ex-apenados quanto para a sociedade em geral.

As causas da recidiva são exploradas em profundidade, com ênfase em fatores socioeconômicos, como desemprego, educação precária e desigualdade, que frequentemente levam ex-prisioneiros de volta ao sistema penal. Além disso, foi investigado os fatores psicológicos, como traumas passados, transtornos mentais e abuso de substâncias, que desempenham um papel crucial nesse ciclo.

As consequências da recidiva são minuciosamente analisadas, com ênfase nos impactos na sociedade e na segurança pública. Isso inclui a sobrecarga dos sistemas de justiça, o aumento da criminalidade e os custos econômicos associados a esse ciclo de reincidência.

Além disso, o artigo explora as dificuldades da, reinserção social e abordagens alternativas ao encarceramento. A identificação de intervenções baseadas em evidências é essencial para romper o ciclo da recidiva criminal.

PALAVRAS-CHAVE: Recidiva criminal, Causas, Consequências, Segurança pública e Influências.

INTRODUÇÃO

A questão da recidiva criminal, ou seja, o retorno de indivíduos ao sistema penal após terem cumprido pena, é um dos desafios mais prementes e complexos enfrentados pelo sistema de justiça em todo o mundo. Este fenômeno não só impacta a vida dos ex-apenados, mas também tem consequências significativas para a sociedade em geral. Compreender as causas da recidiva e as consequências desse ciclo vicioso é essencial para desenvolver estratégias eficazes de prevenção e reintegração social.

Este artigo tem como objetivo analisar a recidiva criminal após o encarceramento, examinando profundamente as razões subjacentes a esse fenômeno e as implicações que ele tem para as pessoas que reingressam no sistema penal e para a sociedade em si. A recidiva criminal é um problema multifacetado que está enraizado em diversas causas, incluindo fatores socioeconômicos, psicológicos e sociais, que frequentemente se entrelaçam de maneira complexa.

A primeira seção deste artigo se concentra no conceito e origem da recidiva criminal, em seguida explora-se a falta de oportunidades econômicas, educação inadequada, desigualdade e outros fatores socioeconômicos desempenham um papel fundamental nesse processo. Além disso, examina-se os fatores psicológicos, como traumas passados, transtornos mentais e dependência de substâncias, que contribuem para o reingresso no sistema penal.

Na terceira seção, é analisado as consequências da recidiva criminal, destacando os impactos na sociedade e na segurança pública. A sobrecarga do sistema de justiça criminal, o aumento da criminalidade e os custos econômicos associados são algumas das implicações que a recidiva traz consigo. Além disso, examina-se as repercussões para a saúde mental e o bem-estar dos ex-apenados, incluindo o estigma e os desafios enfrentados durante a reintegração na sociedade.

Por fim, foi explorado a ressocialização, as dificuldades dos apenados e da sociedade em geral. O colapso do sistema prisional, a ausência de políticas eficazes e a dificuldade de investimentos também foi citado como problemas a serem resolvidos.

Este artigo busca fornecer uma visão abrangente sobre a recidiva criminal, suas causas e consequências, bem como estratégias para abordar esse problema. É fundamental para o avanço de políticas e práticas que visam não apenas punir, mas também reabilitar e reintegrar ex-apenados, contribuindo para uma sociedade mais justa e segura.

  1. Origem da reincidência criminal

A palavra reincidência deriva do latim, recider, que dá a ideia de recair. Assim, tal termo é basicamente haver uma recorrência da prática do crime. A recidiva está presente na legislação brasileira, no Art 63 e 64 do código penal.

“Art. 63- Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior”

Então, o código brasileiro afirma que para ser reincidente precisa, obrigatoriamente, de uma decisão judicial finalizada, com trânsito em julgado, com o base no artigo citado o Brasil adota a teoria ficta, existe ainda a reincidência real, que é válida quando o agente praticou a nova infração após cumprir sua pena anterior. Reincidente é uma pessoa que pratica outro crime após sentença condenatória transitada em julgado, sendo o novo crime considerado reincidente apenas quando não se cabe mais recurso.

Tem-se, porém que a recaída criminal não é algo definitivo, como já citado no Art. 64, I do código penal, após 5 anos da extinção da pena, contando o período de prova da suspensão do livramento condicional, não havendo revogação o indivíduo passar a ser primário, não sendo mais considerado recidivo. O Art.64 ainda prevê, no inciso II que não se aplica recaída nos crimes políticos e militares próprios, não se aplicando esta regra para os militares impróprios.

  1. Causas da recidiva criminal

É fundamental entender que existem causas e razões para os índices de reingresso penal, as quais são multifacetadas e complexas. Abordá-las e falar sobre elas é de extrema importância.

2.1- Influências socioeconômicas

Desigualdade social: A desigualdade econômica é um dos principais impulsionadores do referido problema.Indivíduos que enfrentam desvantagens econômicas substanciais, como falta de acesso a empregos, educação precária e baixa renda, muitas vezes recorrem a atividades criminosas como meio de sobrevivência. A falta de oportunidades econômicas pode levar à reincidência, pois a criminalidade pode parecer a única opção disponível.

Desemprego e barreiras ao emprego: o desemprego é um fator crítico na recidiva. Ex-apenados que não conseguem encontrar emprego enfrentam dificuldades financeiras e podem recorrer ao crime como uma maneira de sustentar a si mesmos ou suas famílias. A falta de emprego está diretamente ligada à reincidência, uma vez que o trabalho é um dos principais determinantes da estabilidade econômica e social. Além do desemprego, as barreiras ao emprego enfrentadas por sujeitos , como estigma e discriminação, tornam a busca por emprego ainda mais desafiadora. Muitos empregadores relutam em contratar pessoas com antecedentes criminais, o que torna a reintegração no mercado de trabalho uma tarefa difícil.

Desigualdade de acesso aos serviços de saúde e educação: A falta de educação de qualidade ou a falta de acesso à educação são fatores que contribuem para a reincidência. A educação desempenha um papel vital na capacitação de indivíduos para o mercado de trabalho e oferece alternativas à criminalidade. Problemas de saúde mental e abuso de substâncias são frequentemente subestimados fatores na reincidência. Indivíduos com esses problemas que não têm acesso a tratamento adequado podem ser mais propensos a cometer crimes para sustentar seus vícios ou enfrentar desafios de saúde mental.

Vê-se então que o ciclo de pobreza é muito presente no fator reincidência, se torna muito difícil escapar desse ciclo quando a discrepância é algo tão enraizado na realidade do indivíduo.

“Quando conhecida ou manifesta, essa discrepância estraga a sua indentidade social; ela tem como efeito afastar o indivíduo da sociedade e de si mesmo de tal modo que ele acaba por ser uma pessoa desacreditada frente a um mundo não receptivo (GOFFMAN, 2013)”

Diante de tal afirmação, entende-se que o ciclo da desigualdade afeta diretamente a dignidade, fazendo o indivíduo se sentir excluído, vivendo em uma eterna perseguição, sendo rotulado e considerado um perigo para a sociedade.

2.2- Fatores psicológicos

Os fatores psicológicos desempenham um papel significativo no reingresso criminal, influenciando a maneira como os indivíduos percebem o mundo ao seu redor, tomam decisões e respondem a desafios emocionais.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Traumas Passados e Estresse Pós- Traumático (PTSD): Indivíduos que experimentaram traumas significativos, como abuso, violência ou eventos traumáticos durante o encarceramento, podem desenvolver sintomas de Estresse Pós-Traumático (PTSD). O trauma não resolvido pode levar a comportamentos autodestrutivos e, em alguns casos, a uma maior propensão à reincidência como uma forma inadequada de lidar com o sofrimento emocional

Dependência de Substâncias: O uso problemático de substâncias é muitas vezes relacionado a fatores psicológicos, como a necessidade de enfrentar traumas não resolvidos ou lidar com questões emocionais. A dependência de substâncias pode comprometer a tomada de decisões racionais e contribuir para recaídas no comportamento criminoso.

Dinâmica Familiar Disfuncional: Relações familiares disfuncionais e falta de apoio emocional podem contribuir para problemas psicológicos subjacentes. A ausência de um ambiente de apoio pode aumentar a vulnerabilidade emocional, tornando os indivíduos mais propensos a recorrer ao comportamento criminoso.

  1. Consequências do reingresso dos apenados

Aumentos dos custos sociais: A reincidência contribui para custos sociais e econômicos significativos, incluindo despesas com prisões, sistemas judiciais e programas de reabilitação. Além disso, o impacto na produtividade econômica de ex-apenados pode ter efeitos de longo prazo. O reingresso mal-sucedido pode contribuir para um ciclo vicioso de criminalidade, onde os mesmos que não conseguem encontrar oportunidades legítimas podem voltar a atividades criminosas, alimentando o problema de forma contínua.

Sobrecarga do sistema de justiça: A ressocialição mal-sucedida dos apenados pode contribuir para o aumento da criminalidade, uma vez que indivíduos sem oportunidades adequadas podem recorrer a atividades criminosas como meio de subsistência. Assim, cria uma sobrecarga adicional nos sistemas de justiça criminal, aumentando o número de prisões e contribuindo para a superlotação nas prisões. Isso pode resultar em uma administração ineficaz da justiça e redução da capacidade de reabilitação.

  1. Ressocialização

A ressocialização promove uma aceitação do condenado na sociedade, a pena de função ressocializadora faz com que o indivíduo pense sobre seu crime, medite sobre as consequências dos seus atos, tornando-o sociável. Bittencourt observa que:

“Ressocialização não é o único e nem o principal objetivo da pena, mas sim, uma das finalidades que deve ser perseguida na medida do possível. Salienta também que não se pode atribuir às disciplinas penais a responsabilidade de conseguir completa ressocialização do delinquente, ignorando a existência de outros programas e meios de controle social através dos quais o Estado e a sociedade podem dispor para cumprir o objetivo socializador, como a família, a escola, a igreja, etc. "(Bittencourt, 1999,p.25).”

Assim, segundo Bittencourt espera-se consciência do sujeito e vontade para a ressocialização, tendo um bom processo e evitando novos delitos.

4.1- Dificuldades do processo ressocializador

Atualmente no sistema prisional brasileiro a ressocialização é um processo muito difícil, o sistema está em decadência, fazendo com que vire uma verdadeira bagunça. Bagunça essa que causa inúmeros prejuízos para a sociedade, para a família e para os apenados (fazendo com que tenham uma recidiva). O estado não oferece apoio ao sistema prisional, muitas vezes não oferece profissionais, espaços e condições adequadas para a confirmação de seus direitos fundamentais previstos na carta Magna do país

“Art. 1° A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

{…}

III- a dignidade da pessoa humana”:

A dignidade que o texto constitucional se refere é para todas as pessoas, então independente dos seus crimes, todos sujeitos gozam de seus direitos básicos.

4.1- Dificuldades do processo ressocializador

Colapso do sistema prisional: As instituições penitenciárias passam por desafios que tornam inviáveis a efetivação dos seus serviços, essa situação gera impactos negativos que afetam a todos. Como indicador desse colapso tem-se as superlotações e a falta de recursos financeiros. As superlotações causam brigas, falta de acesso a serviços básicos e insalubridade que junto com carência de investimentos transformar o serviço ineficaz.

Políticas falhas de reabilitação: As “soluções” não preparam os detentos para a reintegração na sociedade. Desse modo, o detento sai do “presídio” sem preparo, ele não ganha espaço contra as demais pessoas.

São muitas as dificuldades enfrentadas, é depositado no estado uma confiança para a reeducação do preso que não se cumpre. Até mesmo as saídas temporárias que são os maiores meios de ressocialização são um fiasco total, virou um verdadeira bagunça. Para mudar o cenário atual requer muito esforço é um esforço conjunto.

CONCLUSÃO

Em um mundo onde a reincidência criminal é uma realidade complexa e prejudicial, este estudo lançou luz sobre as causas e consequências desse fenômeno desafiador. Compreender as raízes profundas da recidiva e suas implicações é crucial para desenvolver estratégias eficazes que possam quebrar o ciclo vicioso da criminalidade e proporcionar uma oportunidade real de reintegração para ex-apenados.

A análise destacou que as causas da recidiva são diversas e frequentemente entrelaçadas. Fatores socioeconômicos desempenham um papel significativo, criando barreiras à estabilidade econômica e à educação. Além disso, fatores psicológicos, como traumas e transtornos mentais não tratados, aumentam a probabilidade de reingresso no sistema penal. Para combater a recidiva, é essencial que as políticas e práticas de justiça criminal abordem essas questões fundamentais.

As consequências da recidiva não se limitam aos ex-apenados, afetando também a sociedade e o sistema de justiça. A sobrecarga dos sistemas prisionais e o aumento da criminalidade têm custos sociais e financeiros significativos. Para mitigar esses impactos, é vital investir em programas de reabilitação, estratégias de reinserção social e abordagens alternativas ao encarceramento. A identificação de intervenções baseadas em evidências e o apoio contínuo aos ex-apenados são passos essenciais para criar uma sociedade mais justa e segura.

Em última análise, enfrentar o desafio da recidiva criminal requer um esforço conjunto de governos, organizações da sociedade civil, profissionais de justiça e comunidades. Através de políticas e práticas orientadas para a reintegração, podemos oferecer esperança e oportunidades aos ex-apenados, promovendo uma sociedade onde a justiça é equilibrada com a reabilitação.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, Débora de Souza de. Reincidência criminal: reflexões dogmáticas e criminológicas. Curitiba: Juruá, 2012.

ANDREUCCI, R. A. Manual de direito penal. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2021. E-book.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal: parte geral. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral, volume 1. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

BRASIL. Constituição da Republica Federativa do Brasil. 1988. Disponível em: < http://www.planalto.-gov.br/ccivil_03/Constituição/Constituição.htm

BRASIL. Código Penal. Decreto-Lei n. 2.848 de 7 de dezembro de 1940. Disponível em ‹

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ). Atenção às Pessoas Egressas do Sistema Prisional Começar de Novo e Escritório Social: políticas de convergência. Brasília, fev. 2021.

CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 2. ed. Salvador: Juspodvim, 2014

Direito Penal – Parte Geral, vol. 1, 31.ª ed., Saraiva, 2010

GOFFMAN, Erving. A representação do eu na vida cotidiana – 19 Ed. 2013.

THOMPSON, Augusto. Questão penitenciária. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010.

https://doi.org/10.17666/329409/2017

ZAFFARONI, E. R.; PIERANGELI, J. H. Manual de Direito Penal Brasileiro: parte geral. 4. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

Sobre os autores
Rilawilson José de Azevedo

Dr. Honoris Causa em Ciências Jurídicas pela Federação Brasileira de Ciências e Artes. Mestrando em Direito Público pela UNEATLANTICO. Licenciado e Bacharel em História pela UFRN e Bacharel em Direito pela UFRN. Pós graduando em Direito Administrativo. Policial Militar do Rio Grande do Norte e detentor de 19 curso de aperfeiçoamento em Segurança Pública oferecido pela Secretaria Nacional de Segurança Pública.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos