Invadir a recepção do hospital para salvar a irmã é crime, estado de necessidade ou erro de proibição indireto?

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Na tarde desta quarta-feira, uma mulher identificada como Jéssica Luzia Paixão da Conceição, de 32 anos, foi presa em flagrante após invadir a recepção do Hospital de Emergência de Resende, no sudoeste do Rio de Janeiro. O episódio chocante foi marcado pela presença da irmã da suspeita, que necessitava de atendimento médico e estava acomodada no porta-malas do veículo.

Os detalhes apresentados pela polícia civil revelam que a irmã de Jéssica havia sido atendida na mesma unidade pela manhã, após sofrer uma queda em casa. Portadora de diversas comorbidades, como diabetes e obesidade, a paciente foi medicada e liberada. No entanto, ao retornar para casa, continuou a apresentar dores, levando a família a acionar novamente o SAMU.

Diante da orientação de que a espera para atendimento seria longa, Jéssica tomou a decisão de transportar a irmã por meios próprios até o hospital. No trajeto pela Rodovia Presidente Dutra, a condutora chegou a dirigir com o porta-malas aberto, colocando a irmã no bagageiro do veículo.

A situação atingiu seu ápice quando Jéssica, acompanhada por uma amiga da família, premeditou a invasão da sala de espera do hospital. A motorista manobrou o carro de maneira a invadir a recepção, danificando a fachada do estabelecimento. Apesar do susto, nenhum paciente ficou ferido, mas a atitude radical gerou a prisão em flagrante da condutora.

Entretanto, é crucial analisar o caso sob a ótica do instituto jurídico do estado de necessidade, o qual se configura quando alguém pratica um ato criminoso para salvar direito próprio ou alheio, cujo sacrifício nas circunstâncias não seria razoável exigir.

Segundo o Advogado Douglas Romero Souza de Oliveira, professor de Direito Constitucional e Penal:

“Em situações de urgência médica, como a enfrentada por Jéssica e sua irmã, a interpretação desse instituto ganha contornos complexos. A alegação de estado de necessidade pode ser justificada pela urgência em buscar atendimento médico para a paciente, especialmente quando a orientação do SAMU indicava uma fila extensa e a possibilidade de transporte próprio.”.

Complementa afirmando o Advogado David Vinicius do Nascimento Maranhão Peixoto, pós-graduado em ciências penais:

“É relevante destacar que a legislação penal exige a comprovação da extrema carência e a inevitabilidade da conduta para caracterizar o estado de necessidade. No entanto, diante das dificuldades de acesso ao atendimento de saúde, Jéssica pode ter interpretado que a única opção viável era invadir a recepção do hospital para garantir o atendimento de emergência à sua irmã, e ao balancear os bens discutíveis em jogo (Vida vs Patrimônio) estaria fazendo em prol da vida. Ademais, ainda que Jéssica não esteja acobertada pelo Estado de Necessidade, discriminante, o fato desta apenas imaginar que o estado de necessidade permitiria invadir a recepção, pelo fato de sua irmã estar em iminente risco de vida, estaria acobertada pela excludente de ilicitude do fato, o que também poderia excluir o dolo de sua conduta por meio do erro de proibição indireto, podendo ser evitável ou inevitável”.

Complementa explicando que “No erro de proibição indireto (descriminante putativa por erro de proibição) o agente sabe que a sua conduta é típica, mas supõe presente uma causa permissiva, ora supondo existir uma causa excludente da ilicitude, ora supondo estar agindo nos limites da descriminante.”.

Em casos como este, a discussão sobre a adequação da legislação penal para contemplar situações de extrema urgência e carência torna-se pertinente. A jurisprudência tem interpretado de maneira divergente o estado de necessidade, especialmente em situações de dificuldades financeiras extremas, e o episódio de Jéssica adiciona uma nova camada a esse debate.

 judiciário terá o desafio de ponderar entre a ilegalidade da invasão e a justificativa baseada no estado de necessidade. A absolvição de Jéssica poderia sinalizar uma compreensão mais ampla da legislação penal diante de casos de extrema urgência, incentivando a discussão sobre possíveis reformas na legislação para melhor contemplar situações como a vivenciada por ela e sua irmã.

Bibliografia:

  1. 1. Artigos. Vizinho condenado por perturbação ao direito de vizinhança. em: https://nascimentopeixotoadvogados.com.br/artigos. Acesso em: 21.12.2023.

  2. 2. TJDFT - Jurisprudência em Temas - A Doutrina na Prática - Causas de exclusão da ilicitude - Estado de Necessidade. Disponível em: https://www.tjdft.jus.br/consultas/jurisprudencia/jurisprudencia-em-temas/a-doutrina-na-pratica/caus.... Acesso em: 21 dez. 2023.

  3. 3. CNN Brasil. Mulher invade hospital com carro após demora para atendimento. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/video-mulher-invade-hospital-com-carro-apos-demora-para-atendi.... Acesso em: 21 dez. 2023.

Sobre os autores
David Vinicius do Nascimento Maranhão Peixoto

Advogado. Sócio do Escritório Nascimento & Peixoto Advogados Associados. Bacharel em Direito e pós-graduado em Ciências Criminais. Atualmente cursando extensão em Processo Administrativo e bacharelado em Ciências Econômicas. Membro da Comissão de Ciências Criminais na Ordem dos Advogados do Distrito Federal. Começou sua atuação no mundo jurídico junto às Defensorias Públicas da União e do Distrito Federal, atuando nos ramos do direito penal, penal militar e direito civil e família. Atuou como assessor jurídico junto ao Núcleo de Atendimento de Brasília da Defensoria Pública do Distrito Federal. Além disso, tem notória atuação em casos que envolvem fraudes bancárias e também no combate a golpes aplicados no mercado financeiro. Advogado atuante em fraudes bancárias, telefone e WhatsApp (61) 99426-7511.  [email protected]

Douglas Romero Souza de Oliveira

Advogado, Graduado pelo Centro Universitário do Distrito Federal [UDF]; Pós-Graduado em Direito Constitucional; Advogado atuante no Escritório Nascimento & Peixoto Advogados Associados, [email protected], telefone e WhatsApp (61) 9.8419-6767.

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