A USUCAPIÃO é um instituto jurídico que autoriza a aquisição da propriedade imobiliária (e também da propriedade móvel) através de determinados requisitos apontados em Lei, variando conforme a espécie de usucapião pretendida. O não preenchimento dos requisitos por certo não vai conceder ao interessado o reconhecimento do direito, ao passo que, a reunião dos requisitos sem o registro no Cartório de Imóveis não vai conceder ao interessado o que de fato ele precisa: SEGURANÇA JURÍDICA, oponibilidade, publicidade e poderes para dispor do seu imóvel - que enquanto pendente o registro do reconhecimento de Usucapião continuará em nome do "proprietário" anterior.
Como destacamos diversas vezes, a base matricial que autoriza o reconhecimento da Usucapião exige a POSSE qualificada (com ânimo de dono) exercida ininterruptamente pelo PRAZO exigido em Lei para a modalidade pretendida, sobre imóvel (ou móvel) HÁBIL e sujeito aos efeitos da prescrição aquisitiva. Não podemos perder de vista que se os requisitos estão em fase de preenchimento - e a consumação ainda não se operou - o interessado na aquisição imobiliária via Usucapião pode ser repelido do imóvel a qualquer momento legitimamente pelo proprietário/interessado caso esse adote as medidas protetivas destinadas a manter seu imóvel, na forma da Lei, como enuncia o art. 1.228 do Código Civil:
"Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o DIREITO DE REAVÊ-LA do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha".
Cenário distinto teremos quando efetivamente os requisitos já estiverem preenchidos pelo interessado/posseiro. É que - por mais que possa parecer estranho - a USUCAPIÃO não depende de sentença nem registro para nascer. A "mera" (como se fosse fácil) reunião dos requisitos já confere ao interessado o direito que a Lei autoriza, sendo importante recordar que em nenhum momento a Lei exigiu sentença ou registro para que a aquisição de imóveis via Usucapião aconteça, valendo exemplificar com o art. 1.238 do CCB que apresenta a Usucapião em sua modalidade EXTRAORDINÁRIA:
"Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis".
E ousamos acrescentar: "podendo" não é "devendo". A aquisição pode se dar e o interessado não levar isso a registro - mas não recomendamos se manter na inércia registral.
Ponto importante que merece destaque diz respeito a quando os requisitos já estão todos completados porém o possuidor, inerte, ainda não adotou as medidas para o reconhecimento do seu direito (seja via processo judicial, seja pela via extrajudicial, direto no Cartório do RGI com obrigatória assistência de ADVOGADO): em que pese o preenchimento dos requisitos já confira ao interessado o direito à aquisição do imóvel via usucapião como vimos acima - é sempre importante recordar que a Sentença tem seu lugar e importância já que servirá de TÍTULO para, adentrando ao fólio registral, conferir ao "adquirente" por assim dizer todos os benefícios que só o REGISTRO de Imóveis pode outorgar, dentre eles por especial a OPONIBILIDADE, a PUBLICIDADE, a DISPONIBILIDADE e a SEGURANÇA JURÍDICA. Em outras palavras, parece não adiantar muito só preencher os requisitos legais se não estiver constando a situação fática convertida em propriedade e plasmada e reconhecida no REGISTRO DE IMÓVEIS.
Por sua vez, já preenchidos os requisitos legais para o reconhecimento da Usucapião (principalmente a POSSE ininterrupta) é importante que o interessado saiba que a OPOSIÇÃO EXTEMPORÂNEA (ou oposição tardia) por parte do titular registral não terá o condão de abalar seu direito aquisitivo fundado na Usucapião. Nesse mesmo sentido a abalizada doutrina assinada pelo Desembargador Aposentado, hoje Advogado, Dr JOSÉ CARLOS DE MORAES SALLES (Usucapião de Bens Imóveis e Móveis. 2010):
"(...) Não se perca de vista, além disso, que a oposição de que se cogita, em matéria de usucapião, há de ser aquela que se produz ou se manifesta NO SEU DECURSO. Somente esta quebra a continuidade do lapso prescricional aquisitivo, porque opõe à vontade do possuidor uma outra vontade que lhe contesta o exercício daqueles poderes inerentes ao domínio qualificador da posse. 'Ora, a usucapião reclama duas condições: a atividade contínua e pacífica, durante trinta anos [atualmente, quinze] ininterruptos afirmados. DECORRIDO ESSE LAPSO de tempo, toda oposição será inoperante, porque esbarrará no FATO CONSUMADO. Tal oposição poderá atacar a sua constituição mesmo, a sua existência material, não intervir para interromper o usucapião, porque já NÃO SE INTERROMPE O QUE SE CONSUMOU".
O processo em si (ou o procedimento extrajudicial, como queira) tem sua inarredável importância na medida em que se presta para cotejar efetivamente se o interessado preenche rigorosamente os requisitos, pois como se viu não é qualquer exercício fático da posse sobre imóvel que se presta para o reconhecimento da Usucapião.
POR FIM, a jurisprudência do TJGO que com o acerto costumeiro confirma que a oposição tardia não tem efeitos sobre a usucapião já consumada:
"TJGO. 00009086720138090166. J. em: 13/06/2018. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA ESPECIAL. MORADIA. REQUISITOS DA PRESCRIÇÃO AQUISITIVA EVIDENCIADOS. AUSÊNCIA DE PROVA DA OPOSIÇÃO À POSSE. OPOSIÇÃO POSTERIOR INOPERANTE. FATO CONSUMADO. HONORÁRIOS RECURSAIS. I- Para a aquisição da propriedade por meio da usucapião prevista no art. 1.238 do Código Civil, deve a parte interessada comprovar os requisitos essenciais à sua concessão, qual seja, que a posse sobre o imóvel foi ininterrupta, sem oposição e com ânimo de dono, sob pena de, ausente qualquer deles, o pleito exordial ser julgado improcedente. II- No caso em comento, as provas carreadas aos autos demonstram que a apelada vem exercendo a posse mansa, pacífica e com animus domini, do bem imóvel, por mais de 10 (dez) anos, tendo demonstrado através das declarações e recibos anexados ao feito que ao longo desse tempo vem arcando com os impostos e taxas do aludido bem, assim como custeando as despesas de manutenção da casa ali edificada e de limpeza do terreno. III- Malgrada a tentativa da recorrente de demonstrar a sua oposição à posse da autora, não se desincumbiu do ônus de efetivamente comprová-la, haja vista que na data da notificação para desocupação do bem, os REQUISITOS PARA A AQUISIÇÃO da propriedade pela usucapião extraordinária JÁ HAVIAM SIDO CONSUMADOS. IV- Qualquer oposição que venha a ser arguida após a consumação do prazo à configuração da prescrição aquisitiva será INOPERANTE, uma vez que NÃO SE INTERROMPE O QUE JÁ SE CONSUMOU. V- (...). VI- A pacificidade da posse somente pode ser interrompida licitamente, através do ajuizamento de ações possessórias, ou petitórias, antes da consumação do prazo da prescrição aquisitiva, e que venham a ser julgadas procedentes, situação não observada nos autos. VII- Verifica-se, portanto, que, para haver interrupção capaz de arredar a usucapião, é necessário ser o possuidor despojado de sua posse de maneira inequívoca, ANTES DE COMPLETAR O LAPSO de quinze anos previsto no art. 1.238 (caput) do atual Código Civil (ou o prazo de dez anos referido no parágrafo único dessa norma), e sem a possibilidade de recuperar a posse perdida, circunstância que não se coaduna com a ora referenciada. Também a ação cautelar inominada proposta pela recorrente não se prestou a interromper o prazo de prescrição aquisitiva, pois a ação principal sequer foi ajuizada, deixando de manter os seus efeitos, nos termos do artigo 309, inciso I, do CPC/2015. VIII- Uma vez evidenciada a sucumbência recursal, impende majorar a verba honorária anteriormente fixada, conforme disposto no CPC 85 § 11. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO".