Em uma decisão de enorme transcendência institucional para a Argentina e América Latina, a Câmara Criminal do Superior Tribunal de Justiça (STJER) denegou por unanimidade um recurso de impugnação extraordinária do Ministério Público e ratificou a constitucionalidade da impossibilidade de recorrer ante um veredicto absolutório proferido por um tribunal popular.
Por essa razão, tornou-se definitiva a absolvição unânime decretada pelos jurados que consideraram que o promotor Uriburu não provou sua acusação além da dúvida razoável contra José Carlos Cervín pelo crime de tentativa de feminicídio qualificado pelo vínculo. O julgamento ocorreu em Rosario del Tala.
Não há dúvida de que esta decisão será um marco na jurisprudência sobre o tribunal do júri na Argentina. Não se trata apenas de mais uma sentença, já que o apoio do STJER a uma das características essenciais do sistema do júri, como o caráter definitivo de seus veredictos, tem sido total, unânime e inabalável.
Além disso, reconhece que no país há "uma avassaladora corrente democrática e republicana em prol do júri" que avança ano após ano nas províncias. Mencionamos um trecho do acórdão:
"Note-se aqui que as leis que estabelecem júris populares nas províncias de Chaco, Buenos Aires, San Juan, Mendoza, Neuquén, Río Negro e Chubut têm normas semelhantes às do nosso artigo 89, de modo que as alusões feitas pelos opositores ao fato de que seria um defeito dos países anglo-saxões – que eles consideram, de forma marcante e equivocada, antigos e pouco inclinados a subscrever normas de acordo com os Direitos Humanos - caem por terra ante a realidade do nosso país, em que a cada ano e de forma massiva, mais territórios federais são incorporados ao democrático e republicano sistema jurista. Essas províncias, repito, têm regulamentos semelhantes aos nossos em termos recursais."
Essa decisão "Cervín" do STJER representa uma conquista cultural, pois rompe com a tradição da bilateralidade recursiva, típica da doutrina francesa e dos sistemas inquisitoriais mistos perante juízes profissionais, que se recusa a ser abandonada, apesar da incipiente doutrina jurídica da CSJN (O precedente Alvarado/Sandoval) e conforme mandam os Pactos Internacionais de Direitos Humanos.
O júri, aqui e em todo o mundo, consagra e protege a força da coisa julgada material dos veredictos absolutórios proferidos pelo Soberano. O juiz Daniel Carubia, em um dos parágrafos mais destacados de seu voto, ressalta essa "norma central do sistema do júri" que, lenta, mas de forma sólida, está se consolidando na Argentina graças à implementação gradual do tribunal do júri.
O julgamento popular e o sistema acusatório em matéria penal que nossos constituintes sonhavam desde 1853 veio somente 170 anos depois. Essa demora teve consequências gravíssimas para o sistema de justiça em nosso país, que só agora começam a ser sanadas. Esta decisão do STJER está plenamente alinhada com essa mudança.
Por exemplo, foi muito difícil implementar a unanimidade dos veredictos em um Judiciário acostumado a decidir tudo por maiorias mais ou menos amplas, inclusive a pena capital do nosso ordenamento. Em um tribunal tradicional de três juízes técnicos, dois votos são suficientes para condenar uma pessoa à prisão perpétua ou absolver alguém de um crime muito grave.
Por outro lado, em um júri formado por doze pessoas precisa haver unanimidade para condenar ou absolver. Hoje, ninguém contesta os imensos benefícios que a unanimidade trouxe para a legitimação dos veredictos, já que ficou provado que ela é alcançada pelos jurados em 96% dos casos.
Foi ainda mais difícil fazer com que nossa cultura jurídica aceitasse a irrecorribilidade dos veredictos, mas o júri conseguiu (finalmente!) abrir essa discussão tão necessária em nosso Direito. Como todos os países herdeiros da Inquisição, os promotores argentinos sempre receberam poderes ilimitados de recurso para obter uma condenação, com a consequente perpetuação dos processos por décadas e insegurança jurídica aos acusados.
Julio Maier (citado nesta decisão) e Alberto Binder lutaram durante décadas para que a Argentina aceitasse essa característica que diferencia os sistemas judiciais acusatórios existentes nas nações mais avançadas da civilização.
A tradição histórica universal do júri, que foi plenamente incluída em todos os Pactos Internacionais de Direitos Humanos (CADH, art. 8° 2° h), concebe o recurso como uma garantia exclusiva da pessoa condenada e, portanto, estabelece há séculos que os veredictos absolutórios do júri encerram definitivamente o processo e não são recorríveis para a acusação, seja ela pública (promotores) ou privada (vítimas).
Isso está previsto em todas as leis clássicas do júri da Argentina. Mas a tensão gerada por séculos de prática inquisitiva, que transformam a garantia do non bis in idem e a do recurso em um direito incompleto, estava destinada a surgir em algum momento em Entre Ríos, e foi o que aconteceu.
A decisão "Cervín" começa de forma contundente e direta, reconhecendo que o julgamento por jurados da Constituição de 1853 veio para reformular as raízes do sistema de julgamento atual e para pôr em crise práticas que estão em desacordo com o sistema acusatório. É assim que começa o voto do juiz Carubia:
"A falta de motivação do veredicto, a regra do sigilo e os alcances do recurso nos sistemas clássicos do júri fazem parte das grandes questões que tensionam a discussão jurídica deste instituto na Argentina."
"De fato, à medida que se aproxima o momento da implementação definitiva do júri clássico em nosso país, acentuam-se as discrepâncias culturais e políticas com o sistema de justiça vigente, e o júri vem para modificar tudo pela raiz"
A única vez em que promotores e vítimas questionaram a irrecorribilidade da absolvição de um júri foi na província de Buenos Aires, no início do sistema (2016). Também ali, que foi o nascedouro dessa ruptura cultural, o Tribunal de Cassação e a Suprema Corte de Justiça ratificaram a constitucionalidade absoluta da norma que impede promotores ou assistentes de acusação de recorrer ante um veredicto de não culpabilidade no júri. No entanto, isso foi feito em casos de crimes de violência institucional e em crimes comuns de homicídio.
A novidade dessa importante decisão de Entre Ríos é que ela é a primeira a resolver corretamente a questão dentro da delicada matéria de violência de gênero. Isso lhe confere valor adicional, já que a suposta falta de perspectiva de gênero foi o cavalo de guerra da acusação em sua pretensão.
O recurso feito pelo Ministério Público transmite a ideia básica de que o caráter universal atribuído às absolvições do júri é correto, mas que, devido à maior diligência exigida pelos Pactos, ela deveria ceder em casos de violência de gênero.
Assim sendo, o promotor e a vítima poderiam recorrer da absolvição. Isto é, para esses crimes de gênero sim, mas não para o resto. Como se o avanço genuíno dos feminismos significasse revogar ou desprezar garantias constitucionais básicas dos acusados ou excepcionar o Estado de Direito. Nenhum dos três juízes do STJER se deixou influenciar por este argumento que, com aparência de pseudoprogressismo, procurou esconder o fato de que foi realizada uma investigação deficiente no caso concreto.
Os defensores e os juízes Carubia e Mizawak foram impiedosos com os recorrentes neste ponto.
Em sua excepcional argumentação, o advogado de defesa Rubén Pagliotto disse em termos inequívocos:
"O recurso dos promotores acaba por expor as deficiências investigativas. Esse caso foi muito mal investigado. Não foi culpa do júri ou da defesa técnica o fato de o promotor não ter apresentado provas absolutamente decisivas. Trata-se de uma espécie de aventura recursal desrespeitosa pedir a declaração de algo que também é constitucional.
Não surpreende que o promotor tenha recorrido simplesmente para mascarar a culpa pela sua absoluta incompetência na investigação do caso, na construção de uma teoria do caso que estivesse sustentada em provas e na impossibilidade de convencer, em todo o tempo do debate, sequer um único jurado.
Não se trata de atribuir a culpa ao artigo 89 da Lei e dizer coisas que não são, como a interpretação que os promotores dão ao artigo 64 da Constituição provincial.
Se o promotor que investigou foi desidioso, não se deve procurar fazer com que a Constituição Provincial ou a lei sobre o Tribunal do Júri digam o que não diz.
Quando se dispôs sobre o duplo grau de jurisdição foi pensando nos acusados, pois é uma garantia que tem sua razão de ser diante do impetuoso poder punitivo exercido pelo Estado; é por isso que foram criadas as garantias."
A juíza Claudia Mizawak, uma conhecida feminista, chegou a dizer que o promotor deste caso "não investigou seriamente" o caso e o responsabilizou diretamente pelo resultado do julgamento:
"O MP alega que o recurso deve ser conhecido e tratado conforme exigido pelo dever de diligência reforçada.
A CIDH reconheceu o dever dos Estados de prevenir "e investigar seriamente" esses crimes. O reforço da devida diligência adquire uma relevância singular para o MP, o que lhe impõe um ônus ainda maior - como órgão encarregado da persecução penal - especialmente durante a Investigação Penal Preparatória (IPP) e o julgamento oral.
Não é possível ignorar as deficiências apontadas pela defesa com relação às falhas investigativas e à insuficiência das provas de acusação apresentadas durante o debate.
Penso que é necessário mencionar que a CIDH estabeleceu que a fase de investigação em casos de violência sexual é de fundamental importância.
As falhas nessa fase tornam-se um impedimento que pode ser intransponível na posterior identificação, processamento e punição dos responsáveis por esses atos".
OS FATOS, O RECURSO E A ARGUMENTAÇÃO DA DEFESA
O caso foi até a Corte porque os promotores Uriburu e Lombardi levantaram a inconstitucionalidade do artigo 89 da Lei 10.746, que os impedia de recorrer da absolvição do veredicto no júri. A lei, que recebeu elogios de outros países, diz o seguinte:
Artigo 89: Veredicto absolutório. Irrecorribilidade. O veredicto de não culpabilidade no júri será obrigatório para o juiz presidente e fará coisa julgada material, concluindo definitiva e irrevogavelmente o processo e a persecução penal contra o acusado.
Contra o veredicto de não culpabilidade e a respectiva sentença absolutória não se admite recurso algum, exceto nos casos em que o promotor demonstre cabalmente que o veredicto de não culpabilidade foi obtido por meio de suborno, coação, extorsão mediante sequestro ou outras formas de intimidação exercida sobre o(s) jurado(s), e que foram determinantes para o veredicto absolutório. Não será admitido, ainda, recurso de qualquer espécie contra sentença absolutória proferida por juiz ante um caso de jurado estancado (hung jury).
Os promotores argumentaram, por ordem da Instrução Geral n.º 2/2020 da Procuradoria Geral de Entre Ríos, que a falta de recurso por parte da acusação violava a tutela judicial efetiva das vítimas de violência de género, bem como a Convenção de Belém do Pará.
Eles também argumentaram que o artigo 64 da Constituição de Entre Ríos havia consagrado "a segunda instância" recursiva a seu favor.
Artigo 64 - O Poder Legislativo assegurará o direito à segunda instância no processo penal, respeitados os princípios do contraditório, da oralidade e da publicidade no sistema acusatório.
A Câmara de Cassação de Concórdia emitiu uma decisão memorável rechaçando na íntegra essa pretensão, que noticiamos nesta página. Os promotores insistiram e recorreram ao STJER.
A defesa de Giordano Boggian, em seguida, incluiu em sua equipe um dos melhores advogados de Entre Ríos, Rubén Pagliotto. O parecer que defenderam na audiência pública perante o STJER é uma antologia .
Eles praticamente esgotaram a discussão sobre o non bis in idem, o double jeopardy, o caráter definitivo da absolvição, a instância única, a decisão Mohamed da CIDH, o direito convencional e sua relação com a devida diligência reforçada em casos de violência de gênero.
A DECISÃO DO STJER
O juiz Daniel Carubia foi o relator do caso. Ele deu seu voto com notável precisão, pois analisou o problema apresentado a ele pela acusação a partir da própria idiossincrasia do sistema de júri. Dessa forma, ele cumpriu o estabelecido pela CIDH (in re RVP v. Nicaragua, 2018) e pelo TEDH (in re Taxquet v. Belgium, 2010), ambos ordenando o respeito às características inerentes ao procedimento do júri.
Esses dois precedentes reconhecem que no Ocidente existem dois modelos de persecução penal: o julgamento por júri e o julgamento técnico. Ambos são convencionais, mas possuem características diferentes que devem ser respeitadas tanto na decisão original quanto na revisão. Assim, não se deve pretender enxertar em um sistema características específicas do outro, como motivar o veredicto de um júri ou exigir que um tribunal técnico emita sentenças por íntima convicção. Isso se aplica também à irrecorribilidade da absolvição no júri, que é inerente a esta forma de julgamento e nos termos do artigo 8° 2° h da CADH.
Em suma, os juízes do STJER fizeram o que a CIDH claramente determina: ao revisar o veredicto de um tribunal popular, as características essenciais que definem o modelo clássico de júri constitucional, que foi tão bem recepcionado pela Lei 10.746, devem ser respeitadas - e não alteradas.
Trecho da decisão: "As vantagens e desvantagens de um ou outro sistema são distribuídas igualmente, levando-se em conta a natureza de cada sistema de julgamento".
O voto de Carubia foi baseado em quatro aspectos que edificaram sua decisão. A primeira é de ordem formal. Ele argumentou que o MP teve a ideia de levantar a inconstitucionalidade do artigo 89 da lei apenas quando perdeu a causa. Antes, ele não havia dito nada e aceitado as regras do jogo, apenas questionando-as depois de fracassar. Se quisessem tentar esse caminho, lembrou Carubia, deveriam ter questionado a constitucionalidade do sistema do júri desde o início, como indica a mais elementar doutrina do direito constitucional.
"Esse órgão apresentou recurso apenas "por ter saído perdedor", pois permitiu que um julgamento prosseguisse em sua integralidade com as regras do sistema próprio do júri, às quais as partes se ajustaram e se submeteram e, uma vez que o resultado do julgamento foi de absolvição, atacou a constitucionalidade de uma norma nuclear do sistema à qual, sem objeção, se submeteram".
Suas palavras foram muito duras em relação à Instrução 2/2020 do Procurador-Geral, que descreveu como "desconhecidas" e alheia ao processo.
Mas o voto não terminou aí. O segundo aspecto foi direto ao cerne da questão, com um argumento incontestável em defesa da constitucionalidade do artigo 89 da lei. Uma ressalva deve ser feita aqui. A posição do Juiz Carubia é bem conhecida em relação ao fato de que ele sempre reconheceu que a acusação nunca poderia ter o mesmo alcance recursal que os réus.
Na decisão, ele confirmou essa posição e lembrou aos promotores que o artigo 89 da lei em nada os priva de recurso, mas os limita de forma absolutamente compatível às duas únicas hipóteses em vigor no mundo (mesmo na common law com júri) e que são chamadas de "coisa julgada fraudulenta".
Ou seja, a atividade corrupta do acusado ou de sua defesa que leva a uma absolvição com vícios (suborno, coação, extorsão de jurados ou de testemunhas, faltas graves, etc.). Nestes cenários, o recurso do Ministério Público é tolerado porque nunca houve "risco" ao acusado. O "double jeopardy " nesses casos de corrupção é uma ficção; não existe.
" Em relação à acusação, o Legislativo de Entre Ríos não veda o acesso à "dupla instância", mas apenas o limita aos casos de veredictos de não culpabilidade em que o acusador "demonstra irrefutavelmente que o veredicto absolutório foi resultado de suborno, de coação, extorsão mediante sequestro ou outra intimidação grave que exerceu coação sobre o(s) jurado(s), e que foram determinantes para o veredicto de não culpabilidade".
"Ao contrário do que enfaticamente sustenta a acusação, a regra constitucional da dupla instância do art. 65 da Constituição de Entre Ríos não é violada, já que com limites absolutamente razoáveis que emergem da própria essência do sistema de julgamento popular, concede a ambas as partes a possibilidade de recorrer, e não é verdade que a acusação esteja impedida dessa alternativa no sistema atual, sendo que em caso de um veredicto absolutório, terá direito ao recurso que é reconhecido no mesmo art. 89 que questiona".
"Com a introdução do julgamento popular, o legislador local decidiu limitar os motivos para recorrer da absolvição. Trata-se, portanto, de uma decisão legislativa, conforme a própria natureza do julgamento popular" e que o veredicto de absolvição do júri é a expressão da soberania do povo, e sua vontade só pode ser revogada nas hipóteses autorizadas pelo legislador.
O terceiro aspecto reforça inequivocamente o direito dos precedentes que a Câmara de Cassação de Concordia fez para rechaçar o recurso do promotor. Como mencionado acima, o caso de Concordia foi uma decisão. O STJER coincidiu com ela em todos os aspectos e considerou que as sentenças ali citadas, Green vs. Estados Unidos (1957, CSJ USA), Alvarado/Sandoval (CSJN, 1998, 2005), Mattei (CSJN, 1968), as decisões da Cassação de Buenos Aires e da SCJPBA citadas acima, dentre outras, esgotaram a questão.
"Os precedentes invocados realizaram uma análise minuciosa não só das normas de nossa Constituição Nacional, mas de todo o arcabouço internacional, concluindo pela validade plena da norma que limita a recorribilidade, na medida em que não contraria o sistema internacional de defesa dos direitos humanos. Em outras palavras, todas as normas internacionais invocadas pelos impetrantes em apoio à sua pretensão foram devidamente analisadas pelos acórdãos de Buenos Aires citados pela Corte de Cassação, sendo suas considerações plenamente aplicáveis ao sub lite."
O quarto e último aspecto é, talvez, o mais importante e tem a ver com a devida diligência reforçada em questões de gênero. Esse foi o argumento central da acusação e o aspecto mais original dessa decisão para a jurisprudência argentina, pois define o que deve ser entendido por devida diligência reforçada em um sistema de júri e que isso não implica, de forma alguma, permitir ao promotor ou à vítima um recurso contra a absolvição.
Os defensores Boggian e Pagliotto insistiram repetidamente que todas as leis de vítimas do país estabelecem claramente o que se entende por proteção judicial efetiva e acesso à justiça. Essas leis consagram amplos poderes às vítimas, incluindo acesso aos autos e possibilidade de recorrer em casos que o juiz não manda a causa a júri. Mas, em nenhuma delas há direito a recorrer de absolvições. Isso é lógico, pois tal regra repudiaria a redação estrita dos Pactos Internacionais de Direitos Humanos, que consagram o recurso como garantia exclusiva da pessoa condenada.
Aqui, também, o voto principal não foi indiferente. A Lei do Júri não priva a vítima de recorrer ante uma absolvição, mas a limita exatamente aos mesmos dois casos mencionados acima para a acusação, que são "absolutamente compatíveis" com a essência do sistema do júri.
“O dever de diligência reforçada foi garantido e respeitado pelo judiciário desde o momento que a vítima teve acesso irrestrito à justiça. De fato, ela foi ouvida, participou das várias etapas realizadas durante o processo, seu direito de testemunhar sem a presença do acusado Cervín foi respeitado, foi dada a ela a possibilidade de constituir-se como assistente de acusação, sem ter feito uso desse direito, e contado com um sistema de julgamento que prevê a integração do júri por doze pessoas minuciosamente selecionadas pelas partes, com absoluta paridade de gênero, sendo seis mulheres e seis homens, o que nos afasta de qualquer violação, ainda que mínima, da devida diligência exigida"
"Com a introdução do julgamento popular, o legislador local decidiu limitar os motivos para recorrer da absolvição. Trata-se, portanto, de uma decisão legislativa, conforme a natureza do julgamento popular. O júri, politicamente, nada mais é do que a exigência – para possibilitar a coerção estatal – de obter a aquiescência de um número mínimo e unânime de cidadãos, o que simboliza, da melhor maneira possível em nossa sociedade de massas, política, e não estatisticamente, a opinião popular (cf.: Maier, Julio B. J.; "Derecho Procesal Penal", vol. I, 1ª ed., p. 787, Ed Bs.As., 2004); razão pela qual, a absolvição no júri impede o uso do instrumento recursivo, independentemente da apreciação do veredicto: justo ou injusto perante a lei (cf.: Maier, op. cit., p. 634).
"Assim, o veredicto de absolvição do júri é a expressão da soberania do povo e sua vontade só pode ser revogada nas hipóteses que o legislador a autorizou. Nesse sentido, e como afirmou a Corte Federal: "... a garantia do direito de recorrer foi consagrada apenas em benefício do acusado. Há de se concluir, então, que, sendo o Ministério Público um órgão do Estado, ele não é o destinatário do benefício, e, portanto, não está amparado pela norma com hierarquia constitucional..."
"O fato de a vítima não ter se constituído como assistente de acusação não alteraria as limitações recursivas previstas em lei, uma vez que o assistente de acusação, consoante a nossa legislação, goza das mesmas prerrogativas do Ministério Público e só pode recorrer nos mesmos casos e nas mesmas condições que este. Em suma, não se pode prever nenhum prejuízo aos direitos do impetrante, vítima no presente caso".
O VOTO DE MIZAWAK
A juíza Claudia Mizawak foi a responsável por reforçar o último conceito do juiz Carubia de que o artigo 89 da Lei 10.746 não viola a devida diligência reforçada ao limitar o recurso do promotor e da vítima contra a absolvição.
De forma criteriosa, sustentou que a devida diligência reforçada serve para que o MP "investigue seriamente" e garanta provas na fase inicial da IPP em crimes de violência sexual e de gênero. Depois disso, é tarde demais.
Acrescentou ainda a conhecida doutrina jurídica da CSJN de que, para declarar uma lei inconstitucional, ela deve ser manifesta e flagrantemente contrária à Carta Magna. Em casos duvidosos, esse tipo de questionamento deve ser sempre rejeitado. Conclui que o artigo 89 da Lei 10.746 é constitucional. Recorde-se que esta lei foi aprovada por unanimidade pelas duas câmaras e por todos os partidos políticos em 2018.
"O pedido dos recorrentes para declarar a inconstitucionalidade do artigo 89 da Lei n.º 10.746, pretende – pura e simplesmente – a modificação do regime jurídico vigente e aplicável; o que implicaria por parte do Poder Judiciário extrapolar-se no âmbito de sua alçada, em claro enfraquecimento das funções que incumbem ao poder legislativo, violando um princípio básico do nosso regime republicano, como a divisão de poderes"
Nota :publicada no site da Asociación Argentina de Juicio por Jurados (AAJJ) e traduzida ao português com autorização. Negritos e itálicos mantidos do original em espanhol https://www.juicioporjurados.org/2023/11/entre-rios-superior-tribunal-de.html Acesso em 01 dez 2023.