Privatização de serviços essenciais

02/01/2024 às 15:28
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Privatizações de serviços públicos descumprem princípios constitucionais, geram tarifas altas e não reduzem impostos.

Nos termos do art. 175 da CF, cabe ao poder público, na forma da lei, diretamente ou não, o regime de concessão ou de permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviço público.

Relativamente ao serviço de transporte coletivo local, dispõe o art. 30, inciso V da CF que compete ao Município “organizar e portar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial”.

Em função desses textos constitucionais, a doutrina, superando as diversas posições antagônicas, pacificou o conceito de serviço público como sendo uma atividade do Estado (Poder Público) prestada diretamente ou por seus concessionários ou permissionários fornecendo uma comodidade material aos administradores, sob o regime jurídico de direito público.

Esses serviços públicos, ora assumem natureza utisingulicomo nos casos de taxas cobradas pelo exercício do poder de polícia ou da prestação efetiva e potencial de serviços públicos (art. 145, II da CF), ora assumem a natureza utiuniversicomo nos casos de concessão, permissão ou autorização do serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens referido no art. 223 da CF.

Além dos princípios aplicáveis à administração geral previstos no art. 37 da CF (legalidade, moralidade, impessoalidade, publicidade e eficiência) porque os serviços públicos estão inseridos no bolo da função administrativa do Estado, são aplicáveis princípios específicos adiante mencionados:

a) Princípio da continuidade, no sentido de que o serviço público não comporta interrupção, devendo ser prestado de forma contínua;

b) Princípio da igualdade, de sorte a ser prestadoo serviço público de maneira que respeite a isonomia entre os usuários do serviço. Esse princípio é também conhecido como princípio da neutralidade ou da uniformidade;

c) Princípio da mutabilidade, no sentido de que o serviço público deve se atualizar de conformidade com as inovações tecnológicas e às necessidades de sociedade moderna. Por isso esse princípio é conhecido como princípio da atualidade;

Na realidade, nenhuma das administrações das três esferas políticas vem observando a prescrição do art. 175 da CF. Serviços essenciais vêm sendo privatizados sem observância do regime de concessão ou permissão.

O Município de São Paulo, por exemplo, que operava o serviço de transporte coletivo de passageiros diretamente por meio da CMTC, a partir da gestão da Erundina foi simplesmente privatizado. As empresas de ônibus foram contratadas pela Prefeitura paulistana, inicialmente, remuneradas exclusivamente por quilômetros rodados ensejando o congestionamento de vias públicas por ônibus circulando semivazios. Isso não é concessão, nem permissão.

No Estado de São Paulo, a SABESP acaba de ser privatizada. Na esfera da União as privatizações ocorrem a cada necessidade financeira do Estado consumido por fantásticas despesas correntes, notadamente, as de custeio em detrimento das despesas de capital cada vez mais escassas, comprometendo o crescimento do país no futuro

Esses serviços públicos privatizados não antedem aos princípios aplicáveis à administração pública.

A recente tempestade que recaiu sobre São Paulo deixou diversas regiões sem energia elétrica vários dias seguidos.

A Enel, distribuidora de energia elétrica na cidade de São Paulo, descumpriu o princípio da continuidade pelo prazo que deixou de ser razoável, restabelecendo a energia por critério seletivo, deixando em último lugar os bairros da periferia, descumprindo dessa forma o princípio da igualdade ou da neutralidade.

Mas, não é só. Quando um governo se livra da responsabilidade na prestação de serviço público o ente federativo a que pertence esse governo poupa a realização de despesas de monta.

Isso deveria refletir imediatamente na redução de impostos que existem exatamente para custear os serviços públicos.

Porém, os impostos continuam com o mesmo peso, antes e depois da privatização, quando não majorados.

A população pagante de impostos deixa de receber serviços públicos do Estado para passar a ser usuária desses serviços públicos mediante pagamento de tarifas escorchantes.

Onde há coerência da administração pública? O Estado que privatiza o serviço público deveria subsidiar em parte a tarifa cobrada por particulares. É o mínimo que o poder público deveria fazer.

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Sobre o autor
Kiyoshi Harada

Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Texto publicado no Portal Migalhas nº 5;749 de 19-12-2023.

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