Valor do salário mínimo para fins de expedição de Requisição de Pequeno Valor – RPV: interpretação do art. 47, § 3º, da Resolução nº 303/2019-CNJ

Resumo:


  • O Supremo Tribunal Federal reconheceu a competência do Conselho Nacional de Justiça para monitorar e supervisionar o pagamento de precatórios pelos entes públicos após julgamento de ADIs.

  • O CNJ editou a Resolução nº 303/2019, padronizando a operacionalização das normas que regulam o regime do precatório, visando um maior controle e efetividade no cumprimento das sentenças contra o Poder Público.

  • Após a Resolução nº 438/2021, o CNJ definiu que o valor do salário mínimo para fins de Requisição de Pequeno Valor deve ser aquele vigente na data da expedição da RPV, respeitando a legislação vigente no momento do trânsito em julgado da sentença de conhecimento.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Jorge Américo Pereira de Lira

Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco

 

O Supremo Tribunal Federal - STF, ao apreciar Questão de Ordem suscitada após o julgamento das ADI’s 4.357 e 4.425, reconheceu a competência do Conselho Nacional de Justiça – CNJ para monitorar e supervisionar o pagamento dos precatórios pelos entes públicos.

No âmbito de sua competência, o CNJ editou a Resolução nº 303/2019, a qual dispõe sobre a gestão dos precatórios e respectivos procedimentos operacionais no Poder Judiciário.

Sobre a Resolução nº 303/2019, Leonardo Carneiro da Cunha tece os seguintes comentários:

Por meio de tal resolução, o CNJ padronizou a operacionalização das normas que regulam o regime do precatório. Diante da especificidade, da provisoriedade e da complexidade do regime especial de precatórios estabelecido pelo art. 101 do ADCT da Constituição, na redação dada pela EC 99/2017, e considerando a necessidade de um maior controle da gestão dos precatórios e de tornar mais efetivo o cumprimento das sentenças que impõem condenações contra o Poder Público, o CNJ editou a referida resolução, padronizando, como visto, a operacionalização das normas que regulam os precatórios[1], p. 85-86.

Em sua redação original, o art. 47, § 3º, da Resolução nº 303/2019 dispunha que os valores das obrigações de pequeno valor deveriam ser observados no momento da expedição da requisição judicial. Vejamos:

Art. 47. Não sendo o caso de expedição de precatório, o pagamento devido pelas fazendas públicas federal, estaduais, distrital e municipais, em virtude de sentença transitada em julgado, será realizado por meio da requisição judicial de que tratam o art. 17, da Lei no 10.259, de 12 de julho de 2011, o art. 13, inciso I, da Lei no 12.153, de 22 de dezembro de 2009, e o art. 535, § 3º, inciso II, do Código de Processo Civil.

§ 1º Para os fins dos §§ 2º e 3º do art. 100 da Constituição Federal, considerar-se-á obrigação de pequeno valor aquela como tal definida em lei para a fazenda devedora, não podendo ser inferior ao do maior benefício pago pela Previdência Social.

§ 2º Inexistindo lei, ou em caso de não observância do disposto no § 4º do art. 100 da Constituição Federal, considerar-se-á como obrigação de pequeno valor:

I – 60 (sessenta) salários-mínimos, se devedora a fazenda federal (art. 17, § 1º, da Lei no 10.259, de 12 de julho de 2001);

II – 40 (quarenta) salários-mínimos, se devedora a fazenda estadual ou distrital; e

III – 30 (trinta) salários-mínimos, se devedora a fazenda municipal

§ 3º Os valores definidos nos termos dos §§ 1º e 2º deste artigo serão observados no momento da expedição da requisição judicial.

Com o advento da Resolução nº 438, de 28 de outubro de 2021, o CNJ passou a prever que os valores definidos como requisição de pequeno valor deverão observar a data do trânsito em julgado da fase de conhecimento.

O § 3º do art. 47 da Resolução nº 303/2019 passou a vigorar com a seguinte redação:

Art. 47 (...)

§ 3º Os valores definidos nos termos dos §§ 1º e 2º deste artigo observarão a data do trânsito em julgado da fase de conhecimento.

Diante da alteração em comento, surgiu controvérsia acerca de qual o valor do salário mínimo a ser considerado para fins de teto de expedição de Requisição de Pequeno Valor – RPV. A discussão gira em torno da aplicação do art. 47, § 3º, da Resolução nº 303/2019-CNJ, com a redação dada pela Resolução nº 438/2021-CNJ, para definir se deve ser adotado o valor do salário mínimo vigente ao tempo do trânsito em julgado da ação de conhecimento ou o valor do salário mínimo em vigor na data da expedição do requisitório.

Em resposta à Consulta nº 0000621-21.2023.2.00.0000[2], formulada para esclarecimento da correta aplicação do § 3º do art. 47 da Resolução nº 303/2019, com a alteração promovida pela Resolução nº 438/2021, o CNJ, por unanimidade, assim deliberou:

CONSULTA. REQUISIÇÃO DE PEQUENO VALOR. RESOLUÇÃO CNJ N.º 303/2019. ORGANIZAÇÃO E LIMITES. CONSULTA CONHECIDA E RESPONDIDA. 1. O teto limite da Requisição de Pequeno Valor (RPV) deve observar a legislação vigente na data do trânsito em julgado da sentença da fase de conhecimento, vedada a aplicação retroativa de lei superveniente estabelecendo novo teto limite. 2. Quando o teto for fixado em salários mínimos, o valor a ser adotado deve ser aquele do salário mínimo vigente na data da expedição da RPV. 3. Consulta respondida nos termos do Parecer Técnico exarado pelo Comitê Nacional do FONAPREC. (CNJ - CONS - Consulta - 0000621-21.2023.2.00.0000 - Rel. JOÃO PAULO SCHOUCAIR - 8ª Sessão Virtual de 2023 - julgado em 02/06/2023).

O Conselho concluiu que o § 3º do art. 47 da Resolução nº 303/2019, com a alteração promovida pela Resolução nº 438/2021, deve ser compreendido da seguinte forma: (i) no que diz respeito ao teto da RPV, a lei aplicável é a vigente na data do trânsito em julgado da sentença da fase de conhecimento; (ii) quando o teto for fixado em salários mínimos, no entanto, o valor do salário mínimo deve ser aquele vigente na data da expedição da RPV.

Em respeito à segurança jurídica, alteração normativa estabelecendo novo teto para Requisição de Pequeno Valor (RPV) não pode retroagir e alcançar situações jurídicas já consolidadas, de sorte que dever observada para esse fim a legislação vigente na data do trânsito em julgado da sentença da fase de conhecimento, conforme exposto.

A interpretação em comento está alinhada à orientação do Supremo Tribunal Federal, notadamente no julgamento do RE 729.107/DF (Tema 792), no qual a Suprema Corte firmou a seguinte Tese: “lei disciplinadora da submissão de crédito ao sistema de execução via precatório possui natureza material e processual, sendo inaplicável a situação jurídica constituída em data que a anteceda[3]. Ainda nesse sentido, confira-se:

Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO CONSTITUCIONAL. ARTIGOS 1º E 2º DA LEI 15.945/2013 DO ESTADO DE SANTA CATARINA. REDUÇÃO DO TETO DAS OBRIGAÇÕES DE PEQUENO VALOR PARA 10 (DEZ) SALÁRIOS MÍNIMOS. A VIGÊNCIA DO REGIME ESPECIAL DE PAGAMENTO DE PRECATÓRIOS PREVISTO NO ARTIGO 97 DO ADCT NÃO SUSPENDEU A COMPETÊNCIA DOS ENTES FEDERADOS PARA ALTERAR O TETO DAS REQUISIÇÕES DE PEQUENO VALOR. POSSIBILIDADE DE FIXAÇÃO DE VALOR INFERIOR AO DO ARTIGO 87 DO ADCT PARA AS OBRIGAÇÕES DE PEQUENO VALOR, SEGUNDO A CAPACIDADE ECONÔMICA DOS ENTES FEDERADOS. JUÍZO POLÍTICO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE IRRAZOABILIDADE. APLICAÇÃO DA REDUÇÃO DO TETO DAS REQUISIÇÕES DE PEQUENO VALOR ÀS CONDENAÇÕES JUDICIAIS JÁ TRANSITADAS EM JULGADO. IMPOSSIBILIDADE. OFENSA À SEGURANÇA JURÍDICA. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE CONHECIDA E JULGADO PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO. 1. As Requisições de Pequeno Valor - RPV consubstanciam exceção à regra de pagamento de débitos judiciais pela Fazenda Pública na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, permitindo a satisfação dos créditos de forma imediata. 2. Os entes federados são competentes para estabelecer, por meio de leis próprias e segundo a sua capacidade econômica, o valor máximo das respectivas obrigações de pequeno valor, não podendo tal valor ser inferior àquele do maior benefício do regime geral de previdência social (artigo 100, §§ 3º e 4º, da Constituição Federal, na redação da Emenda Constitucional 62/2009). 3. O § 12 do artigo 97 do ADCT é regra transitória que não implicou vedação à modificação dos valores fixados para o limite das obrigações de pequeno valor, mas, tão-somente, evitou que eventual omissão dos entes federados em estabelecer limites próprios prejudicasse a implementação do regime especial de pagamento de precatórios. 4. As unidades federadas podem fixar os limites das respectivas requisições de pequeno valor em patamares inferiores aos previstos no artigo 87 do ADCT, desde que o façam em consonância com sua capacidade econômica. Precedente: ADI 2.868, Redator do acórdão Min. Joaquim Barbosa, Plenário, DJ de 12/11/2004. 5. A aferição da capacidade econômica do ente federado, para fins de delimitação do teto para o pagamento de seus débitos por meio de requisição de pequeno valor, não se esgota na verificação do quantum da receita do Estado, mercê de esta quantia não refletir, por si só, os graus de endividamento e de litigiosidade do ente federado. Precedente: ADI 4.332, Rel. Min. Alexandre de Moraes, Plenário, DJe de 8/5/2018. 6. In casu, o artigo 1º da Lei 15.945/2013 do Estado de Santa Catarina reduziu o teto das obrigações de pequeno valor do Estado para 10 (dez) salários mínimos, com a justificativa de que, nos exercícios de 2011 e 2012, foi despendido, com o pagamento de requisições de pequeno valor no patamar anterior de 40 (quarenta) salários mínimos, o equivalente aos gastos com os precatórios, em prejuízo à previsibilidade orçamentária do Estado. 7. A ausência de demonstração concreta da desproporcionalidade na fixação do teto das requisições de pequeno valor do Estado de Santa Catarina impõe a deferência do Poder Judiciário ao juízo político-administrativo externado pela legislação impugnada, eis que o teto estipulado não constitui, inequívoca e manifestamente, valor irrisório. 8. A redução do teto das obrigações de pequeno valor, por ser regra processual, aplica-se aos processos em curso, mas não pode atingir as condenações judiciais já transitadas em julgado, por força do disposto no artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal, que resguarda o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Precedentes: RE 632.550-AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, DJe de 14/5/2012; RE 280.236-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, DJ de 2/2/2007; RE 293.231, Rel. Min. Maurício Corrêa, Segunda Turma, DJ de 1º/6/2001; RE 292.160, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, DJ de 4/5/2001; RE 299.566-AgR, Rel. Min. Carlos Velloso, Segunda Turma, DJ de 1º/3/2002; RE 646.313-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, DJe de 10/12/2014; RE 601.215-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, DJe de 21/2/2013; RE 601.914-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, DJe de 25/2/2013. 9. O artigo 2º da Lei 15.945/2013 do Estado de Santa Catarina, consectariamente, é parcialmente inconstitucional, por permitir a aplicação da redução do teto das obrigações de pequeno valor às condenações judiciais já transitadas em julgado, em ofensa ao postulado da segurança jurídica. 10. Ação direta conhecida e julgado parcialmente procedente o pedido, para declarar a inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, do artigo 2º da Lei 15.945/2013 do Estado de Santa Catarina, de forma a excluir do âmbito de aplicação da Lei as condenações judiciais já transitadas em julgado ao tempo de sua publicação. (ADI 5100, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 27/04/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-119  DIVULG 13-05-2020  PUBLIC 14-05-2020)

O valor do salário mínimo, no entanto, quando o teto para RPV é estabelecido em quantidade de salários mínimos[4], deve ser aquele vigente na data da expedição da RPV, especialmente em atenção ao princípio da razoabilidade.

No ponto, vale conferir passagem do esclarecedor Parecer Técnico do Comitê Nacional do Fórum Nacional de Precatórios (FONAPREC), lançado nos autos da Consulta nº 0000621-21.2023.2.00.0000:

Portanto, é nítido que, em relação ao teto da RPV (quantidade de salários mínimos), a lei aplicável é aquela vigente na data do trânsito em julgado da sentença da fase de conhecimento. Todavia, quando o teto for fixado em salários mínimos, deve-se observar o valor do salário mínimo vigente na data da expedição da RPV. Isto porque o reajuste do salário mínimo não representa apenas aumento real, isto é, melhoria do poder de compra do trabalhador, mas também reposição inflacionária. Aplicar o valor histórico do salário mínimo, sem considerar o valor atualizado na data da expedição, avilta a regra da razoabilidade e, em verdade, descumpre o próprio comando da lei. Ademais, adotar o valor do salário mínimo vigente na data do trânsito em julgado faz com que o tempo de tramitação da execução – que não raramente se estende por longo período, nem sempre por culpa do exequente, mas por conta do próprio mecanismo da justiça – milite em desfavor do exequente, praticamente excluindo, em alguns casos, a possibilidade de expedição de RPV. Por fim, considerando que muitos exequentes, para viabilizar a expedição de RPV, optam por renunciar o crédito excedente, a aplicação do valor histórico do salário mínimo, desatualizado e sem correção, permitiria uma espécie de enriquecimento sem causa da Fazenda devedora.

Convém transcrever, ainda, o seguinte trecho do voto do Conselheiro João Paulo Schoucair (Relator):

Por consectário, possível publicação de novo normativo que vier a tratar dos limites para estabelecimento de RPV não pode retroagir para atingir situações jurídicas regularmente constituídas em data anterior à entrada em vigor do novo instrumento normativo. A verificação do valor adotado a título de salário mínimo, contudo, conforme coerente manifestação apresentada pelo FONAPREC e firme no princípio da razoabilidade, deve observar o valor vigente na data da expedição da RPV, pena de aviltamento do instituto e postergação da respectiva execução para a forma de precatório, em prejuízo ao direito das partes de constituição do RPV de acordo com o valor do salário mínimo vigente à época da respectiva expedição.

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No mesmo sentido é a orientação da 1ª Câmara de Direito Público do TJPE:

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. INTERPRETAÇÃO DO ART. 47, § 3º, DA RESOLUÇÃO Nº 303/2019 DO CNJ. TETO DA REQUISIÇÃO DE PEQUENO VALOR - RPV. INCIDÊNCIA DA LEI VIGENTE NA DATA DO TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA DA FASE DE CONHECIMENTO. TETO FIXADO EM SALÁRIOS MÍNIMOS. VALOR DO SALÁRIO MÍNIMO VIGENTE NA DATA DA EXPEDIÇÃO DA REQUISIÇÃO. 1. A controvérsia reside em qual o valor do salário mínimo a ser considerado para fins de teto de expedição de Requisição de Pequeno Valor – RPV. Discute-se, especificamente, a correta aplicação do art.47, § 3º, da Resolução nº 303/2019-CNJ, com a redação dada pela Resolução nº 438/2021-CNJ, para definir se deve ser adotado o valor do salário mínimo vigente ao tempo do trânsito em julgado da ação de conhecimento ou o valor do salário mínimo em vigor na data da expedição do requisitório. 2. O Supremo Tribunal Federal - STF, ao apreciar Questão de Ordem suscitada após o julgamento das ADI’s 4.357 e 4.425, reconheceu a competência do Conselho Nacional de Justiça – CNJ para monitorar e supervisionar o pagamento dos precatórios pelos entes públicos. 3. No âmbito de sua competência, o CNJ editou a Resolução nº 303/2019, a qual dispõe sobre a gestão dos precatórios e respectivos procedimentos operacionais no âmbito do Poder Judiciário. 4. Em sua redação original, o art. 47, § 3º, da Resolução nº 303/2019 dispunha que os valores das obrigações de pequeno valor deveriam ser observados no momento da expedição da requisição judicial. 5. Com o advento da Resolução nº 438, de 28 de outubro de 2021, o CNJ passou a prever que os valores definidos como requisição de pequeno valor deverão observar a data do trânsito em julgado da fase de conhecimento. 6. Consoante entendimento do próprio CNJ, o § 3º do art. 47 da Resolução nº 303/2019, com a alteração promovida pela Resolução nº 438/2021, deve ser compreendido da seguinte forma: (i) no que diz respeito ao teto da RPV(quantidade de salários mínimos), a lei aplicável é a vigente na data do trânsito em julgado da sentença da fase de conhecimento; (ii) quando o teto for fixado em salários mínimos, deve ser observado o valor do salário mínimo vigente na data da expedição da RPV. 7. A interpretação realizada pelo Conselho está alinhada à orientação do Supremo Tribunal Federal, notadamente no julgamento do RE 729.107/DF (Tema 792), no qual a Suprema Corte firmou a seguinte Tese: “lei disciplinadora da submissão de crédito ao sistema de execução via precatório possui natureza material e processual, sendo inaplicável a situação jurídica constituída em data que a anteceda”. 8. Assim, o limite da Requisição de Pequeno Valor (RPV) deve observar a legislação vigente na data do trânsito em julgado da sentença da fase de conhecimento. Em respeito à segurança jurídica, alteração normativa estabelecendo novo teto não pode, pois, retroagir e alcançar situações jurídicas já consolidadas. 9. No que diz respeito à verificação do valor adotado a título de salário mínimo, no entanto, deve ser considerado o valor vigente na data da expedição da RPV, especialmente em atenção ao princípio da razoabilidade. Nesse sentido: TJPE. AP nº 0000647-65.2017.8.17.2001. Rel. Des. Erik de Sousa Dantas Simões. 1ª Câmara de Direito Público. Julgado em 07/11/2019. 10. No âmbito do Estado de Pernambuco, a Lei Complementar Estadual nº 105/2007 fixou em 40 (quarenta) salários mínimos o limite para pagamentos por RPV. O referido teto, vale mencionar, foi mantido pela Lei Complementar Estadual nº 401, de 18 de dezembro de 2018. 11. O Juízo de origem, no entanto, considerou como valor do salário mínimo aquele vigente ao tempo do trânsito em julgado da ação de conhecimento, conferindo interpretação equivocada ao art.47, § 3º, da Resolução nº 303/2019-CNJ, com a redação dada pela Resolução nº 438/2021-CNJ. 12. A decisão impugnada foi proferida em nítida afronta aos princípios da segurança jurídica e da razoabilidade, assim como está em desacordo com o entendimento do STF e do próprio CNJ, a quem compete monitorar e supervisionar os pagamentos dos precatórios pelos entes públicos. 13. À unanimidade, Agravo de Instrumento provido. (TJPE. Agravo de Instrumento 0016039-87.2023.8.17.9000, Rel. JORGE AMERICO PEREIRA DE LIRA, Gabinete do Des. Jorge Américo Pereira de Lira, julgado em 24/10/2023).

Registre-se, nesta oportunidade, que a Resolução nº 392/2016 do TJPE, que disciplina, no âmbito do Poder Judiciário do Estado de Pernambuco, o processamento e pagamento de Precatórios e Requisições de Pequeno Valor, não contradiz o posicionamento ora adotado[5].

Conclui-se, assim, que a decisão judicial que considera como valor do salário mínimo, para fins de RPV, aquele vigente ao tempo do trânsito em julgado da ação de conhecimento, além de conferir interpretação equivocada ao art. 47, § 3º, da Resolução nº 303/2019-CNJ, com a redação dada pela Resolução nº 438/2021-CNJ, diverge do entendimento do STF e do próprio CNJ, a quem compete monitorar e supervisionar os pagamentos dos precatórios pelos entes públicos.

 

 REFERÊNCIAS

 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Consulta n. 0000621-21.2023.2.00.0000. Relator: João Paulo Schoucair. Decisão em 2 de junho de 2023. Brasília, DF, 2023. Disponível em: 

https://www.cnj.jus.br/InfojurisI2/Jurisprudencia.seam;jsessionid=B6A37F35CBBBE4A0C5AF30F507B10E4F?jurisprudenciaIdJuris=54448&indiceListaJurisprudencia=12&firstResult=10450&tipoPesquisa=BANCO. Acesso em: 9 dez. 2023.

 

BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Resolução nº 303 de 18 de dezembro de 2019. Dispõe sobre a gestão dos precatórios e respectivos procedimentos operacionais no âmbito do Poder Judiciário. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3130. Acesso em: 18 nov. 2023.

 

BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Resolução nº 438 de 28 de outubro de 2021. Altera, renumera e acrescenta dispositivos à Resolução CNJ nº 303/2019, do Conselho Nacional de Justiça, que dispõe sobre a gestão de precatórios e respectivos procedimentos operacionais no âmbito do Poder Judiciário. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/4210. 18 nov. 2023.

 

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 729107. Tema 792. Possibilidade de aplicação da Lei distrital 3.624/2005, que reduziu para 10 salários mínimos o teto para expedição de requisição de pequeno valor, às execuções em curso. Relator: Min. Marco Aurélio, Sessão Virtual de 29 de maio de 2020 a 5 de junho de 2020. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=4350039&numeroProcesso=729107&classeProcesso=RE&numeroTema=792. 11 nov. 2023.

 

CUNHA, Leonardo Carneiro da. Os precatórios e o Conselho Nacional de Justiça. In: CUNHA, Leonardo Carneiro da. Precatórios: atual Regime Jurídico. São Paulo: Forense, 2023. cap. 7, p. 81-  88.

 

PERNAMBUCO. Lei Complementar nº 401, de 18 de dezembro de 2018. Dispõe sobre os procedimentos a serem adotados, no âmbito da Procuradoria Geral do Estado, para a dispensa de propositura ou desistência de ações judiciais e recursos, transação, adjudicação de bens móveis e imóveis, compensação de créditos inscritos em precatório e requisições de pequeno valor (RPV). Recife: Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco, 2028. Disponível em: https://legis.alepe.pe.gov.br/texto.aspx?tiponorma=2&numero=401&complemento=0&ano=2018&tipo=&url=. 4 nov. 2023.

 

PERNAMBUCO. Tribunal de Justiça de Pernambuco. Resolução nº 392, de 22 de dezembro de 2016. Disciplina no âmbito do Poder Judiciário do Estado de Pernambuco o processamento e pagamento de Precatórios e Requisições de Pequeno Valor e dá outras providências. Disponível em: http://www.tjpe.jus.br/documents/10180/1513724/Resolução+Nº+392%2C+de+22+de+Dezembro+de+2016+-+Processamento+e+Pagamento+de+Precatórios+e+RPV.pdf/7c410851-dafe-4379-bbe7-0ce3da68e24f?version=1.0. 4 nov. 2023.



[1] CUNHA, Leonardo Carneiro da. Os precatórios e o Conselho Nacional de Justiça. In: CUNHA, Leonardo  Carneiro da. Precatórios: atual Regime Jurídico. São Paulo: Forense, 2023. cap. 7, p. 81-  88.

[2] BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Consulta n. 0000621-21.2023.2.00.0000. Relator: João Paulo Schoucair. Decisão em 2 de junho de 2023. Brasília, DF, 2023. Disponível em:  

https://www.cnj.jus.br/InfojurisI2/Jurisprudencia.seam;jsessionid=B6A37F35CBBBE4A0C5AF30F507B10E4F?jurisprudenciaIdJuris=54448&indiceListaJurisprudencia=12&firstResult=10450&tipoPesquisa=BANCO. Acesso em: 9 dez. 2023.

[3] STF. RE 729.107, Rel. Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, DJe 15.9.2020.

 

[4] No âmbito do Estado de Pernambuco, a Lei Complementar Estadual nº 105/2007 fixou em 40 (quarenta) salários-mínimos o limite para pagamentos por RPV. O referido teto, vale mencionar, foi mantido pela Lei Complementar Estadual nº 401, de 18 de dezembro de 2018.

[5] Art. 56. Considera-se Requisição de Pequeno Valor (RPV) aquela relativa a crédito cujo montante atualizado, no momento de sua expedição seja igual ou inferior a:

I – sessenta (60) salários mínimos, se a devedora for a Fazenda federal (art. 17, § 1º, da Lei n. 10.259, de 12 de julho de 2001);

II – quarenta (40) salários mínimos, ou o valor definido em lei local, sendo devedora a Fazenda estadual  (art. 87, inciso I, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias);

III – trinta (30) salários mínimos ou o valor estipulado pela legislação do ente devedor municipal (art. 87,  inciso II, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias).

[...]

 

Sobre o autor
Jorge Américo Pereira de Lira

Diretor-Geral da Escola Judicial de Pernambuco (ESMAPE). Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco – TJPE. Membro titular da 1ª Câmara de Direito Público do TJPE. Professor da Escola Judicial de Pernambuco (ESMAPE). Ex-Promotor de Justiça do Estado de Pernambuco.

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