Medidas da política de descarcerização Brasil: Uma análise sobre o SURSIS da pena.

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RESUMO:

O presente artigo foi escrito sob a justificativa de ser critério avaliativo da segunda unidade da disciplina de Direito Penal II da Faculdade Caicoense Santa Teresinha. O intuito deste trabalho foi de analisar a suspensão condicional da pena (SURSIS) em um caso concreto de um crime de violação à Lei 13.340/2006. No aspecto metodológico adotou-se a perspectiva de análise de caso concreto, pois, objetivou analisar o fato de maneira qualitativa e não quantitativa. Enquanto aspecto teórico foram trazidas considerações sobre a legislação protetiva à mulher, seguida das contribuições quanto à política de descarcerização no Brasil. Ao fim, chegou-se à conclusão que como foram atendidos os requisitos necessários, foi aplicado o benefício da suspensão condicional da pena.

Palavras-chaves: SURSIS; Descarcerização; Lei Maria da Penha.

ABSTRACT:

The current article was written in order to be an evaluation criteria of the second unit grade of Criminal Law II- Faculda Caicoense Santa Teresinha. The goal of this work was to evaluate the conditional suspension of penalty (SURSIS) in one real case of a Maria Da Penha Law violation. On a methodological aspect it was adopted from the case analysis perspective, because the point was to see the fact in a qualitative way, not quantitative. As a theoretical aspect, it brought the considerations about the women 's protection, following the contributions about the brazilian decarceration policy. By the end, it was concluded all needed criteria were accepted to apply the benefit of conditional suspension of penalty (SURSIS).

Key-words: SURSIS; decarceration, Maria da Penha Law.

1.0 INTRODUÇÃO

O sistema carcerário brasileiro é um problema que há muito vem assolando o Brasil. Nossa população carcerária cresce em uma progressão geométrica que torna difícil acompanhar e poder administrar. Prova disso, conforme apontam os dados da Secretaria Nacional de Políticas Penais, no primeiro semestre do ano de 2023, a população encarcerada no Brasil é maior que seiscentos mil apenados. Vale trazer aqui que estamos desconsiderando as pessoas em prisão domiciliar,um valor estimado em cento e noventa mil, segundo dados da mesma secretaria.

Nessa seara, o Brasil tem adotado há alguns anos uma política de descarcerização, pois, na realidade, em muitos casos a prisão acaba por não contribuir no processo de ressocialização do apenado e, conforme doutrina, um dos fins da pena é esse, atuar na promoção do agora, ex-detento.

Nesse sentido, uma das ações voltadas com fins à execução de uma política de descarcerização é a suspensão condicional, seja da pena (SURSIS da pena), seja do processo (SURSIS Processual). Cada uma dessas atende um fim específico e têm quesitos também específicos.

No trabalho aqui apresentado, tem-se uma análise de caso concreto a aplicação de um SURSI da pena, ou seja, o réu foi condenado à pena privativa de Liberdade e como foram atendidos os quesitos quanto ao réu de não ser reincidente em crime doloso e sua pena ter sido de até dois anos. Esse valor de dois anos é para o SURSIS comum, ou seja, não considera-se estado de saúde e/ou idade do réu. Ao longo do texto haverá explicações pontuais sobre os diferentes tipos de SURSIS da pena.

Enquanto aspecto metodológico, partimos da pesquisa qualitativa, enquanto gênero de pesquisa e o subgênero “Análise de caso jurídico", seguindo a esteira metodológica predita por Mezzaroba e Monteiro (2023).

No que tange ao aporte epistemológico,foram feitas notas sobre a legislação protetiva à mulher. É necessário fazer tais notas pois o processo que serviu como corpus de análise deste artigo foi um caso de violação à Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06). Sequencialmente, foram trazidas referências quanto à política de descarcerização e alguns instrumentos.

Quanto à conclusão, foi possível notar que no caso concreto, o réu foi condenado à pena privativa de liberdade de um ano em regime inicialmente aberto. Contudo, conforme prolatado na sentença judicial, considerando que o réu atendia aos requisitos do benefício para concessão do SURSIS da pena.

2.0 METODOLOGIA

A metodologia usada para este trabalho foi a de análise de casos, especificamente estudo de processo judiciais e administrativos. Nos dizeres de Monteiro e Mezzaroba (2023) o Estudo de processo Judiciais é um subgênero de pesquisa qualitativa. Esse pensamento justifica-se pela ideia de que nesta modalidade metodológica o foco não está na incidência que determinado fenômeno acontece, mas sim no como de que maneira.

Os autores supramencionados asseveram ainda a necessidade de no caso da pesquisa em voga termos especial cuidado na omissão dos nomes reais dos envolvidos para não serem expostos. Ainda na mesma seara, cite-se a importância de saber que a pesquisa “não pode causar nenhuma espécie de dano material ou moral a ninguém” (Monteiro e Mezzaroba, 2023; p. 162.)

Optou-se por esse método, pois, conforme explanado na introdução, o fim deste trabalho é analisar de que forma foi aplicada a suspensão condicional da pena no caso concreto. O corpus deste trabalho é um processo judicial já transitado em julgado. Mérito da questão é lei maria da penha, onde o acusado agrediu de maneira física, verbal e psicológica sua parceira.

Para escolha do processo aqui analisado, não buscou-se por autoria ou comarca, mas sim pela aplicação da suspensão condicional da pena. Na seção a seguir serão trazidas algumas considerações sobre a política de proteção à mulher.

3.0 APORTE EPISTEMOLÓGICO.

3.1 Política de proteção ao gênero feminino.

Quando fala-se em política de proteção a mulher, faz saltar aos olhos a lei 11.340/2006, conhecida socialmente sob a alcunha de lei maria da penha. Esse dispositivo legislativo surgiu no ordenamento jurídico pátrio como uma pena imposta ao Brasil pela Comissão Internacional dos Direitos Humanos e da Organização dos Estados Americanos pela inércia legislativa. Quanto à proteção do gênero feminino. Destaque-se aqui que foi usado o termo gênero feminino e não puramente “mulher”, pois este termo inclui tão somente as mulheres cis-gênero e, conforme aduzido pela ADI 4275/DF os direitos fundamentais das mulheres são aplicados as pessoas transexuais.

Em termos de violência contra o gênero feminino, estamos atrasados e com pressa. No percurso da pandemia da Covid-19, os casos de agressão a este público aumentaram conforme dados fornecidos pelo fórum brasileiro de segurança pública (2022)

No cenário hodierno, a lei acima traz algumas medidas protetivas de urgência, essas medidas possuem natureza cautelar satisfativa e visam proteger a as vítimas que estejam em situação de risco, submetidas a atos de violência, algumas que podemos citar são: afastamento do lar, proibição de contato, mais recentemente pagamento de caução provisório mediante depósito à vítima e proibição de contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação.

Além disso, a lei 11.340 de 2006, das medidas protetivas de urgência à ofendida tem a previsão legal que poderá o juiz, quando necessário: encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento, determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos; e no ano de 2023 teve uma atualização legislativa de extrema importância que foi, conceder à ofendida auxílio-aluguel, com valor fixado em função de sua situação de vulnerabilidade social e econômica, por período não superior a 6 (seis) meses.

3.2 Observações quanto à suspensão condicional da pena.

Na lição de Mirabete (2021) a suspensão condicional surge como um caminho com o objetivo de evitar o encarceramento de crimes de pequeno potencial.

Segundo Bitencourt (2021) apud Silva (2022), esse instituto da suspensão condicional da pena surgiu nos Estados Unidos da América no século XIX para delinquentes menores que fossem réus primários. A esses casos, aplicava-se ao invés da cadeia, o recolhimento na escola industrial de reforma.

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No mesmo caminho, Silva (2021) fazendo uso das notas de Estefam (2021), prediz que no ordenamento jurídico pátrio a Suspensão condicional da pena (SURSIS) da pena começa a ser usada na primeira metade do século passado.

Bitencourt (2021) traz a superfície que existem ainda outras suspensões condicionais, sejam elas: a) Sursis especial; b) SURSIS etário; Sursis humanitário. Parte da doutrina considera que a aplicação do SURSIS da pena sequer pode ser considerada pena. Em sentido diverso, Bitencourt (op.cit) afirma que a exigência de cumprir, ainda que parcialmente não descaracteriza a pena imposta:

No que diz respeito à legislação que domina a matéria, Bitencourt (op.cit) foi cristalino ao afirmar que o legislador teve o cuidado em aplicar ao instituto os requisitos, tipos de punições e afins.

A Sursis tem seus fundamentos no caput do artigo 77 do Código Penal Brasileiro. Para aplicação desse tipo de condicional existem as seguintes vedações; a) proibição de frequentar determinados lugares; b) proibição de ausentar-se da comarca sem autorização judicial; c) comparecer mensalmente a juízo.

Além disso, temos o chamado Sursis etário/ humanitário que tem previsão legislativa no artigo 77 parágrafo 2 do Código Penal Brasileiro, com a seguinte redação: “A execução da pena privativa de liberdade, não superior a quatro anos, poderá ser suspensa, por quatro a seis anos, desde que o condenado seja maior de setenta anos de idade, ou razões de saúde justifiquem a suspensão.” (BRASIL, 1940)

Nos dizeres de Greco (2022), o sursis etário é uma prerrogativa concedida aos indivíduos com mais de 70 anos que tenham sido sentenciados a uma pena de prisão não excedente a quatro anos. Nessas circunstâncias, é possível suspender a execução da pena por um período que varia entre quatro e seis anos.

Um ponto importante de ordem é que não aplica-se monitoração eletrônica ao réu a quem foi concedida a suspensão condicional da pena, pois, este dispositivo é restrito àqueles em execução de pena privativa de liberdade, nesse caso, em regime diferente do fechado.

Para dar ciência a aplicação dos requisitos para aplicação do Sursis penal, fazer-se-á o uso das contribuições de Raizman (2019), entre outros enquanto requisitos subjetivos temos: “culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade do agente” (Raizman, 2019 apud Silva, 2022).

Um ponto negativo à matéria conforme trazido por Lisboa da Silva, Santana e Junior (2022) é o de que não é suficiente uma única circunstância desfavorável ao réu para impedir a concessão do benefício. É preciso analisar caso a caso.

Coadunando com o assunto em voga, Raizman e Lopes (2020) lembram que é condição sine qua non para a aplicação ao instituto que o réu não seja reincidente em crime doloso.

4.0 RESULTADOS E DISCUSSÕES

Antes de passar para os resultados propriamente dito, é importante que se tome nota dos envolvidos em questão. O processo aqui tratado teve seu local do crime no interior do nordeste. O agressor aqui chamado sob o pseudônimo de Francisco, idade também fictícia de 42 anos, vivia em união estável junto à vítima há não mais que três anos. A vítima, aqui tratada sob o pseudônimo de Gertrudes, com idade não verdadeira de trinta anos, alegou no boletim de ocorrência anexo ao processo que há tempos sua convivência com Francisco era marcada pela forte presença de agressividade por parte dele. Segundo ela, o relacionamento era mantido “na esperança de que o acusado mudasse” (ipsi litteris).

A situação torna-se um pouco mais complexa à luz do fato de que dessa união nasceu uma criança cuja idade não vem ao caso.

No momento em que a denunciante procurou a delegacia civil para prestar o boletim de ocorrência por lesão corporal, ela requisitou medida protetiva por temer risco a sua integridade física. Considerando o periculum in mora, a medida foi de pronto atendida.

No laudo pericial, ficou constatado que ela foi agredida por um instrumento indumentário, causando-lhe lesão corporal de natureza leve, ou seja, não causou debilidade ou deformidade de membro, sentido ou função.

Na análise processual, é importante retomar aqui que está-se falando de um processo que não envolve segredo de justiça e já transitou em julgado. Consta ainda que Francisco manteve contato com Gertrudes por meio de aplicativo de mensagens instantâneas onde comprovou-se a continuidade à agressividade do réu em relação a vítima, não mais de maneiro física mas sim psicológica

No rumo da investigação foi intimado para testemunhar um senhor cujo pseudônimo é Hélio e ele tinha um laço de parentesco com uma das partes do processo que atestou que as agressões do autor à vítima eram constantes.

Ao analisar o interrogatório de Francisco, em nenhum momento ele buscou contradizer as acusações que estavam sendo imputadas. Ele apenas buscou deixar nítido que agiu “movido pela raiva por ter sido chamado de vagabundo”. (ipsi litteris).

Benefícios da suspensão condicional da pena

Após ter sido encerrado o processo investigativo pela autoridade policial, a denúncia foi encaminhada para o Ministério Público, cuja manifestação inicial trata-se de delito praticado no âmbito da violência doméstica contra gênero feminino e, por causa disto, por parte do parquet não foram aplicados qualquer instituto despenalizadores em benefício do acusado pelo órgão ministerial.

Após a denúncia ter sido ofertada, o oficial de justiça intimou o réu que, por sua vez, precisou fazer o uso da defensoria pública mais próxima a sua localidade. O órgão defensor respondeu que só se manifestaria nas alegações finais.

Feitas as considerações, ora processuais, passar-se-á à análise da sentença prolatada para a dosimetria da pena. Foram considerados a culpabilidade, a ausência de antecedentes, assim como elementos que desabonem o réu. Foi fixada a pena base de 1 ano de reclusão em regime aberto. Como o réu não era reincidente em crime doloso e tomando em consideração os demais requisitos legais aplicou-se o Sursis da pena.

Dados os fatos narrados, conclui-se que o Sursis da pena Francisco, evitou o carcerização e atendeu os objetivos da teoria finalista da pena, quais sejam: prevenir e repelir o delito.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BRASIL. Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal.

GRECO, Rogério. Curso de direito penal: Capítulo 41 Suspensão Condicional da Pena. 24. ed. Barueri SP: Atlas, 2022. 1462 p. v. 1. ISBN 978-65-59-77148-6.

LISBOA, A; DA SILVA, A. SANTANA JUNIOR, F. O instituto da Suspensão Condicional: Sursis à luz da Constituição Federal e da Lei 9.099/05. 2020

MONTEIRO, C.S; MEZZAROBA, O. Manual de Metodologia da Pesquisa do Direito. 9.ed. São Paulo: Saraiva, 2023.

SILVA, R. A. Suspensão Condicional da pena e do processo como medidas descarcerizadoras. Trabalho de Conclusão de Curso. 2022

RAIZMAN, D. Manual de Direito Penal: Parte Geral. São Paulo: Saraiva Educação, 2021.

Disponível em: https://www.gov.br/senappen/pt-br/assuntos/noticias/senappen-lanca-levantamento-de-informacoes-penitenciarias-referentes-ao-primeiro-semestre-de-2023. <Acesso em: nov.2023>

Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm. <Acesso em: nov.2033>

Sobre os autores
Rilawilson José de Azevedo

Dr. Honoris Causa em Ciências Jurídicas pela Federação Brasileira de Ciências e Artes. Mestrando em Direito Público pela UNEATLANTICO. Licenciado e Bacharel em História pela UFRN e Bacharel em Direito pela UFRN. Pós graduando em Direito Administrativo. Policial Militar do Rio Grande do Norte e detentor de 19 curso de aperfeiçoamento em Segurança Pública oferecido pela Secretaria Nacional de Segurança Pública.

Kelson de Araújo Laurindo

Graduado em Gestão Pública- UNP..Graduando Bacharelado em Direito- Faculdade Católica Santa Teresinha – FCST em Caicó/RN. 

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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