A celeridade da justiça penal na Argentina: em Chubut, o tempo médio de um processo criminal é de 9 meses

11/12/2023 às 11:28
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Ao contrastar o sistema processual argentino com o brasileiro, evidenciam-se notáveis diferenças que vão desde a fase preliminar de investigação até a etapa de recursos pós decisão.[1] Dentre essas diferenças, a celeridade na resolução dos casos merece destaque. Antes de explorar essa característica, cabe apresentar a relevância da observância do princípio da duração razoável do processo (conforme o art. 5º, LXXVIII, CRFB/88 e art. 8.1 CADH).

Segundo o jurista Aury Lopes Júnior, essa é uma questão intrínseca às regras do jogo, já que as pessoas têm o direito de saber qual o tempo máximo que um processo pode levar, relacionando sua duração ao reconhecimento de uma dimensão democrática inalienável.[2]

Alguns argumentos sobre a necessidade de se ter um prazo final para a tramitação do processo já foram apresentados, dentre eles: 1. o fato dele ser uma exigência do Estado Democrático de Direito; 2. a não fixação do prazo deixa uma grande arbitrariedade ao juiz; 3. fixar o prazo é consequência do princípio da legalidade.[3]

Na Argentina, críticos também abordaram o tema, argumentando que a falta de estabelecimento de um prazo específico deixa a questão sujeita a critérios abertos, vagos, imprecisos e indeterminados, escondendo, na prática, a predileção arbitrária de quem decide sobre a razoabilidade.[4]

Pois bem. A ênfase recai sobre a celeridade processual na Argentina. Embora cada província tenha seu código de processo penal, a de Chubut ganhou destaque recentemente. Segundo dados do Ministério da Justiça do país, 62% dos casos na província levam pouco mais de 271 dias, ou seja, 9 meses, desde o início da investigação até a sentença, no período de fevereiro a julho de 2023.

O progresso em Chubut iniciou-se com a adoção do sistema acusatório e do estabelecimento legal desses prazos nos Códigos de Processo, conforme ressaltou a juíza penal de Puerto Madryn, Patricia Reyes. [5] Da mesma forma, na província de Neuquén a duração média estimada do processo é de oito meses, contados da realização da audiência de abertura de investigação até o veredicto dos jurados.

A imposição de um prazo definido, limitando a duração de um processo penal a 3 (três) anos, incluindo recursos, resulta em respostas mais ágeis para o acusado. Ademais, o Código estabelece que o Ministério Público (MP) tem a obrigação de cumprir os prazos, assim como os juízes, pois, caso contrário, poderá haver sanções em termos de atuação do magistrado, além do arquivamento do processo e a liberação do acusado.

O Código de Processo Penal da província de Chubut dispõe assim:

Artículo 146. DURACIÓN MAXIMA. Todo procedimiento tendrá una duración máxima de tres años improrrogables contados desde la apertura de la investigación salvo que el término de la prescripción sea menor o que se trate del procedimiento para asuntos complejos [artículos 357 y siguientes]. No se computará el tiempo necesario para resolver los recursos extraordinarios, local y federal.

La fuga del imputado interrumpirá el plazo de duración del procedimiento. Cuando comparezca o sea capturado se reiniciará el plazo. (grifo nosso)

Artículo 147. EFECTOS. Vencido el plazo previsto en el Artículo anterior, el juez o tribunal, de oficio o a petición de parte, declarará que se ha superado el término razonable de duración del proceso [Artículo 44, IV, C.Ch.], dictará el sobreseimiento del acusado por esta causa, en su caso, y archivará las actuaciones.

Cuando se declare la extinción por morosidad judicial, la víctima deberá ser indemnizada por el Estado conforme las reglas de la ley específica en la materia.

Son responsables los funcionarios que hubieran provocado, por sí o en concurrencia, la morosidad judicial y en tal caso se procederá de conformidad con lo previsto en el Artículo 69 de la Constitución Provincial. No se entenderá que media morosidad si los hechos han escapado al dominio personal de los funcionarios actuantes.

Muitas variáveis contribuíram para essa conquista, e a implementação do sistema de julgamento por jurados também reduziu os prazos para a resolução dos casos. Já no início da etapa investigativa, o prazo fatal se faz presente, contribuindo para a celeridade das demais etapas, e resultando em um processo concluído em apenas nove meses, consideravelmente abaixo do tempo estabelecido na lei.

O CPP de Chubut, dispõe que para o cumprimento da justiça em um prazo razoável, a investigação policial (Investigación Penal Preparatoria – IPP) terá duração máxima de 6 (seis) meses.[6] No caso de crimes complexos em que haja pluralidade de acusados ou mesmo quando a causa em si é de difícil elucidação, permite-se a dilação de prazo, mediante fundamentação do promotor de justiça e autorização do juiz.

Após esse período, o advogado de defesa pode solicitar ao juiz que ordene ao promotor a apresentação da denúncia em até 10 dias, conforme o artigo 168, § 2º da Constituição Provincial.[7]

Um exemplo da aplicação rigorosa de prazos ocorreu na província de Entre Ríos. Atendendo ao requerimento da advogada criminalista María Laura Barbar, o Superior Tribunal de Justiça da Argentina acolheu o pedido de arquivamento do caso de seu cliente denunciado por abuso sexual, devido ao não cumprimento do prazo de investigação pelo Ministério Público, conforme determina o Código de Processo Penal. [8]

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A advogada alegou que "Os prazos não podem ser deixados ao arbítrio e capricho do Ministério Público, que neste caso suspendeu a aplicação da lei como se o Estado de Direito não lhe impusesse a obrigação de cumpri-la". [9]

Ao dar provimento ao recurso da defesa, a Corte se manifestou da seguinte forma:

“Se a acusação não fizer um pedido bem fundamentado de prorrogação e a defesa não consentir com o prosseguimento da investigação, o MP inevitavelmente perde o poder de investigação criminal que lhe é atribuído por lei, com essas limitações.”

“Em virtude do exposto, tendo se esgotado o prazo para a realização da IPP (...) é inconteste que o poder do Ministério Público de realizar atos de investigação no âmbito dos presentes autos não é mais válido, o que implica o esgotamento das tarefas investigativas legítimas e a impossibilidade de incorporação de novas provas.”

Sobre este tema, a Corte Interamericana no caso Ga­ribaldi vs. Brasil (2009) já afirmou que a demora prolongada pode, em certos casos, constituir, por si só, uma violação das garantias judiciais.[10] No caso González Medina, a Corte IDH descreve a importância da celerida­de na etapa investigativa, visto que o passar do tempo limita, em certos casos, a obtenção de provas e testemunhas, o que dificulta ou tornam nulas e ineficazes as diligências probatórias que visam esclarecer os fatos, identificar possíveis autores e determinar eventuais responsabilidades.[11]

Diferentemente do common law onde os prazos fatais são cumpridos, no civil law da América Latina e Europa continental, devido à cultura inquisitiva e falta absoluta de controle, os prazos raramente são respeitados, além de outras agravantes como a linguagem judicial incompreensível, um processo quase sem oralidade e um ritualismo excessivo.[12]

Ao revisitar o tema em 2014, o jurista brasileiro Aury Lopes Jr. esclarece em pocas palavras o drama do sistema processual brasileiro, já que em nosso país “o Brasil adotou a teoria do não prazo. Ou seja, existem muitos prazos no Código de Processo Penal, mas completamente despidos de sanção processual, o que equivale a não ter prazo algum”.[13]

A sugestão do autor é estabelecer sansões para o não cumprimento dos prazos, destacando alguns estudos feitos que estabelecem o limite de 3 (três) anos como um prazo realístico entre a investigação até a sentença, assim como ocorre na Argentina.

A imposição de prazos definitivos para investigações e processos é crucial para garantir a duração razoável do processo, proporcionando respostas ágeis aos acusados e fortalecendo a confiança da sociedade na justiça.

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REFERÊNCIAS:

[1] Mais detalhes das diferenças em: PANZOLDO, Lisandra. O tribunal do júri no Brasil e na Argentina. Estudo comparado. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2023.

[2] LOPES Jr, Aury. Introdução crítica ao processo penal (fundamentos da instrumentalidade garantista. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004.

[3] NICOLITT, André. A duração razoável do processo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014.

[4] PASTOR, Daniel R. El plazo razonable en el proceso del Estado de Derecho. Buenos Aires: Ad-Hoc, 2002. p 207

[5] https://www.elchubut.com.ar/regionales/2023-12-2-23-44-0-justicia-penal-la-mayoria-de-las-causas-de-chubut-demora-solo-nueve-meses-hasta-arribar-a-sentencia Acesso em 04 dez 2023.

[6] Ver CPP completo em https://www.juschubut.gov.ar/images/CPP-CH-paraimprimir.pdf Acesso em 06 dez 2023.

[7] O próprio art. 19 desta mesma Lei, dispõe que o atraso ou a demora injustificada na atividade do Ministério Público ou dos juízes, após devida intimação, será considerado prevaricação para os fins pertinentes [artigos 168, II e III, 165 e 209, C.Ch.]

[8] O CPP de Entre Ríos estabelece em seu art. 223 que a investigação preliminar deve ser realizada no prazo de três meses, contados a partir do último depoimento do acusado. Caso se mostre insuficiente, o Promotor Público poderá solicitar uma prorrogação bem fundamentada ao Juiz de Garantias, que poderá concedê-la por mais três meses se julgar justificada ou considerar necessária devido à natureza da investigação. Entretanto, em casos de extrema gravidade e dificuldades extremas na investigação, uma nova prorrogação de até doze meses poderá ser concedida (...)'".

[9] https://www.analisisdigital.com.ar/judiciales/2023/12/05/el-superior-tribunal-sobreseyo-acusado-de-violar-una-nina Acesso em 07 dez 2023.

[10] Corte IDH - Caso Garibaldi vs. Brasil (Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas), Sentença de 23 de setembro de 2009 (considerando 133 e 134).

[11] Corte IDH - González Medina, 2012 (considerando 218).

[12] HARFUCH, Andrés. El veredicto del jurado. Buenos Aires: Ad-Hoc, 2019

[13] https://www.conjur.com.br/2014-jul-25/direito-duracao-razoavel-processo-sido-ignorado-pais/ Acesso em 04 dez 2023.

Sobre a autora
Lisandra Panzoldo

Advogada. Pós-graduanda em Direito Processual Penal pela Damásio Educacional e em Direito Probatório no Processo Penal pela Escola da Magistratura Federal (Esmafe). Autora do livro "O Tribunal do Júri no Brasil e na Argentina. Estudo Comparado", publicado pela editora Lumen Juris e também publicado na Argentina pela editora Ad-Hoc na coleção "Jurados y participación ciudadana en la administración de justicia". Autora de artigos na área jurídica.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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