Pode o RGI para fins de Usucapião Extrajudicial do meu apartamento exigir a prévia regularização de Condomínio Edilício?

18/12/2023 às 16:21
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USUCAPIÃO exemplifica uma das formas de aquisição da propriedade imobiliária, como reconhece o Código Civil de 2002. A aquisição de imóveis mediante Usucapião ocorre quando reunidos determinados requisitos, partindo sempre da COISA hábil (já que nem todas as coisas/imóveis admitem o fenômeno da Usucapião), POSSE qualificada (já que nem toda posse permite a Usucapião) bem como o TEMPO de posse qualificada exercida sobre a coisa (já que não é qualquer tempo de posse que autoriza a aquisição mediante Usucapião). Algumas espécies de Usucapião também servem para promover a regularização de aquisições imobiliárias problemáticas, já que, conforme orienta a melhor jurisprudência (vide acórdão no processo TJRJ 0322303-34.2017.8.19.0001, julgado em 11/07/2019), uma vez alcançados os requisitos para a aquisição mediante Usucapião não se pode obrigar que o interessado utilize um caminho judicial ou extrajudicial mais complexo e oneroso para a regularização do seu imóvel.

Dito isto, é preciso recordar que ao interessado cabe, com assessoria do seu Advogado Especialista, optar pela via que melhor atenda seus interesses no que diz respeito à Usucapião como ferramenta para regularizar seu imóvel já que desde 2015 com o advento do Novo Código de Processo Civil (Lei Federal 13.105/2015) se tornou possível a USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL que é realizada diretamente nos Cartórios Extrajudiciais, sem a necessidade de um Processo Judicial que pode levar anos para sua conclusão e encerramento.

É bom sempre lembrar que a Usucapião Extrajudicial não necessariamente será mais rápida que a Usucapião Judicial. A ideia é que seja, mas se não contarmos com profissionais capacitados, a solução pode ser tão sofrida quanto àquela que pode demorar anos na Justiça. Por profissionais capacitados leiam-se não só os Advogados mas também os Tabeliães, os Registradores e principalmente seus prepostos.

A regulamentação da Usucapião Extrajudicial até 2023 se deu pelo Provimento CNJ 65/2017. Em 2023, mais precisamente em 30/08/2023 em substituição também ao referido Provimento, foi editado o PROVIMENTO CNJ 149/2023 que compila o "Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça - Foro Extrajudicial" (CNN/ CN/CNJ-Extra) com o objetivo de regulamentar os serviços notariais e de registro.

As regras no CNN/CN/CNJ-Extra que dizem respeito à Usucapião Extrajudicial estão no art. 398 e seguintes do referido Código - e o artigo 399 enfatiza a facultatividade do procedimento, especialmente considerando que com o NCC/2015 já não subsiste no ordenamento jurídico um rito processual específico para a Usucapião manejada pela via judicial:

"Art. 399. Sem prejuízo da via jurisdicional, é admitido o PEDIDO DE RECONHECIMENTO EXTRAJUDICIAL DA USUCAPIÃO formulado pelo requerente — representado por advogado ou por defensor público, nos termos do disposto no art. 216-A da LRP —, que será processado diretamente no ofício de registro de imóveis da circunscrição em que estiver localizado o imóvel usucapiendo ou a maior parte dele".

Como se vê, em louvável movimento que já abarca o INVENTÁRIO e a ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA, houve por bem ao Legislador desjudicializar essa importante ferramenta para regularização de imóveis.

Um tipo usual de imóvel que com certa frequência nos deparamos para fins de regularização são os APARTAMENTOS. Esses representam unidades habitacionais instituídas em edifícios (condomínios edilícios) que para sua regularidade devem constar devidamente registrados no RGI, além dos demais cadastros como o da municipalidade, por exemplo. O "Condomínio Edilício", por sua vez, tem perfeita conceituação lapidada pelo ilustre Desembargador Aposentado, hoje Advogado, Dr. CARLOS ROBERTO GONÇALVES (Direito Civil Brasileiro. 2019), que ensina:

"Caracteriza-se o condomínio edilício pela apresentação de uma propriedade comum ao lado de uma PROPRIEDADE PRIVATIVA. Cada condômino é titular, com exclusividade, da unidade autônoma (apartamento, escritório, sala, loja, sobreloja, garagem) e titular de partes ideais das áreas comuns (terreno, estrutura do prédio, telhado, rede geral de distribuição de água, esgoto, gás e eletricidade, calefação e refrigeração centrais, corredores de acesso às unidades autônomas e ao logradouro público etc.) ( CC, art. 1.331)".

A pergunta que trazemos hoje, baseada na prática extrajudicial é: na hipótese de não constar o edifício devidamente regularizado perante o RGI será possível ainda assim o reconhecimento EXTRAJUDICIAL da USUCAPIÃO de apartamento?

Nossa resposta é positiva com base na melhor doutrina e na jurisprudência. Como se verá adiante, não consta entre os requisitos para a procedência da USUCAPIÃO DE APARTAMENTOS a prévia regularidade registral do condomínio sobre o qual possa vir a ser parte a unidade que se deseja usucapir - podendo ser esta não só um apartamento mas também uma loja, uma sala, uma garagem ou qualquer outra unidade autônoma. A doutrina especializada assinada pelo ilustre Registrador Imobiliário, Dr. MARCELO COUTO (Usucapião Extrajudicial. 2021) esclarece:

"O objeto do pedido de usucapião, não obstante ser de uma 'unidade autônoma', não guarda identidade com a situação registral. Logo, o que será usucapido é uma fração ideal do lote, que corresponde a uma unidade de um condomínio informal. (...) Após todo o trâmite extrajudicial, se for reconhecida a aquisição da propriedade, deve-se abrir matrícula para a FRAÇÃO IDEAL do terreno, mencionando-se a unidade a que se refere, conforme determina o § 4º do art. 20 do Provimento 65/2017 do CNJ".

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A referida regra hoje encontra-se estampada no § 4º do art. 417 do citado Provimento CNJ 149/2023 que reprisa o comando na íntegra:

"§ 4º. Tratando-se de usucapião de unidade autônoma localizada em condomínio edilício objeto de incorporação, mas ainda não instituído ou sem a devida averbação de construção, a matrícula será aberta para a respectiva fração ideal, mencionando-se a unidade a que se refere".

Não representa, portanto, qualquer óbice para a usucapião de apartamentos o fato do CONDOMÍNIO ESTAR IRREGULAR perante o Cartório do Registro de Imóveis, razão pela qual deve ser afastada qualquer exigência do RGI no sentido de se exigir a prévia instituição de condomínio para o procedimento, como confirma a acertada jurisprudência do TJRJ:

"TJRJ. 0083532-92.2022.8.19.0001. J. em: 30/11/2023 - CONSELHO DA MAGISTRATURA. REMESSA NECESSÁRIA. DÚVIDA SUSCITADA PELO OFICIAL DO CARTÓRIO DO 6º OFÍCIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL/RJ. REQUERIMENTO DE REGISTRO DE ATAS NOTARIAIS DE USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL. ADIAMENTO EM RAZÃO DA NECESSIDADE DE PRÉVIA REGULARIZAÇÃO DO CONDOMÍNIO EDILÍCIO. SENTENÇA QUE JULGOU A DÚVIDA IMPROCEDENTE. ENCAMINHAMENTO DOS AUTOS A ESTE E. CONSELHO DA MAGISTRATURA, POR IMPOSIÇÃO DO ARTIGO 48, § 2º DA LODJ. PARECER DA PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA PELA CONFIRMAÇÃO DA SENTENÇA. USUCAPIÃO QUE CONSISTE EM AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA DA PROPRIEDADE, POR MEIO DO EXERCÍCIO DE POSSE MANSA E PACÍFICA DO BEM, COM ANIMUS DOMINI, DURANTE O LAPSO DE TEMPO DETERMINADO EM LEI. REGULARIDADE REGISTRAL DE CONDOMÍNIO E DE APARTAMENTO NÃO É REQUISITO PARA O RECONHECIMENTO LEGAL DO INSTITUTO. PRECEDENTES DO STF, STJ E TRIBUNAIS PÁTRIOS. SENTENÇA QUE SE CONFIRMA, EM REEXAME NECESSÁRIO".

Sobre o autor
Julio Martins

Advogado (OAB/RJ 197.250) com extensa experiência em Direito Notarial, Registral, Imobiliário, Sucessório e Família. Atualmente é Presidente da COMISSÃO DE PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS da 8ª Subseção da OAB/RJ - OAB São Gonçalo/RJ. É ex-Escrevente e ex-Substituto em Serventias Extrajudiciais no Rio de Janeiro, com mais de 21 anos de experiência profissional (1998-2019) e atualmente Advogado atuante tanto no âmbito Judicial quanto no Extrajudicial especialmente em questões solucionadas na esfera extrajudicial (Divórcio e Partilha, União Estável, Escrituras, Inventário, Usucapião etc), assim como em causas Previdenciárias.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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