Introdução
As Startups são empresas disruptivas, responsáveis pela produção de novas soluções que podem vir a substituir algum tipo de mercado e que vem mostrando a cada dia o seu grande potencial. Elas possuem uma base inovadora e tecnológica, tendo uma alta escalabilidade, com grande capacidade de crescimento em um curto espaço de tempo. Contudo, parece existir um aparente confronto funcional quando contraposta tais características em face do funcionamento do Poder Público, por vezes aparentemente engessada em funcionamento em razão dos parâmetros legais e institucionais, dentre os fatores pode-se citar mora em seus processos, dificuldades com transparência, baixa produção de resultados, dentre outros.
Dessa forma, se faz necessário não um afastamento pelo aparente antagonismo, mas a união desses dois agentes para que ambos possam se satisfazer. De um lado, as Startups podem se beneficiar através de incentivos fornecidos pelo Poder Público, e a administração pública, por sua vez, através da inovação em produtos e serviços ofertados por esse modelo de empresa. Porém, mesmo após a segurança jurídica dada pelo Marco Legal das Startups (Lei 182/2021), o qual trouxe novas formas de fomento e contratação, nota-se que ainda há uma enorme escassez nessa relação como se verá a seguir.
Administração Pública
O primeiro desafio se impõe em razão de estrutura institucional aparentemente estanque, dada a dimensão dos conceitos sobre o que se considera Administração Pública. O professor José Afonso da Silva conceitua a administração pública como “um conjunto de meios institucionais, materiais, financeiros e humanos preordenados à execução de decisões políticas” (SILVA, 2011, p. 656).
De acordo com a Professora Mestre Paula Ramos Nora (2008), a Administração Pública é o conjunto de atividades realizadas pelo governo para o planejamento, implementação e avaliação de políticas e programas voltados para o bem-estar da sociedade.
Alguns conceitos fundamentais nesse campo incluem políticas públicas, gestão pública, participação cidadã, eficiência, eficácia e efetividade, planejamento estratégico, transparência, desenvolvimento sustentável, gestão de pessoas e gestão por resultados.
Dessa forma, podemos definir a Administração Pública como um conglomerado de órgãos e serviços do Estado com ação para satisfazer seus fins de conservação, de bem-estar individual dos cidadãos e progresso social. O direito administrativo parte de uma análise no sentido material e formal da Administração Pública, sendo a primeira como conjunto de funções fundamentais aos serviços públicos em geral, e a segunda como um conjunto de órgãos instituídos para alcançar os objetivos do governo (PAULINO, 2021).
Para Meirelles (2002), “Administração Pública, em sentido formal, é o conjunto de órgãos instituídos para consecução dos objetivos do Governo; em sentido material, é o conjunto das funções necessárias aos serviços públicos em geral” (MEIRELLES, 2002, p 3). Portanto, o ato de administrar pode ser conceituado como fator de gerir interesses, de acordo com a moral, a lei e em sua estrita finalidade se tratando da entrega para outrem em favor da sua preservação.
Ainda segundo Meirelles (2002), a administração pública se responsabiliza por gerir bens e interesses voltados para a comunidade em esfera federal, estadual e municipal, sempre visando o bem de todos, conforme exigido pelos princípios morais e legais. Dessa forma, partindo de uma concepção mais objetiva, enxerga-se a Administração Pública como uma ferramenta do Estado que irá agir em prol de satisfazer seus fins de conservação e almejando progresso e o bem de cada cidadão; De forma subjetiva, podem ser vistos como órgãos que desenvolvem atividades em favor do Estado.
Segundo Ferreira (2014), a administração pública e sua natureza está ligada a uma obrigação imposta por lei, em atendimento ao Poder Público, ou múnus público, que obriga o administrador público a exercer suas atividades seguindo preceitos do direito e moral de âmbito administrativo, assumindo um sério compromisso ao se inserir em cargo ou função pública, de forma que garanta suprir suas necessidades. O bem comum de sua coletividade, serve como apoio para objetivar os fins da administração pública, sendo esse o propósito final.
A impressão de engessamento da Administração fica, por hora patente, e pode de maneira razoável ser defendida com fulcro da Supremacia do Interesse Público, bem como principalmente na Indisponibilidade do Interesse Público, contudo, existem outras normas orientadoras da Administração que carecem e cobram prestação eficiente, inovação institucional e desenvolvimento tecnológico.
Inovação como caminho
Neste ponto, reside outro desafio, buscar de maneira incessante e segura juridicamente a inovação, diante do aparente cerceamento da liberdade de agir na administração, por ora fundada inclusive na ideia de legalidade.
Para tanto, seria necessário, inovar sem prejuízo de regular, o termo inovar deriva do latim in+novare, que significa “fazer novo”, renovar, alterar algo. Segundo a empresa Inova Consulting, “a Inovação de forma objetiva significa ter uma nova ideia.” (CONSULTING, 2016, p. 4).
A inovação começou a tomar forma na Administração Pública após constantes mudanças sociais e econômicas em meados da década de 80, quando a globalização forçou empresas a se atualizarem e inovarem. Portanto, as novas práticas agora eram visíveis nos demais países e foi requerido ao Poder Público que se adaptasse devido à grande necessidade em oferecer qualidade nos seus serviços para a população.
Além disso, uma série de fatores contribuíram para a necessidade de mudança na Administração Pública. O primeiro foi a crescente complexidade das demandas sociais, econômicas e políticas, que exigiam respostas mais rápidas e eficientes do Estado. Tal fator, somado à globalização e às novas tecnologias permitiram uma maior conectividade e interdependência entre as nações, exigindo uma abordagem mais integrada e colaborativa da Administração Pública (CAVALCANTE et al., 2017).
Outro fator importante foi a crescente pressão da sociedade civil por transparência, participação e responsabilidade na tomada de decisões governamentais. Essas demandas foram impulsionadas por movimentos sociais, Organizações Não Governamentais (ONGs) e organizações de defesa dos direitos humanos, que buscavam ampliar a participação popular e garantir uma Administração Pública mais justa e democrática (CAVALCANTE et al., 2017).
Dessa forma, buscando atender a essas demandas, surgiram novos modelos de Administração Pública, baseados em princípios de eficiência e eficácia. Esses modelos incluíram a gestão por resultados, a gestão de projetos, a gestão da qualidade, a gestão de riscos, entre outros. Esses modelos enfatizavam a necessidade de uma abordagem mais estratégica e orientada para resultados na Administração Pública, e buscavam melhorar a capacidade de resposta do Estado às demandas da sociedade (CAVALCANTE et al., 2017).
Pedro Cavalcante e Bruno Queiroz (2017), afirmam que essa inovação na gestão pública vai muito além do aspecto econômico, ela auxilia na sua organização e contribui para o aperfeiçoamento das suas atividades e serviços prestados. A inovação em continuidade serve de alicerce para trazer melhorias vinculadas a processos sustentáveis e de crescimento, dessa forma, levando ao aumento na capacidade de gerar e gerir recursos, assim como de injetar receitas para satisfazer às necessidades dos indivíduos. Com isso, devido a capacidade de restauração das atividades, é indispensável a presença da inovação nos anseios do setor público.
Vale informar que os gestores a frente de suas instituições são elementos fundamentais nessa procura para satisfazer as necessidades da sociedade, através do fator inovação e de escolhas alternativas eles conseguem diminuir os custos e os riscos e potencializar a quantidade de benefícios que são atribuídos quando se trata do social. É elementar que esses gestores detenham um significativo grau de diretriz positiva a favor da inovação como combustível para o desenvolvimento, excluindo o pensamento de liderança apenas baseada em bem próprio e aquisição de riqueza, (CAVALCANTE et al., 2017).
Origem e conceito de Startups
A inovação ganhou força com o surgimento das Startups. Segundo Magalhães (2022), há uma certa incerteza se as primeiras empresas de caráter inovador surgiram nas décadas de 20 ou 30. Contudo, não é descartada a hipótese em que as Startups tiveram sua origem na década de 1990 em simultaneidade à criação da internet e a ascensão dos processos tecnológicos. Ademais, de acordo com Pádua (2023),
As Startups ganharam notoriedade no Vale do Silício, em São Francisco, Califórnia, na Universidade de Stanford, onde dois jovens empreendedores fundaram uma empresa em sua garagem, produzindo osciladores de rádio, que era um instrumento usado por engenheiros em testes de áudio. Anos depois estes jovens começaram a produzir impressoras a jato de tinta e a laser, assim fundando uma empresa chamada HP, siglas para Hewlett e Packard. Esta região ficou conhecida como o berço das Startups (PÁDUA, 2023, p. 18).
O surgimento das Startups se deu pela necessidade de inserir no mercado empresas inovadoras, com baixo custo, alta tecnologia e uma enorme capacidade de escalabilidade de seus produtos e serviços. Somado a isso, estas eram muitas vezes unidas a um nicho pouco explorado pelo mercado (MAGALHÃES, 2022).
Nesse contexto inovador, surgem três empresas que iriam mudar todo o eixo tecnológico mundial, empresas que seguem fazendo história até os dias atuais, estando sempre entre as mais valiosas do mundo: Amazon, Apple e Google. Todas essas empresas tiveram seu início como Startups, altamente escaláveis e com alto índice de tecnologia. Elas se aproveitaram de uma deficiência na pouca exploração da internet e desenvolveram seus produtos. Assim deram origem a diversos tipos de nichos de mercado, totalmente inovadores e que contribuíram e continuam a contribuir para o melhoramento de processos sociais e profissionais, seja no âmbito privado ou público, proporcionando a evolução da tecnologia com o surgimento de novos segmentos de Startups, marketing digital, anúncios patrocinados, aplicativos para celular, inteligência artificial, entre outros (MAGALHÃES, 2022).
Com o aumento no uso da internet, esse mercado inovador começou a ter destaque, empreendedores e investidores começaram a visualizar como uma ótima possibilidade de investimento e enriquecimento. Esse fato gerou um colapso na economia mundial, ocasionou em uma bolha especulativa na bolsa de valores dos Estados Unidos (bolha das pontocom) na década de 90, resultando na quebra de muitas empresas de tecnologia. Esse movimento, que ocorreu no período de 1996 a 2001, foi o momento em que esse modelo de negócio realmente veio a ficar conhecido no Brasil. Contudo, apesar de todo esse conhecimento, é inegável reconhecer que esse foi o marco inicial da nova economia estabelecida e controlada pela internet (PÁDUA, 2023).
O novo modelo de economia que é voltado aos negócios digitais e que envolve um consumidor mais ativo, promove a cultura de compartilhamento e a participação ativa. Contudo, apesar de vigente, esse novo modelo ainda está em processo de construção. Sendo, entretanto, extremamente claro que, mesmo em sua gênese, ele vai contra o modelo econômico tradicional que possui seus processos rígidos e estáticos. Segundo Magalhães (2022):
Assim, essa nova economia encontra sua representação por empresas dinâmicas, em busca de contínua inovação e, de regra, inovação tecnológica, com modelos de gestão ágeis, menos hierárquicas e com times diversos. Esse modelo oferece uma mudança de valores, baseando-se na tecnologia, sustentabilidade, ressignificando o sentido tradicional de riqueza e posse (MAGALHÃES, 2022, p. 12).
Essas empresas oriundas da nova economia, atreladas a ascendência da internet em todo o mundo, trouxeram uma inovação para os modelos de negócios. De acordo com Magalhães (2022), “defendem a transparência, se apegando mais ao valor de uma boa ideia ao invés de buscar a propriedade, o status quo, e a relação com o Estado.” (MAGALHÃES, 2022, p. 12).
Dessa forma, percebe-se que as novas tecnologias auxiliam na criação de produtos e serviços inovadores. Assim, preenchendo esse papel, entram as Startups, empresas que mudam a relação entre empresa e consumidor, buscando necessidades enfrentadas pelos consumidores, com foco em oferecer o seu produto da melhor forma possível. Podemos conceituar esse tipo de empresa como nascentes de caráter inovador e tecnológico, com uma alta escalabilidade, criadas em condições de extrema incerteza. Segundo Pádua (2023), a Startup vem do inglês onde “start” significa “iniciar, começar” e “up” significa “para cima”. O autor completa afirmando que as empresas denominadas Startups são empresas tecnológicas e inovadoras, com foco em reduzir custos e aumentar a lucratividade, sempre sobrepondo a necessidade dos clientes, são organizações em busca de um lugar no mercado de bens ou serviços.
Se pudéssemos resumir em uma frase o que seriam a startups dentro da administração, diríamos que são a materialização da inovação e eficiência, logo, estariam uma para outra de maneira a completar as necessidades do serviços público.
Lei complementa nº 182/2021
O mundo tem passado por diversas mudanças, muitas delas trazidas pelos fatores tecnológicos e inovadores, gerando impacto social e econômico. Desse modo, com a evolução da tecnologia e das Startups, se tornou cada vez mais evidente a necessidade de uma segurança jurídica para suprir e orientar essa demanda (BASTOS, PIMENTA, 2021).
Por atuar em cenários com atividades que possuem um risco maior que o normal, as Startups necessitavam de segurança jurídica para fornecer sustentação diante das incertezas do mercado e do ambiente desfavorável que o Brasil proporciona para empreendedores. Além disso, é notável também a necessidade de captar cada vez mais recursos para o desenvolvimento dos negócios. Com isso, a existência de uma legislação clara auxilia nas demandas jurídicas, dá uma maior segurança aos investidores e fomenta o empreendedorismo inovador em todo o país (MAGALHÃES, 2022).
Diante desse cenário, entra em vigor a Lei Complementar no 182/2021, denominada como Marco Legal das Startups, que “possui como objetivo estimular a criação de Startups no Brasil e incentivar investimentos e contratações em negócios voltados para tecnologia e inovação.” (BASTOS, PIMENTA, p. 16).
Por conta da insegurança jurídica, essas empresas de cunho inovador por muito tempo sofreram com a falta de confiança de investidores e stakeholders, ou seja, todos os interessados no negócio. Essa lei complementar serviu para dar sustentação jurídica e segurança a investidores e empreendedores, possibilitando melhores circunstâncias para a contratação dessas empresas, principalmente pelo Poder Público (BASTOS; PIMENTA, 2021).
Bastos e Pimenta (2021) trazem uma análise acerca da implantação desse Marco Legal das Startups, abordando que:
A citada lei, visa criar um ambiente regulatório favorecido à economia do conhecimento e ao empreendedorismo inovador para desburocratizar e estimular o setor, facilitando negócios e investimentos em um novo ambiente regulatório e de desenvolvimento para as pequenas empresas de cunho tecnológico, consideradas como um vetor de desenvolvimento econômico, social e ambiental, consolidando na legislação brasileira importantes princípios e valores e reforçando o compromisso do Poder Público e dos particulares com a inovação (BASTOS; PIMENTA, 2020, p. 17).
A Lei Complementar de no 182/2021, determinou alguns princípios em seu art. 3º, são eles:
Art. 3º Esta Lei Complementar é pautada pelos seguintes princípios e
diretrizes:
I - reconhecimento do empreendedorismo inovador como vetor de desenvolvimento econômico, social e ambiental;
II - incentivo à constituição de ambientes favoráveis ao empreendedorismo inovador, com valorização da segurança jurídica e da liberdade contratual como premissas para a promoção do investimento e do aumento da oferta de capital direcionado a iniciativas inovadoras;
III - importância das empresas como agentes centrais do impulso inovador em contexto de livre mercado;
IV - modernização do ambiente de negócios brasileiro, à luz dos modelos de negócios emergentes;
V - fomento ao empreendedorismo inovador como meio de promoção da produtividade e da competitividade da economia brasileira e de geração de postos de trabalho qualificados;
VI - aperfeiçoamento das políticas públicas e dos instrumentos de fomento ao empreendedorismo inovador;
VII - promoção da cooperação e da interação entre os entes públicos, entre os setores público e privado e entre empresas, como relações fundamentais para a conformação de ecossistema de empreendedorismo inovador efetivo; (BRASIL, 2021).
Quanto à definição de Startups, o Marco Legal define-as em seu artigo 4o, como: “Organizações empresariais ou societárias, nascentes ou em operação recente, cuja atuação caracteriza-se pela inovação aplicada a modelo de negócios ou a produtos ou serviços ofertados.” (BRASIL, 2021).
O artigo quarto também estabelece alguns requisitos para que uma empresa possa se enquadrar como uma Startup. Elas devem corresponder como organizações do tipo empresariais e societárias, nascentes ou em recente operação, cuja atuação seja caracterizada pela inovação aplicada a modelos de negócios ou a produtos e serviços ofertados (BRASIL, 2021).
Ainda partindo do ponto de vista de enquadramento das Startups, o inciso I relaciona empresários individuais, sociedades empresárias, empresa individual de responsabilidade limitada, as sociedades cooperativas e sociedades simples, como pertencentes ao modelo de uma Startup, desde que se enquadre nos requisitos de: (i) receita bruta de até R$ 16.000.000,00 no ano-calendário anterior ou de R$ 1.333.334,00 multiplicado pelo número de meses de atividade no ano-calendário anterior, quando inferior a 12 (doze) meses; e (ii) até 10 (dez) anos de inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) (COSTRUBA, 2021, p. 1).
Logo mais, com a Lei 14.195/21, essas Empresas Individuais de Sociedades Limitadas foram transformadas em Sociedades Limitadas Unipessoais, sendo hoje um dos tipos mais utilizados no Brasil (MAGALHÃES, 2022). Outros requisitos são apontados, desta vez referentes ao enquadramento das empresas para adequar-se no formato de Startup que é descrito no inciso II, como o limite de no máximo 10 anos de inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ). Aponta-se também o inciso III, alegando que a empresa deve atender a pelo menos um dos seguintes requisitos: seu modelo de negócio deve ser inscrito no Inova Simples como é previsto no art. 65-A da LC 167/2019, “ou declaração, no ato constitutivo, de atuação como modelo de negócio inovador, nos termos art. 2o, IV, da Lei 10.973/200419.” (BRASIL, 2016).
Para que as Startups se desenvolvam, é necessário que elas passem por um processo de incentivo financeiro. Portanto, é importante ressaltar que a Lei 182/2021, em seu artigo 5°, determina algumas formas de captação de recursos pelas Startups, sendo por pessoa física ou jurídica, podendo o investidor possuir participação ou não no capital social da empresa. Ademais, delimita no parágrafo primeiro do referido artigo, que não se enquadra como capital social da empresa aquele que se utilize dos instrumentos determinados pelo artigo, que são eles: Contrato de opção de subscrição de ações ou de quotas celebrado entre o investidor e a empresa; Contrato de opção de compra de ações ou de quotas celebrado entre o investidor e os acionistas ou sócios da empresa; Debênture conversível emitida pela empresa; Contrato de mútuo conversível em participação societária celebrado entre o investidor e a empresa; (MAGALHÃES, 2022, p. 45).
A partir dessa pequena análise do Marco Legal das Startups, é perceptível a sua similaridade com a Lei da Liberdade Econômica, ambas possuem finalidades semelhantes.
Startups e Poder Público
Superados a digressão sobre administração pública, conceitos básicos sobre inovação e startups, cumpre adentrar o objeto principal da relação entre startups e o poder público.
Portanto, sabe-se que as Startups necessitam de apoio e incentivos para que possam evoluir. Uma das formas de incentivar essas empresas de cunho inovador é através do fomento pelo Poder Público. De acordo com Magalhães (2022), “o fomento é qualquer ação tomada pelo governo, que visa à promoção do desenvolvimento do país" (MAGALHÃES, 2022, p. 62).
As políticas de fomento geralmente são criadas para um setor específico, nesse pensamento, o governo tem a possibilidade de criar regulamentações que venham a contribuir com esse setor, incentivando a área de produção e injetando recursos financeiros para que esse espaço de inovação se desenvolva cada vez mais e venha a gerar mais frutos, solucionando problemas de cunho nacional no desenvolvimento (MAGALHÃES, 2022)
Para que a inovação possa criar raízes fortes, é necessário que haja a união de empresas, universidades, investidores, Startups, e a aplicação de recursos em pesquisas, assim como o apoio técnico. O Estado é um agente importantíssimo nesse ecossistema, tendo a função de direcionar recursos para áreas estratégicas, dar prioridade àquelas em estágio inicial, criar oportunidades e assim fomentar o crescimento da economia (MAGALHÃES, 2022).
Dessa forma, os investimentos são destinados às Startups de acordo com o estágio em que se encontram, sendo assim notório que elas precisam desses aportes para que possam exercer suas atividades. No início com recursos limitados, os próprios empreendedores injetam dinheiro nesses negócios até que essas empresas se desenvolvam, possibilitando que outros investidores possam alocar seus recursos.
Tal estratégia demonstra como os incentivos governamentais e uma legislação favorável ao empreendedorismo inovador podem trazer inúmeros benefícios. Algumas leis trouxeram garantias e direitos às Startups como, além do Marco Legal das Startups, a nova Lei De Licitações e Contratos Administrativos – Lei n. 14.133/2021, que auxilia as Startups na realidade licitatória, e a Lei do Governo Digital – Lei no 14.129/2021, que muda a realidade das Startups com os serviços públicos, buscando digitalizar, desburocratizar e simplificar a administração pública (SOBRAL, BASTOS, 2021).
Importante observar que as startups foram paulatinamente ganhando espaço na Administração, ganhando a nominação de govtechs incentivadas e desenvolvidas, elas acabaram partindo para outros setores, como o setor de educação com as edtechs, financeiro com as fintechs, e até mesmo para o mercado jurídico como as lawtechs. A Administração Pública não ficou de fora, sendo alvo das govtechs, que segundo Rafael Ribeiro Neto (2020): “São startups que oferecem produtos e serviços com tecnologia e inovação para o setor público e para uso interno de seus colaboradores e na prestação de serviços externos, direcionados a seus clientes, no caso, os cidadãos (NETO, 2020, p.5).”
Com uma proposta de aumentar a eficiência do estado, as govtechs definem a Administração Pública como público alvo e buscam implementar soluções inovadoras de acordo com os objetivos e necessidades de cada instituição. Dessa forma, visam gerar um impacto positivo ao maior número de cidadãos através do desenvolvimento de mais eficiência, agilidade, clareza e qualidade nos serviços internos da Administração Pública (NETO, 2020).
Partindo do princípio dos benefícios trazidos pelas govtechs, Rafael Ribeiro Neto (2020), elenca que: “A ideia de uma govtech é incorporar tecnologias e inovação no setor público, possibilitando melhorias, modernizações, eficiências, diminuição de gastos, transparência e, principalmente, qualidade de serviços públicos prestados (NETO, 2020, p. 5).”
Um grande exemplo que pode ser citado ao mencionar a relação entre govtech e Poder Público no Brasil é a ação feita pelo Amapá, ao criar uma iniciativa chamada Programa de Inovação com Tecnologia da Informação (PITI) com o objetivo de desenvolver novas ideias. A partir desse incentivo, o Estado buscou impulsionar a criação de Startups para solucionar problemas sofridos pelo setor público naquela região. Para tal, o programa fortaleceu o empreendedorismo inovador, tornando-se parte da estratégia da Administração Pública (NETO, 2020).
Para complementar o investimento, o estado do Amapá já investiu mais de R$ 250 mil, acreditando no potencial dessas ideias e na sua importância para benefício da gestão pública e da sociedade. Com isso, acabou aumentando o número de Startups, servindo de Estado incentivador e contribuindo para o aperfeiçoamento dessas ideias ao propiciar a expansão desse modelo de negócio para outros lugares (NETO, 2020).
Mesmo com essas iniciativas, o Brasil ainda se encontra em um estágio inicial quando o assunto é trazer inovação para o setor público. Isso acaba acarretando em falta de investimento para os modelos de negócios do tipo Business-to-Government (B2G), devido à pouca demanda de mercado. Por conta do incentivo escasso e a falta de visão dos órgãos públicos, as govtechs acabam sofrendo com o pouco investimento (OLIVEIRA et al., 2021).
Desafios
Apesar da implementação do marco legal das Startups no Brasil, ainda existe uma falta significativa de participação das Startups na Administração Pública. Embora o marco legal tenha estabelecido diretrizes claras para facilitar a contratação de Startups pelo Poder Público, diversos desafios e obstáculos persistem, limitando sua efetiva participação.
É perceptível que a oferta de produtos e serviços inovadores desenvolvidos por Startups aumentaram muito no Brasil. Com os avanços nesse ecossistema inovador, percebe-se que a maior participação se dá no mercado B2B (Business-to-business), que representa a relação de empresa para empresa e no B2C (Business-to-consumer), de empresa para consumidor final. Entretanto, segundo Marcus Rocha (2022), “é de se estranhar as poucas
iniciativas de soluções inovadoras B2G (Business-to-Government), ou seja, para os governos”, se tratando de um país com uma estrutura estatal tão extensa, com suas 27 unidades federativas e um pouco mais de 5.500 municípios (ROCHA, 2022).
A relação de contratação entre Startups e Administração Pública ainda é um grande problema no Brasil. Com a evolução constante da inovação e da tecnologia, essas empresas são criadas com características que suprem de forma eficiente e simplificada, as necessidades da administração pública. Mas, mesmo com as legislações vigentes no país, essa participação ainda é mínima. Um grande desafio enfrentado por esse tipo de empresa é a exigência de garantia contratual, visto que a maior parte das Startups não possuem um equilíbrio financeiro por muitas vezes estarem em estágios iniciais, fator que impede a Administração Pública de conquistar a melhor solução para sua problemática (NETO, 2020).
Outro grande desafio enfrentado se origina de uma necessidade das organizações públicas precisarem ter uma cautela maior quando o assunto é a efetivação de gastos. Muitas legislações e mecanismos foram criados para reduzir riscos nas compras e contratos administrativos. Investir em inovação e em Startups requer correr alguns desses riscos, e diante dessa problemática, algumas soluções foram criadas com a elaboração da Lei Federal de Inovação (lei 10.973/2004), trazendo algumas novas modalidades de contratação como por exemplo, a “encomenda tecnológica”, que representa a compra de serviços de Pesquisa e Desenvolvimento para a obtenção de uma determinada solução inovadora, de forma direta.
Com a chegada do Marco Legal das Startups, essa dificuldade acaba diminuindo pois de acordo com Marcus Rocha (2022): “essa nova lei introduziu a possibilidade de órgãos públicos contratarem pessoas físicas ou jurídicas, isoladamente ou em consórcio, para o teste de soluções inovadoras por elas desenvolvidas ou a serem desenvolvidas, com ou sem risco tecnológico.” (ROCHA, 2022, p. 3)
Com isso, vários questionamentos são feitos, visto que, apesar de haver já repositório legal, ainda se presencia um enorme déficit na contratação de produtos e serviços das Startups. Tais fatores são importantes visto a herança das leis anteriores sobre a redução de riscos e a carência de informação nas compras públicas, sendo comprovado com estudo feito pelo Instituto Arapyaú sobre “Desafios para Inovação na Gestão Pública”, mostrando que a falta de clareza nas legislações e a insegurança jurídica ocuparam cerca de 42% da pesquisa, e 16% alegando que a falta de cultura de valorização da inovação, pela sociedade e pelos órgãos de controle, também é um fator que deve ser levado em conta (ROCHA, 2022).
Camila Shan Mao (2020), comenta que a ausência de uma cultura de inovação e de estímulo ao empreendedorismo no setor público também é um fator que contribui para a falta de participação das Startups. A Administração Pública, em geral, não possui abertura legal voltada para a experimentação e a busca por soluções inovadoras. Isso pode gerar resistência à adoção de tecnologias disruptivas e dificultar a abertura para a colaboração com Startups.
Esses fatores podem ter sido a causa do fracasso na aplicação da contratação via encomenda tecnológica da Lei Federal de Inovação de 2004, sendo aproveitada muito mais pelos desenvolvedores de pesquisa científica. Apesar disso, o Marco Legal das Startups cria esperança para que essa relação aconteça com mais frequência, embora a lei seja ainda recente e precise de tempo para que sejam visualizados os resultados que partam da sua aplicação (ROCHA, 2022).
Dessa forma, entende-se que a implementação do Marco Legal das Startups foi um importante passo para estimular a participação das Startups na Administração Pública, mas ainda há um longo caminho a percorrer. Portanto, é necessário um esforço conjunto dos setores público e privado para superar os desafios e criar um ambiente propício para a colaboração entre Startups e órgãos públicos, visando impulsionar a inovação e trazer benefícios para toda a sociedade.
Considerações Finais
As Startups surgem como bons exemplos de inovação, contendo a tecnologia como principal aliada, e possuindo características que vão de encontro às necessidades da Administração Pública. Além disso, observa-se que esse novo modelo de empresa necessita de incentivos para se desenvolver. Inclusive, atualmente, passou a ter uma maior segurança jurídica a partir do seu Marco Legal, que dá confiança a investidores e traz algumas disposições que facilitam a entrada dessas empresas no Poder Público.
Em suma, mesmo após regulamentação, percebe-se uma lacuna no fomento governamental às Startups e que esse é um fator relevante que limita a participação dessas empresas inovadoras no setor público. O Estado, como um dos principais agentes desse ecossistema, se encontra ausente quando se trata de incentivo a essas empresas. Mesmo com a relevância do programa InovAtiva no fomento dessas práticas, os impactos no Poder Público foram mínimos.
O Marco Legal das Startups e das leis de incentivo à inovação, constatou-se que ainda há uma lacuna significativa no apoio efetivo do governo para o crescimento e desenvolvimento das Startups no âmbito público e para a contratação dessas soluções inovadoras.
Portanto, essas empresas ainda estão distantes de ter uma participação significativa na gestão pública. Para superar esses obstáculos, é fundamental promover um diálogo mais próximo entre o setor público e as Startups, que muitas vezes são empreendimentos jovens e não possuem a infraestrutura, recursos financeiros e conhecimentos específicos necessários para atender às demandas desse setor.
A falta de acesso a linhas de crédito, programas de capacitação e networking adequados limita as suas oportunidades de competir em igualdade de condições com empresas estabelecidas, que já possuem uma presença consolidada no mercado.
Por fim, considerando práticas exemplares do estado do Amapá com o “PITI”, acredita-se que o fomento à cultura inovadora e tecnológica por parte do Poder Público pode contribuir de forma excessiva para a resolução dessa problemática. Assim, a criação de programas governamentais mais eficientes, com capacitações e apoio financeiro, ajuda a aumentar a oferta de produtos e serviços pelas Startups na esfera pública, efetivando assim o propósito de incentivar e estimular essas empresas à medida que consiga atingir resultados expressivos em todo o país, estabelecendo com isso uma relação de aproximação entre o setor público e privado, primando sempre pela inovação e eficiência na prestação dos serviços.
REFERÊNCIAS
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