Democracia militante e direitos fundamentais. Por que isso importa?

19/12/2023 às 19:36
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Karl Loewenstein em artigo publicado em 1937 esclarecia que o fascismo não é uma ideologia, filosofia, e sim uma técnica política, que utiliza o emocionalismo como forma de colocar uma pessoa contra outra1.

Alasdair Macintyre nos ensina que emotivismo é a doutrina de que todo julgamento moral é expressão de atitude, preferências particulares, podendo se tratar inclusive de escolhas irracionais.

“Nós usamos julgamentos morais não só para expressar nossos próprios sentimentos e atitudes, mas também precisamente para produzir esses efeitos em outras pessoas”2.

O julgamento moral sempre se distanciará do julgamento factual, tendo em vista que julgamentos factuais são verdadeiros e falsos, e no reino dos fatos, existem critérios racionais que nos asseguram o que é verdadeiro e o que é falso.

Como julgamentos morais são expressões de atitudes, sentimentos, não sendo nem verdadeiros e tampouco falsos, a concordância em um julgamento moral não é baseada em nenhum método racional.

Macintyre expõe que, para ser assegurado, esses julgamentos morais irão produzir certos efeitos não-racionais nas emoções e/ou atitudes daqueles que discordam de determinado julgamento moral.

Loewenstein elucida que o fascismo é uma técnica que pode ser vitoriosa apenas graças às condições extraordinárias oferecidas pelas instituições democráticas, visto que seu sucesso é baseado no seu ajuste a democracia. A democracia é baseada na legalidade e o fascismo é anexado à legalidade.

E isso porque sob a cobertura de direitos fundamentais, a máquina antidemocrática pode ser construída e colocada em movimento de maneira legal.

Ou seja, “é a Democracia e a tolerância democrática usada para sua própria destruição3”.

O sistema democrático não pode proibir oposição ao governo, opinião pública, liberdade de reunião, imprensa, expressão, mas em alguns casos, deverá balizá-los.

Para Roger Griffin, desde a Segunda Guerra Mundial, o termo fascista é usado pelas gerações pós-guerra com uma carga emotiva, para condenar qualquer regime ou ação percebida como opressiva, autoritária ou elitista (GRIFFIN, 2006: p.18)

Walter Lippmann argumenta que códigos morais assumem uma visão particular dos fatos, e a opinião pública é moldada por concepções morais, tantos dos leitores, quanto editores:

No que se refere ao termo códigos morais eu incluo todos os tipos: pessoal, familiar, econômico, profissional, legal, patriótico, internacional. No centro de cada um há um padrão de estereótipos sobre psicologia, sociologia e história. A mesma visão de natureza humana, instituições ou tradições raramente persistem por todos os códigos. [...] Aí é onde os códigos entram tão sutilmente e permissivamente na confecção da opinião pública. A teoria ortodoxa se baseia na assertiva de que a opinião pública constitui um julgamento moral baseado em fatos. A teoria que estou sugerindo é que no estado presente de educação, a opinião pública é primariamente uma moralizada e codificada versão dos fatos. Eu estou argumentando que o padrão de estereótipos no centro de nossos códigos largamente determina qual grupo de fatos nós veremos e qual luz nós colocaremos neles. Isso explica porque as políticas de um jornal tendem a suportar as suas políticas editorais. Porque um capitalista vê um conjunto de fatos e certos aspectos da natureza humana, literalmente o vê. Seu oponente socialista, outros aspectos, e porque cada consideração ao outro como irracional ou perverso, quando a real diferença entre eles é a diferença de percepção. Essa diferença é imposta, pela diferença de padrão de estereótipos entre o capitalista e o socialista. "Não há classes na América", escreve um editor americano. "A história de existência da sociedade, até aqui, é a história de guerra de classes", diz o Manifesto Comunista. Se você tem o padrão do editor em sua mente, você verá vivamente os fatos que confirmam isso, vagamente e ineficazmente verá aqueles fatos que contradizem. Se você tem o padrão comunista, você não apenas procura por coisas diferentes, mas vê com total diferente ênfase o que você e o editor veem em comum4.

Entre os acadêmicos, Griffin leciona que o termo fascismo não possui um consenso, de maneira que alguns entendem que o fascismo é uma radicalização da extrema direita, tendo surgido como um movimento antiliberal após 1789.

Já para outros estudiosos, o fascismo seria uma nova força, distinta da extrema direita, tendo um fator relevante na história contemporânea, tanto na Europa quanto fora dela.

Alguns veriam o fascismo como um fenômeno restrito na Europa em guerra, mas com uma distinção significativa entre a ideologia nazista e as variantes fascistas mais oportunistas.

E haveria aqueles que tratam o fascismo como um fenômeno internacional, fundado substancialmente no nazismo ou fascismo, o que segundo Griffin, para alguns pode soar contraditório, visto que o termo fascismo é genérico, possuindo várias vertentes, e o nazismo seria biologicamente mais racista para ser incluído dentro do fascismo. (GRIFFIN, 2006: p.21)

Para Griffin, o nazismo foi muito mais extremo do que qualquer tipo de fascismo, tendo em vista que as atrocidades cometidas pela polícia secreta fascista na Itália, ou camisas negras na Etiópia foram insignificantes perto do que a Gestapo e SS fizeram (GRIFFIN, 2006: p.283).

Muito embora exista divergência de opiniões acerca do que seria o fascismo, condições históricas fazem o fascismo ser enxergado como uma alternativa viável ao sistema existente, o que sem dúvida, não deixa de ser perigoso.

Democracia é alicerçada em direitos fundamentais tais como opinião pública, liberdade de expressão, liberdade de imprensa, liberdade de reunião e Loewenstein vai nos trazer nações que combateram o fascismo com medidas apropriadas, mas tortuosas.

Finlândia, por exemplo, que sofria com forte radicalismo tanto da direita quanto da esquerda, em meados de 1930, por meio de reformas constitucionais, reforçou a posição do governo e barrou partidos subversivos, chegando a limitar inclusive, direitos fundamentais, tais como direito de associação, liberdade de imprensa e expressão.

Loewenstein, no entanto, vai expor que a situação mais espinhosa de toda democracia vai ser avaliar quando direitos fundamentais de liberdade de imprensa, expressão, reunião, estarão sendo utilizados para propaganda subversiva, como forma de minar instituições políticas5.

E isso se deve ao fato de que técnicas fascistas de difamação, calúnia e ridicularização de líderes e instituições são mais sutis e de difícil identificação como métodos fascistas.

Para ele, todas as democracias que se tornaram fascistas pecaram gravemente por sua leniência, por seus conceitos legalistas de opinião pública e justamente por causa disso, as democracias restantes remediaram o defeito, criando leis contra o mau uso da imprensa e liberdade de expressão, sobretudo quando usadas para fomentar propaganda subversiva e afetar as instituições republicanas democráticas.

Novos estatutos foram criados na Finlândia em 1931, Holanda em 1934. Alguns países criaram leis que inclusive proibiam falsos boatos – isso na década de 30.

Perceba, portanto, como o problema de uso de notícias falsas e mau uso da liberdade de expressão afeta instituições ao longo dos anos.

Em 1923 a Checoslováquia considerou ofensa menosprezar instituições políticas e autoridades. A Espanha em 1932 também, e a Suíça em 1936.

Loewenstein revela que tais atos foram considerados pelos fascistas como violação ao princípio da liberdade de expressão e imprensa, contudo, tais medidas se mostraram eficazes na manutenção não só da democracia, mas do seu prestígio, bem como das instituições democráticas.

Na França, jornais da extrema direita, em 1936, acusaram falsamente o deputado Roger Salengro de desertor, durante a Primeira Guerra Mundial. Depois de ter sido condenado à morte por deserção, o ministro fora inocentado em julgamento subsequente, contudo, suicidou-se em 17 de novembro de 1936.

Após seu suicídio, nova lei de imprensa foi promulgada em 1937, cabendo a responsabilização do autor da notícia por danos causados, protegendo assim, figuras importantes de calúnia e difamação.

Loewenstein vai dizer que o hábito mais subversivo do fascismo é exaltar criminosos políticos e infratores contra as leis existentes. A prática teria um duplo propósito: de um lado, construir o simbolismo revolucionário de mártires e heróis e de outro lado, desafiar a ordem existente.

Para ele, como medida preventiva, vários estados, tais como Dinamarca em 1932, Finlândia em 1926 e 1934, Holanda em 1934, coibiram atividades anticonstitucionais e antidemocráticas por parte de funcionários públicos de todos os tipos, inclusive professores.

Loewenstein pontua a importância de uma política treinada para a descoberta, supervisão e repressão de medidas antidemocráticas, sendo considerado crime, em alguns países, não denunciar atividades subversivas.

Griffin expõe que a única hipótese de o fascismo decolar sem ser esmagado se encontraria em uma democracia liberal que atravessaria uma crise estrutural, visto que o pluralismo de tal sociedade garantiria um espaço político para movimentos ideológicos se desenvolverem, onde ultranacionalistas veriam pautas como materialismo, internacionalismo, política partidária, tolerância racial, como um sistema corrupto e decadente, que precisaria ser destruído e substituído.

Quando tensões estruturais se unem a crise econômica, o fascismo poderá montar um sério ataque ao estado. (GRIFFIN, 2006: p.265-266).

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Para fortalecer uma democracia, a lei democrática, vinculada aos parâmetros de legitimidade constitucional deve ser assegurada, tendo em vista que os valores que sustentam uma sociedade democrática são a única base válida para uma sociedade saudável.

Cabe ao Poder Judiciário assumir o papel de controle da racionalidade para se ter controle quando barreiras são ultrapassadas ou há tentativa de subversão da ordem, podendo mitigar direitos fundamentais em nome da defesa da democracia, suas instituições e seus representantes.

Jon Elster vai nos apresentar a teoria da escolha racional e dizer que “a escolha racional busca encontrar os melhores meios para fins dados. É um modo de adaptar-se otimamente às circunstâncias”6.

Para Elster, as instituições evitam que a sociedade se desmantele, desde que haja algo para evitar que essa sociedade se desmantele. Para ele, por um lado as instituições nos protegem contra as consequências destrutivas do auto interesse, mas por outro lado, as próprias instituições correm o risco de serem minadas pelo auto interesse. Por isso uma instituição pode ser definida como um mecanismo de imposição de regras. (ELSTER, 1994: p.174-175)

No Estado Democrático de Direito, a Constituição por um lado vai limitar o poder do Estado, mas por outro lado, deve buscar um equilíbrio entre até onde irá a vontade da maioria e até onde irá a racionalidade constitucional.

E então, direitos fundamentais serão avaliados, sopesados, como forma de manter um bem maior que será a democracia.

Para Max Weber “é de importância decisiva que, para a liderança política, somente estão preparadas pessoas que foram selecionadas na luta política, porque toda política, em sua essência, é luta”7.


  1. LOEWENSTEIN, Karl. The American Political Science Review. Militant Democracy and Fundamental Rights, I*, Vol. XXXI, June, 1937. N°3. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5572749/mod_resource/content/1/Loewenstein%20-%20Militant%20democracy%20and%20fundamental%20rights%20I.pdf . p. 423. Acesso em 17 Dez. de 2023.

  2. MACINTYRE, Alasdair. After Virtue. A Study in Moral Theory. 3ª Edição, U.S.A: Ed: Universidade de Notre Dame, 2007, p.11-12.

  3. LOEWENSTEIN, Karl. The American Political Science Review. Militant Democracy and Fundamental Rights, I*, Vol XXXI, June, 1937. N°3 Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5572749/mod_resource/content/1/Loewenstein%20-%20Militant%20democracy%20and%20fundamental%20rights%20I.pdf . p. 423. Acesso em 17 Dez. de 2023.

  4. LIPPMANN, Walter. Public Opinion. U.S.A: Transaction Publishers. 1998, p.124-126.

  5. LOEWENSTEIN, Karl. The American Political Science Review. Militant Democracy and Fundamental Rights, II, Vol. XXXI, Ago, 1937. N° 4. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5572750/mod_resource/content/1/Loewenstein%20-%20Militant%20democracy%20and%20fundamental%20rights%20II.pdf. p. 652-654. Acesso em 17 Dez. de 2023.

    GRIFFIN, Roger. The Nature of Fascism. London: Ed. Routledge, 2006.

  6. ELSTER, Jon. Peças e Engrenagens das Ciências Sociais. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1994, p.41.

  7. WEBER, Max. Economia e Sociedade. Fundamentos da sociologia compreensiva V 2.

    Brasília: Ed. UNB, 2004, p.572.

Sobre a autora
Ana Carolina Rosalino Garcia

Advogada graduada em Direito pela Universidade Paulista (2008). Membro da Ordem dos Advogados do Brasil, Secção São Paulo desde 2009. Pós-graduada em Direito Civil e Processo Civil pela Escola Paulista de Direito (EPD). Possui MBA em Administração de Empresas com Ênfase em Gestão pela Fundação Getúlio Vargas - FGV / EAESP - Escola de Administração de Empresas de São Paulo. Pós-graduada em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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