O simples acúmulo de mais de dois cargos públicos de médico não configura improbidade administrativa por lesão ao erário

03/01/2024 às 17:07
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A Constituição Federal em seu artigo 37, inciso XVI1, veda qualquer hipótese de acumulação remunerada de cargos públicos, salvo a de dois cargos de professor; um cargo de professor com outro técnico ou científico e; de dois cargos ou empregos privativos de profissionais da saúde com profissões regulamentadas, devendo, para tanto, haver compatibilidade de horários.

É muito comum que o Ministério Público ajuíze ações civis públicas por ato de improbidade administrativa buscando a responsabilização de médicos pela acumulação de mais de dois cargos públicos.

A Lei 14.230/2021 alterou a Lei nº. 8.429/92 que dispõe sobre os atos de improbidade administrativa.

Antes do advento da Lei 14.230/2021, o posicionamento majoritário da jurisprudência2 já era no sentido de que a configuração demandaria a comprovação da lesão efetiva aos cofres públicos; ou seja, a responsabilização do médico somente seria possível se constatado que o acúmulo de cargos impedia o cumprimento da jornada de trabalho designada em algum dos vínculos.

Com a entrada em vigor da Lei 14.230/2021, a questão parece que restou solucionada, visto que a caracterização dos atos de improbidade administrativa que importem lesão ao erário (artigo 10) demanda o efetivo prejuízo aos cofres públicos.

O posicionamento é acertado, posto que a Lei de Improbidade Administrativa busca coibir comportamentos desonestos, não se prestando a punir meras ilegalidades. Além disso, não se justifica punir um profissional da saúde que cumpre com a jornada de trabalho em todos os vínculos exclusivamente em razão da desobediência ao que dispõe o artigo 37, inciso XVI da Constituição Federal, sob pena de enriquecimento indevido da Administração.


Notas

1 Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

[...]

XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

a) a de dois cargos de professor; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas;

2 APELAÇÃO CÍVEL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ACUMULAÇÃO ILÍCITA DE CARGOS. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. AUSÊNCIA DE PROVA DE LESÃO. O ressarcimento ao erário em virtude de ato de improbidade administrativa doloso exige prova da existência de efetiva lesão aos cofres públicos. Ausente prova de que, a despeito da acumulação ilícita de cargos, não houve a devida prestação do serviço pelo réu. APELAÇÃO DESPROVIDA.(Apelação Cível, Nº 70085128189, Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Francesco Conti, Julgado em: 30-08-2021). Disponível em: https://www.tjrs.jus.br/novo/buscas-solr/?aba=jurisprudencia&q=&conteudo_busca=ementa_completa

Sobre o autor
Juliano Vieira da Costa

Advogado atuante na área de Direito Administrativo Sancionador e Direito Eleitoral, Especialista em Direito Eleitoral pela PUC-Minas. Instrutor do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/RS. Autor do livro "Reflexões Sobre a Lei de Improbidade Administrativa - À Luz das Alterações pela Lei 14.230/2021" (Juruá, 2024).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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