Em um mundo no qual as relações pessoais e comerciais acompanham a dinamicidade do desenvolvimento tecnológico, o direito enfrenta o desafio de aplicar princípios basilares do ordenamento jurídico a situações sobre as quais nem sequer há lei, entendimento ou norma que as regule. Esse é o caso das empresas de logística e transporte que, em uma nova era de aplicativos que visam o fornecimento de produtos de maneira quase que imediata – ex.: IFood, Rappi e Uber Eats, enfrentam o embate legal sobre a responsabilidade da empresa de transporte dentro da dinâmica litigiosa sob a ótica do Código Civil e do Código de Direito do Consumidor.
Assim, o presente artigo objetiva dissertar sobre os fundamentos legais vinculados ao serviço de transporte e logística, bem como o limite da responsabilidade atribuído à empresa sobre danos causados ao objeto transportado, terceiros e demais obrigações vinculadas.
REPARAR O DANO CAUSADO
No direito, a responsabilidade civil é a obrigação que alguém tem de reparar o dano causado a outrem em decorrência de uma ação ou omissão. No caso de empresas de transportes e logística, a responsabilidade civil é extremamente importante, já que essas empresas se responsabilizam pela movimentação de cargas de valor econômico e, muitas vezes, essenciais para os negócios do contratante. Neste sentido, é relevante traçar alguns aspectos normativos que orientam a análise do tema e que são relevantes no dia a dia dessas empresas.
O artigo 750 do Código Civil prevê expressamente a responsabilidade do transportador, limitada ao valor constante do conhecimento, começa quando ele, ou seus prepostos, recebem a coisa; termina quando é entregue ao destinatário, ou depositada em juízo, se aquele não for encontrado. Destaca-se que a empresa de logística se enquadra na conceituação, uma vez que ela realiza serviços de transporte, movimentação e armazenamento de mercadorias. Assim, para configurar o dever de reparação, basta que a transportadora não cumpra sua obrigação de realizar o transporte no tempo e lugar convencionados, ou que a carga chegue em mau estado ou seja entregue em lugar diferente do previsto.
LIMITES DA RESPONSABILIDADE: O PAPEL DA TRANSPORTADORA
Ademais, a lei dispõe que a empresa de transporte não se exime de sua responsabilidade, mesmo quando o dano se deve a fatores estranhos ao seu controle, salvo se comprovar que o evento ocorreu exclusivamente por culpa da vítima ou de terceiros ou em casos de caso fortuito ou força maior. Trata-se do risco do negócio que a transportadora assume quando se dispõe a prestar serviços de movimentação de cargas, que podem sofrer danos ou extravios no decorrer do transporte.
RESPONSABILIDADE CIVIL E O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
Importante assinalar que, além da responsabilidade civil prevista pelo Código Civil, o Código de Defesa do Consumidor também disciplina a relação entre a transportadora ou empresa de logística e seu cliente, considerando esse último um consumidor. Dessa forma, a legislação consumerista impõe ao prestador de serviços o dever de informar de maneira clara e precisa sobre as condições e riscos dos serviços. Isso inclui, por exemplo, o dever de alertar o cliente acerca dos riscos de acidentes, do período de entrega e dos prazos de responsabilidade.
Nesse contexto, cumpre ainda observar que o transporte de cargas envolve diversos agentes e, muitas vezes, a carga é movimentada por mais de um modal , envolvendo uma série de empresas de transporte que, muitas vezes, terceirizam seus serviços. Desse modo, surge a figura do responsável solidário, que não sendo aquele que ocasionou o dano, deve responder conjuntamente com a empresa de transporte, por ter colaborado na ocorrência do evento danoso.
A responsabilidade solidária, segundo o artigo 942 do Código Civil, é caracterizada pela obrigação de indenizar o dano em conjunto com outros agentes. Na prática, isso significa que todas as empresas envolvidas na movimentação de uma carga que causar um dano devem ser responsabilizadas solidariamente, ou seja, o cliente poderá escolher a quem demandar o cumprimento da obrigação, sem a necessidade de que os demais agentes sejam alcançados em outro processo.
O ramo da logística e do transporte possui características peculiares que podem gerar situações imprevisíveis que afetam o regular cumprimento de suas atividades. Para lidar com essas situações, o ordenamento jurídico prevê as hipóteses de caso fortuito e força maior como mecanismos que podem afastar a responsabilidade civil das empresas atuantes nessa área.
Primeiramente, cabe destacar a diferenciação entre caso fortuito e força maior. O caso fortuito consiste em um evento imprevisível, que impede o regular cumprimento de uma obrigação, mesmo por meio do emprego da máxima diligência. Já a força maior diz respeito a eventos inevitáveis, como catástrofes naturais, por exemplo, que estão além do controle das partes envolvidas.
Dentro do contexto da logística e transporte, diversas situações podem ser consideradas como caso fortuito ou força maior, como acidentes de trânsito, roubos, greves, desastres naturais, entre outros. Esses eventos podem gerar atrasos, danos ou perdas no transporte de mercadorias, afetando a integridade dos produtos e o cumprimento dos prazos estabelecidos.
CASOS FORTUITOS E FORÇA MAIOR: EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE
No entanto, é importante ressaltar que para que as hipóteses de caso fortuito e força maior sejam aplicadas e, consequentemente, afastem a responsabilidade civil da empresa de logística e transporte, alguns requisitos devem ser observados. Primeiramente, é necessário que o evento em questão seja realmente imprevisível ou inevitável, ou seja, que esteja fora do controle da empresa e que mesmo adotando todas as precauções possíveis, não seria possível evitá-lo.
Além disso, é necessário que haja um nexo causal entre o evento e o dano gerado. Ou seja, é preciso que fique comprovado que o evento imprevisível ou inevitável foi a causa direta do prejuízo sofrido, excluindo-se a possibilidade de uma conduta negligente ou imprudente por parte da empresa.
No tocante à relação entre as empresas de logística e transporte e seus clientes, um fator importante é a existência de cláusulas contratuais específicas para estabelecer os limites da responsabilidade da empresa nesses casos. Cláusulas de exclusão de responsabilidade podem ser previstas, especificando que a empresa não será responsabilizada por eventos considerados como caso fortuito ou força maior.
Cabe ressaltar que a aplicação das hipóteses de caso fortuito e força maior não isentam a empresa de logística e transporte de suas obrigações contratuais. Assim, mesmo diante desses eventos, a empresa ainda deve buscar minimizar os impactos aos seus clientes e assumir as responsabilidades que permanecerem a seu cargo.
Em conclusão, a logística e o transporte são atividades que envolvem uma série de imprevistos e situações adversas que podem afetar seu desempenho adequado. As hipóteses de caso fortuito e força maior são mecanismos legais que permitem a exclusão da responsabilidade civil da empresa nessas situações, desde que seja comprovado o requisito de imprevisibilidade ou inevitabilidade. Porém, é essencial observar os requisitos legais para a adequada aplicação dessas hipóteses, além de estabelecer cláusulas contratuais que definam os limites da responsabilidade da empresa e garantam a proteção dos interesses de todas as partes envolvidas.
RESPONSABILIDADE AMBIENTAL NA TRANSPORTADORA: UMA PERSPECTIVA CRUCIAL
Por fim, cumpre lembrar que a transportadora e a empresa de logística também respondem pela responsabilidade civil ambiental, em caso de dano causado ao meio ambiente em função das atividades exercidas. A responsabilidade ambiental tem amparo na Lei nº 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente.
Em síntese, a transportadora e a empresa de logística possuem a obrigação de transportar e armazenar as cargas com segurança e eficiência, respondendo pelos danos que causarem em decorrência do transporte das mesmas. Além disso, devem prestar informações claras aos clientes sobre as condições do serviço e, em caso de dano ambiental, responder corporativamente pela sua recomposição. O cumprimento dessas obrigações é fundamental para evitar ocorrências de danos com as consequentes demandas judiciais, que podem ocasionar prejuízos financeiros e de imagem para as empresas.