Resumo: O presente artigo tem como objetivo examinar a realidade das detentas gestantes no sistema prisional brasileiro, abordando aspectos da garantia de seus direitos fundamentais quanto ao acompanhamento durante a gestação, amamentação, o contato com o nascituro e demais pontos relevantes ao tema. Serão discutidas as práticas adotadas pelas instituições prisionais femininas destinadas a proteger os direitos das grávidas gestantes quanto aos cuidados pré-natais e do recém-nascido. A Organização das Nações Unidas estabelece a obrigação do poder público de adotar medidas não discriminatórias relacionadas à maternidade. Essas medidas incluem as Regras de Mandela, regra 29.1, que garantem a convivência familiar de crianças com responsáveis presos. Além disso, o Código Civil de 2002, em seu artigo 2º, protege a dignidade do nascituro. Considerando esses princípios e após uma decisão recente do Supremo Tribunal Federal sobre Progressão de regime e maternidade (HC 217283), surge o problema de pesquisa que orienta a presente investigação: Em que medida as políticas e práticas atuais estão alinhadas com as diretrizes internacionais e nacionais de proteção dos direitos humanos das mulheres encarceradas em situação de maternidade? Buscando responder à problemática apresentada, o presente estudo tem como objetivo principal analisar como o sistema prisional brasileiro observa os princípios constitucionais de garantias fundamentais em relação às detentas e aos nascituros, com o intuito de identificar possíveis violações de direitos humanos e propor medidas para a promoção da igualdade de gênero e humanização do sistema. Além disso, tem como objetivos específicos: caracterizar o sistema carcerário feminino e o tratamento dado às detentas em estado gestacional; analisar a possibilidade do cumprimento da pena em domicílio em virtude da gestação. Para alcançar os objetivos propostos, optou-se pelo uso da metodologia do tipo qualitativa. Quanto aos meios, trata-se de uma investigação do tipo documental e bibliográfica; quanto aos fins, é uma pesquisa descritiva.
Palavras-chave: Maternidade; Direitos Humanos; Mulheres; Sistema Prisional.
1. INTRODUÇÃO
A maternidade no sistema prisional feminino suscita questões cruciais sobre os direitos fundamentais das detentas gestantes e puérperas que enfrentam uma série de desafios no cárcere, como a falta de infraestrutura apropriada, assistência pré-natal e pós-gestacional, bem como a imposição de penas cruéis que limitam o convívio da criança com a mãe.
O sistema prisional não foi projetado considerando as necessidades das mulheres, o que agrava a precariedade das condições para as mulheres grávidas ou recém-paridas. Isso ocorre devido ao fato de que as unidades prisionais geralmente possuem uma proporção maior de instalações destinadas aos homens em comparação com as unidades destinadas às mulheres, levando à negligência das particularidades femininas, especialmente no contexto da maternidade (BOTELHO, 2018).
A Organização das Nações Unidas (ONU) estabelece a obrigação do poder público de adotar medidas não discriminatórias relacionadas à maternidade. Essas medidas incluem as Regras de Mandela, regra 29.1, que garantem a convivência familiar de crianças com responsáveis presos. Além disso, o Código Civil de 2002, em seu artigo 2º, protege a dignidade do nascituro. Considerando esses princípios e após uma decisão recente do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre Progressão de regime e maternidade (HC 217283), surge o problema de pesquisa que orienta a presente investigação: Em que medida as políticas e práticas atuais estão alinhadas com as diretrizes internacionais e nacionais de proteção dos direitos humanos das mulheres encarceradas em situação de maternidade?
Buscando responder à problemática apresentada, o presente estudo tem como objetivo principal analisar como o sistema prisional brasileiro observa os princípios constitucionais de garantias fundamentais em relação às detentas e aos nascituros, com o intuito de identificar possíveis violações de direitos humanos e propor medidas para a promoção da igualdade de gênero e humanização do sistema. Além disso, tem como objetivos específicos: caracterizar o sistema carcerário feminino e o tratamento dado às detentas em estado gestacional; analisar a possibilidade do cumprimento da pena em domicílio em virtude da gestação.
Para alcançar os objetivos propostos, optou-se pelo uso da metodologia do tipo qualitativa. Quanto aos meios, trata-se de uma investigação do tipo documental e bibliográfica; quanto aos fins, é uma pesquisa descritiva.
O presente artigo é composto por cinco partes, a saber: a introdução, na qual são apresentados o objetivo da pesquisa, o problema e a metodologia. Em seguida, duas seções nas quais são abordados os seguintes temas: "Detentas em Processo de Gestação: O Sistema Prisional Brasileiro e as Garantias Fundamentais" e "A Possibilidade do Cumprimento da Pena em Domicílio em Virtude da Gestação". Ao final, são apresentadas as considerações finais e as referências que contribuíram para embasar a presente investigação.
2. DETENTAS EM PROCESSO DE GESTAÇÃO: O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E AS GARANTIAS FUNDAMENTAIS
Ao se falar em encarceramento feminino, é imperativo tratar da realidade existente no Brasil. O país ocupa atualmente a quarta colocação no ranking mundial, com cerca de 30.625 mulheres encarceradas (DEPEN 2021). Em primeiro lugar, estão os Estados Unidos, com aproximadamente 211 mil mulheres presas; em segundo, a China, com mais de 107 mil presas; e a Rússia ocupa a terceira posição, com cerca de 48 mil mulheres privadas de sua liberdade (INFOPEN, 2021).
Segundo dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (2018), do Departamento Penitenciário Nacional, órgão ligado ao Ministério da Justiça, entre os anos de 2000 a 2016, o aumento do encarceramento feminino foi da ordem de 656%, acima da média masculina, que foi de 293% no mesmo período.
Entre os cinco países com maior população prisional feminina do mundo, o Brasil é o que apresenta a maior taxa de crescimento. A título de exemplo, enquanto a taxa de aprisionamento feminino no Brasil cresceu mais de 5 vezes, a da Rússia caiu 2%. Na comparação com o número de homens presos, o de mulheres pode ser considerado pequeno; são aproximadamente 640.089 homens presos e 30.625 mulheres (INFOPEN, 2021). E justamente por compor a minoria da população prisional do Brasil, as mulheres passam despercebidas na prisão.
Conforme o levantamento de 2021 (INFOPEN), o Brasil possui cerca de 1.180 unidades prisionais masculinas, 231 mistas e 138 femininas. Ou seja, mais de 76,18% das prisões no Brasil são exclusivamente masculinas, 14,92% são mistas e apenas 8,90% dedicadas a mulheres. Quanto às vagas por gênero, segundo dados do INFOPEN (2021), o Sistema Prisional brasileiro conta com o total de 466.529 vagas, sendo 433.628 (92,95%) masculinas e 32.901 (7,05%) vagas destinadas a mulheres.
O aumento da população carcerária feminina nos últimos 10 anos faz com que haja uma superlotação dos presídios dedicados exclusivamente a elas. Com a falta de espaço nesses locais, as mulheres passam a ser direcionadas aos presídios mistos, onde a situação da população feminina é delicada, uma vez que se tornam vítimas em potencial de abusos sexuais, verbais e morais.
Em relação ao número de gestantes e lactantes privadas de liberdade, é possível verificar que vem ocorrendo uma queda nos últimos anos. De acordo com o levantamento de informações penitenciárias do primeiro semestre de 2016, o país possuía 536 gestantes e 350 lactantes presas. Em contrapartida, conforme os dados do INFOPEN Mulheres (2019) até o mês de junho de 2017, existiam 342 mulheres gestantes e 196 lactantes. No relatório do Depen Nacional (2021), que contém os dados do segundo semestre de 2021, eram 159 gestantes/parturientes e 85 lactantes.
Com o elevado crescimento da população carcerária feminina, surge a preocupação em relação à maternidade exercida dentro dos presídios, diante disso, surge o problema de como as políticas públicas têm prestado assistência para as mulheres que são privadas de sua liberdade na gestação, parto e pós-parto. A mulher que está privada de sua liberdade merece grande atenção, uma vez que existem peculiaridades da sua condição de mulher que devem ser discutidas, uma delas é a maternidade.
A maternidade exercida dentro do ambiente prisional é uma das especificidades da mulher presa, e deve ser fortemente considerada no levantamento das estatísticas e no debate das políticas públicas, devido ao seu alto nível de complexidade. Contudo, este assunto é pouco debatido e por isso apresenta escassas informações acerca da efetivação dos direitos das mulheres na gestação, parto e pós-parto, que estão privadas de liberdade.
A Constituição Federal de 1988 assegura a proteção à maternidade como parte dos Direitos Sociais garantidos às mulheres, com o objetivo de preservar o desenvolvimento do feto, conforme estipulado no artigo 6º, 201 e 203. No mesmo sentido o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 8º, §10.
Diante disso, ainda dentro dos direitos sociais, tem-se o direito à saúde, tanto da mulher, quanto do seu bebê e que devem ser garantidos os cuidados médicos e de assistência. É importante salientar que esses direitos deveriam ser tratados direitos de fato e não concebidos na maioria de suas vezes como benefício (LASALA, 2012).
Na análise da infraestrutura dos estabelecimentos prisionais no que se refere a maternidade, serão utilizados dados apresentados na segunda edição do INFOPEN (2018) Mulheres de 2018. No que tange aos dados sobre a maternidade nos presídios brasileiros foi extraído o seguinte dado:
Imagem 1 - Maternidade

Fonte: Departamento Penitenciário Nacional; Levantamento de Informações Penitenciárias - Período de janeiro a junho de 2022.
No período de janeiro a junho de 2022, o sistema penitenciário brasileiro contava com 164 gestantes/parturientes, 93 lactantes e 791 crianças que se encontravam na companhia das mães dentro das penitenciárias. Quanto a idade das crianças, 64,85% tinham mais de 3anos, 10.,37% possuíam entre 2 a 3 anos, 7,71% de 1 a 2 anos, 5,82% de 6 meses a 1 ano, e 11,25% de 0 a 6 meses (DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL, 2022)
É evidente que a perda da liberdade acarreta, consequentemente, à limitação de outros direitos relacionados a este, como exemplifica Nucci ao explicar que quele que tem plena pena a sua liberdade cerceada, acaba por não ter prerrogativa integral à intimidade. Entretanto, o mesmo não pode se estender e atingir os demais direitos inerentes àquele indivíduo, como por exemplo, o direito à honra, à integridade física, entre outros.
A Constituição Federal de 1988 cuidou em seu artigo 5º, inciso XLV, de um importante preceito penal, pilar doutrinário e jurisprudencial dos dias atuais: a individualização da pena, também conhecido como responsabilização pessoal da pena, é um princípio cauteloso de personalização e se fundamenta na lógica impetrada pelo Estado de que a sanção, com esmero os castigos penais, não deve passar da pessoa do criminoso (SOUZA, 2011).
Preceito material e processual, que possui a sua efetividade notadamente fracassada quando se trata da existência do cárcere feminino. Um universo onde a presença de crianças, não autoras de fato tipificados como crime, é normatizada e sobreposta a medida cautelar de prisão domiciliar, o nascimento e os primeiros meses de vida por entre as grades do sistema prisional brasileiro faz cair por terra o formalismo garantista das Leis e normas.
No contexto apresentado, a prisão domiciliar é discutida em relação à falta de consideração pela individualização da pena, já que o cárcere é imposto a um terceiro que não faz parte da relação processual. Esse indivíduo, que não era réu nem vítima e não integrava a tríade subjetiva do processo, surge dentro das prisões como sujeito de direitos. Apesar disso, sua humanidade é rejeitada pelo Judiciário, especialmente quando ele compartilha a prisão com a mãe, enquanto poderia estar em um ambiente doméstico, levantando assim a questão da possibilidade da prisão domiciliar (MORAIS, 2021).
Nesse sentido, diante da perspectiva que toda maternidade em situação prisional é vulnerável, a preservação de determinados direitos inerentes a esta torna-se um pressuposto para que seu exercício dentro das grades ocorra de forma menos prejudicial possível, tanto para mãe, quanto para o seu filho. Entretanto, o Estado mostra-se falho e incapaz de cumprir com as suas obrigações de manutenção dos demais direitos de sua população carcerária, principalmente quando os sujeitos são mulheres no pleno exercício da maternidade.
Segundo Morais (2021) quando uma mulher privada de sua liberdade está grávida, a manutenção da saúde - visando seu bem-estar físico, mental e social - torna-se um desafio ainda mais complexo. Durante a gravidez, ela passa por mudanças de extrema importância, que se intensificam no ambiente prisional e afetam não apenas sua saúde, mas também a do filho que ainda está em formação e depende diretamente de seu bem-estar
Tal fato corrobora que a invisibilidade de gênero, em âmbito de cumprimento de sanção penal, nada mais é do que realidade cruel de um conjunto normativo construído para homens e adaptado para mulheres, sem respeito às peculiaridades de gênero. O artigo 227 do texto constitucional determina que é dever da família e do Estado promover o bem-estar absoluto, prioritariamente, das crianças e adolescentes, não é forçoso alimentar reflexões acerca de como é instrumentalizado a proteção integral aqueles que são rebentos vindo à luz no cárcere e lá permanecendo por tempo, inclusive normatizado. Ainda, no artigo 8º, § 5º que traz previsões legislativas sobre o parto foi todo alterado pela Lei 13.257/16, e adentrou o universo intramuros dos estabelecimentos prisionais, trazendo previsões específicas para crianças nascidas no cárcere.
A assistência ao parto e garantia de um atendimento pré-natal, mesmo para mães que se encontrem em situação de privação de liberdade é uma novidade legislativa. Recente, a Lei que modificou o artigo 8º do Estatuto da Criança e do Adolescente cuidou de evidenciar as unidades de custódia, alcançando crianças que nascem em estabelecimentos prisionais, ampliando os direitos a uma gestação sadia, a um parto digno e a uma infância capaz de promover o desenvolvimento social, motor, cognitivo do ser em formação.
E quando as mães se encontram sob custódia do Estado, sob condição de cumprimento de pena, ou ingressa no sistema prisional, o Estatuto da Criança e do Adolescente também prevê esta possibilidade, trazendo no seu art. 5º: “Nenhuma criança poderá ser objeto de negligência e discriminação [...] por ação ou omissão aos seus direitos fundamentais, isso significa que todas as crianças mesmo as filhas de presidiárias têm direito à amamentação e ao atendimento em creches” (BRASIL, 2016).
Recomenda-se que o bebê fique com a mãe durante os meses que dura o aleitamento materno, variando entre 6 meses a 6 anos, contudo, são poucas as instituições prisionais no Brasil que oferecem unidades com condições adequadas de abrigar lactantes e recém-nascidos, trazendo uma problemática pouco debatida nas remotas pesquisas sobre o cárcere feminino BRASIL, 2016).
Nesse sentido Villela (2017) sustenta que em muitos estados brasileiros, mulheres grávidas são transferidas para unidades prisionais que abrigam mães com seus filhos durante o terceiro trimestre de gestação. Após dar à luz em hospitais públicos, elas retornam à mesma unidade, onde podem permanecer com seus filhos por um período que varia de 6 meses a 6 anos. Após esse período, as crianças geralmente são entregues à família da mãe, que então retorna à prisão de origem.
Nesse contexto, as mulheres são afastadas dos filhos, os estabelecimentos prisionais que têm unidades de isolamento para mães e bebês são em centros longe de suas famílias, dos outros filhos, o que culminará o abandono e a solidão, sendo impossível que a garantia constitucional seja efetivada e justa. Dessa forma, resta claro que as mães e seus filhos possuem direitos no ambiente prisional, mas os mecanismos que efetivam a garantia deste direito, na prática, quase nunca acontecem.
3. A POSSIBILIDADE DO CUMPRIMENTO DA PENA EM DOMICÍLIO EM VIRTUDE DA GESTAÇÃO
Segundo Lippi (2011) os primeiros anos de vida de uma criança, bem como o período gestacional da mãe, são fundamentais para estabelecer o desenvolvimento do indivíduo na sociedade, por isso vem ganhando espaço importante em quase todos os países e seus programas de governo.
As crianças são sujeitas de direito desde a sua concepção, gozam de todas as garantias inerentes à pessoa humana. Dito isto, esses direitos estão regulamentados pela Constituição Federal, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, além de outras regulamentações. No campo dos estudos sobre da maternidade no cárcere são poucas as produções científicas que tratam dessa temática.
Na concepção de Leal (2016), a presença de crianças no sistema prisional é tema que merece atenção devido à situação das prisões brasileiras, o Estado deve garantir a dignidade a todos. Nesse sentido, o Estado deve garantir direitos para essas crianças que nascem na prisão.
De acordo com Leal (2016), em uma pesquisa realizada pela Fiocruz demonstrou que mais de um terço das mulheres encarceradas disseram que ficaram algemadas na hora do parto. Já em relação às consultas no período do pré-natal, 55% disseram que fizeram menos do que o recomendado pelos médicos.
A pesquisa revelou, ainda, que 32% dessas mulheres não foram diagnosticadas com sífilis durante a gestação, contudo, 4,6% das crianças nasceram com sífilis congênita. Ainda, é importante destacar que durante a hospitalização, 15% das mulheres afirmaram ter sofrido algum tipo de violência, verbal, psicológica ou física.
Na visão de Viafore (2005), em consequência, as condições terríveis que a detenta tem que enfrentar dentro do ambiente prisional, além de todos os conflitos vividos dentro de uma prisão atingem a formação do feto que absorve todas as sensações vividas pela mãe.
Para Goellber (2018), quando uma mulher gera um filho na prisão é garantido a ela permanecer com a criança durante o período de amamentação, conforme preceitua o artigo 5º, inciso L, da Constituição Federal de 1988. Dessa forma, a mãe tem o direito de permanecer com o seu filho após o nascimento, ao mesmo tempo em que ela exerce esse direito, ela viola o direito do seu filho de viver em liberdade, de crescer em uma sociedade e de conviver com os seus familiares.
O sistema penitenciário feminino é um ambiente precário e insalubre em que as mulheres enfrentam quando estão privadas de sua liberdade. Além disso, elas enfrentam a gravidez e suportam os primeiros meses de vida de seus filhos dentro desse ambiente, que na maioria dos presídios não possuem berçários ou dormitórios apropriados para recebê-los. As penitenciárias no Brasil foram construídas para os homens e por esse motivo muitas ainda não são adequadas para oferecer um ambiente digno para as gestantes (INFOPEN, 2017).
Nesse contexto, deve-se destacar o que determina as Regras de Mandela, que são diretrizes mínimas a serem observadas pelo Estado para o tratamento de reclusos. Essas regras foram criadas pela ONU e passaram por uma importante revisão no ano de 2015, nas quais foram incorporadas mais garantias com o intuito e foco de assegurar tratamento digno às pessoas em situação de privação de liberdade. A regra de nº 29.1, determina que:
Regra 29 1. A decisão de permitir uma criança de ficar com seu pai ou com sua mãe na unidade prisional deve se basear no melhor interesse da criança. Nas unidades prisionais que abrigam filhos de detentos, providências devem ser tomadas para garantir:
(a) creches internas ou externas dotadas de pessoal qualificado, onde as crianças poderão ser deixadas quando não estiverem sob o cuidado de seu pai ou sua mãe.
(b) Serviços de saúde pediátricos, incluindo triagem médica, no ingresso e monitoramento constante de seu desenvolvimento por especialistas.
O artigo 83, §2º, da Lei de Execuções Penais estabelece que os estabelecimentos penais destinados à mulher serão dotados de berçário, onde as apenadas possam cuidar e amamentar seus filhos, no mínimo até os seis meses de idade da criança. O artigo 89 do mesmo diploma legal assegura que a penitenciária de mulheres será dotada de seção para gestante e parturiente para abrigar crianças maiores de seis meses e menores de sete anos, com a finalidade de assistir a criança desamparada quando a mãe estiver presa.
Para Ronchi (2018), a maternidade no cárcere tem diversas maneiras de ser analisada, pois além daquelas mulheres que tem filho menor de idade fora da prisão, a mulher que já entra na prisão grávida ou aquela que engravida lá dentro e, aquelas mulheres que está com o filho recém-nascido, em todas essas hipóteses a mulher tem que lidar com as consequências de afastamento.
O ordenamento jurídico brasileiro assegura as presidiárias e mães os seus direitos regulados em leis. Apesar das dificuldades enfrentadas pelas mulheres em exercer a maternidade no cárcere, o problema maior está relacionado à separação de seu filho, uma vez que esse afastamento deveria ocorrer de forma gradual para evitar traumas para ambos. Outra questão está ligada a incerteza quanto ao destino da criança, pois nem sempre são entregues a um membro da família.
Os institutos da prisão preventiva e domiciliar, são demasiadamente aplicados em todo o país, este último ao ser aplicado às gestantes e mães com filho de até 12 anos de idade, que estão presas preventivamente é alvo de inúmeras críticas e divergências. Tendo em vista a necessidade de assegurar a correta aplicação da justiça.
O código de processo penal elencou em seu artigo 318, algumas hipóteses em que o juiz poderá substituir a prisão preventiva em domiciliar. A Lei nº 13.257/16, conhecida como ‘Lei da Primeira Infância’, de 08 de março de 2016, inseriu mais duas hipóteses a este rol, quais sejam: gestantes e mulheres com filhos de até 12 (doze) anos de idade incompletos.
A prisão domiciliar está prevista nos artigos 317 e 318 do Código de Processo Penal, e nada mais é do que o recolhimento do indiciado ou acusado em sua residência, podendo sair da mesma apenas com autorização judicial. Dentre as hipóteses para a permissão deste benefício estão agentes que sejam as mulheres gestantes e mães de filhos de até 12 anos.
Lima (2018), sustenta que atualmente o sistema de justiça criminal brasileiro vem se mostrando extremamente ineficiente quanto a utilização do instituto da prisão domiciliar, instituto este que aplicado de forma coerente traria inúmeros benefícios a sociedade, sobretudo às mulheres em cárcere. A prisão domiciliar, nestas hipóteses, possui cunho humanitário, ou seja, ela tem o condão de humanizar as relações entre mães que estejam em segregação cautelar e seus respectivos filhos
Nesta esteira, uma valorosa alternativa para findar com as mazelas causadas às crianças devido as prisões preventivas de suas mães e minimizar a cultura do encarceramento, seria a prisão domiciliar. O IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, apontou esta alternativa dizendo que, “uma das saídas desse (falso) paradoxo, entre institucionalizar a criança ou separá-la da mãe, seria a prisão domiciliar”, essa opção choca com a cultura do encarceramento e a priorização do “combate ao crime” presente nos discursos e práticas do sistema de justiça. (BRASIL, 2015).
Todavia, haja vista a discricionariedade do juiz em aplicar ou não o benefício da prisão domiciliar, esta medida vinha sendo amplamente negada pelos magistrados brasileiros. Tal afirmação se comprova nas palavras do eminente ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowisk ao apontar este fato como consequência da cultura do encarceramento vigente no Brasil. Na ocasião, o Ministro assim relatou:
Há, (...), uma falha estrutural que agrava a “cultura do encarceramento”, vigente entre nós, a qual se revela pela imposição exagerada de prisões provisórias a mulheres pobres e vulneráveis. Tal decorre, como já aventado por diversos analistas dessa problemática seja por um proceder mecânico, automatizado, de certos magistrados, assoberbados pelo excesso de trabalho, seja por uma interpretação acrítica, matizada por um ultrapassado viés punitivista da legislação penal e processual penal, cujo resultado leva a situações que ferem a dignidade humana de gestantes e mães submetidas a uma situação carcerária degradante, com evidentes prejuízos para as respectivas crianças.
(STF - HC: 143641 SP – SÃO PAULO, Relator: min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data do Julgamento: 24/10/2018. Data de Publicação: DJe-228 26/10/2018).
Sendo assim o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Habeas Corpus coletivo 143641/SP, determinou que todas as mulheres presas, gestantes, puérperas ou mães de crianças que estivessem em prisão preventiva fossem contempladas com o benefício da prisão domiciliar. Importante destacar aqui breve trecho elucidativo do referido Habeas Corpus:
Em face de todo o exposto, concedo a ordem para determinar a substituição da prisão preventiva pela domiciliar - sem prejuízo da aplicação concomitante das medidas alternativas previstas no art. 319. do CPP - de todas as mulheres presas, gestantes, puérperas ou mães de crianças e deficientes, nos termos do art. 2º do ECA e da Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiências (Decreto Legislativo 186/2008 e Lei 13.146/2015), relacionadas neste processo pelo DEPEN e outras autoridades estaduais, enquanto perdurar tal condição, excetuados os casos de crimes praticados por elas mediante violência ou grave ameaça, contra seus descendentes ou, ainda, em situações excepcionalíssimas, as quais deverão ser devidamente fundamentadas pelo juízes que denegarem o benefício
(STF - HC: 143641 SP – SÃO PAULO, Relator: min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data do Julgamento: 24/10/2018. Data de Publicação: DJe-228 26/10/2018).
Em outra recente decisão do Supremo Tribunal Federal, o HC 217283, o Ministro relator Alexandre de Moraes negou a progressão de regime para uma mãe, uma vez que a paciente não exercia a guarda de fato da criança que permanecia sob os cuidados da avó. No julgamento restou definido que apenas o fato de ser mãe, para a Corte, não é suficiente para que a mulher presa faça jus ao benefício da prisão domiciliar. Destaca-se um breve trecho do HC:
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS E RECEPTAÇÃO. PROGRESSÃO ESPECIAL DE REGIME. BENEFÍCIO INDEFERIDO. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. REEXAME DO CONJUNTO PROBATÓRIO. VIA IMPRÓPRIA. 1. A decisão que negou a concessão do benefício da progressão especial de regime prisional (art. 112, §3º, da Lei de Execução Penal) está lastreada em fundamentação idônea, sobretudo porque a paciente não exercia a guarda de fato da criança, que permanece aos cuidados da avó paterna, além de ter utilizado sua residência para a prática de crimes. 2. A análise das questões fáticas suscitadas pela defesa, de forma a infirmar o entendimento da instância ordinária, demandaria o reexame do conjunto probatório, providência incompatível com esta via processual. 3. Agravo Regimental a que se nega provimento.
(STF - HC: 217283 SC – SANTA CATARINA, Relator: min. Alexandre de Moraes, Data do Julgamento: 22/08/2022. Data de Publicação: DJe-228 22/08/2022).
Destarte, conforme aludido em linhas supra, a prisão domiciliar concedida a mulheres gestantes e mães com filhos de até doze anos, possibilita que estas crianças tenha um crescimento mais saudável e digno. Sendo assim, resguarda-se de forma adequada direitos fundamentais, tanto das mães quando de seus filhos, como a dignidade da pessoa humana, bem como, evita-se a intranscendência da pena.