O presente estudo visa trazer esclarecimentos acerca do esvaziamento do propósito da medida socioeducativa, do ponto de vista prático – casos nos quais o adolescente condenado à MSE vem a ser preso ou condenado à pena incompatível com o caráter ressocializador da medida socioeducativa.
Primeiramente, cumpre destacar que crianças e adolescentes não cometem crimes/contravenções penais, e sim atos infracionais análogos a infrações penais, nos termos do art. 103 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
No entanto, as medidas a serem aplicadas variam de acordo com o estágio de desenvolvimento do autor do ato infracional, tendo, nesse ponto, o ECA adotado o critério etário, de modo absoluto, e, a partir deste, a análise das peculiaridades do caso concreto e do indivíduo, a fim de consagrar o princípio da individualização da medida socioeducativa, extraído, por analogia, do art. 5º, inc. XLVI, da Constituição Federal.
Em outras palavras, a criança (até 12 anos de idade incompletos) que venha a cometer um ato infracional (e seja condenada), poderá sofrer a aplicação das medidas de proteção previstas no art. 101 do ECA:
Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas:
I - encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade;
II - orientação, apoio e acompanhamento temporários;
III - matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental;
IV - inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente;
IV - inclusão em serviços e programas oficiais ou comunitários de proteção, apoio e promoção da família, da criança e do adolescente; (Redação dada pela Lei nº 13.257, de 2016)
V - requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial;
VI - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos;
VII - abrigo em entidade;
VII - acolhimento institucional; (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência
VIII - colocação em família substituta.
VIII - inclusão em programa de acolhimento familiar; (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência
IX - colocação em família substituta.
Por outro lado, no caso de prática de ato infracional por adolescente (de 12 até 18 anos de idade incompletos), poderão ser aplicadas as medidas previstas no art. 112 do ECA:
Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:
I - advertência;
II - obrigação de reparar o dano;
III - prestação de serviços à comunidade;
IV - liberdade assistida;
V - inserção em regime de semi-liberdade;
VI - internação em estabelecimento educacional;
Assim, diz-se que o critério etário é absoluto, pois não há possibilidade jurídica de aplicação de medida socioeducativa (art. 112 do ECA) a uma criança que seja condenada pela prática de um ato infracional.
Além disso, no caso de MSE, sua aplicação poderá ocorrer até o indivíduo atingir a idade de 21 anos, ou seja, há possibilidade de um adulto (de 18 a 21 anos incompletos) cumprir MSE pela prática de um ato infracional quando adolescente (art. 2º, parágrafo único, c/c art. 121, § 5º, ambos do ECA).
Essa possibilidade decorre, não apenas para coibir a impunidade, demonstrando ao adolescente infrator (á época) que sua conduta foi contrária ao ordenamento jurídico, mas, principalmente, consagrar o caráter pedagógico e ressocializador, que deve ser o principal objetivo da medida socioeducativa.
Superados esses pontos, incursiona-se no tema em estudo.
Em 18 de janeiro de 2012, foi promulgada a Lei nº 12.594, que instituiu o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), regulamentando a execução das medidas socioeducativas destinadas a adolescente que pratique ato infracional.
Dentre suas disposições, o Sinase trouxe o esvaziamento do propósito socioeducativo da MSE, em seu art. 46:
Art. 46. A medida socioeducativa será declarada extinta:
I - pela morte do adolescente;
II - pela realização de sua finalidade;
III - pela aplicação de pena privativa de liberdade, a ser cumprida em regime fechado ou semiaberto, em execução provisória ou definitiva;
IV - pela condição de doença grave, que torne o adolescente incapaz de submeter-se ao cumprimento da medida; e
V - nas demais hipóteses previstas em lei.
§ 1º No caso de o maior de 18 (dezoito) anos, em cumprimento de medida socioeducativa, responder a processo-crime, caberá à autoridade judiciária decidir sobre eventual extinção da execução, cientificando da decisão o juízo criminal competente.
§ 2º Em qualquer caso, o tempo de prisão cautelar não convertida em pena privativa de liberdade deve ser descontado do prazo de cumprimento da medida socioeducativa. (grifou-se).
Com efeito, uma vez verificada a prática de ato infracional, mesmo que seu autor complete a maioridade (18 anos), a ele se aplicam as medidas socioeducativas pertinentes até que atinja 21 anos de idade, desse modo, constata-se que as disposições do inc. III e §§ 1º e 2º, do art. 46 do Sinase são destinadas exclusivamente a adultos, pois somente estes poderão responder criminalmente.
Logo, quando o indivíduo (entre 18 e 21 anos) possui pendente o cumprimento de uma medida socioeducativa e comete um crime/contravenção que lhe resulta na aplicação de pena privativa de liberdade, em regime fechado ou semiaberto (seja condenação definitiva ou prisão cautelar), o juízo de execução da MSE deverá declará-la extinta (art. 46, inc. III, do Sinase).
Por outro lado, caso o indivíduo venha a responder a um processo-crime, sem prisão preventiva ou condenação definitiva, o juízo poderá declarar extinta a MSE – nesse caso, haverá a faculdade de o juízo extinguir ou não a MSE (art. 46 , §1º, do Sinase).
Exemplificando, Fulaninho foi condenado a uma MSE de internação pelo período de 03 meses, porém nunca iniciou seu cumprimento, pois não era localizado. Todavia, após completar 18 anos, comete um crime e vem a ser condenado a 06 anos de prisão em regime inicial semiaberto, sendo preso. Nesse caso o juízo da execução da MSE deverá declará-la extinta.
De outro lado, caso Fulaninho esteja apenas respondendo ao processo criminal acima, sem ainda ter sido condenado, o juízo da MSE terá a faculdade de extingui-la. Não há obrigação de extinguir a MSE apenas pelo fato de o indivíduo estar sendo processado criminalmente.
Essas possibilidades de extinção da MSE decorrem da presunção legal de que as disposições do Estatuto da Criança e do Adolescente não alcançariam seu objetivo reeducador e ressocializador, já que o indivíduo passou a cometer crimes, de modo procedimentos voltados à aplicação de MSE passam a carecer de justa causa.
Além disso, criou-se a possibilidade de detrair o tempo de prisão provisória (preventiva ou temporária) pela prática de uma infração penal na MSE (art. 46, § 2º, do Sinase), ou seja, seguindo o exemplo anterior, se Fulaninho permaneceu preso preventivamente e, ao final do processo crime, foi absolvido, poderá abater de sua MSE o período no qual ficou preso cautelarmente.
Portanto, caso o indivíduo, que possui pendente de cumprimento uma MSE, vem a ser condenado (provisória ou definitivamente) pela prática de uma infração penal em regime semiaberto ou fechado, o juízo deverá extinguir a MSE; porém, se está apenas sendo processado criminalmente, o juízo poderá optar entre extinguir ou não a MSE.
Referências:
BRASIL. Constituição Federal. Disponível em <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 06 Ago. 2023.
BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm>. Acesso em 06 Ago. 2023.
BRASIL. Lei nº 12.594/2012. Disponível em <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12594.htm>. Acesso em 06 Ago. 2023.