O conceito de homo juridicus em face das dimensões da dignidade da pessoa humana

29/11/2023 às 11:20
Leia nesta página:

RESUMO

O presente trabalho visa abordar uma ótica comparativa entre os conceitos de Alain Supiot - Homo juridicus - e Ingo Wolfgang Sarlet - Dignidade da pessoa humana -, apontando suas semelhanças e diferenças e seus papéis na construção da lógica do ordenamento jurídico democrático.

Parte da noção de que o princípio da dignidade humana se constitui da apreensão de valor intrínseco por cada indivíduo e também regra de tratamento ao determinar que todos devem ser sujeitos de isonomia, equidade, respeito e liberdade. Dessa forma, cada homem, juridicamente considerado, possui direitos inerentes à sua própria condição.

Assim, ao tratar do Homo juridicus, Supiot se aproxima da pauta de dignidade da pessoa humana e dos postulados desta defendidos por Sarlet, individualidade, subjetividade e personalidade, sendo os conceitos complementares e interconectados.

RÉSUMÉ

Le présent travail vise à aborder une perspective comparative entre les concepts d'Alain Supiot - Homo juridicus - et d'Ingo Wolfgang Sarlet - Dignité de la personne humaine -, en soulignant leurs similitudes et différences et leurs rôles dans la construction de la logique du système juridique démocratique. système.

Elle part de l'idée que le principe de dignité humaine est constitué par l'appréhension d'une valeur intrinsèque par chaque individu et aussi une règle de traitement en déterminant que chacun doit être sujet d'égalité, d'équité, de respect et de liberté. Ainsi, chaque homme, légalement considéré, possède des droits inhérents à sa propre condition.

Ainsi, lorsqu'il aborde Homo juridicus, Supiot aborde l'agenda de la dignité humaine et les postulats défendus par Sarlet, individualité, subjectivité et personnalité, les concepts étant complémentaires et interconnectés.

O CONCEITO DE HOMO JURIDICUS EM FACE DAS DIMENSÕES DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Alain Supiot, numa abordagem do ponto de vista majoritário das ciências sociais, Ocidental, delimita a concepção do Imago Dei, o homem concebido à imagem de Deus com sua dignidade procedente não de si mesmo, mas de seu Criador, e partilhável, portanto, com todos os demais.

Desta, decorrem os três atributos da humanidade, a saber: individualidade, subjetividade e personalidade - cada homem é único, mas também semelhante a todos os outros; é soberano, mas sujeito à Lei comum; é espírito, mas matéria.

Para o autor, a pessoa humana é una e indivisível, de seu nascimento a sua morte, incomparável a qualquer outra, sendo par de si mesmo o seu próprio fim e, ao contrário, é elemento da sociedade humana, a todos semelhante e, portanto, a todos idêntica, sendo assim um indivíduo nos dois sentidos, qualitativo e quantitativo.

A singularidade do indivíduo, por sua vez, não resulta de fatores objetivos, mas do exercício de sua liberdade, na sua atividade como sujeito social na competição com todos os demais, onde revela a si mesmo e aos outros. Dessa forma, como sujeito a pessoa é aquela que exerce a força normativa da palavra, substituindo a prescrição divina, representando a monopolização pelo homem da qualidade de sujeito num mundo regido por ele e repleto de objetos modelados à sua imagem, devendo, contudo, a si mesmo submeter às próprias leis para atingir essa liberdade.

Por fim, a personalidade humana surge como conceito metafísico que permite a junção e conexão do corpo e com o espírito, transcendendo a natureza mortal da matéria física para a imortalidade do espírito humano. Assim, a personalidade jurídica representa a construção dogmática do atributo de identificação do indivíduo aos olhos de seus contemporâneos bem como das gerações seguintes, através do reconhecimento da fronteira entre pessoas e objetos, além de verdades intocáveis que não estão à livre disposição do homem.

Pode-se dizer assim, que o Homo Juridicus, composto pelos atributos acima delineados, se caracteriza em diversas perspectivas complementares, e, por vezes, ambivalentes. Numa abordagem relacional quantitativa, o indivíduo se caracteriza por sua natureza una e indivisível, enquanto o sujeito por ser parte integrante de uma coletividade e a pessoa por sua dupla natureza, material e espiritual. Do ponto de vista qualitativo, o indivíduo é único e singular, o sujeito se reveste de liberdade e racionalidade e a pessoa de espiritualidade. Na acepção operacional/reacional, o indivíduo se manifesta através do ser/existir, o sujeito pelo elemento volitivo e a pessoa por sua capacidade transcendental. Por fim, quanto à análise do efeito jurídico/político, ao indivíduo compete a exclusividade, ao sujeito a titularidade e à pessoa a personalidade. Enfim, a junção de tais componentes elementares e essenciais, compõe o conceito proposto pelo autor na ideia de Homo Juridicus.

Deste conceito, se depreende a análise, em específico, do atributo da dignidade da pessoa humana compreendida, de forma geral, como traço distintivo do ser humano, também vinculado originariamente à tradição do pensamento cristão que identifica o homem à imagem e semelhança do Criador. Tal conceito se revela extremamente abrangente, haja vista englobar diversas concepções e significados, havendo, assim, grande dificuldade de se formular uma definição jurídica, moral, antropológica ou sociológica a respeito.

Nesse sentido, Ingo Wolfgang Sarlet ensaia brilhantemente a classificação dimensional de tal conceito, que aqui será abordada em relação aos componentes essenciais do Homo Juridicus elaborado por Supiot, individualidade, subjetividade e personalidade.

A princípio, prevê Sarlet a dimensão ontológica, não exclusivamente biológica da dignidade, que a define como característica irrenunciável e inalienável do ser humano, constituindo elemento que o qualifica como tal e dele não pode ser destacado, sendo, pois, qualidade integrante da própria condição humana que deve ser reconhecida, respeitada, promovida e protegida, não podendo, contudo ser criada, concedida ou retirada, já que lhe é inerente. Além disso, a dignidade independe das circunstâncias concretas, visto que todos são iguais no sentido de serem reconhecidos como pessoas ainda que não se portem de forma igualmente digna nas suas relações com seus semelhantes. Assim, o fato de os seres humanos serem dotados de razão e consciência representa justamente seu denominador comum, manifestando-se a dignidade como valor espiritual e moral inerente à pessoa. Na perspectiva de Supiot, tal abordagem se encaixa mecanicamente, sobretudo no que tange às noções de indivíduo e individualidade, posto que ligada à condição humana de cada indivíduo, que comporta e garante a natureza una e indivisível do ser ao mesmo tempo em que o revela como igual ao demais, parte integrante essencial de um todo e por si só, sujeito de direitos.

Na esteira, a segunda dimensão da dignidade de Sarlet se relaciona com a intersubjetividade e o reconhecimento pelos demais. Numa visão comunitária ou social da dignidade, tem-se esta como atributo de cada pessoa e de todas as pessoas, concomitantemente, o que se baseia no reconhecimento da igualdade de direitos e na circunstância de, nesta condição, convivência em determinada comunidade. Infere-se neste ponto a noção de sujeito e subjetividade de Supiot, partindo da situação do ser humano em sua relação com os demais, no sentido de uma funcionalização/instrumentalização da dignidade, não restrita, portanto, à ideia de autonomia individual, mas da colaboração necessária no reconhecimento e proteção do conjunto de direitos e liberdades indispensáveis que corroboram na promoção do indivíduo como ser dotado de racionalidade. Desse modo, compreende-se a noção da dignidade como o reconhecimento do caráter único de cada pessoa e do fato de esta ser credora de um dever de igual respeito e proteção no âmbito da comunidade humana.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Por último, Sarlet aborda a dignidade como construção histórico-cultural, numa relativização das dimensões ontológica e intersubjetiva, pregando a flexibilização do conceito necessária à harmonização social em face do pluralismo e a diversidade de valores que se manifestam nas sociedades democráticas contemporâneas, revelando-se o mesmo em permanente processo de construção e desenvolvimento. Desse modo, insere-se na acepção de dignidade um sentido cultural, fruto de diversas gerações e da humanidade em seu todo. Nesse sentido, tem-se a relação direta com o conceito definido por Supiot para pessoa e personalidade, que revela um caráter metafísico, espiritual, isto é do pensar, cultural, moral e histórico, e aborda a existência de situações que, para determinada pessoa não são consideradas como ofensivas à sua dignidade, ao passo que para outros, trata-se de violação intensa inclusive do núcleo essencial desta, a depender de fatores não orgânicos ou jurídicos, mas subjetivos, pessoais, de compreensão do mundo.

CONCLUSÃO

A dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos do ordenamento jurídico pátrio. Seus postulados, definididos por Sarlet, individualidade, subjetividade e personalidade, são intimamente conexos com a dupla dimensão negativa e prestacional da dignidade, enquanto expressão da autodeterminação e autonomia da pessoa humana, bem como da necessidade de sua proteção pela comunidade.

Cada homem, pois, possui como ess~encia sua própria dignidade. É isto que o identifica e o diferencia juridicamente dos demais e confere importência central à pessoa humana, o homo juridicus.

Assim, nítida a relação entre o conceito antropológico de Homo Juridicus e filosófico de dignidade da pessoa humana proposto pelos autores Supiot e Sarlet, consistindo ambos nos pilares do ordenamento jurídico democrático.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Diário Oficial. 1988.

ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Adotada e proclamada pela Resolução nº 217 A (III) da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948. Disponível em <https://nacoesunidas.org/direitoshumanos/declaracao/>. Acesso em: 09/03/2018.

SUPIOT, A. Homo juridicus: ensaio sobre a função antropológica do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

SARLET, I. W. A eficácia dos direitos fundamentais. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.

SARLET, I. W. et al. O Novo Constitucionalismo na era Pós-positivista. São Paulo: Saraiva, 2009.

Sobre a autora
Isabella Bastos Emmerick

Mestre em Direito pela Universidade Federal de Sergipe. Especialização em Direito Processual pela Pontifica Universidade Católica de Minas Gerais. Especialização em Direito Penal pela UniBF. Graduação em Direito-pela Universidade Federal de Sergipe. Agente da Polícia Civil do Estado. de Sergipe com lotação especializada no Setor de Narcóticos da Delegacia Regional de Estância. Experiência como Docente nas áreas de Direito Penal e Processual Penal da Universidade Estácio de Sá/Sergipe, nas áreas de Direito Ovil Constitucional da Faculdade Ages - Filial Paripiranga/Bahia e na área de Direito Civil na Universidade Federal de Sergipe. Experiência como Advogada nas áreas de Direito Civil e Direito Penal.︎

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos