Violência contra mulher: ações penais no âmbito da lei Maria da Penha

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RESUMO

A violência doméstica contra a mulher é um problema social e de saúde pública, tendo em vista que atinge todas as camadas da sociedade. O trabalho tem o objetivo de avaliar a violência física, sexual e psicológica sofrida pela mulher, tendo como base, dados e entrevistas de caráter bibliográficos e teorias interdisciplinares do método qualitativo sendo feita uma revisão da literatura. Busca analisar os limites das ações penais acerca da opressão feminina em uma sociedade patriarcal, como também a subjetivação desse fenômeno. Reconhece as necessidades de combate as causas sociais deste tipo de criminalidade, que estão atreladas às questões culturais da sociedade machista.

PALAVRAS-CHAVES: Violência doméstica, mulher, sociedade patriarcal, desigualdade.

ABSTRACT

Domestic violence against women is a social and public health problem, considering that it affects all layers of society. The work aims to evaluate the physical, sexual and psychological violence suffered by women, based on bibliographical data and interviews and interdisciplinary theories of the qualitative method, with a literature review being carried out. It seeks to analyze the limits of criminal actions regarding female oppression in a patriarchal society, as well as the subjectivation of this phenomenon. It recognizes the need to combat the social causes of this type of crime, which are linked to the cultural issues of sexist society.

KEY-WORDS: Domestic violence, women, patriarchal society, inequality.

NOTA INTRODUTÓRIA

Para a Organização Mundial de saúde (ONU) a violência pode ser definida como, o uso propositado de força física ou poder, usada para ameaçar, agredir e submeter, física ou psicologicamente outra pessoa, resultando em danos emocionais ou corpóreos. Pode ser classificada em psicológica, física e patrimonial. (ONU, 2019)

A violência começa no Brasil colonial com a conquista, que foi uma guerra constante de ocupação entre Portugueses e indígenas, com os feitos territoriais, surge a busca por mão-de-obra escrava, sendo a violência característica central da escravidão marcada pela subordinação da casa grande sobre a senzala. Revoltados com os ideais portugueses, se unem em um movimento (conjuração baiana), a fim de romper o pacto colonial. Nesta época, adotou-se as normas de Portugal, onde a figura feminina era uma propriedade dos homens (CARVALHO,2023)

No século XIX, período do Brasil-império a violência segue enraizada através da escravidão, ocasionando revoltas regências, como cabanagem, balaiada e malés que buscavam pôr um fim a desigualdade social.

O código de 1916 diz que, a mulher tinha que ser representada, já de acordo com o art. 5 da constituição de 1988, estabeleceu-se que todos eram iguais e tinham os mesmos direitos perante a lei, no entanto evidencia-se ainda a dificuldade da integridade física e moral da figura feminina. Partindo desse pressuposto é válido destacar que a violência acentua as desigualdades sociais e negligência a dor.(RAGASINI, 2020)

Levando em consideração que as mulheres são as principais vítimas de violência doméstica, foram criadas leis com o desígnio de protegê-las e ampará-las, tal como a lei Maria da Penha que entrou em vigor em 2006. O artigo tem o intuito de trazer uma análise histórica da violência contra a mulher, como também a relação das ações penais com a lei Maria Da Penha.

DESENVOLVIMENTO

Inicialmente, será examinada a evolução histórica da violência contra as mulheres no país, proporcionando uma compreensão cronológica dos desafios enfrentados ao longo do tempo. Posteriormente, a discussão se expandirá para abordar as diversas formas de violência que afetam as mulheres, considerando aspectos físicos, psicológicos e sociais. Além disso, será dedicada atenção especial ao papel fundamental desempenhado pelas mulheres na sociedade contemporânea, explorando como as dinâmicas de gênero influenciam e são influenciadas por estruturas sociais mais amplas. O papel do Estado no combate à violência contra as mulheres será também analisado. Por fim, a seção se debruçará sobre a disponibilidade de ação penal para as vítimas de violência, examinando os desafios enfrentados no acesso à justiça e propondo reflexões sobre possíveis melhorias e soluções para fortalecer a proteção das mulheres no Brasil.

A evolução da violência contra as mulheres no Brasil:

É importante examinar o contexto histórico e social da violência contra as mulheres no Brasil e compreender como esse fenômeno evoluiu ao longo do tempo. Levando em consideração a ideia de continuidade da cultura do machismo os homens ocupavam uma posição privilegiada de garantias e acesso, em qualquer espaço seja ele público ou privado e subjugavam o papel da mulher na sociedade Brasileira, que tinham dessa forma uma disposição restrita. A violência contra mulher é todo ato, que em regra tem a mulher como vítima, é um ato invisível que se esconde atrás dos preconceitos e dos padrões culturais. Houve um tempo em que as mulheres não participavam das questões políticas, como também não eram inseridas no mercado de trabalho.

Em 1976, Ângela Diniz foi assassinada por seu companheiro com quatro tiros na cabeça. O advogado afirmou que o mesmo agiu sobre legítima defesa da honra, réu primário, cumpriu pena de dois anos em liberdade. Foi a partir deste momento que o ativismo passou a possuir carácter mais intenso, onde as mulheres passaram a conquistar direitos e espaço na vida pública. Nos anos 70 assassinatos contra mulheres passaram a dar visibilidade à violência doméstica.

As lutas feministas ampliaram o lugar da mulher na sociedade, no entanto ainda vivemos em tempos onde as mulheres buscam ter seus direitos fundamentais de viver sem violência. Paralelo a estes movimentos, tinha a luta dos homens a favor do retrocesso dos direitos das mulheres.

De acordo com o jornal Datafolha, 2022 registrou o maior índice de violência doméstica contra mulher.

Diferentes formas de violência contra as mulheres

A violência contra as mulheres pode assumir muitas formas diferentes, incluindo violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. É formidável compreender estas diferentes formas de violência para desenvolver estratégicas eficazes de prevenção e intervenção. Embora estes termos possam parecer intercambiáveis, é importante compreender que a violência contra as mulheres é um conceito mais amplo. A violência doméstica, por outro lado, é um tipo específico de violência que ocorre dentro de casa ou no Âmbito familiar.

O artigo 7 da lei 11.340/2006 dispõe sobre as diferentes formas de violência e doméstica familiar contra a mulher.

I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;

II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; (Redação dada pela Lei nº 13.772, de 2018)

III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;

IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;

V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria. (BRASIL,2006)

Hodiernamente os maiores índices de violência doméstica contra mulher ainda são caracterizados pela violência física, a lesão corporal, prevista no Código Penal, seguido de crimes de ameaça que se configuram na violência psicológica.

O papel da mulher na sociedade.

É preciso entender o lugar da mulher ao longo da história, como fruto de uma sociedade machista. Na história antiga os homens assumiram funções de comando e passaram a possuir características de sociedades patriarcais, ou seja, tinham direitos que as mulheres eram negados, essas desigualdades marcaram muitas sociedades antigas, se perdurando até os tempos hodiernos e enfatizando cada vez mais a inferiorizarão da figura feminina. O homem sempre foi figura central enquanto a mulher é vista em uma posição de subordinação e objetificação

A partir do século XIX as mulheres passaram a se incorporar no mercado de trabalho e pouco tempo depois, em meados do século XX tiveram seus direitos iguais reconhecidos. Algumas causas estruturais relacionadas a violência contra a mulher são a sociedade patriarcal, cultura do estrupo e machismo.

É importante saber que muitas vezes os crimes são cometidos de forma implícita, sejam eles através da repressão, opressão ou manipulação acerca da figura feminina.

Alguns estudiosos entendem que a violência contra mulher dentro de casa, acontece como um padrão de comportamento específico composto por três fases, sendo a primeira fase o desgaste do relacionamento, a segunda explosão das tensões, ou seja, a violência propriamente dita e pôr fim a terceira fase caracterizada pela atribuição da culpa a fatores externos.

No livro “O segundo sexo” de Simone de Beauvoir, ela aborda questões relacionadas a opressão feminina durante a história e enfatiza o papel da mulher na sociedade:

A humanidade é masculina e o homem define a mulher não em si, mas relativamente a ele: ela não é considerada um ser autônomo. ”( BEAVOUIR, 1949).

Nessa perspectiva, evidencia-se a necessidade de romper paradigmas e estereótipos impostos pela violência de gênero. Logo, a autora afirma que não se nasce mulher, torna-se, no entanto muitas mulheres são condenadas ao destino de violência pelo simples fato de nascer mulher. ( BEAVOUIR,1940)

O papel do Estado no combate à violência contra as mulheres

Ainda que leis como a Lei Maria da Penha no Brasil ofereçam alguma proteção às mulheres, é importante reconhecer que a intervenção formal do Estado não é suficiente. As perspectivas feministas sobre violência contra as mulheres procuram abordar as condições históricas e sociais que contribuem para esta violência e promover ações concretas que possam trazer paz e felicidade à sociedade como um todo.

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A Lei Maria da Penha cria um micro ordenamento jurídico na proteção da mulher em situação de violência doméstica ou familiar, não só na punição de medidas protetivas que podem ser decretadas tanto penalmente quanto civilmente, como também na prevenção.

Não se limita apenas a lesão corporal, pode abranger uma enormidade de crimes, independentemente de onde estejam previstas, seja no ECA, Lei de tortura, ou qualquer legislação que fixem as situações de violência doméstica contra mulher

Nos anos 80 foi criado no Brasil um grande equipamento de combate a violência doméstica e familiar, e a proteção das mulheres, que foram as Delegacias de atendimento à mulher.

A disponibilidade de ação penal para as vítimas de violência contra as mulheres

É importante analisar os mecanismos legais disponíveis para as vítimas de violência contra as mulheres e compreender as limitações destes. Por exemplo, algumas ações que constituem violência doméstica podem não ser abrangidas pelo direito penal, o que pode limitar a capacidade das vítimas de procurar a justiça.

Quando se fala em crime, remete-se a ideia de responsabilização penal do criminoso, no entanto a luz de um estado democrático de direito, com vários princípios, como devido processo legal e ampla defesa não se pode simplesmente aplicar a pena é necessário disponibilizar instrumentos jurídicos de defesa, sendo esses, as ações penais, ou seja, um conjunto de etapas processuais. No Brasil existem dois tipos de ações penais, a pública que tem como titular o órgão público e a privada, caracterizada pela iniciativa da ação do ofendido, os crimes contra honra.

O crime de violência doméstica contra mulher, foi introduzido ao Código Penal com uma lei anterior a Lei Maria da Penha, mantendo o mesmo tipo penal e tendo alteração apenas na pena, saindo de 1 ano para pena máxima de 3 anos. De acordo com a súmula 542 do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) o crime de violência doméstica contra mulher é um tipo de lesão corporal de natureza leve, qualificada pelas relações domesticas familiar. Os crimes de lesão corporal leve e culposo, são segundo o artigo 88 do Código Penal, crimes de ação penal pública condicionada a representação, onde se encaixa tambem os crimes de ameaça no âmbito da lei Maria da Penha, já o de violência doméstica contra mulher independente da modalidade da lesão se for dentro da lei é uma ação pública incondicionada pois é irrelevante a falta de representação da vítima, ou seja, sua retratação, enquanto nos casos de crime contra honra, careceriam ação pena privada. Podem configurar crimes em qualquer lugar da legislação, esta lei não é excludente de outras leis de proteção.

A lei Maria da penha foi desenvolvida com objetivo de coibir e prevenir a violência doméstica contra mulher, possui caráter multidisciplinar e tem várias vertentes, abordando aspectos repressivos, preventivos e assistenciais. Está lei constantemente em avanços sendo uma das melhores do mundo, com eficácia significativa

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto, é sabido que a mulher tem limitações e que a abordagem jurídica acerca dessa situação gera estratégias de enfrentamento diversas, tendo em vista a dificuldade de conscientizar a mulher a quebrar o silêncio de um relacionamento abusivo. Embora as mulheres tenham conquistado feitos importantes ao decorrer da história, ainda existem muitos obstáculos. É formidável considerar ações para o enfrentamento desse problema sejam através da ampliação e divulgação de campanhas de conscientização à violência doméstica, na disponibilidade de serviços e suporte que orientem a vítima, no aumento de medidas protetivas e na garantia de acesso as necessidades básicas da mulher.

REFERÊNCIAS

SANTOS, Cecilia. Da delegacia da mulher a lei maria da penha: Lutas feministas e políticas públicas sobre violência contra mulheres no Brasil. Universidade de coimbrã, 2008. Disponível em: https://estudogeral.uc.pt/handle/10316/11080. Acesso em: 13 de novembro de 2023.

DAUER, Leticia. Brasil registra mais de 50 mil casos de violência contra mulher por dia em 2022. R7, 2023. Disponível, em: https://noticias.r7.com/cidades/brasil-registra-mais-de-50-mil-casos-de-violencia-contra-mulher-por-dia-em-2022-02032023. Acesso em: 21 de novembro de 2023.

BRASIL. Lei n 11.340 de 7 de agosto de 2006. Dispõe sobre a criação de mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm. Acesso em: 24 de novembro de 2023.

LEMOS e BERGER e NOEMI. Violência silenciosa: violência psicológica como condição da violência física doméstica. Scielo, 2007. Disponível em: https://www.scielo.br/j/icse/a/9SG5zGMVt4VFDZtzbX97MkP/?lang=pt#. Acesso em: 24 de novembro de 2023

FACHINI, Tiago. Ação Penal: o que é, quais os tipos, princípios e requisitos, 2021. Disponivel em: https://www.projuris.com.br/blog/acao-penal/. Acesso em: 24 de dezembro de 2023.

FERNANDA, Agda. Lei Maria da Penha: ação penal pública incondicionada ou condicionada à representação nos casos de lesões corporais. Investidura, 2008. Disponivel em: https://investidura.com.br/artigos/direitopenal-artigos/lei-maria-da-penha-acao-penal-publica-incondicionada-ou-condicionada-a-representacao-nos-casos-de-lesoes-corporais/. Acesso em: 24 de novembro de 2023

CARVALHO, Leandro. "Colonização do Brasil "; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/historiab/colonizacao-brasil.htm.. Acesso em 27 de novembro de 2023.

RAGASINI, Bianca. 7 situações absurdas impostas às mulheres no Código Civil de 1916. Jusbrasil, 2020. Disponivel em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/7-situacoes-absurdas-impostas-as-mulheres-no-codigo-civil-de-1916/922491481. Acesso em: 27 de novembro de 2023

Sobre os autores
Rilawilson José de Azevedo

Dr. Honoris Causa em Ciências Jurídicas pela Federação Brasileira de Ciências e Artes. Mestrando em Direito Público pela UNEATLANTICO. Licenciado e Bacharel em História pela UFRN e Bacharel em Direito pela UFRN. Pós graduando em Direito Administrativo. Policial Militar do Rio Grande do Norte e detentor de 19 curso de aperfeiçoamento em Segurança Pública oferecido pela Secretaria Nacional de Segurança Pública.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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