As organizações policiais brasileiras convivem com um problema crônico de mútua invasão de atribuições, aonde cada instituição policial, civil ou militar, insatisfeita com sua limitação legal, executa verdadeiras produções de engenharia jurídica para justificar seus afãs por espaço no ambiente da persecução penal.
Nessa disputa aflora um procedimento que denomino “atribuição seletiva”, consistente na concentração de esforços em apenas um objetivo com a finalidade de apresentar bons resultados isolados e influenciar leigos para que cheguem a conclusões sobre o todo a partir da experiência órfã.
Esclarecendo em uma situação hipotética: Sabendo da impossibilidade da Polícia Militar cumprir com total eficiência a prevenção criminal, a Polícia Civil assume o policiamento ostensivo em uma única rua de um bairro de elevada criminalidade. Findo o trabalho dedicado e seletivo, reduz a zero os crimes naquela rua.
O fato existiu (redução de criminalidade), todavia, a conclusão não pode ser a de que a Polícia Civil faz o policiamento ostensivo melhor do que a Polícia Militar. Tratou-se de uma ação isolada e temporária, realizada por um órgão desestruturado para tal finalidade e que agiu de forma pontual e descomprometida com o todo.
O exemplo pode ser invertido, pode até ter os protagonistas substituídos, mas a conclusão será única: ações pontuais eficientes, mas contaminadas pela usurpação da função pública de outrem, não revelam capacidade, mas sim um método ardiloso de induzir a erro a opinião pública os dos gestores públicos.
Se Juízes demoram a julgar, Promotores não sentenciam para melhorar a prestação dos serviços à comunidade. Se Promotores custam a denunciar, Delegados de Polícia não encaminham o Inquérito com a denúncia anexa para o bem da ordem pública. Isso seria a anarquia na persecução penal. Todos fazendo o trabalho que quisessem, simultaneamente, quando quisessem e de acordo com suas conveniências, sob o pretexto de “contribuir” com a segurança pública e a justiça.
Não há justificativas (embora possa haver explicações) para ações voltadas a criar conflitos e desorganização nas estruturas vinculadas a segurança pública.
A solução para esse mal que faz os gestores da segurança dispenderem tempo importante na composição de conflitos interinstitucionais é permanentemente adiada. A lei, que deveria ser a interveniente reguladora e pacificadora, tem sido utilizada, capciosamente, como combustível para a discórdia, através de interpretações forçadas e fomentadoras da discórdia.
Essa zona de atrito em atividades estratégicas de segurança pública, tem gerado insegurança jurídica e institucional, com reflexos na prestação dos serviços. O sistema brasileiro de segurança pública não é o ideal, mas poderia ser menos conflitante.
A concomitância de atribuições, em qualquer esfera, gera duplicidade de trabalho, desperdício de tempo, materiais e confusão no serviço a ser executado.
O discurso de que é possível a simultaneidade de atribuições de diversos órgãos policiais (ou em qualquer outra atividade) sem a ocorrência de conflitos, desperdício tempo, perda de eficiência, retrabalho e confusão, é apagar fogo com gasolina.