A (EX) Inclusão dos alunos portadores de transtorno de déficit de atenção com hiperatividade

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A (EX) Inclusão dos alunos portadores de transtorno de déficit de atenção com hiperatividade

É lamentável ver escolas que procuram arrimo na falta de regulamentação legal para não criarem conteúdos e atividades adaptáveis para alunos portadores de TDAH. O problema existe, é latente, as soluções também existem, são eficientes, mas prefere-se não lançar mão delas para procurar outros culpados e eximir-se de responsabilidades, perpetuando uma cadeia de sofrimento que, por isso mesmo, nunca chegará ao fim.

Nas escolas de todo o país, é frequente que sejam encontrados crianças e adolescentes, a depender de sua faixa etária ou série escolar, que padeçam do hoje tão conhecido e propalado Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade, o TDAH.

Para sua melhor conceituação, valemo-nos do conceito da Associação Brasileira de Déficit de Atenção – ABDA, a qual define o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), da seguinte forma:

O Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) é um transtorno neurobiológico, de causas genéticas, que aparece na infância e frequentemente acompanha o indivíduo por toda a sua vida. Ele se caracteriza por sintomas de desatenção, inquietude e impulsividade. Ele é chamado às vezes de DDA (Distúrbio do Déficit de Atenção). Em inglês, este transtorno também é chamado de ADD, ADHD ou de AD/HD.

Conforme se afere da leitura do conceito acima transcrito, percebe-se que os portadores desse transtorno padecem e sofrem as agruras de um complexo de sintomas que limitam, muitas vezes sua capacidade de aprendizagem, comprometendo seu futuro como seres humanos, na medida em que, sem uma aprendizagem adequada, serão praticamente eliminados do concorrido mercado de trabalho de nossos grandes centros urbanos, sendo relegados a profissões menos prestigiadas, com menores salários, até mesmo a subempregos, por conta da sua insuficiente escolarização.

No entanto, os portadores desse transtornos ainda que assim considerados, muitas vezes são detentores de altas habilidades, mas como não tiveram acompanhamento adequado nas instituições de ensino que estudaram, talvez por toda sua vida, não obtiveram seu melhor aproveitamento e acabaram sendo preteridos, justamente por não se “enquadrarem” no padrão de escolarização preconizado por séculos em nosso país, no qual a exclusão parece ser a medida da qual mais se lança mão, justamente por ser mais fácil excluir do que incluir.

Um tanto quanto contraditória essa política educacional brasileira, onde tanto se arvora para os quatro cantos que somos um país que pratica a inclusão, sobretudo na educação, porém na prática, o que se percebe é um contínuo desrespeito às normas constitucionais e infraconstitucionais pertinentes à matéria, justamente pelo fato de que os portadores de TDAH não são, como deveriam ser, vistos como necessitados de programas próprios e inclusivos para viabilizar seu melhor potencial na sua aprendizagem.

Seria cômico se não fosse trágico, o número de professores e profissionais da educação, sejam eles docentes ou coordenadores pedagógicos, que detém conhecimento especializado na elaboração de práticas educacionais destinados a esses alunos, isto é, os portadores de TDAH é praticamente ínfimo.

Frequentemente, em atendimentos psicopedagógicos, a Psicopedagoga Fernanda de Oliveira se depara com situação na qual alunos portadores de TDAH não possuem em suas escolas atividades adaptadas e próprias para crianças com esse transtorno, sob a alegação, por parte da maioria esmagadora das escolas de que a lei do TDAH, lei n.º Lei 14.254. Essa lei dispõe sobre o diagnóstico e o tratamento do TDAH e Dislexia na educação básica, não ter sido regulamentada, o que, no dizer das escolas, desobriga-as de produzirem material didático, aulas e atividades adaptadas para essas crianças.

No mínimo, absurdo, pois é como buscar na própria lacuna legal a justificativa para a leniência e desídia, porque não dizer, irresponsabilidade para com crianças que, se tivessem o devido acompanhamento e as atividades devidamente adaptadas, poderiam muito bem desenvolver-se para o seu melhor potencial e alcançar uma vida plena e de realização profissional.

Mas nosso país é conhecido pela morosidade, pela falta de inciativa e pelo prazer funesto em descumprir mandamentos legais, carecendo muitas vezes de intervenção do Poder Judiciário, para compelir instituições a fazer o que lhes era próprio e deveria ser seu mister, promover o acesso a educação de seus próprios educandos e não criar limitações que lhes impeçam de adquirirem o conhecimento que almejam.

Do ponto de vista jurídico, é um festival de ilegalidades, abusividades, mormente em se tratando de uma relação de consumo, como no caso das escolas particulares, cujos contratos de prestação de serviço educacionais lhes obrigam a fornecer todos os mecanismos de que dispõem para conferir o melhor aprendizado possível aos seus contratantes, mas no caso lamentável dos portadores de TDAH, não é bem isso o que acontece. Nesta senda, há um gravíssimo ferimento ao princípio da boa-fé contratual das relações consumeristas.

Mas não são somente tais mazelas atinentes a uma mera relação de consumo. Dificultar o aprendizado de portadores de TDAH é atentar contra sua dignidade de pessoa humana, nos termos da Magna Carta de 1988.

A conhecidíssima autora da área educacional Ana Cláudia Oliveira Pavão assim descreve a situação a que está sujeito o aluno portador de TDAH, no tocante às suas necessidades individuais para um aprendizado efetivo, as quais, lamentavelmente, não são vislumbradas no âmbito escolar, como deveriam ser:

“O caso do Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade-TDAH é uma dessas demandas que no interior das escolas assume uma dimensão exorbitante, quando da falta ou carência de orientação a essas pessoas que por se caracterizarem com esse transtorno podem sucumbir ao fracasso escolar. A responsabilidade de pensar estratégias que favoreçam a vida e o desenvolvimento dessas pessoas incide sobre toda sociedade”. (PAVÃO et al., 2017).

Se o TDAH é uma realidade, incontestável, premente, notória, permanente, se esses alunos estão sendo prejudicados flagrantemente por falta de conteúdo adaptado, se estão sendo, desse modo, limitados em seu processo de aprendizagem, se as escolas saem pela tangente, apenas alegando que não existe ainda regulamentação para a lei do TDAH e dislexia, que tais alunos, nos dizeres impiedosos dessas escolas, não são alunos de inclusão, e se os prejuízos na aprendizagem deles irá refletir, como reflete de fato, em seu futuro como pessoa, relegando-os a uma incerteza imensa quanto a possibilidade de sua inserção no mercado de trabalho, limitando suas possibilidades de conseguir postos melhores e isso traz impactos profundos no próprio Produto Interno Bruto, de modo que teremos e já temos pessoas gravemente afetadas, tal não pode continuar sendo praticado e interpretado dessa forma tão insensível.

A Magna Carta de 1988 tutela a dignidade da pessoa humana como um direito fundamental e uma garantia de nosso Estado Democrático de Direito, princípio de nossa República. Nos termos do art. 5º da Lei Suprema, todos são iguais perante a lei. Assim sendo, esses alunos com dificuldade de aprendizagem, como os alunos com TDAH, bem como os classificados com transtornos funcionais específicos, entre outros, deveriam ser tratados na medida de sua dificuldade e amparados por programas educacionais que viabilizassem um melhor aproveitamento deles.

Contudo, esses alunos não são contemplados com as previsões da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (MEC, 2008), que traz em seus objetivos a garantia de Atendimento Educacional Especializado (AEE)

(...) os estudantes público-alvo da Educação Especial são aqueles que possuem Deficiência (física, mental, intelectual, sensorial ou múltipla), Altas Habilidades/Superdotação ou Transtornos Globais do Desenvolvimento (PAVÃO et al., 2019).

Para nós, tal entendimento deveria ser de pronto, revisto e modificado. O legislador andou bem ao promulgar a lei do TDAH e dislexia. Mas a lentidão do Congresso Nacional e das Casas Legislativas Estaduais e Municipais em aprovar estatutos e regulamentos para a aplicação das políticas educacionais voltadas para portadores de TDAH tem feito incontáveis vítimas.

Somente com a intervenção do Judiciário é que se tem conseguido algum socorro às famílias dessas crianças portadoras de TDAH. Inúmeras tem sido as decisões judiciais de nossos tribunais no sentido de literalmente, de cima para baixo, por meio de uma ordem judicial, obrigado a instituições de ensino públicas ou privadas a viabilizar conteúdos adaptados para alunos portadores de TDAH que levam seus clamores aos ouvidos do Judiciário.

Dessa forma, portanto, é graças ao entendimento jurisprudencial de nossas egrégias cortes, que tem reconhecido o direito à educação dos alunos com TDAH, como é o caso da seguinte decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul, que confere a aluno com TDAH, o direito de acompanhamento educacional especializado, conforme a Constituição confere às pessoas com deficiência:

AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER – PROFESSOR AUXILIAR – MENOR COM TRANSTORNO DE DEFICIT DE ATENÇÃO E HIPERATIVIDADE – TDAH – NECESSIDADE DE ACOMPANHAMENTO – RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. Preconiza o art. 208, III, da Constituição Federal, que o dever do Estado com a educação será efetivado mediante garantia de atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino. Em que pese o menor não possuir dificuldades em locomoção, higiene pessoal ou interação social, resta evidenciada a urgência da medida pleiteada, uma vez que a demora no acompanhamento educacional individualizado do menor poderá acarretar-lhe danos irreversíveis no aprendizado. Ademais, como visto, é dever do Estado disponibilizar atendimento educacional especializado aos educandos portadores de necessidades especiais, como na hipótese, em que o agravante possui transtorno do déficit de atenção e hiperatividade - TDAH e necessita de acompanhamento educacional especializado. (TJ-MS - AI: 14116854820198120000 MS 1411685-48.2019.8.12.0000, Relator: Des. Vladimir Abreu da Silva, Data de Julgamento: 06/02/2020, 4ª Câmara Cível, Data de Publicação: 10/02/2020).

Assim, em que pesem os esforços, louváveis, legislativos na promulgação de leis que contemplem os portadores de TDAH, mormente a própria Lei do TDAH, é preciso muito mais que esse diploma legal para enfrentamento do problema.

Garantir o acesso a educação é muito mais que elevar o número de alunos, crianças e adolescentes matriculados e mais ainda mantê-los na escola, para elidir a evasão escolar.

De nada adianta manter uma criança ou adolescente na escola, mas sendo ela portadora desse transtorno, não garantir-lhe o direito de ter conteúdos e atividades escolares adaptadas próprias para seu melhor aproveitamento escolar e seu desenvolvimento. Impedi-la de ter acompanhamento específico é limitar suas chances enquanto sujeito de direitos e com isso inviabilizar sua vida, seu desenvolvimento pleno e tolher suas potencialidades, colocando-a no mesmo “pote” que demais alunos, sabendo que ela não conseguirá alcançar os seus objetivos porquanto possui uma limitação que lhe impede a compreensão do conteúdo ministrado, limita sua sociabilidade com os demais colegas e coloca-a numa situação de fragilidade social.

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É preciso ver o transtorno do TDAH com as lentes próprias da inclusão que contemple não somente o educando, como a formação de professores, profissionais e demais atores envolvidos no processo educacional, porque estamos falando de vidas de pessoas que estão sendo limitadas e verdadeiramente impedidas de atingirem seus sonhos como seres humanos, que querem aprender, trabalhar e gozar do fruto do seu trabalho, como todos nós temos tais aspirações.

Falta empatia de toda uma sociedade que se recusa a colocar-se no lugar daqueles que sofrem as agruras desse transtorno que acomete cerca de 3 a 5% das crianças de todo o mundo, segundo dados da própria Associação Brasileira de Déficit de Atenção – ABDA define o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH).

Nesta semana, instituída como semana nacional de conscientização do TDAH, Lei 14.420, de 2020, publicada no Diário Oficial da União, no dia 20/07/2022, faz-se necessária a reflexão acerca desse tema e dessa relevante questão que impacta a vida de um grande número de pessoas e afeta também a própria economia do país.

Escolas e instituições de ensino como um todo, não podem mais viver sob a escusa de que, por não haver uma regulamentação não seja possível elaborar, adaptar, montar conteúdos próprios para pessoas com esse transtorno, a fim de que haja, de fato e para além da mera letra de uma lei, a inclusão necessária.

Até quando continuaremos ver famílias inteiras sofrendo de modo atroz por conta da leniência de sistemas educacionais que vivem sob o manto da negação, não admitindo seus próprios erros e vicissitudes, excluindo crianças, relegando-as a um completo desserviço educacional, por não ter tais instituições a competência e o real compromisso com a educação e com a própria sociedade?

É justamente essa leniência, essa atitude leviana de ignorar os clamores desses alunos, sob o pretexto de que, por não haver norma regulamentadora, isso seja empecilho para a implementação de práticas pedagógicas, adaptação de conteúdo para melhor servir a esses infantes.

Antes, a falta de lei. Chega a lei e reclama-se da falta de regulamentação. De escusas em escusas, vamos literalmente matando sonhos de um sem número de alunos. Obrigamos pais e mães, muitas vezes essas últimas solteiras, dependendo da abarrotada Defensoria Pública para que seus suplícios cheguem aos ouvidos do Judiciário, para, só então, ver seus direitos assegurados. Judiciário este que está entupido de processos. E os alunos portadores de TDAH vão perdendo tempo, conteúdo, vão esmorecendo e a educação que lhes deveria ser direito constitucionalmente adquirido e implementado, perece também.

O excesso desse direito positivado, com um número acima da casa dos milhões de normas vigendo em nosso país, essa dependência de que situações tenham que ser legisladas para que direitos sejam implementados, torna-se um ciclo vicioso, onde esperamos o legislativo promulgar uma norma, para que sejam efetivados direitos que já estavam previstos no ordenamento, principalmente na Constituição Federal é algo no mínimo nefasto, abjeto e contraproducente.

Enquanto o Governo Federal e os Estados e Municípios não entenderem que essa parcela da população que padece de TDAH é parte da população economicamente ativa e que, por falta de políticas educacionais, está sendo barrada na sua entrada e permanência nas escolas e no próprio mercado de trabalho, causando fortíssimo impacto em nossa economia, continuaremos nesse zigue zague, andando literalmente em círculos e promovendo a morte de estudantes, não porque isso cause a morte física propriamente dita, mas porque essa postura leniente e leviana de nossos governos e de nosso sistema educacional mata a produtividade de um sem número de pessoas.

Sejamos mais efetivos, assertivos, proativos, intervencionistas, práticos, objetivos, e menos burocratas, dependentes de normatizações sem efetividade, de letra morta de leis e normas e sejamos, pois, definitivamente, mais humanos.

O tempo não pára.

A mente não pode ser parada.

A vida é sempre pra frente. Adiante.

Reflitamos e ajamos o mais breve possível, pois das consequências já sabemos com muita propriedade, porque padecemos delas.

TDAH, compreender para acolher.

Autor: Dr. João Ricardo C. de Oliveira Toledo, Advogado, especialista em Direito Constitucional, Parecerista e Consultor.

Coautora: Fernanda B. Toledo de Oliveira, Psicopedagoga, Pedagoga, Especialista em TDAH e Dislexia.

Sobre o autor
João Ricardo Cardoso de Oliveira

Advogado, Consultor Jurídico e de Negócios, Empresário da Educação, atuante nas áreas imobiliária, tributária, empresarial. Parecerista e Professor. Especialista em Direito Imobiliário com MBA, Direito Constitucional.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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