Direito Real de Habitação

11/12/2023 às 15:51
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Resumo: O Direito Real de Habitação está contemplado no Livro III do Código Civil de 2002 no Direito das Coisas, este que foi definido por Beviláqua (1938) como um complexo de normas reguladoras das relações jurídicas referentes às coisas suscetíveis de apropriação pelo homem. O artigo em questão apresenta como problematização: Quais são os aspectos do Direito Real de Habitação no âmbito do Direito Civil? Buscando retratar a condição do atual Código quanto a tal situação. Seus objetivos geral e específicos, respectivamente, é a pesquisa em Direito Real, conceituar os Direitos Reais e realizar a pesquisa em exemplos práticos, buscando uma mais profundidade nos termos usados no projeto como um todo. A pesquisa será de natureza básica e explicativa, por meio de estudos a partir de documentos e bibliografias. Os autores utilizados no estudo foram os seguintes: Aguiar (2023), Beviláqua (1956), Corrêa (2023), Costa (2022), Cunha (2021), Fachin (2012), Pinto (2015), Schreiber (2023), Silva (2019), Teixeira (2020), Venosa (2018). Neste sentido, o artigo irá contextualizar o leitor do que são Direitos Reais e o que é especificamente o Direito Real de Habitação e como tem ocorrido a aplicação desse instituto pelos tribunais.

Palavras-chave: Habitação, Direto das Coisas, Direito Real.

1 Introdução

O Direito Real de Habitação está contemplado no Livro III do Código Civil de 2002 no Direito das Coisas, este que foi definido por Beviláqua (1938) como um complexo de normas reguladoras das relações jurídicas referentes às coisas suscetíveis de apropriação pelo homem.

O Direito Real de Habitação pode ser exercido sobre coisa própria ou coisa alheia, de forma gratuita ou onerosa, como está disposto nos arts. 1.414 a 1.416 do Código Civil trazendo-se hipóteses das formas gratuitas sobre coisa alheia. Portanto, o Direito Real da Habitação é um instituto jurídico de Direito Civil que estende ao cônjuge supérstite (viúvo ou viúva) o direito à moradia (Dutra, 2007), independentemente da participação na herança, no imóvel utilizado como residência, desde que seja o único bem a inventariar.

Este é estudado sob o viés dos Direitos Reais, uma vez que o art. 1.225, VI do Código Civil assim o caracteriza.A constituição do Direito Real da Habitação se dá por meio de matrícula no Registro Geral de Imóveis, conforme o art. 167, inciso I, da Lei n° 6.015, de 1973, Lei de Registros Públicos, à exceção daquele previsto no Direito Sucessório.

O presente artigo buscou responder a pergunta: Quais são os aspectos do Direito Real de Habitação no Direito Civil? E em conjunto com o questionamento apresentar uma pesquisa geral sobre o Direito Real e de Habitação. Desta forma, ao final do artigo, serão conceituados os Direitos Reais de forma específica e serão apresentados exemplos práticos dessa ocorrência.

Assim, este artigo científico justifica-se sua importância para a sociedade pois, diante da existência desse conflito normativo existente entre o Direito Real de Habitação do cônjuge sobrevivente e o Direito Real de propriedade do herdeiro necessário, frente à literalidade do artigo 1.831 do Código Civil de 2002, é que se verifica um desafio a ser enfrentado pelo judiciário, que deve analisar cada caso com cautela, atentando para as condições econômicas do sobrevivo e dos herdeiros, precisamente como forma de reconhecer ou não o direito de habitação, pois não é razoável que seja assegurada proteção excessiva a uma parte em total preterimento da outra, que de igual forma deve ter seu direito garantido.

2- Fundamentação teórica

Para entender o Direito Real da Habitação, primeiro é nesessário compreender o que são os Direitos Reais.

Para isso, Gonçalves (1973, p. 156), traz como definição dos direitos reais, a seguinte menção:

O Direito Real é a relação jurídica que permite atribuir a uma pessoa singular ou coletiva, ora o gozo completo de certa coisa, corpórea ou incorpórea, incluindo a faculdade de a alienar e até a de consumir ou destruir, salvas as limitações da natureza ou da lei (domínio), ora o gozo limitado de uma coisa, que é propriedade conjunta e indivisa daquela e de outras pessoas (compropriedade), ou que é propriedade de outrem (jus in re aliena), com a exclusão de todas as demais pessoas, as quais têm o dever correlativo da abstenção de perturbar, violar ou lesar, ou do respeito dos mesmos direitos.

Seguindo a base desse conceito, que meramente foi um marco de grande influência na elaboração do atual Código Civil, especialmente na parte dos direitos reais, que no seu artigo 1.228, (BRASIL, 2022), dispõe: “Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”, ou seja, a propriedade é plena e exclusiva, ou seja, não sofre qualquer limitação ou restrição no exercício do direito de seu titular (plenitude), salvo em casos especiais, como se dá com o gravame de inalienabilidade, por força da lei ou da vontade (Delgado, 2023). A partir disso, o art. 1.231 do Código Civil dispõe que “a propriedade presume-se plena e exclusiva, até prova em contrário”. É exclusiva a propriedade, pelo fato de não admitir o exercício de dois ou mais titulares sobre o mesmo direito, ou seja, o direito de um exclui o do outro, sendo que o condomínio não afasta esta noção, por se tratar de uma propriedade cujos titulares detém apenas frações ideais sobre o todo.

No intuito de demonstrar a inclusão da instituição dos direitos reais vinculada a habitação do cônjuge do âmbito da sucessão é importante o conhecimento dos principais princípios que norteiam tal instituto.

A previsão taxativa dos Direitos Reais está no artigo 1.225 do Código Civil, ou numerus clausus – mas ainda assim, existem outros direitos reais previstos na legislação extravagante. Neste sentido, é permitido que a lei crie outros direitos reais que visam regularizar áreas consideradas “favelizadas”.

Para essa análise, é interessante transcrever o rol elencado no artigo 1.225, do atual Código Civil (Brasil, 2022) que diz:

Art. 1.225. São direitos reais:

I - a propriedade;

II - a superfície;

III - as servidões;

IV - o usufruto;

V - o uso;

VI - a habitação;

VII - o direito do promitente comprador do imóvel;

VIII - o penhor;

IX - a hipoteca;

22 X - a anticrese.

XI - a concessão de uso especial para fins de moradia;

XII - a concessão de direito real de uso; e

XIII - a laje.

O princípio numerus clausus, conhecido como princípio da taxatividade, previsto no rol do artigo 1.225 do Código Civil, passa por constante processo de moderação, devido ao preceito constitucional contido no artigo 5°, inciso XXIII da Constituição Federal (Brasil, 2022) “A propriedade atenderá a sua função social”, ou seja, atenderá ao bem/interesse comum. A função social da propriedade condiciona o exercício dos poderes do proprietário, abrindo espaço para que a política legislativa defina qual deve ser a destinação de cada bem a depender da circunstância. Dessa forma, a propriedade pode ser regulamentada de acordo com

a natureza dos bens sob os quais recai. Quando a propriedade não cumprir sua função social, a legislação pode decidir o que ocorrerá com o imóvel.

No âmbito dos princípios norteadores do Direito Real, é destacado o princípio da exclusividade, que substancialmente consiste no fato que para duas ou mais pessoas, não há existência de Direitos Reais de igual modo para a mesma coisa.

Por fim, outro princípio que conduz o campo do Direito Real, especificamente no que concerne ao Direito Real da Habitação, é o princípio da elasticidade ou desmembramento, este é característica dos direitos reais limitados. Corresponde ao movimento que o Direito Real pode ter quando desmembrados os poderes sobre a propriedade. É o que ocorre no usufruto ou na servidão, quando parte dos poderes é transferida ao usufrutuário ou serviente e, com a extinção do usufruto ou servidão, voltam ao titular, consolidando a propriedade, em um movimento que é exclusivo dos direitos reais.

Resumidamente, o princípio citado trata-se da extinção de um Direito Real específico, a título de exemplo temo o usufruto, que pode ser brevemente conceituado como um Direito Real que permite que uma terceira pessoa possa usar, gozar e usufruir dos frutos e utilidades de bem alheio, sem que se altere a sua substância. Ou seja, confere a uma pessoa, chamada usufrutuário, o direito de usar e usufruir temporariamente dos bens e dos frutos de propriedade de outra pessoa, conhecida como nu-proprietário. É um direito temporário que pode ser estabelecido por um determinado período ou pelo resto da vida (Aguilar, 2023).

Ao enquadrar as características desse princípio para o âmbito do Direito Real de habitação, é imperioso destacar a que lei realça o direito de propriedade, enquanto permanecer a instituição da habitação. Posteriormente a sua extinção o elemento de propriedade do poder de usar retorna ao proprietário, detentor do direito (Costa ,2022, p.21).

Já para Venosa (2018 ,p.8), os Direitos Reais se caracterizam da seguinte maneira:

O Direito Real é exercido e recai diretamente sobre a coisa, sobre um objeto basicamente corpóreo, embora não se afaste a noção da realidade sobre bens imateriais, enquanto o direito obrigacional tem como objeto relações humanas. Sob esse aspecto, embora essa noção deva ser aprimorada, afirma-se ser o Direito Real absoluto, exclusivo, exercitável erga omnes. […] O Direito Real caracteriza-se pela inerência ou aderência do titular à coisa.

Como consequência desse poder de senhoria sobre a coisa, o direito real não comporta mais do que um titular.[…]

Pelo qual se percebe, portanto, o Direito Real concede o gozo e fruição de bens.[…] O direito real define inerência ou aderência da coisa ao titular, expressão que serve para caracterizar o que comumente chamamos de soberania, poder ou senhoria sobre a coisa.

Portanto, de maneira resumida, os Direitos Reais são, para Tartuce (2017, p.2) , “relações jurídicas estabelecidas entre pessoas e coisas determinadas ou determináveis, tendo como fundamento principal o conceito de propriedade”, servindo assim, como uma garantia do acesso do titular sob os seus bens.

Por mais que não se trate de um objeto muito recorrente nos debates doutrinários e na jurisprudência, o Direito Real da Habitação existe desde o Código Civil de 1916, porém surgiu no contexto do Direito das Coisas. Com o advento da Lei n.º 4.121/1962, também conhecido como Estatuto da Mulher Casada, conferiu-se o direito à habitação ao cônjuge supérstite que casou sob o regime da comunhão universal de bens, de modo a excluir, inicialmente, tanto os companheiros quanto os consortes que contraíram matrimônio noutros regimes (Cunha, 2021).

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Posteriormente, a companheira também foi contemplada pela Lei n.º 9.278/1996, embora a exigência de um regime de bens específico só veio a ser de fato extirpada pelo atual Código Civil de 2002 – inovação que guarda, sem dúvidas, influência dos paradigmas postos pela Constituição Federal de 1988 –, pois a previsão da Lei n.º 4.121/1962 passava ao largo de resolver o contexto de vulnerabilidade que afetava inúmeras mulheres que não possuíam uma residência própria para habitar após o falecimento de seu cônjuge ou companheiro, tendo em vista que o imóvel a inventariar poderia ser livremente alienado pelos herdeiros (Cunha, 2021)

Há uma certa discussão em como o Código Civil de 2002 aborda o Direito Real de Habitação e o Direito Sucessório. Para autores como Venosa (2005 p. 143) o Código Civil, em matéria de direito hereditário do cônjuge e também do companheiro, não representa legislação merecedora de orgulho, senão um desrespeito para o meio jurídico e para a sociedade brasileira tamanhas as impropriedades que contempla. Porém, nem todos os juristas e doutrinadores apoiam esse ideal mais rigoroso (Teixeira; Ribeiro, 2020, p. 4).

Nesse sentido, Pereira (2005, p. 143,), defende que o Código Civil de 2002 está impregnado de uma sensível evolução no direito sucessório do cônjuge ao colocá-lo na posição de herdeiro necessário e atribuir-lhe posto destacado na ordem da vocação hereditária, o que lhe permitiu receber propriedade e não mero usufruto, em concorrência com descendentes e ascendentes, assemelhada à modernização que ocorreram no Direito Português (Teixeira; Ribeiro, 2020, p. 4).

É possível empregar, para melhor entendimento, a teoria do patrimônio mínimo do Ministro Luiz Edson Fachin, em que consiste, basicamente, em garantir a aplicabilidade e a proteção de direitos essenciais, Fachin, (2012, p.59) assevera que estamos diante: “de um patrimônio mínimo indispensável a uma vida digna do qual, em hipótese alguma, pode ser desapossada, cuja proteção está acima dos interesses dos credores”. Sendo assim, o direito à moradia do cônjuge sobrevivente é indispensável para que este tenha uma vida digna e este direito garantido.

Porém, mesmo que a legislação brasileira garanta o Direito Real da Habitação ao cônjuge sobrevivente, ele acaba por tornar colidente algumas situações, sendo uma delas o direito de propriedade do herdeiro necessário. Enquanto de um lado os descendentes ou ascendentes buscam o direito de usufruir de forma plena dos bens que herdam na sucessão de outro, o cônjuge sobrevivente busca lhe ter assegurado o direito de residir no imóvel onde residia com o autor da herança (Silva, 2019, p.29)

Ao definir o Direito Real de Habitação do cônjuge sobrevivente, o artigo 1.831 do Código Civil estabelece que: “Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o Direito Real de Habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar”. Assim, o artigo supracitado reconhece ao cônjuge sobrevivente o Direito Real de Habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, independentemente do regime de bens adotado no casamento, mas desde que o bem seja o único de natureza residencial a inventariar, necessitando, ainda, ser de propriedade de ambos ou somente do falecido.

Da literalidade do artigo acima mencionado, verifica-se que o legislador buscou assegurar ao cônjuge sobrevivente o Direito Real de Habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, independentemente do regime de bens adotado no casamento, bastando para ter seu direito assegurado que o bem seja o único de natureza residencial a inventariar e ser de propriedade do falecido (Silva, 2019, p.29)

A doutrina majoritária, acompanhada dos Tribunais Superiores, têm entendido que o objetivo da lei ao criar tal benefício foi permitir que o cônjuge permanecesse no mesmo imóvel familiar que reside ao tempo da abertura da sucessão, como forma de assegurar o direito constitucional à moradia, mas também por razões de cunho humanitário e social, já que na maioria dos casos existia um forte vínculo estabelecido entre os cônjuges e o imóvel onde residiam (Silva, 2019).

Para os herdeiros, não lhes é assegurado o direito de obter liminarmente a reintegração de posse contra o cônjuge sobrevivente que reside no imóvel familiar. Entendimento apoiado, inclusive, em decisões judiciais proferidas por tribunais estaduais e por Cortes Superiores (Silva, 2019).

Outro ponto que deve ser bem analisado pelo julgador diz respeito ao fato do cônjuge sobrevivente ser proprietário de bem particular residencial, que não compõem o acervo patrimonial do espólio. O Código Civil não impõe como requisito para o reconhecimento do Direito de Habitação a inexistência de outros bens no patrimônio próprio do cônjuge sobrevivente. Hipótese que pode vir a ensejar uma direta afronta ao direito de moradia assegurado na Constituição Federal de 1988. Tal situação pode ser facilmente exemplificada no caso do falecido ter sido cassado pelo regime da separação obrigatória, deixando filhos que não possuem casa própria e viúva que seja proprietária de bem residencial próprio, adquirido antes do matrimônio (Silva, 2019).

Justicia, a inteligência artificial do Jus Faça uma pergunta sobre este conteúdo:

Defendendo a permanência do direito de habitação do cônjuge sobrevivente que é proprietário de bem residencial particular, vejamos o que decidiu a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial nº 1582178/RJ, de relatoria do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 11/09/2018, publicado em 14/09/2018:

EMENTA. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. DIREITO DAS SUCESSÕES. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO. ART. 1.831 DO CÓDIGO CIVIL. UNIÃO ESTÁVEL RECONHECIDA. COMPANHEIRO SOBREVIVENTE. PATRIMÔNIO. INEXISTÊNCIA DE OUTROS BENS. IRRELEV NCIA.

1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 1973 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).

2. Cinge-se a controvérsia a definir se o reconhecimento do direito real de habitação, a que se refere o artigo 1.831 do Código Civil, pressupõe a inexistência de outros bens no patrimônio do cônjuge/companheiro sobrevivente.

3. Os dispositivos legais relacionados com a matéria não impõe como requisito para o reconhecimento do direito real de habitação a inexistência de outros bens, seja de que natureza for, no patrimônio próprio do cônjuge/companheiro sobrevivente.

4. O objetivo da lei é permitir que o cônjuge/companheiro sobrevivente permaneça no mesmo imóvel familiar que reside ao tempo da abertura da sucessão como forma, não apenas de concretizar o direito constitucional à moradia, mas também por razões de ordem humanitária e social, já que não se pode negar a existência de vínculo afetivo e psicológico estabelecido pelos cônjuges/companheiros com o imóvel em 42 que, no transcurso de sua convivência, constituíram não somente residência, mas um lar.

5. Recurso especial não provido.

Em mesmo sentido, decidiu-se a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial no 1139054/PR, do qual foi relator o Ministro Lázaro Guimarães, Desembargador convocado do TRF 5a Região, julgado em 06/02/2018, publicado em 09/02/2018, segundo o acórdão assim ementado, in verbis:

EMENTA. RECURSO ESPECIAL. CIVIL. SUCESSÕES. ARROLAMENTO DE BENS. EX-COMPANHEIRA. DESCOMPASSO ENTRE SUCESSÃO DE CÔNJUGE E SUCESSÃO DE COMPANHEIRO. HABILITAÇÃO NO INVENTÁRIO DEVIDA. DIREITO AO USUFRUTO VIDUAL. NÃO CABIMENTO. INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 1.790 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. SUCESSÃO QUE DEVE OBSERVAR O REGIME ESTABELECIDO NO ART. 1.829 DO CC/2002. RECURSO PROVIDO.

1. Referida controvérsia foi enfrentada recentemente pelo colendo Supremo Tribunal Federal, no julgamento dos Recursos Extraordinários 646.721/RS e 878.694/MG, em que se declarou incidentalmente a inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil de 2002, em que se propôs a seguinte tese: "No sistema constitucional vigente, é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no art. 1.829 do Código Civil de 2002."

2. O recurso especial deve ser provido apenas para negar o direito da recorrida ao usufruto vidual, mantendo-a habilitada nos autos do arrolamento/inventário, devendo ser observados e conferidos a ela os direitos assegurados pelo CC/2002 aos cônjuges sobreviventes, conforme o que for apurado nas instâncias ordinárias acerca de eventual direito real de habitação.

3. Recurso especial provido.

Acompanhando o entendimento dos Tribunais Superiores, também reconhecendo o Direito de Habitação do convivente no imóvel que servia de moradia à família, julgou-se a Vigésima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul a Apelação Cível 70081085847, de relatoria do Desembargador Dilso Domingos Pereira, julgado no dia 24/04/2019, publicado em 23/05/2019, na forma abaixo ementada:

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA. DOAÇÃO DA TOTALIDADE DO PATRIMÔNIO À COMPANHEIRA SEM RESERVA DA LEGÍTIMA. NULIDADE PARCIAL. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO. Preliminar de nulidade da sentença, por vício extra petita , que se confunde com o mérito e com ele é apreciada e rejeitada. Sabendo-se que é nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma, não há como deixar de reconhecer a validade da doação de 50% dos bens realizada pelo de cujos à companheira. Ainda que tal liberalidade tenha sido mascarada como se compra e venda se tratasse, podendo o doador dispor de 50% de seus bens, não é nula a totalidade da doação feita pelo de cujus à sua companheira, mas apenas 50% dessa. Intelecção dos arts. 167, 549, 1.789 e 1.846 do CC. Mostrando-se civilmente capaz e preservando a legítima, inexiste qualquer óbice para o doador, com mais de setenta anos, dispor de seus bens como melhor lhe aprouver. Disposto no art. 1.641, II, do CC, sem qualquer incidência à hipótese dos autos. Outrossim, de acordo com os arts. 226, § 3o, da CF e 1.831 do CC, ao cônjuge ou companheiro sobrevivente é assegurado o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar. Esse último requisito, no entanto, vem sendo mitigado pela jurisprudência do STJ, quando, ainda que não seja o único a inventariar, o bem objeto do direito real de habitação era aquele em que o casal conviveu durante a vigência do casamento ou da união estável. Hipótese dos autos em que, apesar de donatária de 50% do patrimônio de cujus, deve ser reconhecido o Direito Real de Habitação em favor da companheira. APELOS DESPROVIDOS. UN NIME.

Diante do exposto, considera-se que apesar da falta de previsão no Código Civil de 2002, a doutrina majoritária é a favor do Direito Real de Habitação do companheiro sobrevivente, sustentando subsistir o direito real de habitação do companheiro ao imóvel destinado à residência familiar, invocando a extensão analógica do direito assegurado ao cônjuge sobrevivente no art. 1.831 do Código Civil de 2002.

3 Considerações finais

O objetivo deste trabalho foi realizar um estudo abrangente sobre a atual situação dos ordenamentos jurídicos sobre o Direito Real da Habitação que, segundo alguns estudos, passa por diversas mudanças e adaptações ao longo dos anos. O primeiro passo do trabalho foi identificar, através de estudos sobre aplicações da Lei, as características que podem ser consideradas relevantes na construção dessas aplicações. O trabalho buscou também diferenciar o conceito de Direitos Reais e Direito de Habitação e concluiu que são conceitos que estão retidos um ao outro.

4 Referências

AGUILAR, Franco. Usufruto: conceito, características e espécies. 2023. Disponível em: < https://www.aurum.com.br/blog/usufruto/. > Acesso em setembro de 2023.

BEVILÁQUA, Clóvis. Direito das coisas, 1° volume. Rio de Janeiro. 1956. p. 12.

CORRÊA, Cláudia Franco; SOARES, Irineu Carvalho de Oliveira. Uma análise crítica ao princípio numerus clausus dos Direitos Reais sob a perspectiva da função social da posse. p.2. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=ec62f93b5e03666f#:~:text=O%20princ%C3%ADpio%20numerus%20clausus%2C%20tamb%C3%A9m,do%20C%C3%B3digo%20Civil%20de%202002.> Acesso em agosto de 2023.

COSTA, Maria Clara Mendanha. Direito Real de habitação na sucessão hereditária e a possível relativização no caso concreto por meio do juízo de ponderação.TCC. 2022. p.21. Disponível em: <https://repositorio.pucgoias.edu.br/jspui/bitstream/123456789/4160/1/MONOGRAFIA%20-%20MARIA%20CLARA%20%282%29.pdf. > Acesso em agosto de 2023.

CUNHA, Leandro Barbosa da. O direito real de habitação do cônjuge supérstite e o desfazimento do condomínio entre os herdeiros: a primazia da dignidade humana no Direito de Família e das Sucessões. Publicado em 2021. Disponível em: <https://ibdfam.org.br/artigos/1755/O+direito+real+de+habita%C3%A7%C3%A3o+do+c%C3%B4njuge+sup%C3%A9rstite+e+o+desfazimento+do+condom%C3%ADnio+entre+os+herdeiros%3A+a+primazia+da+dignidade+humana+no+Direito+de+Fam%C3%ADlia+e+das+Sucess%C3%B5es> Acesso em agosto de 2023.

FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do Direito Civil à luz do novo Código Civil Brasileiro. 3.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2012.

PINTO, Gabriela Duarte, Direito Real de Habitação : conflito entre o direito real de habitação e o direito à herança, e a possível mitigação no caso concreto por meio de ações de ponderação.TCC, 2015. Disponível em: <https://repositorio.idp.edu.br/bitstream/123456789/2127/1/Artigo_Gabriela%20Duarte%20Pinto.pdf.> Acesso em julho de 2023.

SCHREIBER, Anderson;TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando; BEZERRA, Marco Aurélio; DELGADO, Mário Luiz. Código Civil Comentado - Doutrina e Jurisprudência. 5 ed. São Paulo: Gen: Forense, 2023.

SILVA, Lucas Santos da Costa e, O conflito existente entre o Direito Real de propriedade do herdeiro necessário e o Direito Real de Habitação do cônjuge sobrevivente em face da literalidade do artigo 1.831 do Código Civil brasileiro. Monografia (Pós-graduação em Direito Imobiliário)- Centro Universitário Fametro. Fortaleza, p.4, p.38. 2019. Disponível em: <http://repositorio.unifametro.edu.br/jspui/bitstream/123456789/56/1/LUCAS%20SANTOS%20DA%20COSTA%20E%20SILVA.pdf. >Acesso em agosto de 2023.

TEIXEIRA, Heloísa Simonetti; RIBEIRO, Glaucia Maria de Araújo. O Direito Real de Habitação do cônjuge supérstite à luz do Direito Constitucional. civilista.com. a. 9. n. 2. 2020.< https://civilistica.emnuvens.com.br/redc/article/view/558/410. > Acesso em agosto de 2023.

VENOSA, Sílvio de Salva. Direito Civil. Direitos Reais. 18 ed. São Paulo: Atlas, 2018.

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