Da Coação no Direito Penal

12/12/2023 às 07:43

Resumo:

Resumo sobre Coação no Direito Penal


  • A liberdade é um direito fundamental protegido pela Constituição e por documentos internacionais, como a Declaração Universal dos Direitos do Homem.

  • Coartar indevidamente a liberdade alheia, como no constrangimento ilegal ou na coação durante o processo, é considerado crime sob o Direito Penal.

  • A jurisprudência destaca que a coação como causa excludente de culpabilidade só é reconhecida quando há prova cabal de que a vontade do sujeito foi oprimida por ameaça grave e iminente.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Da Coação no Direito Penal

Sumário. Atributo fundamental do homem, a liberdade não lhe pode ser coartada (ou restringida), salvo por expressa disposição legal, conforme estabelece, peremptoriamente, a Constituição da República: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (art. 5º, nº II).

I. A Declaração Universal dos Direitos do Homem, promulgada pela ONU em 10 de dezembro de 1948, assentou, no art. 1º, em caracteres que se deviam imprimir com letras de ouro, esta máxima, sobre todas veneranda: “Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos”.(1)

É a liberdade, portanto, inerente ao homem; é-lhe um bem e direito congênito. Donde a haver definido Cícero, em termos irrestritos: Em suma, que coisa é a liberdade? É o poder de viver cada um como quiser.(2)

Evidenciou-lhe a acepção definitiva o aforismo jurídico: “Libertas est potestas faciendi id quod jure licet”.(3)

Entre nós, esse magno princípio tem o caráter de direito e garantia fundamental do indivíduo: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (art. 5º, nº II, da Const. Fed.).

Por sua natureza de atributo pessoal intangível, coartar indevidamente a liberdade alheia constitui crime: constrangimento ilegal.(4)

Por importar grave dano à administração da Justiça, cai também sob a sanção do Direito Penal a denominada coação no curso do processo.(5)

“Se alguma coisa divina existe entre os homens, é a Justiça”, escreveu o nosso Rui.(6) Por isso, atento o seu caráter peculiar, as coisas da Justiça nunca se profanam sem grave prejuízo da verdade real, que é a alma e o escopo de todo o processo; daqui veio o averbar a lei de crime a conduta de quem intimida testemunha (coação no curso do processo).

Tanta é sua relevância nas esferas da criminalidade, que constitui caso típico e razão bastante para a decretação da prisão preventiva do agente, “última forma coercitiva para casos excepcionalíssimos”, na frase de Lucchini (cf. Rev. Tribs., vol. 130, p. 3).

Na condição de diretor do processo e presidente da audiência, ao Magistrado cumpre adotar as medidas que lhe parecerem, para obstar a prática de atos atentatórios da dignidade da Justiça.

II. No que respeita à coação, tem-lhe a jurisprudência dos Tribunais posto em relevo alguns aspectos atendíveis; pelo seu alcance, não será fora de propósito reproduzi-los aqui:

1. No geral sentir dos doutores, para invocar a coação (art. 22 do Cód. Penal), cumpre tenha sido o interessado reduzido à incapacidade absoluta de atuar conforme sua própria vontade (TACrimSP; Ap. nº 1.102.347/8).

2. A coação havida como causa excludente de culpabilidade será só aquela que suprima no indivíduo a liberdade de agir, tansformando-o em instrumento passivo da execução do crime (TACrimSP; Ap. nº 1.077.655/2).

3. Apenas cai sob o preceito do art. 22 do Cód. Penal a hipótese de coação moral irresistível, i.e., a que vem “acompanhada de perigo sério e atual, de que ao coagido não é possível eximir-se, ou que extraordinariamente difícil lhe seria suportar” (Nélson Hungria, Comentários ao Código Penal, 1978. vol. I, t. II, p. 259). A circunstância de não ter o réu arguido prontamente a coação, mas só após o decurso de assaz de tempo, trai a presunção de que o vício não existiu (TACrimSP; Ap. nº 1.052.025/9).

4. É ônus que toca à Defesa (art. 156 do Cód. Proc. Penal) provar, cumpridamente, que o réu obrou sob coação irresistível (art. 22 do Cód. Penal). Meras alegações e fracos indícios não autorizam o reconhecimento da excludente de culpabilidade, antes servem de confissão de culpa (TACrimSP; Ap. nº 1.125.885/8).

5. Para invocar a coação, como causa de exclusão de culpabilidade (art. 22 do Cód. Penal), é mister que a vontade do sujeito passivo tenha sido obliterada por força invencível de outrem (TACrimSP; Ap. nº 1.179.429/0).

6. A causa de exclusão da culpabilidade prevista no art. 22 do Cód. Penal (coação irresistível) somente se reconhece em face de prova cabal e plena (e não de mera alegação) de que a vontade do sujeito foi oprimida por ameaça grave de mal iminente (TACrimSP; Ap. nº 1.246.411/9).

7. A tese da coação moral irresistível, causa de exclusão de culpabilidade, só prevalece diante de prova cabal e inequívoca de que o agente praticou o fato constrangido por grave ameaça (art. 22 do Cód. Penal); do contrário, responderá como autor de crime (TACrimSP; Ap. nº 1.300.383/5).

8. Não há reconhecer a excludente de coação moral irresistível em favor do agente que não lhe tenha provado os requisitos legais nem ilidido os elementos que, nos autos, afirmem com rigor sua culpabilidade (TACrimSP; Rev. Crim. nº 372.556/0).

9. Para invocar a coação, como causa de exclusão de culpabilidade (art. 22 do Cód. Penal), urge que a vontade do sujeito passivo tenha sido aniquilada por força inelutável de outrem (TACrimSP; Ap. nº 1.321.915/7).

10. Apenas a certeza do procedimento arbitrário ou ilegal da autoridade, apto a causar coação física moral ao paciente, pode justificar-lhe a concessão de salvo-conduto, não o infundado receio de que venha a ser preso e processado criminalmente (TACrimSP; “Habeas Corpus” nº 426.736/9).

III. O tema da coação no curso do processo fez o objeto do “habeas corpus” julgado pela 5a. Câmara da Seção Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, cujo acórdão vai adiante copiado.

PODER JUDICIÁRIO

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Quinta Câmara – Seção Criminal

Apelação Criminal nº 993.03.059873-4

Comarca: Serra Negra

Apelante: AP

Apelado: Ministério Público

Voto nº 11.941

Relator

– Para a configuração do crime previsto no art. 344 do Cód. Penal (coação no curso do processo), basta a ameaça grave a testemunha ou vítima, capaz de infundir-lhe no ânimo justificável receio.

– O decurso do tempo apaga a memória do fato punível e a necessidade do exemplo desaparece (Abel do Vale; apud Ribeiro Pontes, Código Penal Brasileiro, 8a. ed., p. 154).

– A prescrição intercorrente (art. 110, § 1º, do Cód. Penal) “constitui forma de prescrição da pretensão punitiva (da ação), que rescinde a própria sentença condenatória” (Damásio E. de Jesus, Código Penal Anotado, 18a. ed., p. 358).

– Decretada a extinção da punibilidade do apelante pela prescrição da pretensão punitiva estatal, já nenhuma outra matéria poderá ser objeto de exame ou deliberação.

1. Condenado por sentença do MM. Juízo de Direito do Foro Distrital de Lindoia (Comarca de Serra Negra), à pena de 1 ano e 2 meses de reclusão, no regime aberto, e 11 dias-multa, por infração do art. 344, “caput”, do Código Penal (coação no curso do processo), substituída a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, interpôs AP recurso para este Egrégio Tribunal, no intuito de reformá-la.

Nas razões de apelação, subscritas por esforçado patrono, afirma não obrara com dolo, pelo que pleiteia absolvição, na trilha do art. 386, nº VI, do Código de Processo Penal.

No caso, todavia, que a colenda Câmara lhe confirme o edito condenatório, requer a substituição da pena privativa de liberdade por limitação dos finais de semana e prestação pecuniária (fls. 384/388).

A douta Promotoria de Justiça apresentou contrarrazões, nas quais repeliu a pretensão da nobre Defesa e propugnou a confirmação da r. sentença de Primeiro Grau (fls. 400/402).

A ilustrada Procuradoria-Geral de Justiça, em esmerado e erudito parecer da Dra. Tereza Cristina M. K. Exner, opina pelo improvimento da apelação (fls. 410/414).

É o relatório.

2. O órgão do Ministério Público deu denúncia contra o réu porque, entre os dias 15 de outubro de 1999 e 13 de fevereiro de 2001, em Águas de Lindoia (Comarca de Serra Negra), obrando em concurso e unidade de propósitos com SFS, usou de grave ameaça contra a testemunha Luzia Gomes dos Santos, para satisfazer interesse próprio, nos autos da Ação Penal nº 406/99, forçando-a a alterar seu depoimento em Juízo, sob a assertiva de que, se não mentisse, acabaria presa.

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Encetada a persecução penal, correu o processo os termos da lei; por fim, a r. sentença de fls. 350/361 houve por procedente a denúncia e condenou o réu, que, inconformado, comparece a esta augusta Corte de Justiça, clamando por absolvição.

3. As razões expendidas por seu dedicado e competente patrono, embora apresentem certo peso e relevo, não se sobrelevam às que deram corpo e alento à r. sentença, forçosas e terminantes.

Com efeito, os elementos reunidos no processado demonstram, além de dúvida sensata, que o réu violou, em seu espírito e forma, o preceito do art. 344 do Código Penal, pois constrangeu a testemunha Luzia Gomes dois Santos a faltar com a verdade em Juízo.

Inquirida na instrução da causa, afirmou a citada testemunha que o réu AP a procurara e pedira que mentisse em Juízo, em ponto de seu interesse, aliás lhe infligiria algum mal, e esse grave (fl. 267, “in fine”).

Em assim obrando, o réu perfez o tipo legal da coação no curso do processo.

Cai a propósito reproduzir aqui a jurisprudência deste Egrégio Tribunal:

“Basta que tenha havido ameaça grave, capaz de incutir na vítima justificável receio, para que se configure o delito do art. 344 do Código Penal” (Julgados do Tribunal de Justiça, vol. 177, p. 291; rel. Nélson Fonseca).

A condenação do réu, portanto, era indeclinável. Foi-lhe a pena proporcionada à culpa, e o regime o previsto em lei (aberto).

Merece confirmada, em suma, a r. sentença que proferiu a distinta e culta Magistrada Dra. Ana Paula Schleiffer.

4. O Estado, entretanto, já não tem o direito de executar a pena imposta ao réu, por extinta sua punibilidade; ocorreu, no caso, com efeito, prescrição superveniente à sentença.

Nos termos do art. 109, nº V, do Código Penal, a pena não superior a 2 anos prescreve em 4.

Ora, desde a publicação da r. sentença 26.12.2002 (fl. 362) —, até aqui decorreu lapso de tempo superior a 4 anos, suficiente ao reconhecimento da prescrição.

Cumpre, de conseguinte, decretar a extinção da punibilidade do réu pela prescrição intercorrente, que “constitui forma de prescrição da pretensão punitiva (da ação), que rescinde a própria sentença condenatória” (Damásio E. de Jesus, Código Penal Anotado, 18a. ed., p. 358).

Realmente:

“Não tendo havido recurso da acusação, o prazo prescricional, a partir da publicação da sentença, é regulado pela pena imposta” (Damásio E. de Jesus, Prescrição Penal, 9a. ed., p. 49).

Ainda:

“(…) a partir da publicação da decisão condenatória, aplicado exclusivamente o § 1º do art. 110, teremos a incidência da extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva (ação penal). Não subsistem a sentença nem seus efeitos principais e acessórios. E o Tribunal não precisa apreciar o mérito, ficando prejudicada a apelação (Idem, ibidem).

Justicia, a inteligência artificial do Jus Faça uma pergunta sobre este conteúdo:

5. Pelo exposto, nego provimento ao recurso e, de ofício, declaro extinta a punibilidade do réu pela prescrição intercorrente da pretensão punitiva estatal, com fundamento nos arts. 107, nº IV, 109, nº V, e 110,
§ 1º, do Cód. Penal
e 61 do Cód. Proc. Penal.

São Paulo, 9 de julho de 2009

Des. Carlos Biasotti

Relator

Notas:


  1. Apud Jayme de Altavila, Origem dos Direitos dos Povos, 4a. ed., p. 222; Edições Melhoramentos; São Paulo.

  2. “Quid est enim libertas? Potestas vivendi ut velis” (Paradoxa, V, 1,34).

  3. A liberdade consiste em fazer aquilo que a lei permite.

  4. “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda: Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa” (art. 146 do Cód. Penal).

  5. Art. 344 do Cód. Penal (coação no curso do processo): “Usar de violência ou grave ameaça, com o fim de favorecer interesse próprio ou alheio, contra autoridade, parte, ou qualquer outra pessoa que funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, policial ou administrativo, ou em juízo arbitral: Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, além da pena correspondente à violência.

  6. Obras Completas de Rui Barbosa, vol. XXV, t. IV, p. 329.

Sobre o autor
Carlos Biasotti

Desembargador aposentado do TJSP e ex-presidente da Acrimesp

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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