Limitações aos Direitos Fundamentais

14/12/2023 às 16:28
Leia nesta página:

Direitos fundamentais são os que estão consagrados na Constituição, sendo, portanto, direitos constitucionais.

São aqueles direitos que o legislador constituinte considerou mais importantes e decisivos, que são próprios das pessoas, que derivam da dignidade da pessoa humana.

Pelo magistério de Jorge Reis Novais, “um Estado de Direito é um Estado vinculado à observância de uma pauta material de valores entre os quais o princípio da dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais desempenham um papel essencial”1.

Quando alguém considera que seus direitos estão sendo limitados, pode-se dizer que seus direitos estão sendo ilegitimamente limitados.

Como explica José Reis Novais, “os direitos fundamentais assumem, naturalmente, o caráter de direitos contra o Estado, de garantias da autonomia individual contra as invasões do soberano”2.

Após a Segunda Guerra Mundial os direitos fundamentais adquirem a importância na vida jurídica e prática, que tem hoje.

Os direitos fundamentais são direitos humanos internacionalizados e positivados no ordenamento jurídico constitucional de um país.

Já os direitos humanos são critérios de direito internacional. São aplicados de forma igualitária e sem distinção.

A partir do momento em que uma garantia jurídica, um direito humano é universalmente reconhecido e positivado pela Constituição de um Estado, ele passa a ser identificado como um direito fundamental.

Quando a Constituição acolhe um direito fundamental, ela deixa de sujeitar esse direito à vontade e interesse do poder público democraticamente eleito.

Assim, a última palavra sobre a vigência desse direito fundamental deixa de ser da maioria democrática e passa a ser do poder judiciário, dos tribunais constitucionais, do juiz constitucional.

Os direitos fundamentais não dependem da maioria política e são extraídos diretamente da Carta Constitucional, que possuem direitos que não podem sequer serem retirados por vontade da maioria.

Possuem aplicabilidade direta e imediata, não dependendo de intermediação do legislador e na hipótese de depender, o próprio Supremo Tribunal Federal poderá intervir, seja através de mandado de injunção, seja através de ação declaratória de inconstitucionalidade por omissão.

Além disso, a nossa Constituição Federal é uma carta de direitos aberta, como previsto no artigo 5°, parágrafo 2°:

§ 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

Isso equivale a dizer que a nossa Constituição sempre se moldará às mudanças da sociedade, permitindo a inserção de novos direitos fundamentais.

Contudo, como ensina Jorge Reis Novais, todos os direitos fundamentais são limitáveis, não havendo direitos absolutos:

A regra geral é de que todos os direitos fundamentais são limitáveis, não há direitos absolutos, no sentido de que todos os direitos, dependendo das circunstâncias concretas do caso e dos valores e bens dignos de proteção que se lhes oponham, podem ter de ceder. Pode-se dizer que a própria limitabilidade decorre da própria natureza dos direitos fundamentais. Os direitos fundamentais, todos eles, por natureza, imanentemente dotados de uma reserva geral de ponderação que tem precisamente aquele sentido: independentemente da forma e força constitucional que lhes é atribuída, eles podem ter que ceder perante a maior força ou peso que apresenta, no caso concreto, os direitos, bens, princípios ou interesses de sentido contrário3.

Assim, a complexidade dos direitos fundamentais surge no momento em que se tornam trunfos que os cidadãos possuem contra as decisões da maioria. Independente do que a maioria disser, do que o Parlamento disser, se o Tribunal reconhecer um direito fundamental, irá protegê-lo.

Jorge Reis Novais vai trazer a ideia de reserva de ponderação, que garantiria o equilíbrio entre poder democrático e Estado de Direito.

E isso porque ao mesmo tempo em que a Constituição fornece uma grande gama de direitos fundamentais, ela também consagra outros princípios, interesses, que eventualmente, em situações concretas, podem obrigar a limitação dos direitos fundamentais.

O interesse público poderá comprimir interesses individuais. A última análise sempre será do Tribunal Constitucional, ficando assim evidente a sua importância no momento de sopesar os direitos fundamentais.

Qualquer direito fundamental cede, e deve ceder, quando nas circunstâncias do caso concreto há um outro valor, bem ou princípio que apresenta maior peso que o interesse jusfundamental. Cabe, então, à jurisdição constitucional assegurar a força de resistência dos direitos fundamentais, verificando quando o peso de um interesse digno de proteção é suficientemente forte para justificar, à luz de princípios constitucionais, a cedência do direito fundamental ou quando, pelo contrário, a invocação de uma razão de interesse público apenas esconde o desígnio de imposição da mundividência particular dos detentores conjunturais do poder em atropelo ao sentido dos direitos fundamentais enquanto trunfos contra a decisão da maioria4.

Se de um lado tivermos um único direito fundamental, e do outro lado existir outro direito fundamental, haverá ponderação de valores.

O caso abaixo, de relatoria do Ministro Dias Toffoli exterioriza exatamente o que estamos explicando:

EMENTA Agravos regimentais em recurso extraordinário. Ação civil pública. Divulgação de imagens de presos provisórios. Direito à informação versus direito à intimidade. Aparente conflito normativo entre direitos fundamentais, os quais não são absolutos. Ponderação de valores. Solução no caso concreto dada pelas instâncias ordinárias. Exposição de imagem de preso provisório desacompanhada do respectivo nome, endereço ou profissão apenas de forma excepcional e motivada. Precedentes. Agravos regimentais não providos. 1. A Corte de Origem determinou que os agentes públicos apenas excepcionalmente e de forma motivada promovam a exposição de imagem de preso provisório, a qual, nesse caso, deve ser desacompanhada do respectivo nome, endereço ou profissão, a fim de minimizar os danos provocados pela exposição midiática da imagem. 2. Adotou-se como critério de julgamento, no acórdão recorrido, a razoabilidade, exercendo-se um juízo de ponderação entre valores de igual estatura constitucional, entre os quais sobressaem o direito à informação e o direito à intimidade. 3. Não há direitos fundamentais absolutos, cabendo ao julgador, dadas as circunstâncias do caso concreto, em juízo de ponderação, avaliar qual princípio deverá prevalecer. 4. Agravos regimentais não providos. (RE 1292275 AgR, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 03-05-2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 19-05-2023 PUBLIC 22-05-2023)

Trata-se de uma ação civil pública em que se discutia o direito à intimidade de presos provisórios versus direito à informação.

Em trecho da decisão lê-se: “Não há direitos fundamentais absolutos, cabendo ao julgador, dadas as circunstâncias do caso concreto, em juízo de ponderação, avaliar qual princípio deverá prevalecer”.

A doutrina de Jorge Reis Novais confirma tal assertiva:

A maioria política pode decidir a limitação de direitos fundamentais, mas essa intenção vai estar sujeita ao escrutínio da justiça constitucional, a quem cabe verificar se a pretendida cedência do direito se deve ao peso especifico que apresenta, face ao direito fundamental, o interesse justificador da restrição (cuja prevalência deve, enquanto tal, ser fundamentável em razões de razoabilidade e de justiça compartilháveis por qualquer pessoa razoável e não apenas por aqueles que perfilhem uma dada concepção particular do bem ou da vida virtuosa, isto é, no caso, a concepção do bem dos titulares do poder) ou se o que está em causa é, no fundo, a tentativa de sacrifício da liberdade individual ao fim de imposição dessa particular mundividência a toda a sociedade5.

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O sistema judiciário no Brasil permite que pelo controle de constitucionalidade todos os juízes apliquem a Constituição, mas o Supremo Tribunal Federal também pode ser provocado diretamente, visto que de acordo com o artigo 103 da Carta de Direitos, há muitos legitimados para isso.

O Ministro Dias Toffoli traz a ideia de ponderação ao destacar o conflito entre o direito à intimidade, extensão do princípio da dignidade humana, das pessoas submetidas a medidas cautelares, reversíveis, e o direito à informação, visto que a divulgação de imagens dos presos provisórios seria importante para a sociedade tomar conhecimento de atividades delituosas praticadas por tais pessoas, bem como possibilitaria a identificação de possíveis vítimas ou testemunhas:

Quando ocorre um conflito entre princípios encartados na Constituição Federal, sua aplicação à situação posta não se dará pela incidência integral de um e exclusão integral de outro, devendo o aplicador do direito verificar, em cada caso concreto, qual princípio deve ser prestigiado e qual deve ceder espaço naquela específica hipótese descrita nos autos.

Na seara da harmonização dos princípios constitucionais não é possível afirmar de modo apriorístico e genérico, como está sendo discutido no bojo da presente ação civil pública, que um princípio deve sempre sobressair em relação a outro, mormente quando nos deparamos com preceitos tão caros ao Estado Democrático de Direito6

Cabe destacar que toda restrição a direito fundamental será considerada inconstitucional no caso de violação de Estado de Direito, que é ligado ao princípio da dignidade da pessoa humana e à indisponibilidade dos direitos fundamentais.

Assim, o juízo de ponderação determinará qual princípio deverá prevalecer, consubstanciado em contexto fático, caso concreto, e no caso aqui trazido, o direito à informação versus o direito à privacidade, intimidade.

Certo é que sempre haverá incertezas quanto à ponderação dos direitos fundamentais e suas limitações em relação a outros direitos fundamentais, cabendo ao julgador de cada caso realizar o juízo de ponderação e estabelecer os limites de um direito fundamental versus outro direito fundamental.


  1. NOVAIS, Jorge Reis. Direitos Fundamentais e Justiça Constitucional. Em Estado Democrático de Direito. Coimbra: Coimbra Editora, 2012, p.17.

  2. NOVAIS, Jorge Reis. Contributo para uma Teoria do Estado de Direito. Coimbra: Edições Almedina, 2006, p.78

  3. NOVAIS, Jorge Reis. Direitos Fundamentais: Trunfos Contra a Maioria. Coimbra: Coimbra Editora, 2006, p.49/50.

  4. Op. Cit. p.58/59.

  5. Op. Cit. p.63.

  6. ____________________________________________BRASIL. Supremo Tribunal Federal. (1ª Turma) AG.

    REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 1.292.275 RIO DE JANEIRO. Agravos regimentais em recurso extraordinário. Ação civil pública. Divulgação de imagens de presos provisórios. Direito à informação versus direito à intimidade. Aparente conflito normativo entre direitos fundamentais, os quais não são absolutos. Ponderação de valores. Recorrente: Estado do Rio de Janeiro. Recorrido: Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro. Relator: Ministro Dias Toffoli. 03 de maio de 2023. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=767815068. Acesso em 10 dez.2023.

Sobre a autora
Ana Carolina Rosalino Garcia

Advogada graduada em Direito pela Universidade Paulista (2008). Membro da Ordem dos Advogados do Brasil, Secção São Paulo desde 2009. Pós-graduada em Direito Civil e Processo Civil pela Escola Paulista de Direito (EPD). Possui MBA em Administração de Empresas com Ênfase em Gestão pela Fundação Getúlio Vargas - FGV / EAESP - Escola de Administração de Empresas de São Paulo. Pós-graduada em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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