Posso fazer um Testamento deixando tudo para terceiros mesmo tendo diversos parentes?

11/12/2023 às 16:32
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A ELABORAÇÃO DE UM TESTAMENTO deve ser feita com estrita observação às regras da Lei para que a vontade do testador/instituidor seja preservada e cumprida. Como sempre falamos aqui, o melhor dos conselhos em se tratando de Testamento será sua elaboração por Testamento Público (com um Tabelião em Cartório de Notas) contando com a assistência de um Advogado Especialista apresentando uma minuta previamente feita com base na vontade do interessado - muito embora a Lei não exija a presença de Advogado para realização de Testamento Públicos e muito menos Tabelião para que um testamento possa ser feito.

A bem da verdade, como se conclui analisando as regras do Código Civil, o interessado pode até sozinho e sem conhecer as regras da Lei fazer seu "testamento" sem ir ao Cartório (o chamado "Testamento Particular") e inclusive sem assessoria jurídica de Advogado, porém, é bom que se saiba que até essa forma mais simplificada tem regras que precisam ser observadas já que, caso isso não ocorra, a vontade manifestada correrá sério risco de não ser levada a efeito; quando isso acontece, o testamento não é considerado válido e entra em cena a sucessão legítima tal como desenhada no artigo 1.829 do Código Civil com divisão do acervo hereditário já previsto em Lei, que pode não ser exatamente o desejo do Testador. A regra tem previsão na parte final do artigo 1.788 do CCB que determina:

"Art. 1.788. Morrendo a pessoa sem testamento, transmite a herança aos herdeiros legítimos; o mesmo ocorrerá quanto aos bens que não forem compreendidos no testamento; e subsiste a sucessão legítima se o testamento caducar, ou for julgado nulo".

Um aspecto importante que vale para as disposições GRATUITAS (tanto Doação quanto o Testamento) diz respeito ao respeito à LEGÍTIMA que pertence aos herdeiros necessários. Em sede de Testamento as disposições deverão também respeitar a parte indisponível (legítima) que pertence aos herdeiros necessários. A regra está contida no par.1º do art. 1.857 do CCB:

"Art. 1.857. Toda pessoa capaz pode dispor, por testamento, da totalidade dos seus bens, ou de parte deles, para depois de sua morte.

§ 1º. A legítima dos herdeiros necessários não poderá ser incluída no testamento" .

Em sede de doação a regra está no art. 549 que busca, em sua essência, tutelar a chamada "expectativa patrimonial dos herdeiros necessários" do doador. Por sua vez, herdeiros necessários são aqueles informados no art. 1.845 do Códex, que no artigo seguinte esclarece bem sobre a legítima que lhes pertence por direito:

"Art. 1.845. São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge.

Art. 1.846. Pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima".

Merece destaque, ainda que a norma não informe expressamente, que o (a) COMPANHEIRO (A) também deve ser considerado HERDEIRO NECESSÁRIO em pé de igualdade com o "cônjuge", como confirma a jurisprudência do STJ e do STF (REx 646.721 e 878.694).

PORTANTO, não tendo herdeiros necessários pode com toda certeza haver disposição testamentária sobre a integralidade do patrimônio em favor de terceiros (especialmente que não tenham qualquer parentesco com o instituidor), mesmo que existam colaterais (irmãos, tios, sobrinhos etc) já que a estes não pertence a legítima, como informa o art. 1.846, só podendo alcançar a herança (por inteiro: legítima + parte disponível) na hipótese de inexistirem quaisquer daqueles indicados nos incisos II, II e III do art. 1.829 - dentre eles o (a) COMPANHEIRO (A), como esclarece o artigo 1.839. Oportuno lembrar também que, como reza o artigo 1.850, "Para excluir da sucessão os herdeiros colaterais, basta que o testador disponha de seu patrimônio sem os contemplar". Na hipótese em que o testador, tendo herdeiros necessários, indevidamente disponha sobre a legítima, deverão ser observadas as regras do art. 1.967 do CCB, preservando as disposições compatíveis com o direito dos herdeiros necessários - razão pela qual, nesse caso, não se deve falar em anulação de testamento mas sim em "redução das disposições testamentárias".

POR FIM, a jurisprudência do TJRJ atestando com base nos precedentes do STF que a (o) companheira (o) é herdeira necessária:

"TJRJ. 00067574420198190000. J. em: 14/06/2019. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO CIVIL. SUCESSÃO. PEDIDO DE HABILITAÇÃO DE COLATERIAIS COM O CÔNJUGE SOBREVIVENTE. DECISÃO QUE DETERMINOU A EXCLUSÃO, RECONHECENDO A IMPOSSIBILIDADE DE CONCORRÊNCIA COM O CÔNJUGE. ANTE A AUSÊNCIA DE DESCENDENTES E ASCENDENTES. ART. 1829. ORDEM DE VOCAÇÃO HEREDITÁRIA. - Sucessão do companheiro que deve seguir a mesma regra da sucessão do cônjuge, que, na qualidade de herdeiro necessário, afasta a concorrência dos parentes colaterais, recebendo a totalidade da legítima, nos casos em que não concorra com descendentes ou ascendentes -A jurisprudência inclusive tem admitido a aplicação do art. 1829, do CC/02 não somente para o cônjuge, mas também para o companheiro (a), colocando-os em posição de igualdade na sucessão. Ausência de controvérsia. DESPROVIMENTO DO RECURSO".

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Sobre o autor
Julio Martins

Advogado (OAB/RJ 197.250) com extensa experiência em Direito Notarial, Registral, Imobiliário, Sucessório e Família. Atualmente é Presidente da COMISSÃO DE PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS da 8ª Subseção da OAB/RJ - OAB São Gonçalo/RJ. É ex-Escrevente e ex-Substituto em Serventias Extrajudiciais no Rio de Janeiro, com mais de 21 anos de experiência profissional (1998-2019) e atualmente Advogado atuante tanto no âmbito Judicial quanto no Extrajudicial especialmente em questões solucionadas na esfera extrajudicial (Divórcio e Partilha, União Estável, Escrituras, Inventário, Usucapião etc), assim como em causas Previdenciárias.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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