Nascidos no cárcere: o drama das mães presidiárias

29/11/2023 às 11:11

Resumo:


  • Estudo aborda a realidade de mulheres grávidas e com filhos em prisões brasileiras, destacando a invisibilidade desses sujeitos no sistema carcerário e a necessidade de uma abordagem interdisciplinar.

  • Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias revela crescimento da população carcerária feminina e a falta de infraestrutura adequada nas prisões para gestantes e mães com crianças.

  • Discussões sobre a criminalidade feminina, a visão de Cesare Lombroso sobre a mulher criminosa, e a análise da obra "Presos que menstruam" de Nana Queiroz, que expõe as condições brutais das mulheres nas prisões.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Resumo: O presente artigo científico visa dissertar acerca da realidade das mulheres presas que estão em estado gestacional ou que têm filhos que vivenciam a experiência da primeira infância dentro do cárcere. Portanto, pretende debruçar seu “olhar” acerca destes sujeitos extremamente invisibilizados no sistema carcerário brasileiro contemporâneo: as mulheres presas em estado gestacional, mulheres presas com filhos até doze anos de idade, e as crianças até doze anos de idade que vivenciam a experiência de passarem seus primeiros anos de vida no cárcere. A abordagem interdisciplinar faz-se necessária no presente ensaio monográfico, em virtude disso recorri a autores de diversas áreas do conhecimento como juristas, psiquiatras, criminalistas, jornalistas, dentre outros. O trabalho foi realizado através de uma revisão bibliográfica, destacando-se a utilização dos dados atualizados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias. Verificou-se que a população carcerária feminina foi a que mais cresceu nos últimos anos em relação a masculina, segundo o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias, atingiu a marca de 42 mil mulheres privadas de liberdade, um aumento de 656% em relação ao registrado nos anos 2000, não foram encontradas estatísticas em relação às gestantes ou mães com filhos de até doze anos. Em junho de 2014, em todo o país, 30% das mulheres presas não tinham condenação. Sergipe é o estado com o maior percentual (99%), seguido pela Bahia (66%). Entre os estados com menores índices estão Rondônia, com 15%, e São Paulo, com 9%. No que toca à infraestrutura das unidades que custodiam mulheres, menos da metade dos estabelecimentos femininos dispõe de cela ou dormitório adequado para gestantes (34%). Nos estabelecimentos mistos, apenas 6% das unidades dispunham de espaço específico para a custódia de gestantes. (INFOPEN. Levantamento nacional de informações penitenciárias. 2. ed. 2017).

Palavras chave: Penitenciárias, presas, cárceres, gestantes, mulheres e crianças.

Introdução

No Brasil o crescimento acelerado do encarceramento feminino tem dados alarmantes nos últimos anos. Segundo dados da Infopen havia 579.781 pessoas sob custodia em 2014 (prisões estaduais e federais). Desses, 37.380 eram mulheres, o estudo revelou também que dentre os 20 países que tem a maior população prisional feminina do mundo o Brasil ocupa a 5º colocação. (Infopen; 2014)

Na maioria dos casos são mulheres jovens (18 a 29 anos), negras, pobres e com baixa escolaridade. Dessas 68% foram acusadas de tráfico de drogas, em alguns dos casos simplesmente por morarem com os companheiros que guardavam drogas em casa, ou eram presas com uma quantidade pequena de drogas que transportavam para dentro de presídios, para seus companheiros, para que continuasse a sustentar seus filhos e o próprio marido na cadeia, muitas mulheres assumiram o lugar dos maridos no tráfico após as suas prisões. Pouco eram são os casos em que mulheres ocupavam cargos de chefia no tráfico nem eram consideradas de alta periculosidade, o que deveria ser levado em conta na hora da audiência de custódia, podendo ser substituída as penas por algo mais brando, 30% dos citados acima não possuíam sentença condenatória.

Dados do Infopen revelou que nos estabelecimentos prisionais femininos menos da metade possuía estrutura adequada para gestantes. Já os berçários ou locais materno infantil somente 32% possuíam esse espaço e em apenas 5% haviam creches, nas penitenciárias mistas poucas possuíam o berçário ou área destinada às mães, um ou o outro nenhum possuía os dois, e em nenhum deles havia creches. (Infopen; 2014)

Criminalidade feminina

Mulher e criminalidade, apesar de não ser um assunto novo, é um tema que envolve e atiça a curiosidade não só do operador do Direito, mas de quem tem interesse na pesquisa de gênero. (Lavor et al. 2019)

Na mitologia grega, a mulher, enquanto delinquente, detinha uma posição privilegiada, tendo em vista que sua conduta criminosa era justificada pela paixão ou pelo ciúme, assim como ressaltou Alessandro Baratta quando disse que “a questão feminina se tornou um componente privilegiado da questão criminal”(Piazzeta 2004). Da mesma forma Bordieu (1999), quando a qualificou como “violência suave, insensível, invisível a suas próprias vítimas, que se exerce essencialmente pelas vias puramente simbólicas da comunicação ou do conhecimento, ou, mais precisamente, do desconhecimento, do reconhecimento ou, em última instância, do sentimento”. Como exemplo disso tivemos a conduta praticada por Medeia, que assassinou os próprios filhos em vingança ao marido infiel, que, embora tenha sido repugnante, justificou-se pelo ciúme. ( ISHIY; 2018)

A dualidade nestes crimes é que a mulher é, ao mesmo tempo, autora e vítima do delito. Autora, porque realiza a conduta típica, ilícita e culpável prevista na lei penal. Vítima, porque o Estado deixa de cumprir em relação a ela com uma de suas atribuições primordiais: a de garantidor de direitos, fazendo surgir a co-culpabilidade estatal. (Piazzeta; 2004)

Usar como exemplo a emoção que norteia a criminalidade feminina que pratica o infanticídio, justificado pelo estado puerperal se tornou um desafio. O art. 123 do Código Penal não passa de mera ficção jurídica para justificar o homicídio praticado pela mãe contra o próprio filho. Parte dos estudiosos da medicina legal não reconhece como alterações psíquicas o estado puerperal na motivação do crime. A emoção e a paixão não excluem o crime, embora sejam integrantes da psicologia humana. Apenas o atenuam, a depender do caso concreto, pois o art. 28, I do vigente Código Penal brasileiro é bem claro: “Não excluem a imputabilidade penal: a emoção ou a paixão”. ( MARQUES; 2016)

Corretas, certas e justas modificações nos diplomas legais devem ser buscadas no sentido de alcançar-se o verdadeiro princípio da igualdade entre os gêneros, marco de uma sociedade que persevera na luta pela diminuição das desigualdades sociais, com o que, consequentemente, veremos uma significativa redução dos crimes próprios da mulher. (Piazzeta;2004)

A mulher criminosa na visão de Cesare Lombroso

O psiquiatra italiano Cesare Lombroso em sua obra (A Mulher Delinquente: a Prostituta e a Mulher Normal) definiu as mulheres como seres sensíveis, fracos e inferiores aos homens do ponto de vista físico, moral e intelectual e, em virtude dessas condicionalidades, seriam naturalmente inaptas para cometer crimes e quando cometiam eram “de menor gravidade”. Lombroso caracterizava as criminosas como mulheres que possuíam algum tipo problema mental, denominadas pelo próprio autor como, “falha mental”, e que o “normal” era que o primeiro instinto da mulher antes de se tornar criminosa seria virar prostituta, e só em casos mais graves cometeriam crimes “de verdade”, como possíveis homicídios por exemplo, que segundo o próprio autor era crime de ¨homem¨.

Para Lombroso, a verdadeira criminalidade feminina, a mais recorrente e marcante, era a prostituição. Nesse sentido, a prostituta nata seria a principal representante da criminalidade feminina [...] Assim, a prostituição e a criminalidade seriam fenômenos paralelos. A prostituta tinha a índole criminosa e só não cometia crimes comumente, pois ganhava seu sustento de forma mais fácil.

(Entre as leis da ciência, do Estado e de Deus: O surgimento dos presídios femininos no Brasil, 2011, p. 317).

Cesare Lombroso dividiu as mulheres em duas categorias, a primeira eram as más, aquelas masculinizadas e primitivas, e a segunda eram as civilizadas, femininas e seguidoras da lei. Apesar de existir uma grande diferença entre as duas categorias, encontram-se traços comuns entre ambas: a essência em cometer os desvios; as características físicas e morais; resistência à dor; impulsos vingativos e ciúmes. Esses traços podem ser minimizados por sua potencialidade em sentir pena, pela maternidade, por serem frias sexualmente, por sua fraqueza psicológica e nas palavras de Lombroso “a inteligência pouco desenvolvida”.

Para Lombroso, uma criminosa nata era rara em comparação com criminosos natos homens, pois, os homens evoluíram mais que as mulheres, enquanto estas evoluíram pouco ao longo da história. Seguindo essa linha de raciocínio, como os homens atingiram, ao longo do tempo, um grau extremo de civilidade, quando nascem com um comportamento desviante, atingem um grau absurdo de incivilidade.

A criminosa feminina é menos típica fisiologicamente que os homens criminosos, uma vez que ela é menos essencialmente criminosa, já que todas as formas de degeneração fazem com que a criminosa se desvie a um patamar mais próximo que os homens, pois sendo organicamente conservadora (há pouca variedade e evolução), ela mantém as características do tipo “normal” mesmo quando desvia dele; e finalmente porque a beleza, sendo para ela de uma necessidade suprema, resiste aos assaltos da degenerescência (LOMBROSO, 2004, p. 149).

Lombroso destacava que as criminosas natas não possuíam afeição maternal, e a falta de amor materno era compreensível, considerando-se as características masculinas que as mesmas possuíam. Nas mulheres morais a sexualidade estava canalizada para o exercício da maternidade, para os relacionamentos estáveis, enquanto nas mulheres criminosas estava canalizada pelos comportamentos sexuais desviantes. Afirmava ainda que as mulheres com insanidade mental que possuem epilepsia tinham a hereditariedade degenerada e, portanto, eram mais propensas à prática delituosa.

Cesare Lombroso afirmava que a prostituição era a verdadeira causa da transgressão feminina, que a prostituta nata era a principal representante dessa criminalidade. Para o autor há uma semelhança entre a prostituta nata e o criminoso nato, “(...) apresentam a mesma falta de senso moral, coração embrutecido, apetite juvenil pelo mal, indiferença para com a opinião pública, (...) o mesmo gosto por gratificações imediatas, orgias e bebidas, o mesmo tipo de vaidade” (Lombroso, 2004, p. 221).

Desse modo, a prostituição e a criminalidade seriam fenômenos paralelos, pois a prostituta tinha a índole criminosa, mas, não cometia o “crime” comumente por que ganhava o sustento de forma “mais fácil”. A prostituição também é uma forma de criminalidade para o autor, mas, “(...) a prostituição é socialmente útil como uma saída para a sexualidade masculina, e previne crimes masculinos. Às vezes a criminalidade funciona de maneira útil. O comportamento criminoso e a prostituição são duas formas, uma masculina e uma feminina, de criminalidade” (LOMBROSO, 2004, p. 221).

Lombroso acreditava que a prostituição era uma “insanidade moral”, a mesma produzia muitas vezes, falta de sentimentos como o amor pela família. Portanto, tal transtorno era um empecilho à manifestação das virtudes de evolução presentes nas “mulheres morais”. O autor também relacionava a patologia com a criminalidade, motivo pelo qual as prostitutas praticavam, por vezes, crimes como roubo e homicídio. Ainda de acordo com Lombroso, aquelas que nasciam prostitutas não tinham o freio social que seria encontrado em mulheres honestas. Nas palavras do próprio autor, “à falta de modéstia e à insanidade moral se soma a facilidade, indiferença e mesmo alegria que as prostitutas têm de participar da profissão mais mal falada do mundo, que as banem da sociedade” (LOMBROSO, 2004, p.216). Havia, ainda, as prostitutas ocasionais, que não nasceram prostitutas, mas se tornaram por necessidade. Em geral, elas amavam seus filhos e se prostituíam para colaborar com seus entes próximos.

As principais circunstâncias que levavam essas mulheres à prostituição foram, de acordo com Lombroso, a) a perda da virgindade (oriunda de uma sedução seguida de abandono ou estupro); b) a violência social e a esperteza dos que as enganavam levando-as contra vontade para o mercado da prostituição; c) pobreza e maus exemplos. A prostituta ocasional apresentava fraqueza para o vício, pois a mulher completamente honesta preferiria a morte à prostituição, já a prostituta nata teria uma necessidade orgânica para o vício (LOMBROSO, 2004, p. 222 a 226).

Presos que menstruam (Nana Queiroz)

A jornalista e autora do livro “presos que menstruam” Nana Queiroz, retratou de forma absolutamente realista “a brutal vida das mulheres tratadas como homens nas prisões brasileiras”.(Moreira; 2019)

De acordo com Nana o livro foi escrito ao longo de quatro anos, sendo uma verdadeira, “colcha de retalhos'' em que a linha e a agulha são entrevistas, visitas aos presídios, livros, artigos, estudos e processos judiciais das personagens. O tecido é composto por trechos de vida de sete mulheres com quem ela se encontrou diversas vezes e de algumas outras detentas que lhe cruzaram o caminho de forma passageira”.

Nana entrevistou presas de cinco regiões do Brasil, e encontrou dificuldades para escrever esse livro, pois as limitações eram diversas. “não era apenas o governo que nos impedia de falar sobre o assunto, mas porque também tabus são mantidos pelos que se recusam a falar sobre eles e a própria sociedade evita falar de mulheres encarceradas”.

Presos que menstruam reflete o quanto de direito feminino é violado nas penitenciárias femininas. Nana relatou cinco vidas que foram mudadas drasticamente desde suas prisões. Mães que não podem conviver com seus filhos, que não tiveram o seu direito garantido pela Lei nº 13.257 em 2016, nomeada como “Marco Legal da Primeira Infância”, que traz a possibilidade de o juiz substituir a prisão provisória pela prisão domiciliar tanto para as mulheres gestantes quanto para as com filhos até 6 anos completos ou 72 meses da criança, salvo aquelas que estejam sendo julgadas por crimes contra seus dependentes.

Em 2018 foi criada a lei 13.769 que também tinha como finalidade a substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar da mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência e disciplina o regime de cumprimento de pena privativa de liberdade de condenadas na mesma situação. (Brasil; 2018)

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O primeiro dos cinco relatos do livro foi o de Safira, uma mulher forte e transparente que fazia jus ao nome, Safira lamentou não poder ter acompanhado o crescimento dos filhos, passou três anos ininterruptos sem ver os velos ao menos uma vez, não esteve com eles no primeiro dia de aula, nem quando o mais velho teve sua primeira namorada. Safira se envolveu no crime para alimentar seus filhos, após separar-se do ex marido violento a vida da mulher ficou cada dia pior, em uma sociedade machista uma mulher separada não é um bom exemplo, trabalhava em um supermercado onde embalava o que ela queria dar aos filhos para comer, e depois de um dos dias mais cansativos no trabalho, ao chegar em casa deparou-se com o armário vazio não havia nada para comer, e então no desespero se entregou ao crime.

Quando Safira foi presa comeu o “pão que o diabo amassou” Na cadeia sofreu torturas, das sete da manhã às sete da noite seu corpo não teve descanso. “Foi algemada em uma cadeira com rodinhas, mãos para trás.” (Queiroz; 2015). A cada pergunta não respondida, ganhava um soco na boca do estômago e, quando tentava se recuperar, buscando o ar, recebia um saco plástico preto no rosto. Rasgaram sua blusa, deixando os seios de fora.” Um dos maiores temores dela era a violência sexual muito comum nesses locais. Foram socos e mais socos, e nenhum hematoma, não tinha como denunciar, primeiro por que não acreditariam e segundo por que eles sabiam como fazer as coisas.

O relato de Safira não é algo que ocorreu a muitos anos atrás, essa é só uma das muitas histórias que ficam escondidas atrás das belas palavras da policia, dos discursos de ódio vomitados pela sociedade a respeito de mulheres presidiárias, sociedade essa culpada na grande maioria dos casos de crimes cometidos por mulheres. Os “juízes” das vidas alheias, apontam, culpam, discriminam, jogam as mulheres “largadas” seja pela família ou o marido para a vida do crime.

Uma mulher que perde a virgindade “cedo” é expulsa de casa pelo pai severo que não quer ver seu nome jogado na lama, em mais de noventa por cento dos casos acabam virando prostitutas, usuárias de drogas e por fim criminosas. Enquanto houver ódio nas palavras dos “bons samaritanos” a respeito das mulheres presas a sociedade não vai enxergar, muito menos, entender quantos e quantos direitos foi, são e serão violados todos os dias nas penitenciárias femininas.

Penitenciárias femininas no Brasil

A prisão feminina foi criada no Brasil no início dos anos 1940, no mesmo momento em que acontecia a reforma penal. Os juristas da época defendiam a ideia de que a redução da desigualdade entre os sexos, no âmbito da sociedade ocidental, implicaria uma maior presença da mulher não apenas na área do trabalho fora de casa, mas seria responsável também pela inserção da mulher no mundo do crime.

No entanto, ao contrário do que muitos pensavam, as mulheres continuam até hoje apresentando uma participação muito pequena nas estatísticas criminais e prisionais, mesmo tendo um crescimento carcerário significativo nos últimos anos.

Guedes (2006) concluiu em seu trabalho com a população encarcerada que, em muitos casos, a busca por reconhecimento, a inclusão e a visibilidade social desses sujeitos se fazem pela afirmação do poder via criminalidade. Pode se falar especificamente da questão do tráfico de entorpecentes, delito predominante entre o efetivo carcerário feminino, que indicam que o tráfico de drogas produz a sensação do ganhar “ dinheiro fácil, da autoridade de bandido com poder absoluto sobre o outro e, por fim, a sensação da não-subjugação às regras sociais, além de reafirmar um ideal de consumo e acesso a bens materiais tão difundido pelo modelo neoliberal.” (Guedes; 2006)

A maioria das mulheres condenadas por tráfico justifica seu envolvimento com este delito inicialmente alegando necessidades materiais, mas não raro retifica seu discurso admitindo que foi motivada pelo “dinheiro fácil”, que ampliava sua possibilidade de consumo. É muito pequena a quantidade de mulheres que possuem um cargo de “chefia” no tráfico, a grande maioria é presa por portarem uma pequena quantidade de entorpecentes que estavam vendendo ou tentando levar para dentro dos presídios masculinos para entregar aos seus parceiros, na tentativa de continuar levando o sustento para dentro de casa, outras para pagar dívidas dos companheiros que estão encarcerados.

Poucas mulheres em situação de privação de liberdade conseguem manter os vínculos familiares após a prisão e outras viviam nas ruas, carecendo de noções mínimas de higiene e cuidados com a própria saúde. Muitas possuem uma história prévia de maus-tratos e/ou abuso de drogas. Outras são estrangeiras e cumprem penas, basicamente, por tráfico internacional de entorpecentes. (ILGENFRITZ; 2003)

A vida prisional da maioria das mulheres que cumprem pena nas unidades prisionais femininas costuma caracterizar-se por uma vivência de abandono e de perda dos referenciais pessoais.

Os presídios brasileiros vêm enfrentando diversos problemas referentes à superlotação e péssimas condições estruturais, favorecendo assim a proliferação de diversas doenças infectocontagiosas e outras. Há instituições em que as celas são improvisadas, não dispondo de equipamentos e, às vezes, nem mesmo de profissionais qualificados. Existe ausência de escolta policial, dificultando a transferência das presidiárias para que sejam levadas para tratamentos de saúde nos hospitais de referência. Faltam, constantemente, medicamentos e, várias doenças acabam por ser tratadas por prescrição de analgésicos para o alívio dos sintomas. (MILITÃO; KRUNO, 2014)

A Constituição Federal, juntamente com a Lei de Execução Penal (LEP), assegura os direitos fundamentais no tocante ao cidadão, preso ou não. Sendo o direito da dignidade humana o princípio norteador de todo o ordenamento jurídico.Assim dispõe o art. 14, § 3º da Lei 7.210/84 (Lei de Execução Penal), com as alterações trazidas pela Lei 11.942/09 (Santos; 2018)

Art. 14. A assistência à saúde do preso e do internado de caráter preventivo e curativo compreenderá atendimento médico, farmacêutico e odontológico. [...] § 3º Será assegurado acompanhamento médico à mulher, principalmente no pré-natal e no pós-parto, extensivo ao recém-nascido. (Incluído pela Lei nº 11.942,de 2009)(BRASIL, 1984, online)

Por outro lado, alude o artigo 89 do referido Diploma Legal acerca dos direitos das detentas, especificamente das gestantes e parturientes:

Art. 89. Além dos requisitos referidos no art. 88, a penitenciária de mulheres será dotada de seção para gestante e parturiente e de creche para abrigar crianças maiores de 6 (seis) meses e menores de 7 (sete) anos, com a finalidade de assistir a criança desamparada cuja responsável estiver presa. (Alterado pelo L-011.942-2009)Parágrafo único. São requisitos básicos da seção e da creche referidas neste artigo: (Acrescentado pelo L-011.942-2009) I - atendimento por pessoal qualificado, de acordo com as diretrizes adotadas pela legislação educacional e em unidades autônomas; e II - horário de funcionamento que garanta a melhor assistência à criança e à sua responsável. (BRASIL, 1984, online)

Para garantir que a criança tenha um bom desenvolvimento são essenciais, além do aparato social, cuidados com a alimentação, higiene e saúde da mãe, durante o estado gravídico. Não restam dúvidas de que o dever de garantir esse tratamento a essas mulheres é do Estado, porém há uma alegação de que não há verba suficiente para separar penitenciária masculina e feminina na maior parte do país.(SILVA,2014)

A Organização das Nações Unidas, em sua regra 23, das Regras Míninas dos Presos, trata de questões específicas da mãe presidiária, da seguinte forma:

Nos estabelecimentos prisionais para mulheres devem existir instalações especiais para o tratamento de presas grávidas, das que tenham acabado de dar à luz e das convalescentes. Desde que seja possível, deverão ser tomadas medidas para que o parto ocorra em um hospital civil. Se a criança nascer num estabelecimento prisional, tal fato não deverá constar no seu registro de nascimento. (2013)

Quando for permitido às mães presas conservar as respectivas crianças, deverão ser tomadas medidas para organizar uma creche, dotada de pessoal qualificado, onde as crianças possam permanecer quando não estejam ao cuidado das mães. (ONU, 1955)

O Infopen mostrou que nos estabelecimentos prisionais femininos menos da metade possuía estrutura adequada para gestantes. Já os berçários ou locais materno infantil somente 32% possuíam esse espaço e em apenas 5% haviam creches. Nos casos de penitenciárias mistas, poucas possuíam o berçário ou área destinada às mães, um ou o outro nenhum possuía os dois, e em nenhum deles havia creches.

“No que toca à infraestrutura das unidades que custodiam mulheres, menos da metade dos estabelecimentos femininos dispõe de cela ou dormitório adequado para gestantes (34%). Nos estabelecimentos mistos, apenas 6% das unidades dispunham de espaço específico para a custódia de gestantes”.

(Infopen; 2014)

lei 13.257/2016

Em 8 de março de 2016, foi promulgada a lei 13.257, que estabelece regras e princípios para proteção integral qualificada de crianças nos primeiros anos de vida, no período que abrange os seis anos completos.(Zaher;.2021)

Esse Diploma Legal ainda está na "primeira infância" e, na mesma linha da faixa populacional a que se destinam seus postulados, também demanda toda sorte de estímulos para o seu desenvolvimento integral e efetivo cumprimento.

O texto dessa legislação reforça a ambivalência da criança na primeira infância. Mais do que o adolescente, jovem ou adulto do futuro, esse sujeito de direitos deve ser considerado hoje. A atmosfera de responsividade exige ações imediatas para proteção e promoção específica dessa faixa etária, o que invariavelmente refletirá efeitos positivos ao longo da vida.(Zaher; 2021)

Isso porque, diante da plasticidade cerebral na primeira infância, é nesse período sensível que as funções executivas (memória de trabalho, controle inibitório e flexibilidade cognitiva) são desenvolvidas, o que serve de alicerce para o desenvolvimento de habilidades mais complexas em um momento futuro. (Zaher;2021)

Os impactos da adversidade experimentada no contexto da primeira infância, por sua vez, redundam no chamado 'estresse tóxico', dificultando a aquisição das referidas habilidades básicas, o que pode resvalar inclusive em situações de vulnerabilidade que exijam a aplicação de medidas protetivas (artigo 98 do Estatuto da Criança e do Adolescente - lei 8.069/90).

O artigo 5° do MLPI aponta que se constituem áreas prioritárias para políticas públicas em prol da primeira infância "a saúde, a alimentação e a nutrição, a educação infantil, a convivência familiar e comunitária, a assistência social à família da criança, a cultura, o brincar e o lazer, o espaço e o meio ambiente, bem como a proteção contra toda forma de violência e de pressão consumista, a prevenção de acidentes e a adoção de medidas que evitem a exposição precoce à comunicação mercadológica". (Controladoria Geral Da União;2021)

Tais áreas se inserem no âmbito de proteção dos direitos fundamentais previstos no artigo 227 da Constituição Federal e sua plena efetivação é dever absolutamente prioritário da família, do Estado e da sociedade. (Controladoria Geral Da União;2021)

Pode se verificar que embora muitas sejam as conquistas alcançadas após a lei 8.069/90 e a Convenção sobre os Direitos da Criança, diversos obstáculos para o desenvolvimento integral ainda são latentes, sobretudo para as estimadas 19 milhões de crianças na primeira infância, sendo certo que o MLPI impactou enormemente no texto do Estatuto com diversas alterações legislativas empreendidas. (Controladoria Geral Da União;2021)

O Plano Nacional da Primeira Infância destaca alguns desafios a serem suplantados, tais como a pobreza, a desigualdade, a falta de implementação de políticas públicas para a primeira infância, a taxa de mortalidade ainda preocupante em algumas regiões do país, a gravidez na adolescência, a desnutrição, a obesidade infantil, a incipiente cultura do aleitamento infantil, a universalização da educação infantil e a violência. (Zaher ; 2021)

E os desafios se tornam mais complexos no contexto da pandemia vivenciada, com impactos negativos nas crianças, em sua convivência familiar, na educação e em diversos outros direitos fundamentais, tornando premente a garantia do pleno desenvolvimento à luz das limitações impostas pelo distanciamento social. (Zaher; 2021)

Assim, para que a cultura do cuidado à primeira infância continue se fortalecendo e os obstáculos colocados para o desenvolvimento nessa fase da vida sejam superados, é necessária a integração do Sistema de Justiça na efetivação, com prioridade absoluta, dos direitos fundamentais das crianças dos 0 aos 6 anos de idade. (Zaher; 2021)

Lei n. 13.769/2018

(MESQUITA JÚNIOR ,2019) “A lei foi criada para estabelecer a substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar da mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência e para disciplinar o regime de cumprimento de pena privativa de liberdade de condenadas na mesma situação, visou a favorecer a mulher responsável por criança ou pessoa com deficiência, a qual altera o art. 2º, § 2º da Lei n. 8.072/1990 para estabelecer o requisito de 1/8 de cumprimento da pena para progressão de regime em condenação decorrente de crime hediondo ou assemelhado.

A Senadora Simone Tebet propôs o PLS n. 64/2018 (PL n. 10.269/2018), cuja publicação da proposição se deu em 1º de março de 2018. A urgência da tramitação foi efetiva, uma vez que o relatório foi aprovado no dia 28 de novembro de 2018 e a Lei n. 13.769/2018 foi sancionada no dia 19 de dezembro de 2018, com publicação no dia seguinte e vigência imediata. (MESQUITA;2019)

A nova lei teve em vista favorecer a mulher e contou com densa justificativa da parlamentar, a qual, visou beneficiar a mulher condenada por tráfico de drogas, expôs que, segundo dados de junho de 2014 do Infopen Mulheres, o Brasil contava com uma população de 622.202 pessoas custodiadas no sistema penitenciário, sendo 33.793 mulheres. O ritmo de crescimento da população carcerária total é de aproximadamente 7% ao ano, enquanto que a da população feminina, entre 2005 a dezembro de 2014, foi de 10,7% ao ano. (MESQUITA;2019)

Referiu-se ao aumento da população carcerária feminina se deu, sem sombra de dúvidas, ao trato mais rigoroso da legislação acerca do tráfico ilícito de drogas. A Lei nº 11.343, de 2006 (Lei de Drogas), aumentou a pena mínima do delito, condicionando o cumprimento da pena ao regime fechado ou semiaberto, na imensa maioria das vezes. ( MESQUITA;2019)

Com efeito, em torno de 64% das mulheres estão encarceradas por envolvimento com o tráfico de drogas, mas não relacionado a grandes redes de organizações criminosas. Como reconhecido pelo Infopen, a maioria dessas mulheres ocupa uma posição coadjuvante no tráfico, realizando serviços de transporte de drogas e pequeno comércio; muitas são usuárias, sendo poucas as que exercem atividades de gerência ou comando. ( MESQUITA;2019)

Foi em decorrência disso que a Lei n. 8.072, de 25.7.1990 (lei de combate aos crimes hediondos e assemelhados) passou a dispor em seu Art.2 § 2º que os crimes considerados hediondos não poderão ter progressão de regime, dando-se após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente, observado o disposto nos §§ 3º e 4º do art. 112 da Lei n. 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal).” (MESQUITA;2019)

No que tange à destinação dos estabelecimentos prisionais, o descaso pela situação específica das mulheres encarceradas é pior do que em relação aos homens. Os dados do INFOPEN revelam que existem 103 estabelecimentos penais femininos em todo País, o que representa apenas 7% do número total. Nas unidades de uso misto, que são 17% da totalidade, 90% não possuem dormitório adequado para gestantes, 6% possuem e 4% não há informação. Quanto à existência de berçário e/ou centro de referência materno-infantil, 86% não possuem e em 11% não há informação; quanto às creches, 89% das penitenciárias não possuem e em 11% não há informação da existência. Assim, a situação das mulheres gestantes e com filhos pequenos é ainda mais preocupante. ( MESQUITA; 2019)

Ademais, pesquisas científicas indicam as severas consequências do cárcere para os filhos das mulheres apenadas. As crianças sofrem com o estigma social de ter uma mãe encarcerada; sofrem com ansiedade, culpa, solidão, sentimento de abandono emocional. A ausência da companhia materna pode implicar, ainda, em comportamento antissocial da criança ou mesmo envolvimento precoce com o crime. (MESQUITA; 2019)

Foi com base nessa justificativa que o art. 72 do nosso Código de Execução Criminal (Lei n. 7.210/1984) foi modificado para inserir nas atribuições do Departamento Penitenciário Nacional:

VII - acompanhar a execução da pena das mulheres beneficiadas pela progressão especial de que trata o § 3º do art. 112 desta Lei, monitorando sua integração social e a ocorrência de reincidência, específica ou não, mediante a realização de avaliações periódicas e de estatísticas criminais.

§ 1º Incumbem também ao Departamento a coordenação e supervisão dos estabelecimentos penais e de internamento federais.

§ 2º Os resultados obtidos por meio do monitoramento e das avaliações periódicas previstas no inciso VII do caput deste artigo serão utilizados para, em função da efetividade da progressão especial para a ressocialização das mulheres de que trata o § 3º do art. 112 desta Lei, avaliar eventual desnecessidade do regime fechado de cumprimento de pena para essas mulheres nos casos de crimes cometidos sem violência ou grave ameaça.

Foi inserido o inc. VII para determinar especial acompanhamento da execução e os efeitos do benefício criado com a redução do requisito temporal para progressão de regime, especialmente na reincidência específica. Também, parágrafo único foi renumerado (transformado em § 1º) e foi inserido o § 2º para reforçar a ideia do novo inc. VII. Por consequência, inseriu-se o parágrafo único no art. 74 do codex para cometer ao Departamento Penitenciário local as mesmas atribuições do inc. VII transcrito. (MESQUITA; 2019)

Buscou-se atenuar a prisão provisória (preventiva) ao inserir os arts. 318-A e 318-B no Código de Processo Penal, in verbis:

Art. 318-A. A prisão preventiva imposta à mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência será substituída por prisão domiciliar, desde que:

I - não tenha cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa;

II - não tenha cometido o crime contra seu filho ou dependente.

Art. 318-B. A substituição de que tratam os arts. 318 e 318-A poderá ser efetuada sem prejuízo da aplicação concomitante das medidas alternativas previstas no art. 319 deste Código.

Os novos artigos são compatíveis com os itens XIV e XV da ementa do acórdão transcrito. Aliás, tal acórdão consta expressamente da justificativa da lei, in verbis: (MESQUITA; 2019)

Tais circunstâncias foram recentemente apontadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do habeas corpus coletivo nº 143.641/SP. O egrégio Tribunal entendeu não restar dúvidas de que a segregação terá grande probabilidade de causar dano irreversível e permanente às crianças filhas de mães presas. Além disso, seriam evidentes os impactos perniciosos da prisão da mulher, e da posterior separação de seus filhos, no bem-estar físico e psíquico das crianças. (MESQUITA; 2019)

Assim, o STF decidiu que deveriam ser substituídas todas as prisões preventivas por domiciliares, sem prejuízo da aplicação concomitante das medidas alternativas previstas no art. 319 do CPP, de todas as mulheres presas, gestantes, puérperas ou mães de crianças e deficientes, nos termos do art. 2º do ECA, da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Decreto Legislativo nº 186/2008) e Lei nº 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), excetuados os casos de crimes praticados por elas mediante violência ou grave ameaça, contra seus descendentes ou, ainda, em situações excepcionalíssimas, as quais deveriam ser devidamente fundamentadas pelo juízes. (MESQUITA; 2019)

O STF compreendeu que o Estatuto da Primeira Infância (Lei nº 13.257, de 2016) já teria regulado aspectos práticos relacionados à prisão preventiva da gestante e da mãe encarcerada, ao modificar o art. 318 do Código de Processo Penal, permitindo o desencarceramento das mulheres gestantes e com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos, de acordo com parâmetros citados na decisão. (MESQUITA; 2019)

Todavia, a decisão do STF foi tímida ao não fazer menção à situação das mães já condenadas, que cumprem pena privativa de liberdade. Para essas, ainda restam integralmente vigentes as disposições da Lei de Execução Penal, destacadamente seu art. 112, que determina o cumprimento de 1/6 da pena para que a mulher encarcerada receba o benefício da progressão. No caso de tráfico de drogas, enquanto equiparado a crime hediondo, a fração será de 2/5, se as condenadas forem primárias.( MESQUITA; 2019)

Conforme a própria justificativa esclarece, o projeto foi mais ousado do que a decisão do STF para alcançar a execução criminal de pessoas condenadas. Daí o acréscimo do citado § 3º ao art. 112 do Nosso Código de Execução Criminal, isso no transcrito § 2º da Lei n. 8.072/1990, in verbis:

Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão.

§ 3º No caso de mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência, os requisitos para progressão de regime são, cumulativamente:

I - não ter cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa;

II - não ter cometido o crime contra seu filho ou dependente;

III - ter cumprido ao menos 1/8 (um oitavo) da pena no regime anterior;

IV - ser primária e ter bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento;

V - não ter integrado organização criminosa.

§ 4º O cometimento de novo crime doloso ou falta grave implicará a revogação do benefício previsto no § 3º deste artigo.

O art. 318-A já consagrou os 2 primeiros requisitos do § 3º. Assim, o tratamento favorecido só beneficiará a mulher, presa provisoriamente ou condenada, que não tiver praticado crime com violência ou grave ameaça contra pessoa, bem como não ter cometido o crime contra filho ou dependente.( MESQUITA; 2019)

Agora tem-se o requisito temporal de cumprimento 1/6 da pena para progressão de regime, isso para os crimes em geral. No entanto, em se tratando de condenado por crime hediondo ou assemelhado, o requisito será de 2/5, se primário, e 3/5, se reincidente. Todavia, para a mulher grávida, com filho criança ou com, dependente, para qualquer crime sem violência ou grave ameaça contra pessoa e não sendo o crime praticado contra filho ou dependente, o requisito temporal será de 1/8. Destarte, uma mulher condenada a 8 anos por tráfico ilícito de entorpecente que atender os requisitos dos incs. IV e V do § 3º do art. 112 do Código de Execução Criminal, bastará engravidar para ter que cumprir apenas 1 ano da pena para progredir de regime. Caso não engravide, terá que cumprir 2/5 da pena, ou seja, 3 anos, 2 meses e 12 dias. (MESQUITA; 2019)

Toda medida que possibilitar a redução de presos, especialmente de provisórios, deve ser bem recebida pelos atuantes perante o sistema jurídico-criminal. No caso da Lei n. 13.769/2018, ainda que só beneficie mulheres, especialmente as da mal sucedida guerra contra as drogas, possibilitará a redução de presos”. (MESQUITA; 2019)

Conclusão

Não é recente a luta das mulheres que tentam responder os processos em prisão domiciliar amparadas pela lei 13.257/2016 ou pela lei 13.769/2018, contudo no decorrer do trabalho pode ser observado que não é tão simples como parece conseguir esse benefício.

Pode-se concluir que ainda há muito que se melhorar quando se trata sobre o Sistema Carcerário Brasileiro. Inúmeros são os motivos que levam homens e mulheres para o mundo do crime, dentre eles a desestruturação familiar, pobreza, drogas, álcool, miséria, fome, falta de educação, falta de moradia, etc. Percebe-se que a raiz do problema tem como base causas sociais. De acordo com Depen (Departamento Penitenciário Nacional), do Ministério da Justiça, em 2010 o Brasil registrou uma população carcerária de 494.237 presos. Considerando os números de todo o mundo, o Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo.

Além de punir, dar segurança e servir de exemplo para a sociedade, a pena tem um outro papel importantíssimo: o papel de ressocializar o indivíduo. E o Estado deve se preocupar e investir nisso, para que ao longo do cumprimento da pena aquele indivíduo saia da penitenciária com uma outra visão do mundo, disposto a ser uma pessoa de bem e não voltar mais para o mundo do crime. Um exemplo de política de ressocialização pode ser observado no Presídio Auri Moura Costa, em Aquiraz (CE) por meio de parcerias com indústrias da moda: “Das 514 internas do Instituto Penal Feminino Desembargadora Auri Moura Costa (IPF), 185 estão hoje se beneficiando de atividades de geração de renda. Boa parte dessas mulheres atua na indústria da moda, por meio da parceria entre a Secretaria de Justiça e Cidadania do Estado do Ceará (Sejus) e indústrias de Confecção Famel (proprietária das grifes Famel e Dona Florinda). As ações produtivas resultam na redução das penas e, especialmente, na ressocialização das mulheres já julgadas por crimes.

No livro de Nana Queiroz foi possível perceber que as mulheres encarceradas não perderam somente o direito de estarem com seus filhos, mas também em alguns casos os “perderam” para o próprio crime e a prostituição, crianças desamparadas, na maioria dos casos sozinhas tendo que “se virarem” para sobreviver e em determinados momentos criar irmãos menores, acabaram por entrar no mundo que fez com que “ficassem a própria sorte”.

As grades não devem e não podem impedir a garantia constitucional que mães presidiárias e crianças possuem quanto à convivência familiar, pois, embora tenhamos um Estado garantidor, ao qual se devem cobrar atitudes que corroborem com a garantia dos direitos aos cidadãos, há coisas que são insubstituíveis, como o afago e cuidado de uma mãe, bem como a vivência em uma família.

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Sobre a autora
Valdice Barbosa de Jesus Neta

Graduanda em Direito pela Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) Porto Seguro, BA, Brasil︎

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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