Possibilidade ou não de cobrança de taxa pelo uso privativo de bem público por concessionárias de serviço novas perspectivas do direito administrativo regulatório

29/11/2023 às 11:22
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RESUMO

O presente resumo tem como objetivo analisar a possibilidade ou não de cobrança de taxa pelo uso privativo de bem público por concessionárias com contratos de prestação de serviço com os entes administrativos. Para tanto, utiliza-se de uma metodologia lógico dedutiva, baseando-se na análise da legislação, jurisprudência e doutrina, elaborando uma revisão de literatura sobre o tema.

Nesse sentido, parte da do estudo sobre conceitos básicos de bens públicos e contratos administrativos, especificamente de concessão de serviços para, a partir daí elucidar a problemática em torno da cobrança de valores pelo Poder Público a âmbito destes.

Analisa, assim, a natureza jurídica da possível exigência verificando as possibilidades legais existentes, bem como situações extraordinárias. Observa igualmente o posicionamento dos principais tribunais sobre o tema.

Por fim, conclui pela impossibilidade da cobrança pelos motivos aduzidos ao longo do texto.

RÉSUMÉ

Cette synthèse vise à analyser la possibilité ou non de percevoir une redevance pour l'usage privé du domaine public par les concessionnaires ayant des contrats de prestation de services avec des entités administratives. À cette fin, on utilise une méthodologie déductive logique, basée sur l'analyse de la législation, de la jurisprudence et de la doctrine, en préparant une revue de la littérature sur le sujet.

En ce sens, on part de l'étude des concepts de base des biens publics et des contrats administratifs, spécifiquement la concession de services pour, à partir de là, élucider le problème de la collecte des valeurs par le Pouvoir Public dans ces domaines.

Il analyse donc la nature juridique de l'éventuelle exigence, en vérifiant les possibilités juridiques existantes, ainsi que les situations extraordinaires. Il observe également la position des principales juridictions en la matière.

Enfin, il conclut que la collecte est impossible pour les raisons évoquées tout au long du texte.

POSSIBILIDADE OU NÃO DE COBRANÇA DE TAXA PELO USO PRIVATIVO DE BEM PÚBLICO POR CONCESSIONÁRIAS DE SERVIÇO

Com efeito, o ordenamento jurídico pátrio conceitua “Bens Públicos” como aqueles assim definidos, móveis ou imóveis, de titularidade do Poder Público, União, Estados e Municípios bem como suas respectivas autarquias, fundações e associações públicas, necessários ao desempenho de suas funções e, por isto, submetidos a um regime jurídico de direito público com características especiais, tais como indisponibilidade, inalienabilidade, impenhorabilidade, não onerosidade.

Ressalta-se, entretanto que tais características não são absolutas. É possível, em casos em que o benefício à coletividade seja superior dispor de tais bens, desde que observadas as limitações previstas em Lei.

No que tange especificamente ao uso, este pode ser comum quando, por todos os usuários, dispensada autorização estatal, sem cobrança de taxas, ou especial, quando é necessária a definição de regras especificas e o consentimento estatal ao ente privado, visto que haverá maior afetação do bem, casos em que o Estado exige-lhe uma contraprestação compensatória.

No caso das concessionárias de serviço público, o uso dos bens públicos se caracteriza como especial, posto que há uma transferência da administração de uma atividade estatal para o setor privado que irá auferir renda com a realização do serviço, sendo que ao Estado deverá fornecer meios de viabilização dos mesmos, afetando muitas vezes móveis, imóveis, vias e infraestrutura.

Neste sentido, a norma dispõe expressamente, Lei 8.987/95 sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no artigo 175 da Constituição Federal, ser encargo do Poder Concedente declarar de utilidade pública os bens necessários à execução do serviço ou obra pública, promovendo as desapropriações, diretamente ou mediante outorga de poderes à concessionária, caso em que será desta a responsabilidade pelas indenizações cabíveis.

Porém, para retribuir-se dos custos, há uma tendência de o poder público impor a cobrança de taxas pelo uso privativo dos bens de empresas neste regime. Contudo, a análise detida desta prática revela que a mesma não encontra fundamentação legal.

Tal cobrança obedeceria a uma lógica jurídica própria, alheia ao sistema tributário, visto que não se trataria da exigência de um imposto já que não previsto na espécie, logo inconstitucional se assim percebido, além de que existiria um problema de incompetência do ente municipal para instituir cobrança deste tipo:

DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. COBRANÇA DE RETRIBUIÇÃO PECUNIÁRIA PELA INSTALAÇÃO DE EQUIPAMENTOS NECESSÁRIOS À PRESTAÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO. BEM PÚBLICO DE USO COMUM DO POVO. INCONSTITUCIONALIDADE DECORRENTE DA VIOLAÇÃO DA COMPETÊNCIA LEGISLATIVA PRIVATIVA DA UNIÃO (ART. 22, IV, DA CF/88). PRECEDENTE DO PLENÁRIO: RE 581.947/RO. 1. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 581.947/RO, rel. Min. Eros Grau, DJe 27.08.2010, firmou o entendimento de que o Município não pode cobrar indenização das concessionárias de serviço público em razão da instalação de equipamentos necessários à prestação do serviço em faixas de domínio público de vias públicas (bens públicos de uso comum do povo), a não ser que a referida instalação resulte em extinção de direitos. 2. O Município do Rio de Janeiro, ao instituir retribuição pecuniária pela ocupação do solo para a prestação de serviço público de telecomunicações, invadiu a competência legislativa privativa da União (art. 22, IV, da CF/88). Precedente. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (RE 494163 AgR, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 22/02/2011)

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Também não se poderia definir como taxa pelo exercício de poder polícia visto que não se realiza um serviço diretamente, mas há a sua outorga da permissão de uso, a título precário e oneroso:

TRIBUTÁRIO E ADMINISTRATIVO. USO DO SOLO MUNICIPAL PARA SERVIÇO DE UTILIDADE PÚBLICA. COBRANÇA. ILEGALIDADE. 1. Não pode o município cobrar pelo uso do solo, se o serviço se destina a comunidade municipal. 2. A intitulada "taxa", cobrada pelo uso de vias públicas - solo, subsolo e espaço aéreo - para instalação de equipamentos que permitem a prestação dos serviços de fornecimento de gás, não pode ser considerada de natureza tributária porque não há nenhum serviço do Município, nem o exercício do poder de polícia. Ademais, somente se justificaria a cobrança como "preço" se se tratasse de remuneração por serviço público de caráter comercial ou industrial, o que não ocorre na espécie. 3. Agravo Regimental provido. (AgRg no REsp 1195374/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/11/2010)

Tampouco contribuição de melhoria, pelas mesmas razões e por haver um serviço e não a valorização natural do bem decorrente de intervenção.

E, por fim, não se enquadraria ainda como preço público, posto que ausente a autonomia de vontade entre as partes, apesar de haver divergência quanto a este entendimento, como é o caso de Celso Antônio Bandeira de Melo:

Dita cobrança não tem natureza tributária, qualificando-se, antes, como um preço. Sua índole não é ressarcitória de transtornos ou despesas, mas remuneratória, consistindo em uma contrapartida da utilidade que dita passagem subterrânea oferece aos concessionários que dela se beneficiam.

Para o autor, a natureza jurídica da referida retribuição é mesmo a de preço público que não se adstringe à atividade comercial ou industrial do Estado, mas proveniente da utilização restrita e privada de bens públicos, aduzindo que a prática seria similar ao aluguel para a iniciativa privada.

Contudo, a analogia é precária, posto que se trata de uma semelhança apenas econômica e de resultado, sendo que os regimes jurídicos e as partes envolvidas são absolutamente distintas, não se equiparando a um contrato cível. É o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. EXPLORAÇÃO DO SERVIÇO TELEFÔNICO. PREÇO PÚBLICO. IMPOSSIBILIDADE DE COBRANÇA. INSTITUIÇÃO POR DECRETO MUNICIPAL. AUSÊNCIA DE PODER DE POLÍCIA OU SERVIÇO PÚBLICO. PREÇO PÚBLICO. USO DE BEM PÚBLICO. CONCESSÃO. INEXISTÊNCIA DE SERVIÇO COMERCIAL OU INDUSTRIAL. VIOLAÇÃO AO ARTIGO 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. 1. A entitulada "taxa", cobrada pelo uso de vias públicas, inclusive, solo, subsolo e espaço aéreo, para a instalação de equipamentos que permitem a prestação dos serviços de telecomunicações, não pode ser considerada como de natureza tributária porque não há serviço algum do Município, nem o exercício do poder de polícia, além do fato de que somente se justificaria a cobrança como "preço" se se tratasse de remuneração por um serviço público de natureza comercial ou industrial, o que não ocorre na espécie. Precedentes da Corte: REsp 802.428/SP, DJ 25.05.2006; REsp 694.684/RS, DJ 13.03.2006; RMS 12.258/SE, DJ 05.08.2002; RMS 11.910/SE, DJ 03.06.2002; RMS 12081/SE, DJ 10.09.2001. 2. Mandado de segurança preventivo, com pedido de liminar, impetrado por concessionária de serviço público de telefonia fixa, contra ato de Secretário da Fazenda Municipal, consubstanciado na cobrança de retribuição pecuniária mensal, instituída pela Lei Municipal nº 1964/01, editada em 31.12.2001, pelo uso de vias públicas, inclusive, solo, subsolo e espaço aéreo, para a instalação de equipamentos que permitam o cumprimento da prestação dos serviços de telecomunicações. 3. Inexiste ofensa ao art. 535 do CPC, quando o tribunal de origem pronuncia-se de forma clara e suficiente sobre a questão posta nos autos. Ademais, o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão. 4. Recurso especial provido. (REsp 881.937/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 25/03/2008)

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CONCLUSÃO

Logo, como receita, devendo ter natureza tributária, a esta escaparia, não se coadunando com nenhum tipo legal previsto de cobrança pelo Poder Público, o que torna sua exigência abusiva e precária, sem fundamentação legal.

Não se poderia dizer ainda que a contraprestação teria caráter indenizatório geral, posto que tal exigiria a comprovação do dano e respectiva compensação com os benefícios trazidos pelo serviço, o que, cedo ou tarde, não justificaria seu pagamento.

Do contrário, numa situação específica, de dano extraordinário ao bem, que fugisse seu uso comum e causasse inequivocamente sua desvalorização ou deterioração, em sendo dever de todos zelar pela conservação do bem público, a indenização proporcional à reparação seria devida.

Ante o exposto, não há amparo legal para uma cobrança de taxa por uso privativo de bens públicos por concessionárias de serviços pela simples permissão de uso e auferição de lucro que não seja em caráter indezatório por uso inapropriado do bem e dano efetivo à coletividade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Utilização da faixa de domínio de rodovia mediante passagem subterrânea de cabos ou dutos – possibilidade de cobrança, RTDP 31, Malheiros Editores, São Paulo, 2000, pp. 90/96.

BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e Efetividade de suas Normas: Limites e Possibilidades da Constituição Brasileira. 4ª edição, Rio de Janeiro: Renovar, 2000.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 24ª edição, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

HARADA, Kiyoshi. Utilização do subsolo e do espaço aéreo municipal. Inconstitucionalidade da cobrança de "retribuição mensal"Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 100, 11 out. 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4396>. Acesso em: 27 de junho de 2018.

SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 8ª edição. São Paulo: Saraiva, 2016.

SUNDFELD, Carlos Ari. Serviços públicos e regulação estatal. In: Direito Administrativo Econômico. Coord. pelo autor. São Paulo: Malheiros Editores, 2002.

Sobre a autora
Isabella Bastos Emmerick

Mestre em Direito pela Universidade Federal de Sergipe. Especialização em Direito Processual pela Pontifica Universidade Católica de Minas Gerais. Especialização em Direito Penal pela UniBF. Graduação em Direito-pela Universidade Federal de Sergipe. Agente da Polícia Civil do Estado. de Sergipe com lotação especializada no Setor de Narcóticos da Delegacia Regional de Estância. Experiência como Docente nas áreas de Direito Penal e Processual Penal da Universidade Estácio de Sá/Sergipe, nas áreas de Direito Ovil Constitucional da Faculdade Ages - Filial Paripiranga/Bahia e na área de Direito Civil na Universidade Federal de Sergipe. Experiência como Advogada nas áreas de Direito Civil e Direito Penal.︎

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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