A nova hipótese legal do delito de roubo parcialmente hediondo e sua repercussão na execução penal

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A NOVA HIPÓTESE LEGAL DE ROUBO PARCIALMENTE HEDIONDO E SUA REPERCUSSÃO NA EXECUÇÃO PENAL

 

Com o advento da Lei nº 13.964, de 2019, o crime de roubo circunstanciado pelo emprego de arma de fogo (art. 157, § 2º-A, inciso I), pelo emprego de arma de fogo de uso proibido ou restrito (art. 157, § 2º-B) e circunstanciado pela restrição de liberdade da vítima (art. 157, § 2º, inciso V) passou a ser considerado hediondo.

            Dito isso, a partir de uma leitura mais aguçada do dispositivo, conclui-se que a hediondez é parcial, ou seja, não diz respeito à totalidade do tipo penal, mas exclusivamente à causa de aumento. Essa constatação impacta sensivelmente a execução penal e o processo progressivo de cumprimento de pena, pois estabelecem diretrizes para elaboração do atestado de pena que serão determinantes para fixação de lapsos de progressão de regime, livramento condicional e incidência de hipóteses extintivas da punibilidade. 

            Como se nota pela simples intelecção do art. 1º, inc. II, a e b, da Lei 8.072/90, a majorante atinente ao emprego de arma de fogo no delito de roubo e a restrição de liberdade da vítima são consideradas hediondas. A circunstância do concurso de agentes não é hedionda, tampouco o tipo base. Atentemos ao disposto na supracitada norma:

            ...

II - roubo: 

a) circunstanciado pela restrição de liberdade da vítima (art. 157, § 2º, inciso V);

b) circunstanciado pelo emprego de arma de fogo (art. 157, § 2º-A, inciso I) ou pelo emprego de arma de fogo de uso proibido ou restrito (art. 157, § 2º-B); (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

            Dessa forma, como se depreende do dispositivo acima, deve incidir o percentual de 2/5 (primariedade) ou 3/5 (reincidência) apenas sobre montante da pena atinente à circunstância hedionda do tipo penal (roubo majorado), devendo haver a segmentação entre parte hedionda e não hedionda para fins de elaboração do atestado de pena.

            A título exemplificativo, suponhamos que alguém tenha sido condenado pelo delito de roubo circunstanciado pelo concurso de agentes e emprego de arma de fogo, a pena de 10 anos. Na primeira etapa da dosimetria, a pena tenha sido fixada em 4 anos. Na segunda, foi mantido o patamar anterior. Já na terceira etapa, após a incidência da majorante atinente ao concurso de agentes a pena foi elevada a 6 anos e, por fim, a 10 anos, com a incidência da majorante, referente ao emprego de arma de fogo.

            Assim, em se tratando de condenado primário, para fins de progressão de regime, deve incidir 25/100 sobre 6 anos (montante referente à parte não hedionda da condenação, consoante ditames da Lei de Execução Penal, decorrente da soma da pena base com a majoração pelo concurso de agentes) e 2/5 sobre o sobressalente da sanção (parte hedionda da condenação, isto é, 4 anos). Já para fins de livramento condicional, o percentual de 2/3 deve incidir sobre 4 anos (parcela hedionda da condenação) e o percentual de 1/3 sobre 6 (parcela não hedionda da condenação), pois se trata de delito parcialmente hediondo, ou seja, há parcela do dispositivo que se reveste de hediondez e outra parcela não se mostra hedionda, pelo que se mostra razoável a segmentação dos percentuais para fins de progressão de regime e livramento condicional.

            Outra questão palpitante é saber se seria cabível o indulto/comutação de pena nos casos dos delitos de roubo parcialmente hediondos. Uma interpretação sistemática permite a aplicação dessas hipóteses extintivas de punibilidade, máxime porque a hediondez é parcial e os requisitos da concessão do indulto ou comutação de pena devem obedecer ao constante do ato normativo instituidor.

            Nesse passo, vale registrar que o Decreto nº 11.302, de 22 de dezembro de 2022 estabelece hipótese de extinção da punibilidade, por indulto, a crime não impeditivo, desde que a pessoa condenada cumpra a pena pelo crime impeditivo do benefício, na hipótese de haver concurso com os crimes a que se refere o art. 7º, ressalvada a concessão fundamentada no inciso III do caput do art. 1º da acima citada norma. Dessa forma, com base na situação já explanada acima, existiriam dois tipos penais em um único, quais sejam, roubo majorado pelo emprego de arma de fogo e circunstanciado pelo concurso de agentes. Nestes termos, caberia ao sentenciado cumprir integralmente a pena, referente à parte hedionda para então ser agraciado pelo indulto.

            Não tenho dúvida que essa temática ressoará fortemente nos Tribunais Superiores que darão a última palavra sobre a questão, mas o que precisa ser debatido são os processos de criminalização que consagram para um Direito Penal Simbólico e de Emergência como solução popularesca e demagógica para atender os conclames sociais de segurança, quando se sabe que a norma penal, por si, não se reveste de mecanismos para assegurar a paz social solicitada.

            Essa plataforma discursiva penal radical amplificada para sociedade, por pseudo-criminologistas, propõe o enrijecimento da legislação penal, aumento da malha prisional, redução de direitos e garantias fundamentais, prometendo ser “a panaceia para a questão penal”, de forma a aplacar os anseios coletivos por paz e segurança[1], que não serão efetivamente saciados, pois tais medidas não atingem problemas fulcrais do sistema punitivo[2], servindo muito mais como retórica política popularesca de “guerra ao inimigo interno”, verificável na realidade brasileira, em tempos reacionários, do que medida crível de mudança do paradigma posto.[3]

            A resolutividade desta questão não se afigura tarefa fácil e linear, pois os processos de criminalização decorrem de múltiplos fatores. Enfim, é uma longa caminhada cheia de corcovas, ou melhor, parafraseando o notável poeta Carlos Drumond de Andrade é uma caminhada que: no meio do artigo tem uma majorante tem um caput. Há uma causa de aumento no meio do caput. Sigo o caminho cansado de ver coisas absurdas.

  Referências Bibliográficas

 ALMEIDA, Silvio Luiz de. O que é racismo estrutural? Belo Horizonte (MG): Letramento, 2018.

CARNEIRO, Claudio; NICOLITT, Andre. Análise econômica do direito de punir e a falência do cárcere no Brasil: uma questão de políticas públicas. Revista Jurídica (FURB)ISSN 1982-4858v. 22, nº. 48, maio/ago. 2018, p. 16. Disponível em: https://proxy.furb.br/ojs/index.php/juridica/article/download/7875/4112. Acesso em: 19 de jul. 2019.

CERVINI, Raul. Os processos de descriminalização. Tradução Eliana Granja. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.

MBEMBE, Achille. A crítica da Razão Negra. Tradução de Marta Lança. Lisboa: Antígona, 3. ed, 2014.

OLDONI, Fabiano; SILVA, da Luiz Márcio. ESTUDOS SOBRE O SISTEMA PRISIONAL: DA SELETIVIDADE À ILEGALIDADE. Organização: Fabiano Oldoni e Pollyana Maria da Silva. Manuscritos Editora, 2017, p. 89.

ROIG, Estrada Duque Rodrigo. Política criminal neoliberal e execução de pena. In: Cárcere sem Fábrica: escritos em homenagem a Massimo Pavarini. Organização André Giamberardino, Rodrigo Duque Estrada Roig, Salo de Carvalho. 1ª ed. Rio de Janeiro: Revan, 2019, p. 48.

SOUZA, Taiguara Libano Soares e. A era do grande encarceramento: tortura e superlotação prisional no Rio de Janeiro/Taiguara Líbano Soares e Souza. 1ª ed. Rio de Janeiro: Revan, 2018.

TANCREDO, João; PEDRINHA, Duboc Roberta; SOUZA, e Soares Líbano Taiguara. Seletividade no sistema de (in)justiça criminal: o (des)caso Rafael Braga. Seletividade do sistema pena: o caso Rafael Braga/ organização João Ricardo Wanderley Dornelles, Roberta Duboc Pedrinha, Sérgio Francisco Carlos Graziano Sobrinho. 1 ed. Rio de Janeiro: 2018., p. 147.

PEDRINHA, Roberta Duboc. Uma abordagem tridimensional do espaço do cárcere: da

ZAFFARONI, Eugênio Raúl. Observações gerais sobre os mecanismos de deslocamento lesivos de Direitos Humanos. In; Cárcere sem Fábrica: escritos em homenagem a Massimo Pavarini. Organização André Giamberardino, Rodrigo Duque Estrada Roig, Salo de Carvalho. 1ª ed. Rio de Janeiro: Revan, 2019.

 

 

 



[1] Ibid, p. 165.

[2] ROIG, Estrada Duque Rodrigo, op. cit., pp. 49-50, 59.

[3] Na atualidade, tem-se a Lei 13.964/2019, que em muitos pontos é exemplificativa dessa “política radical de superfície penal” que contribui para cronificação de mazelas carcerárias e não se mostra apta a resolver os problemas viscerais do sistema.

Sobre o autor
Bruno Joviniano de Santana Silva

Defensor Público. Ex Advogado da Petrobrás. Ex Analista Judiciário do TJDFT. Especialista em Direito Público pela Universidade Anhanguera Uniderp.

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