Imunidade de ITBI: uma análise de incidência sob a perspectiva da advocacia pública

04/12/2023 às 12:07

Resumo:


  • Estudo aborda a imunidade do ITBI na transmissão de imóveis para integralização de capital social, enfocando a perspectiva da advocacia pública municipal e analisando o Tema 796 do Supremo Tribunal Federal.

  • A jurisprudência dos Tribunais de Justiça esclarece pontos controversos sobre a base de cálculo do imposto, concluindo que o valor venal deve ser utilizado e que não é necessária a constituição de capital de reserva para que haja incidência do ITBI.

  • É destacado que a imunidade do ITBI não é irrestrita e depende da atividade preponderante da empresa, sendo devida sempre que houver divergência entre o valor venal e o valor integralizado na pessoa jurídica.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

RESUMO:

O presente artigo apresenta estudo referente à imunidade de ITBI frente a transmissão de imóvel para a integralização em capital social de pessoa jurídica, sob perspectiva da advocacia pública municipal. Realiza análise do Tema 796 do Supremo Tribunal Federal, bem como da jurisprudência dos Tribunais de Justiça, com o objetivo de esclarecer pontos controvertidos referentes à base de cálculo do imposto. Conclui-se pela desnecessidade da constituição de capital de reserva para atrair a incidência do imposto, que se entende devido sempre que houver divergência entre o valor venal e o valor integralizado na pessoa jurídica.

Palavras-chave: Imunidade. Integralização. Imposto de Transmissão de Bens Imóveis – ITBI. Tema 796.

ABSTRACT:

This article presents a study regarding the immunity of taxation ITBI for transferring ownership of real state as payment into the share capital of a legal entity, from the perspective of municipal public law. It analyzes Theme 796 by Federal Supreme Court, as well as the jurisprudence of the Courts of Justice, with the aim of clarifying controversial points regarding the tax calculation basis. It is concluded that there is no need for the legal entity to create reserve capital in order to attract the incidence of taxation, which is due whenever there is a discrepancy between the market value and the value paid into the share capital of the legal entity.

Key Words: Immunity. Share capital. Imposto de Transmissão de Bens Imóveis – ITBI. Theme 796.

1 – INTRODUÇÃO HISTÓRICA:

O imposto sobre transmissão de bens imóveis foi introduzido no Direito Brasileiro em 1809, sob a denominação de sisa – termo que advém do francês “saisine”, cujo significado aproximado seria “estar em posse de bens imóveis”.

Foi com a Constituição Federal de 1891 que se determinou “competência exclusiva dos Estados decretar impostos” sobre transmissão de propriedade, sem fazer qualquer distinção entre a transmissão inter vivos e a transmissão causa mortis. Essa distinção entre formatos de transmissão ocorreu apenas na Constituição Federal de 1934, mantendo-se nas mãos dos Estados a arrecadação.

Através da Emenda Constitucional nº 5, de 1961, a competência da instituição do imposto sobre a transmissão inter vivos foi delegada aos municípios, mas teve breve vida, sendo novamente unificada a competência sob égide dos Estados em 1965, através da Emenda Constitucional nº 18.

Assim, foi apenas com a Constituição Federal promulgada em 1988 que foi definitivamente outorgada aos Municípios e ao Distrito Federal a competência para instituir o imposto sobre a transmissão inter vivos – ITBI, “a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis situados em sua circunscrição, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição”.

O Código Tributário Nacional, por sua vez, foi promulgado em 1966. Entretanto, em atenção ao comando do art. 146, inciso III da Constituição Federal, que delega à União a competência de estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, foi recepcionado em caráter de lei complementar em tudo aquilo que não conflitar com os comandos constitucionais.

No tocante ao ITBI, assim, o Código Tributário Nacional determina que a base de cálculo do imposto é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos. Nesta senda, como bem elucidado pelo Supremo Tribunal de Justiça – STJ ao Tema 1.113, entende-se como valor venal “o valor do imóvel transmitido em condições normais de mercado”.

Portanto, da leitura da legislação afeta, hoje temos que é competência municipal a instituição e cobrança do ITBI, qual tem como base de cálculo o valor que a venda do imóvel teria dentro das condições mercadológicas no momento do registro imobiliário da transmissão da propriedade (fato gerador do tributo).

2 – IMUNIDADE:

No tocante a tributação sobre os cidadãos, dita Carlos Alexandre de Azevedo Campos:

No Estado Democrático Fiscal, caracterizado pela liberdade econômica do indivíduo, como pela responsabilidade do cidadão solidário, direitos e deveres devem conviver em equilíbrio, em uma relação de implicações recíprocas. Isso significa, de um lado, que o Estado não pode exercer o poder de tributar de forma arbitrária; de outro, que o particular não possui a faculdade libertária de não contribuir ao custeio das tarefas gerais e sociais do Estado. O contribuinte tem o dever fundamental de pagar impostos, que sejam justos e democraticamente instituídos. Surge o dever tributário legítimo e fundamental quando estabelecido na forma e nos limites previstos nas constituições democráticas. (CAMPOS, 2019, p. 621.)

Portanto, resumidamente, entende-se que há direito de tributar e dever de pagar os tributos quando, em aspecto formal, for constatada competência tributária delegada pela Constituição Federal e instituição por lei específica e, em aspecto material, for constatado o fato gerador do tributo. Há, assim, a cobrança regular de tributos para custear os serviços de bem-estar social, e o pagamento em razão da responsabilidade coletiva de manutenção dos interesses sociais.

No entanto, a competência para cobrança de tributos pode ser limitada por lei. Neste sentido, temos que as imunidades são limitações do poder de tributar, apresentando espécie de reconhecimento de incompetência que consta do texto constitucional.

É de se apontar que existem outras formas de limitações tributárias (como isenção e não incidência), concedidas por normas infraconstitucionais, mas apenas as imunidades são tidas como garantias individuais dos contribuintes e, como tal, se configuram em cláusulas pétreas da Constituição Federal, protegidas de tentativas de alterações legais que lhes diminuam o alcance ou que tendam a lhes abolir.

Deste modo, o art. 156 da Constituição Federal concede a competência de instituição aos municípios mas, no mesmo dispositivo, afirma que o imposto de transmissão “não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil”.

Essa limitação teve como inspiração idêntica proposição constante da Emenda Constitucional nº 18/1965 e replicada no Código Tributário Nacional, em sua redação originalmente promulgada em 1966. Determina, portanto, a não incidência quando a transmissão for efetuada para incorporação do bem imóvel ao patrimônio de pessoa jurídica em pagamento de capital nela subscrito ou, ainda, quando decorrente da incorporação ou da fusão de uma pessoa jurídica por outra ou com outra.

Portanto, a imunidade do ITBI nas transmissões efetuadas para integralização em capital social de pessoa jurídica, como bem exposto pelo Min. Alexandre de Moraes no acórdão vencedor do RE nº 796376, tem como intuito estimular o empreendedorismo, promover a capitalização e o desenvolvimento das empresas – qual seja, promover a economia nacional, razão pela qual se trata de garantia constitucional.

3 – INCIDÊNCIA DA IMUNIDADE NA INTEGRALIZAÇÃO:

3.1 Da base de cálculo do ITBI:

Como visto, a imunidade objeto do inciso I do § 2º do art. 156 da Constituição Federal tem como intuito estimular o empreendedorismo, facilitando a comunicação de bens imóveis para pessoas jurídicas de modo a promover a economia nacional. Deste modo, quando constatado que a intenção da transmissão é outra, qual seja, não a real integralização do bem para fomento da pessoa jurídica, entende-se que a imunidade perde sua razão de ser.

Em razão disso, recente decisão do Supremo Tribunal Federal nos autos do RE 796.376/SC deu azo ao Tema 796, com repercussão geral e vinculante, fixando a seguinte tese: "a imunidade em relação ao ITBI, prevista no inciso I do § 2º do art. 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado".

Dito de outro modo, o Supremo Tribunal Federal reconheceu que a imunidade do ITBI não é irrestrita para toda e qualquer integralização, mas se limita apenas ao valor monetário exato a ser integralizado na pessoa jurídica, pois é apenas esse valor o que se pretende empregar para expandir o empreendimento. Tal fato é elementar, tendo em vista que a justificativa histórica para a concessão da imunidade, como visto, é fomentar a atividade empresarial.

Portanto, temos que o posicionamento do Supremo Tribunal Federal é que o valor integralizado ao capital social não substituirá o valor venal de que trata o Código Tributário Nacional mas deve, ao invés, ser subtraído deste último, para fins de determinação da efetiva base de cálculo do ITBI. Isso porque, apenas o valor integralizado é que goza da imunidade, sendo que o excedente se traduz, necessariamente, em transmissão de propriedade a título oneroso.

Entretanto, vêm sustentando alguns estudiosos que a Lei Federal nº 9.249/1995, que trata sobre o imposto de renda das pessoas jurídicas e a contribuição social sobre o lucro líquido, autoriza explicitamente que imóveis sejam integralizados pelo valor histórico que conste da declaração de bens. Por essa razão, argumentam que os fiscos municipais devem permitir, como base de cálculo do ITBI incidente na integralização, a adoção dos mesmos valores históricos, em razão da autorização da referida lei federal.

Entretanto, a adoção da legislação acima seria evidente afronta às competências constitucionais, ao Princípio da Legalidade e ao pacto federativo.

Veja-se que a Constituição Federal delega para cada ente federativo competências para instituir e arrecadas tributos específicos, respeitadas as disposições em lei complementar, sendo vedada expressamente a delegação da competência entre eles (art. 7° do CTN). Essa vedação tem como intuito, por evidente, garantir o respeito ao pacto federativo, como bem apontado por José dos Santos Carvalho Filho:

Sinal inarredável da federação é o sistema de partilha de competências definido na Constituição, para que seja demarcada a área de atuação do governo federal e das unidades componentes do regime. Na verdade, não pode conceber-se federação sem a distribuição das competências, e a ela podem creditar-se duas ordens de conseqüências. Primeiramente, prestigia-se o poder local através da atuação autônoma dos entes federativos, apontando-se as matérias das quais poderão dispor. Além disso, a repartição de competências, por estar contemplada em nível constitucional, confere às pessoas integrantes da federação a garantia contra invasões perpetradas pelo governo central.
A autonomia conferida aos entes federativos, entretanto, tem que comportar lastro financeiro que lhes permita atuar nas áreas demarcadas pela Constituição. Assim, é necessário que a lei fundamental contemple sistema tributário por meio do qual se permita que tais entidades aufiram renda própria, fator necessário, como sabido, para garantir a relativa independência de que gozam no regime. Poderá haver, é claro, a previsão de repasses de recursos provindos de outra esfera federativa, mas esses repasses não podem ser de tal dimensão que submeta a entidade destinatária à total dependência da pessoa repassadora. Repasses são (ou, pelo menos, devem ser) fontes auxiliares de recursos, mas a fonte primária deve ser realmente aquela que se origine dos tributos de sua competência. (CARVALHO FILHO, 2001, p. 202).
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Deste modo, a Constituição Federal determinou que compete aos Municípios e ao Distrito Federal instituir imposto de transmissão "inter vivos" de bens imóveis (art. 156, inciso II da CF), ao passo que compete à União instituir o imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza (art. 153, inciso III da CF).

Essa distinção entre competências é de extrema importância, tendo em vista que a autorização de integralização pelo valor histórico, dada pela União através de sua legislação afeta ao imposto de renda de pessoas jurídicas, em nada afeta a base de cálculo do ITBI, que se trata de imposto de competência outorgada aos Municípios, com previsão em legislação municipal própria.

Deste modo, o fato que a União, exercendo sua competência legal através da Lei Federal nº 9.249/1995, permita que imóveis sejam integralizados pelo valor histórico para fins de imposto de renda, em nada afeta a cobrança de tributos de outros entes federados. Portanto, sendo os municípios constitucionalmente competentes para instituir o ITBI, e havendo lei anterior que o regulamente, respeitando-se os ditames gerais do Código Tributário Nacional, não há nenhuma irregularidade na adoção do valor venal como base de cálculo.

Ao contrário, é de se argumentar que haveria a expressa vedação de adoção de qualquer outro que não o valor venal como base de cálculo do ITBI. Isso porque, o art. 150, inciso I da Constituição Federal dispõe que é vedado aos entes federativos exigirem tributos sem lei que os estabeleça – tal é, inclusive, limitação do poder de tributar e garantia individual dos contribuintes, formalizando-se em cláusula pétrea sob a égide do Princípio da Legalidade.

Deste modo, tendo em vista que o próprio Código Tributário Nacional determina que o valor venal é a base de cálculo legal do ITBI (art. 38), é vedado aos fiscos municipais adotarem qualquer outra base de cálculo, sob pena de desrespeitar o princípio constitucional acima apresentado e acabar por instituir imposto irregular e, portanto, sem caráter compulsório quanto ao pagamento.

Inclusive, nessa senda vêm se posicionando os Tribunais Judiciais, posto que, nas palavras do Des. Wanderley José Federighi:

Em síntese: a recorrente pode até integralizar os bens arrolados em exordial pelo valor que reputa adequado e com base na legislação federal citada acima; entretanto, a base de cálculo para fins de tributação a título de ITBI será outra; qual seja, o valor venal dos bens a serem integralizados, valor este que servirá de parâmetro para se identificar se haverá incidência do referido tributo, caso seja superior ao valor do capital social, garantindo-se, assim, em última análise, obediência ao pacto federativo e às regras de competência. (TJ-SP – AC: 10001745320208260240 SP 1000174-53.2020.8.26.0240, Relator: Wanderley José Federighi, Data de Julgamento: 11/11/2021, 18ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 18/11/2021).

Por essa razão, deve ser sempre adotado como base de cálculo o valor de mercado, conforme declarado pelo contribuinte ou determinado por avaliação fiscal fundamentada, nos termos da legislação vigente e do Tema 1.113 do STJ – respeitada a imunidade da parcela efetivamente integralizada ao Capital Social da pessoa jurídica, a ser concedida sob cláusula resolutiva, conforme art. 37 do CTN.

3.2 Da desnecessidade de constituição de capital de reserva:

Superada a discussão sobre a efetiva base de cálculo do ITBI, é de se passar à análise para a (des)necessidade da constituição de capital de reserva para atrair a incidência do imposto.

Subsistem sustentações no sentido de que o Tema 796 do STF não pode ser aplicado a todos os casos de integralização de bem imóvel. Afirmam, assim, que é devida a imunidade total sempre que o valor histórico do bem seja integralizado sem constituição de capital de reserva – qual seja, quando não há cálculo do valor justo do bem previamente à integralização. Afirmam os defensores deste posicionamento, outrossim, que é apenas sobre esses casos que o Tema 796 é aplicável, isto é, apenas quando é calculado o valor justo do bem para integralização, com posterior constituição do excedente em capital de reserva, que incidirá o ITBI sobre a diferença.

Em que pese o argumento, não merece prosperar a tese.

Veja-se que o Tema 796 determina que “a imunidade em relação ITBI, prevista no inciso I do § 2º do art. 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado”. Se, como já visto, o valor venal é a base de cálculo do ITBI, por força legal, a diferença entre esse e o valor integralizado (imune) é que servirá para calcular o tributo.

Por outro lado, é irrelevante, para fins de ITBI, haver a efetiva contabilização do ágio em conta de capital de reserva. Veja-se que, calculado o valor justo do bem, e ultrapassado o valor nominal da quota subscrita, essa parte excedente se configura necessariamente em capital de reserva, conforme comando do art. 13 da Lei nº 6.404/1976 – Lei das Sociedades por Ações.

Isto é, ainda que seja permitido à pessoa jurídica optar por diferir a contabilização desse ganho para transmissão futura, em planejamento tributário referente ao imposto de renda – o que é autorizado pela União, ente competente desse tributo –, em nada afeta o reconhecimento fático de que foi constituído capital de reserva, nos termos do § 2º do art. 13 da Lei das Sociedades por Ações.

Em realidade, nas palavras do Des. Guilherme Gutemberg Isac Pinto:

Justicia, a inteligência artificial do Jus Faça uma pergunta sobre este conteúdo:
Impende destacar, ainda, que não se afasta a aplicação do Tema 796/STF, pois não existem duas operações distintas, a integralização de capital social e a formação de capital de reserva. Todo excesso à integralização de capital social é, por definição, formação de capital de reserva, não estando acobertado, o excesso, pela regra da não incidência.
A imunidade tributária em estudo é absoluta em relação à integralização de capital social, mas, evidentemente, até o limite quantitativo desta. Tudo que exceder esse limite não é mais conferência de patrimônio em integralização de capital social, mas formação de capital de reserva. (TJ-GO 50419228720218090093, Relator: DESEMBARGADOR GUILHERME GUTEMBERG ISAC PINTO, 5ª Câmara Cível, Data de Publicação: 11/02/2022.)

Logo, se após o cálculo do valor justo os bens transferidos possuem valores superiores aos das cotas que se prestam a integralizar, é de se admitir que o excedente não se destina a compor o capital social da pessoa jurídica mas, ao invés, constitui verdadeira transferência patrimonial ao acervo da empresa e suscetível, portanto, de tributação.

Em realidade, este foi o posicionamento do Ministro Alexandre de Moraes junto ao RE nº 796.376/SC, que deu azo à tese fixada. Ali, determinou que “não cabe conferir interpretação extensiva à imunidade do ITBI, de modo a alcançar o excesso entre o valor do imóvel incorporado e o limite do capital social a ser integralizado”.

Esse mesmo entendimento, qual seja, que é irrelevante a constituição do ágio em reserva de capital para atrair a incidência do ITBI, já foi enfrentado pelo próprio Supremo Tribunal Federal, em análise judicial posterior à exação do Tema 796.

Conforme decisão do E. Min. Gilmar Mendes na Reclamação nº 49320/MS, restou esclarecido que o Tema 796 não faz distinção entre integralização com constituição de capital de reserva ou sem constituição de capital de reserva. Determina, apenas, que é devida a imunidade do ITBI sobre o valor efetivamente integralizado ao Capital Social, remanescendo a tributação sobre o excedente, independente de cálculo contábil do ágio.

Já a decisão do E. Min. Alexandre de Moraes na Reclamação nº 57863/SP complementa esse entendimento. No acórdão decisório, sustenta o Ministro que a discussão sobre a base de cálculo do ITBI – isto é, se é aceitável a adoção do valor histórico como base de cálculo, sem a constituição de capital de reserva – é questão infraconstitucional, que sequer foi objeto de análise junto ao Tema 796, posto não ser competência da Suprema Corte analisar tal matéria.

Por essa razão, conclui-se que não há irregularidade na incidência do ITBI sobre o valor venal excedente ao integralizado, mesmo quando não constituição do ágio em capital de reserva, posto que a fixação da base de cálculo do imposto é atribuição dos municípios, permitindo-se excepcionalmente a análise da matéria legal pelos Tribunais Judiciais. Veja-se excerto:

Em relação ao ponto, o órgão jurisdicional reclamado, em análise da aspecto fático da demanda, concluiu que embora a atribuição do valor de incorporação caiba aos sócios e conste do contrato social, a transferência de patrimônio que agregue bens e direitos e exceda o valor do acréscimo do capital social, não está acobertado pela regra da não incidência do ITBI do art. 156, § 2º, I, da Constituição Federal tendo em vista que cabe ao Fisco Municipal calcular o ITBI sobre o valor venal dos imóveis transmitidos, dentro da sua competência tributária.
Há, portanto, uma questão legal prévia e autônoma em relação a matéria objeto do precedente vinculante, que é a fixação da base de cálculo do ITBI, com base no art. 38 do Código Tributário Nacional. Nestes casos, quando em jogo a fixação da base de cálculo pelo valor venal de bem imóvel por ato administrativo do Município, rejeitando-se a tributação com base no valor declarado pelo contribuinte, há evidente afastamento da matéria discutida em relação à imunidade específica fixada no art. 156, § 2º, I, da Constituição Federal, pois a fixação da base de cálculo antecede logicamente a imunidade quanto ao tributo incidente, considerando sua limitação conforme a tese fixada.
Em termos finais, a decisão administrativa, cuja eficácia fora mantida pelo acórdão da apelação no mandado de segurança, aplicou em concreto a tese fixada no Tema 796 da Repercussão Geral, pois limitou a tributação pelo ITBI ao valor integralizado no capital social de pessoa jurídica, lançando o tributo somente sobre a parcela sobejante. E a fixação desta parcela sobejante é que origina e limita a análise da legalidade do lançamento.
Tal circunstância afasta a discussão na origem do objeto do Tema 796, pois a decisão reclamada não está negando a imunidade limitada conforme decisão da CORTE, mas a regularidade da base de cálculo fixada sobre o valor venal do imóvel. Não há, portanto, aderência ao paradigma indicado. (STF – Rcl: 57863 SP, Relator: ALEXANDRE DE MORAES, Data de Julgamento: 09/02/2023, Data de Publicação: 13/02/2023)

Por outro lado, sendo competência do Superior Tribunal de Justiça a análise da legislação infraconstitucional, bem como sua correta aplicação, temos que essa Corte vem se posicionando de forma pacífica no sentido de que é correta a tributação sobre o valor venal excedente ao valor integralizado, mesmo nos casos em que não subsiste constituição de reserva de capital:

Consoante decidido pelo Supremo Tribunal Federal, o art. 156, § 2º, inc. I, da Constituição Federal "não imuniza qualquer incorporação de bens ou direitos ao patrimônio da pessoa jurídica, mas exclusivamente o pagamento, em bens ou direitos, que o sócio faz para integralização do capital social subscrito, daí porque se firmou tese segundo a qual "a imunidade em relação ao ITBI, prevista no inciso I do § 2º do art. 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado"(RE 796.376, Relator para o acórdão Ministro Alexandre De Moraes, Tribunal Pleno, julgado em 05/08/2020, repercussão geral - mérito DJe-210).
E o acórdão recorrido está em conformidade com essa tese, o que, por si, já é suficiente ao não conhecimento do recurso especial.
Não obstante, convém apontar que as razões recursais denotam certa confusão em relação à questão decidida no âmbito do órgão julgador a quo , pois o acórdão recorrido não nega o reconhecimento da imunidade estabelecida pelo inciso I do § 2º do art. 156 da Constituição Federal; de fato, o acórdão recorrido, na linha de tese jurídica definida pelo Supremo Tribunal Federal, afirma a incidência do imposto de transmissão sobre a parcela do valor que exceder o capital social integralizado pelo imóvel, mas mantém a denegação da ordem porque o fisco municipal estaria cobrando tributo sobre a parcela excedente, e não sobre o valor do capital integralizado. Aliás, a respeito da pretensão mandamental, o magistrado de primeiro grau foi certeiro ao ponderar que a aferição dos critérios adotados para a avaliação administrativa dependeria de dilação probatória, ao tempo em que, em exame perfunctório, não se revelaria desarrazoada o valor arbitrado, razão pela qual é inadequada a via do mandado de segurança. (STJ - AREsp: 2010189, Relator: BENEDITO GONÇALVES, Data de Publicação: 27/10/2022)

Assim, em que pese seja possível que pessoas jurídicas integralizem imóveis ao capital social optando por não constituir reserva de capital com os valores excedentes, entende-se que o valor venal que excedeu o valor nominal das quotas se traduz, por si só, em reserva de capital, seja ela contabilmente adicionado ou não – e, portanto, incide o ITBI, posto que o excesso não goza da imunidade tributária, conforme Tema 796 do STF.

3.3 Da imunidade com cláusula resolutiva:

Como visto, a imunidade do ITBI pela integralização de imóvel em capital social é concedida apenas sobre o valor efetivamente integralizado, incidindo o imposto sobre eventual excedente entre esse e o valor venal. Entretanto, mesmo a concessão da imunidade sobre o valor integralizado não é irrestrita, isto é, devem ser respeitados critérios legais para concessão e manutenção desta benesse.

Essa limitação ocorre pois, como já elucidado, a finalidade da imunização é fomentar a atividade empresarial, por meio da desoneração da operação de aporte de imóveis no capital social de sociedades, dada a importância desse tipo de operação para o desenvolvimento econômico. Tanto por isso, o dispositivo constitucional oferece a ressalva específica quando a “atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil”, hipótese na qual resta afastada a imunidade, incidindo integralmente o imposto.

Outrossim, como afirma Paulo de Barros Carvalho:

A regra constitucional da imunidade tributária é uma norma de eficácia contida e de aplicabilidade condicionada, porquanto se exige uma efetiva comprovação de atendimento a exigências infraconstitucionais. (CARVALHO, 2005, p.192)

Deste modo, o Código Tributário Nacional regulamenta a forma pela qual deve ser apurada a existência de preponderância de atividade imobiliária, como ressalvado pela Constituição Federal. Nestes termos, determina que há atividade preponderante imobiliária quando mais de 50% da receita operacional da pessoa jurídica adquirente decorrer de transações imobiliárias nos 2 anos anteriores e nos 2 anos subsequentes à integralização (art. 37, § 2º). Assim, verificada a preponderância, torna-se devido o imposto, a ser calculado sobre o valor venal do bem ou direito quando da data de transmissão.

No tocante à viabilidade da extensão da imunidade tributária do ITBI para pessoas jurídicas cujas atividades preponderantes sejam a locação e compra e venda de imóveis, situação que encontra vedação constitucional, vem entendo o Supremo Tribunal Federal que se trata de matéria infraconstitucional, a qual não é sua competência decidir2.

O Supremo Tribunal de Justiça, por sua vez, tem posicionamento pacífico no sentido da vedação expressa da concessão de imunidade por integralização nas pessoas jurídicas cuja atividade preponderante é a imobiliária. Veja-se:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ITBI. ISENÇÃO. TRANSMISSÃO DE BENS E DIREITOS INCORPORADOS AO CAPITAL SOCIAL DE PESSOA JURÍDICA. EXCEÇÃO. ATIVIDADE IMOBILIÁRIA PREPONDERANTE. NECESSIDADE DE CUMULAÇÃO POR QUATRO ANOS. INTERPRETAÇÃO LITERAL. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO.
1. Não incide ITBI sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil.
2. Considera-se caracterizada a atividade preponderante quando mais de 50% da receita operacional da pessoa jurídica adquirente, nos 2 anos anteriores e nos 2 anos subsequentes à aquisição, decorrer de transações de venda ou locação de propriedade imobiliária ou a cessão de direitos relativos à sua aquisição.
3. O CTN prevê que a legislação tributária que disponha sobre isenção deve ser interpretada literalmente (art. 111). O legislador expressou a ideia de adição/soma, para definir o conceito de atividade preponderante para fins de imunidade de ITBI, não cabendo aos interpretes da lei ampliar/restringir o seu conceito.
4. Portanto, para que a atividade não seja considerada preponderante, é necessária a demonstração de que em todos os quatros anos, nos dois anos anteriores e nos dois subsequentes à operação de integralização do capital social, não houve a obtenção de receita operacional majoritariamente proveniente de fontes relacionadas a atividade imobiliária.
(...)
(STJ - REsp: 1336827 RS 2012/0161122-7, Relator: Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Data de Julgamento: 19/11/2015, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 27/11/2015)

Desta feita, os fiscos municipais devem analisar, antes da concessão da imunidade objeto do art. 156, § 2º, inciso I da Constituição Federal, qual foi a atividade preponderante da pessoa jurídica adquirente nos dois anos anteriores e nos dois anos posteriores à integralização. Já nos casos da pessoa jurídica cuja atividade teve início há menos de dois anos, deve ser analisado o período de três anos de atividade após a concessão da imunidade, a fim de determinar a atividade preponderante.

Apenas após essas análises é que se confirma a benesse – ou, se concluído que 50% da receita operacional da pessoa jurídica adquirente decorreu de transações imobiliárias, a imunidade é revogada, atraindo a incidência do imposto.

Frisa-se que, transcorrido o prazo para análise da atividade preponderante (dois ou três anos após a concessão da imunidade, conforme o caso), no primeiro dia útil do próximo exercício fiscal inicia-se o prazo decadencial para a constituição do crédito tributário, prazo esse quinquenal (art. 173, inciso I do CTN).

Portanto, constatado que a pessoa jurídica teve como atividade preponderante a imobiliária, a imunidade será revogada, com a incidência total do ITBI inclusive sobre a parcela outrora imune, em razão da integralização de bem por valor histórico, conforme Tema 796 do STF.

4 – CONCLUSÃO:

Diante do exposto, conclui-se que a base de cálculo do ITBI é o valor venal, conforme comando legal. Portanto, haverá evidente disparidade entre os casos de integralização pelo valor justo do bem – acarretando a concessão da imunidade integral – e casos de integralização pelo valor histórico – acarretando evidente excedente que não estará abarcado pela imunidade, atraindo o imposto.

Será o contribuinte, pessoa jurídica a integralizar, que deverá determinar qual será o melhor formato em seu planejamento tributário, sendo que ainda deverá atentar à cláusula resolutiva da imunidade, a qual limitará suas atividades imobiliárias por dois ou três anos, a depender do caso.

REFERÊNCIAS:

CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo; OLIVEIRA, Gustavo da Gama Vital de; MACEDO, Marco Antonio Ferreira (coord.). Direitos fundamentais e estado fiscal: estudos em homenagem ao Professor Ricardo Lobo Torres. JusPodivm, Salvador, 2019.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Pacto Federativo: Aspectos Atuais. Revista da EMERJ, v.4, n.15, Rio de Janeiro, 2001. Disponível em <revista15.pdf (tjrj.jus.br)>. Acesso em: 30/11/2023.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 17ª Edição, Ed. Saraiva, São Paulo, 2005.

CONTI, José Mauricio Conti. O Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI): Principais Questões. Scientia Iuris. Londrina, v.5/6, 2001/2002. Disponível em: <O imposto sobre a transmissão de bens imóveis (ITBI): principais questões | Scientia Iuris (uel.br)>. Acesso em: 30/11/2023.


  1. ......

  2. Vide STF – ARE: 1359917 SP, Relator: GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 05/07/2022, Data de Publicação: 07/07/2022.

Sobre a autora
Marcela Avila Ayoub

Advogada na Secretaria Municipal da Fazenda de Gramado/RS, graduada em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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