De acordo com dados do Mapa de Empresas (ref. out/2023), existem 21.666.424 de empresas ativas no Brasil, das quais 14.821.389 (~68%) são empresários individuais, e 6.539.958 (~30%) são constituídas sob a natureza de sociedade limitada.
A maioria dos empresários individuais pode ser explicada tanto pelo fato de os últimos agregarem os microempreendedores individuais (MEIs), quanto pela proibição legal que vigorou até 2019, que não permitia a criação de sociedades com apenas um sócio.
Atualmente, salvo em se tratando de opção pelo regime simplificado do MEI, não há motivo para constituir a empresa com a natureza de empresário individual e não de sociedade limitada, já que a última possui personalidade jurídica própria, garantindo separação entre o patrimônio do sócio e da empresa – o que não ocorre com o empresário individual. Noutras palavras, a sociedade limitada visa conferir maior proteção à pessoa inclinada a correr riscos, visto que, em regra, não responderá pelas obrigações da empresa em caso de insucesso.
Todavia, a grande maioria dos sócios das sociedades limitadas existentes não dão a devida importância ao documento fundamental da empresa, tratando-o como mera formalidade para a abertura da empresa: o contrato social. Ao menos, não até que algum problema surja, e a partir de então descubram que tal problema poderia ser evitado ou solucionado de maneira muito mais eficaz caso o contrato social fosse devidamente personalizado à realidade da sociedade e daqueles que a compõem.
Nesta série de publicações, serão abordadas questões fundamentais para a relevância do contrato social, a fim de dar destaque para o documento mais importante de toda empresa constituída como sociedade limitada, o tipo mais comum de sociedade no Brasil.
Na parte um, discorreremos acerca das participações dos sócios no capital social, tendo como base as relações de capital-trabalho, entre sócios investidores e sócios operadores (de know-how ou mão de obra).
A importância do contrato social — Parte 1: As participações no capital social. Sócio investidor e operador. Relação capital-trabalho.
Na rotina da advocacia empresarial, é recorrente a existência de sociedades cujas participações dos sócios em nada refletem a realidade.
Os exemplos mais comuns são as sociedades em que determinado sócio se compromete com o dinheiro, o investidor, e outro sócio detém o know-how necessário para execução da atividade econômica (sócio operador, que “entra com a mão de obra”), mas, ao verificar o quadro de participações, se constata uma participação igualitária (como 50/50), ou exageradamente desequilibrada e sem perspectiva de crescimento para o sócio operador (99/1), o que geralmente causa, nos inevitáveis conflitos que surgirem, grandes problemas à sociedade, com prejuízos para todos envolvidos.
Tão comum e perigoso quanto são as sociedades em que um sócio se compromete a aportar recursos em determinado período, mas não o faz. Todavia, tal compromisso nunca constou no contrato social, o qual vem geralmente acompanhado da expressão “capital integralizado neste ato”, ainda que não tenha sido integralizado, por ser erroneamente visto como uma “mera formalidade” à abertura da empresa — tendo impactos severos, principalmente na dificuldade de cobrar o aporte do sócio, ou de penalizá-lo em razão do descumprimento.
Nas sociedades limitadas, as participações dos sócios determinam os direitos políticos (votos) e econômicos (partilha dos lucros e haveres no caso de retirada, exclusão ou morte etc.) que exercem no âmbito social.
Em regra, as decisões dos sócios são tomadas pelos detentores de mais da metade do capital social. Já os lucros, salvo disposição em sentido contrário, são distribuídos conforme a participação no capital social, assim como os haveres — os quais são os valores a devidos ao sócio retirante, excluído ou falecido.
Aprofundando os exemplos anteriores, em uma sociedade na qual o sócio investidor e o operador têm participações iguais, o investidor poderá ser prejudicado, pois apesar de único responsável por todo o investimento, não terá preponderância nas decisões, tampouco maior participação nos lucros ou nos haveres. E, na sociedade que o operador tem participação ínfima, verá o investidor controlar as decisões sociais e receber quase a totalidade dos lucros, além de que o valor dos haveres será incompatível com a sua contribuição para com a sociedade.
Mesmo que a sociedade limitada não admita contribuição com a formação do capital social mediante serviços, as situações podem ser reguladas por um contrato social personalizado.
É possível fixar que o sócio operador participará dos lucros e dos haveres desproporcionalmente ao capital que detém, a fim de que seja devidamente recompensado, mantendo o controle das decisões da sociedade com o investidor, ainda que, caso desejado, determinem-se matérias nas quais o operador prevalecerá, ante o seu know-how.
Ainda, parte das quotas do investidor podem ser gravadas com opção de compra em favor do operador, permitindo que, após o atingimento de metas e pagando o preço, compre as quotas e aumente sua participação, tendo oportunidade de crescimento.
Indo além, o sócio investidor pode emprestar o capital necessário para o operador integralizar sua participação na sociedade, ficando os lucros das quotas do operador como garantia do pagamento do empréstimo, podendo serem destinados diretamente ao investidor até a quitação total da obrigação, de forma total ou parcial, comprometendo-se o sócio operador, no caso de fracasso da sociedade, a pagar o saldo em dinheiro.
E, em relação ao dever de determinado sócio aportar os valores prometidos na sociedade, o contrato social pode prever a integralização das quotas subscritas pelo investidor a prazo e em parcelas, de modo que caso venha a não pagar os valores prometidos, será considerado remisso, podendo até mesmo ser excluído da sociedade.
A obrigação de realização de futuros aumentos de capital também pode estar prevista em acordo de sócios, documento parassocial, privado, que possui força obrigacional entre os signatários.
Ou seja, é admitido estipular que o investidor deverá participar de determinados aumentos de capital que se façam necessários para a execução das atividades da empresa, seja em relação a projetos específicos e ampliações de operações, com ou sem prazo definido, fazendo com que o sócio que assim se comprometeu obrigue-se a votar favoravelmente e participar dos aumentos que forem deliberados.
Nesse sentido, é importante destacar que quando um sócio não integraliza o capital prometido no contrato social, prejudica a sociedade e os demais sócios.
O art. 1.052 do Código Civil diz que, na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social.
Significa que, em regra, os sócios não respondem pelas obrigações da sociedade, mas sim por destinar à sociedade os recursos que se ajustaram no contrato social, já que, ao menos teoricamente, o capital é uma garantia aos credores, que confiam que aquele valor é o mínimo aportado pelos sócios para as atividades da empresa. Teoricamente, pois os credores não devem confiar no capital social como indício de solvência de determinada sociedade, já que geralmente o capital é imediatamente utilizado para tocar a operação, com a aquisição de bens, serviços, etc.
Contudo, a partir do momento em que um sócio não integraliza o capital, os demais respondem pelo montante que aquele não pagou. Credores da sociedade poderão exigir dos demais sócios a integralização do valor, fazendo com que os inocentes arquem com o prejuízo de um único culpado.
Muitas outras situações e problemáticas podem surgir dessa questão, o que só pode ser verificado caso a caso, conforme as necessidades da sociedade e dos sócios.
Dessa maneira, evidente que o tema das participações no capital social é um dos mais sensíveis e relevantes para os sócios, que não devem relegá-lo, sendo um dos tantos aspectos que compõem a importância do contrato social.