Reforma do Conselho Tutelar da Icoaraci, em Belém/PA

Resumo:


  • O Ministério Público do Pará ajuizou uma Ação Civil Pública contra o Município de Belém e outras partes, exigindo a reforma do Conselho Tutelar II de Icoaraci, devido a problemas de infraestrutura e falta de recursos necessários para o seu funcionamento adequado.

  • A liminar foi concedida, mas o Município de Belém não cumpriu as determinações judiciais dentro do prazo estipulado, levando à aplicação de multas e à condenação por atentado à dignidade da Justiça e litigância de má-fé.

  • A sentença julgou procedente o pedido do Ministério Público, condenando o Município de Belém a realizar as reformas e melhorias necessárias no Conselho Tutelar II de Icoaraci, sob pena de multa diária em caso de descumprimento.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

PROCESSO: 0802418-55.2021.8.14.0201

CLASSE: AÇÃO CIVIL PÚBLICA

AUTOR: MINISTÉRIO PUBLICO DO PARÁ

RÉU: MUNICÍPIO DE BELÉM

REPRESENTANTE: PROCURADORIA-GERAL DO MUNICÍPIO


SENTENÇA COM RESOLUÇÃO DE MÉRITO

Cuida-se de AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM COMINAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER e PEDIDO DE LIMINAR ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO PARÁ em face do MUNICÍPIO DE BELÉM e das pessoas físicas do Prefeito Municipal de Belém EBR e do Presidente da FUNPAPA ACC, em defesa dos direitos coletivos das crianças e adolescentes que necessitam dos serviços CONSELHO TUTELAR II DE ICOARACI (DAICO), localizado na Rua Carneiro da Rocha, nº 110, bairro Cruzeiro, neste Distrito de Icoaraci.

A inicial veio acompanhada pelo Inquérito Civil nº 002064-131/2021.

Afirma o autor que realizou visita na sede do Conselho Tutelar de Icoaraci II em 18.05.2021; que havia problemas na infraestrutura do local, tipo vazamentos e infiltrações na sala do plantão; insalubridade; banheiros em mal estado de funcionamento.

No quesito de pessoal, não dispõem de funcionário para serviços gerais.

Estão sem aparelho celular funcional para o atendimento e sem condições de atendimento presencial, entre outros problemas.

Instada para esclarecimentos e resolução dos problemas, a FUNPAPA nada respondeu.

Prosseguindo, discorreu sobre a sua legitimidade e a competência desta vara.

Sobre os direitos em jogo, fundamentou seu pedido na Constituição Federal de 1988, no ECA e nas Resoluções do CONANDA n.º. 075/2001 e 139/2010.

Ao final, pugnou pela concessão de liminar para que os réus fossem compelidos a realizar a reforma do prédio com a resolução de todos os problemas apontados ou alternativamente a disponibilização de um novo local para funcionamento do colegiado, além, logicamente, da procedência do pedido.

Despacho para manifestação em 72 horas no id 34637227, não respondido (certidão id 36499824).

No id 39145587 informou o autor o agravamento da situação.

Na decisão interlocutória do id 45564097, datada de 19 de janeiro de 2022, deferi a liminar pleiteada pelo autor, fixando o prazo de sessenta (60) dias para seu cumprimento pelos réus, com a fixação de multa para o caso de desobediência, além de determinar a manifestação de todos sobre o ato atentatório à dignidade da Justiça e litigância de má-fé.

Na mesma decisão ainda determinei a citação de todos os réus, assim como a juntada, em 15 dias, de documento comprobatório do valor do orçamento aprovado para o exercício 2022 e destinado à FUNPAPA, destacando qual o valor previsto para manutenção e possíveis obras dos Conselhos Tutelares, além do contrato de locação do espaço onde funciona o Conselho Tutelar II.

Todos os réus foram devidamente citados, mas não responderam.

O prédio onde funciona o Conselho Tutelar de Icoaraci é alugado.

No id 67026069, o MPE informou que realizou nova visita ao Conselho Tutelar de Icoaraci e constatou que alguns reparos foram realizados (manutenções de forma pontual nas salas, incluindo a salão do plantão, que teve a questão dos vazamentos e infiltrações) e que foi destacado profissional de serviços gerais de forma permanente ao local, além de ter sido regularizada a situação de fornecimento de alimentos. No entanto, considerou que não foram suficientes e, por isso, apontou o descumprimento da liminar, requerendo a majoração da multa (astreintes) e a fixação de multa por litigância de má-fé e ato atentatório à dignidade da justiça.

Assento que o prazo para cumprimento da liminar para o Município de Belém se esgotou em 22.03.2022; para o Prefeito Municipal de Belém, em 28.04.2022 e para o Presidente da FUNPAPA, em 27.04.2022.

Decretada a revelia dos réus, o autor foi instado a se manifestar e requereu o julgamento antecipado da lide (id 76016416).

O Município de Belém compareceu aos autos para dizer que não identificou o processo em sua caixa do sistema PJe, pugnando pelo chamamento da FUNPAPA à lide, pois teria autonomia administrativa, com a concessão de mais 15 dias para sua manifestação (id 76554492).

Nesse particular, insta deixar claro que a municipalidade não trouxe aos autos qualquer comprovação do que afirmou.

Sobre ele, o MPE se manifestou pela rejeição dos argumentos (id 77368619).

Decisão de organização e saneamento processual no id 83946778.

Id 86227040 reiteração da manifestação do Município de Belém.

Inspeção judicial realizada no Conselho no dia 09 de fevereiro de 2023 (id 86732088).

Autor e Município de Belém se manifestaram sobre a inspeção.

Os requerimentos do Município de Belém foram indeferidos por este Juízo.

Em alegações finais do id 90889520, o MPE pediu a procedência do pedido.

Todos os réus não apresentaram alegações finais (certidão id 96765043).

OS REQUERIDOS NÃO AGRAVARAM DE NENHUMA DECISÃO PROFERIDA POR ESTE MAGISTRADO NOS AUTOS, FATO QUE AS TORNOU ESTABILIZADAS NO TEMPO EM QUE FORAM PROFERIDAS.

É o relatório. DECIDO.


PRELIMINARES

Muito embora sejam revéis nos autos todos os réus, importa dizer que o chamamento da FUNPAPA aos autos não tem qualquer cabimento, haja vista que a responsabilidade pela instalação e manutenção dos Conselhos Tutelares é do Município de Belém.

Na dicção do artigo 4º da Lei Municipal nº 7.231, de 14.11.1983, a FUNPAPA “tem por finalidade executar e promover a execução dos programas sociais, de acordo com a política do desenvolvimento social e de serviços sociais fixada pelo Poder Executivo Municipal, visando o desenvolvimento das comunidades e o tratamento e prevenção dos problemas que afetam a segmentos da população do município de Belém”.

Além disso, a FUNPAPA tem personalidade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos (artigo 1º da citada Lei).

Arguição, além de já ter sido expurgada, é protelatória e será examinada as suas consequências no momento oportuno, nesta decisão.

De outra banda, muito embora tenham sido revéis nos autos, importa reconhecer a impossibilidade da responsabilização dos gestores do Município de Belém e da FUNPAPA, principalmente com relação ao cumprimento da ordem liminar, considerando-se a jurisprudência já firmada por nossos Tribunais, pelo que, os excluo da relação processual pela ilegitimidade de parte, na forma do inciso VI do artigo 485 do CPC, extinguindo o processo sem resolução do mérito.


MÉRITO

A pretensão ministerial tem por fundamento a solução de vários problemas detectados no Conselho Tutelar de Icoaraci, tendo em vista o seu bom funcionamento e a prestação do melhor serviço à comunidade e usuários.

Da análise do direito invocado pelo autor, verifica-se a plena afirmação do mandamento constante do artigo 227 da Constituição Federal quando reconhece que “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

Já o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, acertadamente, dispõe em várias passagens sobre o tema em comento:

  • Prioridade absoluta que se manifesta, entre outras garantias, pela destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção da Infância e Juventude (artigo 4º e letra “d”, P. único);

  • Dever de levar em conta os fins sociais na interpretação dos direitos (artigo 6º e inciso II, P. único do artigo 100);

  • Dever de instalação e manutenção do Conselho Tutelar pelo Município, com a previsão e destinação de recursos para seu funcionamento (artigos 132 e 134). Nesse ponto, cabe afirmar que o Munícipio de Belém não cumpriu a determinação deste magistrado para informar e comprovar o valor da verba orçamentária destinada a esse fim no exercício de 2022;

  • Proteção integral da infância e juventude.

As Resoluções do CONANDA sobre o assunto também são bem claras e têm força cogente:

  • RECOMENDAÇÃO nº 075/2001: Para o bom funcionamento do Conselho Tutelar o Executivo Municipal deve providenciar local para sediá-lo, bem como mobiliário adequado, telefone/fax, computadores, transporte e pessoal administrativo (item 10 do Anexo);

  • RESOLUÇÃO nº 139/2010: Lei Orçamentária Municipal ou Distrital deverá, preferencialmente, estabelecer dotação específica para implantação, manutenção e funcionamento dos Conselhos Tutelares e custeio de suas atividades. Para essa finalidade, devem ser consideradas as seguintes despesas: a) custeio com mobiliário, água, luz, telefone fixo e móvel, internet, computadores, fax e outros; b) formação continuada para os membros do Conselho Tutelar; c) Custeio de despesas dos conselheiros inerentes ao exercício de suas atribuições; d) espaço adequado para a sede do Conselho Tutelar, seja por meio de aquisição, seja por locação, bem como sua manutenção; e) transporte adequado, permanente e exclusivo para o exercício da função, incluindo sua manutenção; e segurança da sede e de todo o seu patrimônio. Na hipótese de inexistência de lei local que atenda esses fins ou seu descumprimento, o Conselho Municipal ou Distrital dos Direitos da Criança e do Adolescente, o Conselho Tutelar ou qualquer cidadão poderá requerer aos Poderes Executivo e Legislativo, assim como ao Ministério Público competente, a adoção das medidas administrativas e judiciais cabíveis. O Conselho Tutelar deverá, de preferência, ser vinculado administrativamente ao órgão da administração municipal ou, na inexistência deste, ao Gabinete do Prefeito ou ao Governador, caso seja do Distrito Federal. Cabe ao Poder Executivo dotar o Conselho Tutelar de equipe administrativa de apoio. O Conselho Tutelar funcionará em local de fácil acesso, preferencialmente já constituído como referência de atendimento à população. A sede do Conselho Tutelar deverá oferecer espaço físico e instalações que permitam o adequado desempenho das atribuições e competências dos conselheiros e o acolhimento digno ao público (artigos 4º e 16).

  • As deliberações do CONANDA são vinculantes e obrigatórias (artigo 50).

A obrigação do Município de Belém é claríssima.

Quanto à possibilidade da interferência do Poder judiciário da política pública, tem decidido acertadamente nossos Tribunais, reconhecendo tal possibilidade frente ao desrespeito da prioridade absoluta, da proteção integral e o respeito à dignidade da pessoa humana:

RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – REFORMA E ESTRUTURAÇÃO DO CONSELHO TUTELAR DO MUNICÍPIO DE TESOURO/MT – CONCESSAO DA LIMINAR – SENTENÇA DE IMPROCEDENCIA – CUMPRIMENTO DA OBRIGACAO DE FAZER PELO MUNICÍPIO – NECESSIDADE DE RATIFICACAO DA LIMINAR – ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES E DA TEORIA DA RESERVA DO POSSÍVEL – INOCORRÊNCIA – POSSIBILIDADE DE EXCEPCIONAL INTERVENÇÃO PELO JUDICIÁRIO EM SE TRATANDO DE POLÍTICAS PÚBLICAS – RECURSO PROVIDO. Concedida a medida liminar e cumprida a obrigação de fazer requerida pelo Ministério Público, a ratificação da decisão se tratava de medida imperativa. Incumbe ao Poder Judiciário, de forma excepcional, determinar à Administração que adote medidas para fins de assegurar direitos fundamentais assegurados pela Constituição Federal, sem que tal ato implique em violação ao princípio da separação dos Poderes. Diante da omissão Estatal, afigura-se legítimo ao Judiciário determinar a implementação de políticas públicas para o cumprimento de deveres, quanto aos direitos da criança e do adolescente, não havendo se falar em invasão à discricionariedade administrativa ou afronta à teoria da reserva do possível.

(TJ-MT 00015135320168110036 MT, Relator: MARIO ROBERTO KONO DE OLIVEIRA, Data de Julgamento: 16/02/2021, Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo, Data de Publicação: 11/03/2021).

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APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS. REFORMA E REAPARELHAMENTO DE CONSELHO TUTELAR MUNICIPAL EM SITUAÇÃO PRECÁRIA. PROTEÇÃO INTEGRAL ÀS CRIANÇAS E ADOLESCENTES. DEVER DO ENTE PÚBLICO. 1. A proteção integral às crianças e aos adolescentes está consagrada nos direitos fundamentais inscritos no artigo 227 da Constituição Federal de 1988 e nos artigos 3ºe 4ºdo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei Federal nº 8.069, de 13 de julho de 1990), os quais, sendo prioridade absoluta, não podem estar limitados por um juízo de conveniência e oportunidade da Administração Pública, cabendo ao Poder Judiciário, nos casos de omissão por parte do Poder Executivo, intervir de modo a conferir efetividade à Constituição. 2.Da análise da prova oral produzida sob o crivo do contraditório e dos demais documentos instrutivos, constata-se que o Conselho Tutelar de Maracaçumé funciona precariamente em razão de sua estrutura insuficiente e inadequada a um atendimento condigno de seus assistidos, conforme se depreende do termo de declarações prestadas pelos conselheiros tutelares junto à Promotoria de Justiça, pelo relatório de inspeção in loco realizado pelo Ministério Público, como também dos depoimentos testemunhais colhidos em juízo. 3. Apelação conhecida e improvida. 4.Unanimidade.

(TJ-MA - AC: 00002901920108100096 MA 0370322018, Relator: RICARDO TADEU BUGARIN DUAILIBE, Data de Julgamento: 18/03/2019, QUINTA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 22/03/2019)

Patente nos autos a obrigação do réu Município de Belém de instalar e manter os Conselhos Tutelares de Belém, o mesmo também pode ser dito com relação à prova de que não vem fazendo o seu dever constitucional, muito embora, reconheço, alguma coisa realizou, o que não o exime da responsabilidade pelas mazelas apontadas pelo MPE na inicial.

Deixo claro, assim, que a inspeção judicial realizada por este magistrado atestou a necessidade das adequações apontadas, assim como a realização dos serviços que ainda estão faltando para o bom funcionamento do Conselho Tutelar de Icoaraci.

Atesta-se, também, o descumprimento da decisão liminar pela municipalidade e a necessidade de aplicação e cobrança da multa estipulada de forma equitativa e proporcional, consentânea ao agravo cometido e o desrespeito à ordem deste Poder.

A prova é firme, concreta e dá lastro a esta decisão.


ATO ATENTADO À DIGNIDADE DA JUSTIÇA

São deveres das partes, de seus procuradores e de todos que de qualquer forma participam do processo, entre outros, cumprir com exatidão as decisões, de natureza provisória ou final, e não criar embaraços à sua efetivação (inciso IV do artigo 77 do CPC).

A violação do preceito constitui ato atentatório à dignidade da Justiça, “devendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa de até vinte por cento do valor da causa, de acordo com a gravidade da conduta” (artigo 77, § 2º/CPC).

Quando o valor da causa for irrisório ou inestimável, tal multa “poderá ser fixada em até 10 vezes o valor do salário-mínimo” (§ 5º, artigo 77/CPC), sendo certo que o representante judicial da parte não pode ser compelido a cumprir a decisão em seu lugar (§ 8º, art. 77/CPC).

In casu, não resta qualquer dúvida quanto à importância e relevância da decisão liminar, descumprida pelo réu Município de Belém, no tempo e no prazo fixados, anotando-se que ela não foi objeto de qualquer recurso e que já se estabilizou no tempo, impondo-se, portanto, o reconhecimento de que ele praticou atentatório à dignidade da Justiça, muito embora tenha ele providenciado alguns melhoramentos na sede do Conselho Tutelar, o que não afasta, repito, a sua responsabilidade pelo não cumprimento da determinação.

Dessa forma, entendendo que o valor atribuído à causa é irrisório, ante a gravidade da conduta praticada pelos réus, fixo a multa no valor de dois (2) salários-mínimos no País, revertidos ao Fundo de Modernização do Poder Judiciário (artigo 97/CPC).

Sob pena de inscrição na Dívida Ativa estadual, fixo o prazo de 30 dias para o seu recolhimento, após o trânsito em julgado (§ 3º, artigo 77/CPC).


LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ

Na dicção do artigo 79 do CPC, “responde por perdas e danos aquele que litigar de má-fé como autor, réu ou interveniente”.

Tendo sido constatado que o réu Município de Belém, opôs resistência injustificada ao andamento do processo ao descumprir a principal determinação judicial/liminar, o que casou sérios prejuízos à Infância e Juventude, sem dúvida alguma, litigou com má-fé processual (artigo 80, inciso IV, do CPC).

Tal como já disse no tópico anterior sobre o valor irrisório da causa, fixo a multa no valor de dois (2) salários-mínimos vigentes no País, em favor da parte, ou seja, do Ministério Público do Pará (artigo 81, §§ 2º e 3º c/c o 96 e 97 do CPC).


MULTA PELO DESCUMPRIMENTO DA LIMINAR

Como disse em tópico anterior, concedi a liminar pleiteada pelo MPE em 19 de janeiro de 2022, no id 45564097, esgotando-se o prazo para seu efetivo cumprimento para a municipalidade em 22 de março de 2022.

Em tese, portanto, há a incidência da multa em seu valor máximo.

Resumidamente, “o valor das astreintes é estabelecido sob a cláusula rebus sic stantibus, de maneira que, quando se tornar irrisório ou exorbitante ou desnecessário, pode ser modificado ou até mesmo revogado pelo magistrado, a qualquer tempo, até mesmo de ofício, ainda que o feito esteja em fase de execução ou cumprimento de sentença, não havendo falar em preclusão ou ofensa à coisa julgada” (STJ. Corte Especial. EAREsp 650536/RJ, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 07/04/2021 - Info 691).

A multa cominatória possui as seguintes características essenciais, ou seja, a) pressionar o devedor a cumprir uma decisão interlocutória que concedeu tutela provisória ou uma sentença que julgou procedente o pedido do autor; b) não tem finalidade ressarcitória, tanto é que pode ser cumulada com perdas e danos; c) a parte beneficiada com a imposição das astreintes somente continuará tendo direito ao valor da multa se sagrar-se vencedora. Se no final do processo essa parte sucumbir, não terá direito ao valor da multa ou, se já tiver recebido, deverá proceder à sua devolução; d) é perfeitamente possível ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, fixar multa diária cominatória (astreintes) contra a Fazenda Pública, em caso de descumprimento de obrigação de fazer (STJ. 2ª Turma. REsp 1654994/SE, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 06/04/2017); e) é possível que o juiz, adotando os critérios da razoabilidade e da proporcionalidade, possa limitar o valor da astreinte, a fim de evitar o enriquecimento sem causa do exequente; e, f) a Corte Especial do STJ reafirmou esse entendimento: É possível que o magistrado, a qualquer tempo, e mesmo de ofício, revise o valor desproporcional das astreintes. STJ. Corte Especial. EAREsp 650.536/RJ, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 07/04/2021 (Info 691).

O STJ afirma que o julgador deverá utilizar dois vetores de ponderação para analisar se o valor da multa se tornou excessivo ou irrisório: 1) a efetividade da tutela prestada, para cuja realização as astreintes devem ser suficientemente persuasivas; e 2) a vedação ao enriquecimento sem causa do beneficiário, considerando que a multa não é, em si, um bem jurídico perseguido em juízo. Esses dois vetores são desdobrados em quatro parâmetros, que devem ser examinados no caso concreto: i) valor da obrigação e importância do bem jurídico tutelado; ii) tempo para cumprimento (prazo razoável e periodicidade); iii) capacidade econômica e de resistência do devedor; iv) possibilidade de adoção de outros meios pelo magistrado e dever do credor de mitigar o próprio prejuízo (duty to mitigate the loss). Nesse sentido: STJ. 4ª Turma. AgInt no REsp 1733695/SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 22/03/20211.

Nesse contexto, portanto, necessária a revisão do valor da multa que hoje já se encontra em R$ 500.000,00 reais.

Assim, firme no propósito de sua finalidade e as reiteradas decisões do STJ nesse sentindo, que possibilitam a este magistrado a possibilidade de revê-la, reduzo a multa cominatória para R$ 100.000,00 (cem mil reais), determinando o seu bloqueio via SISBAJUD e transferência para subconta do BANPARÁ, no aguardo do trânsito em julgado desta decisão e posterior pedido de cumprimento, se for o caso, em obediência expressa ao § 3º do artigo 537 do CPC.


DISPOSITIVO

Com respaldo na fundamentação apresentada, JULGO PROCEDENTE o pedido inicial, extinguindo o feito com resolução do mérito, na forma do inciso I do artigo 487 do CPC.

Em consequência, CONDENO o MUNICÍPIO DE BELÉM na obrigação de fazer para que proceda a reforma no prédio do Conselho Tutelar II de Icoaraci/Belém (DAICO), sanando todas as irregularidades apontadas na peça inicial e constatadas na inspeção judicial, em especial: os reparos no telhado, a colocação de iluminação na parte externa, a lotação de um servidor administrativo no local, além do fornecimento de bebedouro, reparo/troca nas centrais de ar de todo o órgão, substituição de cadeiras e armários de cozinha, disponibilização de materiais de expediente e imediato fornecimento adequado e/ou regularização de do serviço de internet ininterrupto no local.

O cronograma para o cumprimento dessas obrigações deverá ser apresentado nos autos em trinta (30) dias pelo réu Município de Belém e a conclusão das obras, reparos, instalação, fornecimento de todos os materiais e equipamentos devem estar concluídos em até 90 (noventa) dias, a contar do esgotamento do prazo anterior.

Para o caso de descumprimento da/s obrigação(ões) impostas por esta sentença, após o trânsito em julgado, fixo, desde logo, a multa diária no valor diário de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) até o limite de R$ 100.000,00 (cem mil reais), ex vi do artigo 213 do ECA e artigo 11 da Lei n° 7.347/1985.

Como já estabelecido nesta sentença, condeno o réu MUNICÍPIO DE BELÉM em atentado à dignidade da Justiça e pela litigância de má-fé, nos valores já definidos.

Mantenho a exclusão da relação processual de EBR e de ACC.

Para análise de possível cometimento de ato de improbidade administrativa pelo titular do Município de Belém e da FUNPAPA, determino a remessa de cópia dos autos para o representante do Ministério Público do Estado do Pará, competente para tais providências, independente do trânsito em julgado.

Sem honorários e custas processuais, por incabíveis.

Com base no inciso I do artigo 496 do CPC, remetam-se os autos para o E. Tribunal de Justiça do Pará (remessa necessária).

Publique-se no DJe. Registre-se. INTIMEM-SE.

Icoaraci/Belém/PA, data da assinatura digital.

ANTÔNIO CLÁUDIO VON LOHRMANN CRUZ

Juiz Titular da Vara da Infância e Juventude Distrital de Icoaraci


Notas

  1. CAVALCANTE, Márcio André Lopes. É possível que o magistrado, a qualquer tempo, e mesmo de ofício, revise o valor desproporcional das astreintes. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/6ebb69ffbebe9fd95d160ffc29e0fe5d?palavra-chave=%C3%A9+possivel+que+o+magistrado+revise+o+valor+desproporcional&criterio-pesquisa=e. Acesso em: 02/12/2023

Sobre o autor
Antonio Claudio Von Lohrmann Cruz

Juiz de Direito da Comarca de Belém, Estado do Pará, com atuação na Vara da Infância e Juventude Distrital de Icoaraci. Juiz auxiliar da Coordenadoria da Infância e Juventude do TJPA e Diretor do Fórum do Distrito de Icoaraci. Secretário Executivo da Comissão Estadual Judiciária de Adoção Internacional. Pós-graduado latu sensu em Gestão de Unidade Judiciária (2021)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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