Mesmo sem nunca ter pago IPTU do imóvel que moro posso regularizá-lo em meu nome via Usucapião Extrajudicial?

30/11/2023 às 16:21
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A USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL não representa uma nova "espécie" de Usucapião. Na verdade, todas as espécies/modalidades continuam sendo aquelas que podiam ser buscadas desde sempre na via judicial mas que desde 2015 com o advento do NCPC se tornaram alcançáveis mais "facilmente" em Cartório, sem processo judicial, através de Advogado. Destacamos sempre o "facilmente" já que não é porque é feito em Cartório que a regularização via Usucapião vai se resolver em poucos meses. A bem da verdade Usucapião é e sempre será um processo complexo. A vantagem da extrajudicialização se dá na medida em que se evita a tramitação judicial que em muitos casos lentifica ainda mais esse tipo de processo.

A regulamentação trazida pelo PROVIMENTO CNJ 65/2017 foi recentemente revogada e substituída pelas normas do PROVIMENTO CNJ 149/2023 que instituiu o Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça - Foro Extrajudicial (CNN/ CN/CNJ-Extra). Até a edição do referido Código muitos Códigos de Normas Extrajudiciais das Corregedorias locais já dispunham sobre normas para a execução da Usucapião nos Cartórios. Entendemos que todas elas devem ser revistas para se adequar à norma do CNN/CN/CNJ-Extra editado pelo CNJ, o que ainda não aconteceu em alguns estados.

Segundo o referido Provimento CNJ 149/2023 o processamento pela via Extrajudicial é facultativo e ninguém pode ser obrigado a realizar sua regularização pela via judicial (ou pela via extrajudicial) em que pese ter sido extirpado da nova codificação processual civil o rito específico da Usucapião Judicial. Reza o referido Provimento:

"Art. 399. Sem prejuízo da via jurisdicional, é admitido o pedido de reconhecimento extrajudicial da usucapião formulado pelo requerente - representado por ADVOGADO ou por DEFENSOR PÚBLICO, nos termos do disposto no art. 216-A da LRP -, que será processado diretamente no ofício de registro de imóveis da circunscrição em que estiver localizado o imóvel usucapiendo ou a maior parte dele".

A análise da nova regulamentação da Usucapião Extrajudicial em âmbito nacional confirma que de fato se trata de uma nova via e não uma nova espécie de Usucapião, logo, é possível concluir que todos os requisitos continuam sendo aqueles já tratados pela norma substantiva. Como sempre enfocamos aqui, a matriz de toda forma de aquisição imobiliária pela via da prescrição aquisitiva vai demandar a comprovação plena e inequívoca de que temos POSSE qualificada exercida sobre COISA hábil pelo TEMPO necessário reclamado em Lei. Não localizamos até o presente momento espécie alguma de Usucapião que reclame expressamente a necessidade do RECOLHIMENTO DE IPTU como requisito para o reconhecimento dessa forma de aquisição imobiliária. A prática nesse tipo de regularização, todavia, RECOMENDA e SUGERE que o pagamento dos tributos seja feito pelo ocupante para demonstrar, em sede de POSSE qualificada, que de fato ele age como DONO, evidenciando o tão perseguido e importante "ÂNIMO DE DONO". Ao lado do pagamento dos tributos sobre o imóvel com certeza estarão as demais despesas que evidenciam que há de fato exercício de posse qualificada, como por exemplo despesas com água, energia elétrica, dentre outros - tudo a evidenciar o "atuar e agir como DONO". A respeito do citado "animus domini" e do pagamento de tributos ilustra o ilustre Desembargador Aposentado, Dr. BENEDITO SILVÉRIO (Tratado de Usucapião. 2012), grande especialista no assunto:

"O pagamento de impostos e taxas é DADO INDICATIVO do domínio, sobretudo no referente a terrenos desocupados ou baldios, em que não há um CONTATO DIRETO do possuidor. Além disso, a feitura de cercas, fixação de marcos divisórios e tapumes consistem em eventos ou fatos reveladores da propriedade. A posse, no caso, resume-se na EXTERIORIZAÇÃO do domínio, bastando a simples disponibilidade jurídica do bem. Não basta, pois, ao verdadeiro proprietário PAGAR IMPOSTOS OU TAXAS para ostentar o domínio, na hipótese de terceiro, como legítimo possuidor, exercitar POSSE APTA e com as QUALIDADES NECESSÁRIAS, excludente da posse daquele".

De fato, com toda razão o citado mestre: se o pagamento de impostos sobre o imóvel não é requisito e muito menos obrigatório para o reconhecimento de Usucapião seja na via Judicial seja na via Extrajudicial, ele não deixa de ter sua importância para fins de comprovação - junto aos demais itens que comporão o álbum probatório - dos requisitos exigidos em Lei, como o "ânimo de dono" - mas sua ausência não pode abalar a pretensão, como reconhece a jurisprudência gaúcha:

"TJRS. 70045744604/RS. J. em: 31/01/2012. APELAÇÃO CÍVEL. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. POSSE MANSA E PACÍFICA. PROVA SUFICIENTE. (...). AUSÊNCIA DE PAGAMENTO DE IPTU. IRRELEVÂNCIA, PARA FINS DE USUCAPIÃO. É de ser mantida sentença que reconheceu a usucapião extraordinária, diante de prova uníssona no sentido de que os autores mantém posse mansa e pacífica sobre o imóvel usucapiendo há mais de trinta anos. (...) É irrelevante, para fins de usucapião, que o usucapiente não tenha pago os tributos incidentes sobre o imóvel. Caso os tivesse pago, tal fato seria considerado um bom indício da existência de animus domini. A ausência do pagamento, porém, não desqualifica automaticamente a posse do usucapiente, mormente diante do restante das provas produzidas".

Sobre o autor
Julio Martins

Advogado (OAB/RJ 197.250) com extensa experiência em Direito Notarial, Registral, Imobiliário, Sucessório e Família. Atualmente é Presidente da COMISSÃO DE PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS da 8ª Subseção da OAB/RJ - OAB São Gonçalo/RJ. É ex-Escrevente e ex-Substituto em Serventias Extrajudiciais no Rio de Janeiro, com mais de 21 anos de experiência profissional (1998-2019) e atualmente Advogado atuante tanto no âmbito Judicial quanto no Extrajudicial especialmente em questões solucionadas na esfera extrajudicial (Divórcio e Partilha, União Estável, Escrituras, Inventário, Usucapião etc), assim como em causas Previdenciárias.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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