Teoria dos Campos Abertos e Sua Aplicação no Ordenamento Jurídico Brasileiro

15/01/2024 às 16:22

Resumo:


  • A Teoria dos Campos Abertos originou-se nos EUA e estabelece que a proteção da Quarta Emenda contra buscas e apreensões não se aplica a áreas abertas fora de uma residência privada.

  • Essa teoria permite às autoridades maior flexibilidade para conduzir buscas sem mandado em espaços abertos, refletindo um equilíbrio entre o direito à privacidade e a eficiência na aplicação da lei.

  • No Brasil, a proteção à privacidade é mais abrangente e as buscas geralmente exigem um mandado judicial, exceto em situações como flagrante delito ou perigo iminente, conforme a Constituição Federal e a jurisprudência do STJ e STF.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

1. ORIGEM E DESENVOLVIMENTO DA TEORIA DOS CAMPOS ABERTOS

No caso "Hester vs. United States", julgado em 1924, a Suprema Corte dos Estados Unidos enfrentou a questão de se a Quarta Emenda, que protege os cidadãos contra buscas e apreensões irracionais, se aplicava a áreas abertas fora de uma residência privada.

O caso envolveu uma operação policial onde os oficiais, sem um mandado, entraram em um campo aberto de uma propriedade privada e observaram e apreenderam garrafas de whisky ilegal. Os oficiais haviam rastreado um suspeito até esta área aberta e descobriram as evidências ao observar as atividades no local.

A decisão da Suprema Corte foi que a proteção contra buscas e apreensões irracionais garantida pela Quarta Emenda não se estendia a campos abertos. A Corte argumentou que a proteção se aplicava principalmente a pessoas, suas casas, papéis e efeitos pessoais, mas não necessariamente a áreas abertas que estão fora da residência ou do curtilage (área imediatamente adjacente à habitação).

A Corte racionalizou que a expectativa de privacidade é significativamente menor em campos abertos do que dentro da própria casa ou áreas adjacentes diretamente associadas à habitação. Assim, a entrada e a busca nesses campos abertos por oficiais de polícia não requerem um mandado, pois não são consideradas "irracionais" sob a Quarta Emenda.

A decisão estabeleceu um precedente importante no direito constitucional dos EUA, delineando os limites da proteção contra buscas e apreensões. Ela destacou uma distinção crucial entre diferentes tipos de espaços - privados versus abertos - em termos de proteção constitucional.

2. IMPLICAÇÕES PRÁTICAS DA TEORIA DOS CAMPOS ABERTOS

A Quarta Emenda oferece uma salvaguarda fundamental contra buscas e apreensões irracionais, protegendo as "pessoas, casas, papéis e efeitos" dos indivíduos. Isso significa que existe uma proteção contra buscas e apreensões irracionais.

O cerne dessa emenda é proteger a privacidade e a dignidade dos cidadãos contra interferências injustificadas do governo, particularmente em seus espaços mais privados e pessoais. Essa é a essência da proteção.

Diante do debate entre espaço privado e espaço aberto, percebe-se que a proteção conferida pela Quarta Emenda se mostra tradicionalmente vista como limitada a espaços privados. Isso inclui a casa de um indivíduo, que é considerada o exemplo mais claro de um espaço protegido. Como se vê, há uma exclusão dos campos abertos. Em contraste, a proteção da Quarta Emenda geralmente não se estende a áreas que são consideradas "campos abertos". Estas são áreas que não estão intimamente ligadas à vida privada e cotidiana das pessoas.

Mas o que se pode definir como “campos abertos”?

O termo "campos abertos" refere-se a qualquer área que esteja fora da residência imediata de uma pessoa ou do seu curtilage. O curtilage é definido como a área imediatamente circundante e associada à habitação, onde a expectativa de privacidade é mais evidente.

Como exemplo, esta categoria pode incluir espaços como campos, bosques, pastagens e outros terrenos abertos, onde a expectativa de privacidade é significativamente reduzida em comparação com a residência ou áreas adjacentes a ela.

De acordo com a Teoria dos Campos Abertos, as autoridades têm mais flexibilidade para conduzir buscas em espaços abertos sem a necessidade de um mandado. A fundamentação por trás da Teoria dos Campos Abertos é que a expectativa de privacidade das pessoas é consideravelmente menor em áreas abertas do que em espaços privados, como dentro de suas casas ou outras áreas intimamente associadas à vida privada.

Esta flexibilidade é especialmente relevante em operações policiais que envolvem a busca de evidências ou a realização de investigações em grandes áreas abertas. A capacidade de agir sem a necessidade imediata de um mandado pode acelerar o processo investigativo e aumentar a eficácia da aplicação da lei em determinados contextos.

Essa teoria reflete um equilíbrio entre o direito à privacidade dos indivíduos e a necessidade de eficiência na aplicação da lei, particularmente em áreas que não são intrinsecamente privadas.

A teoria distingue entre o que é considerado um espaço privado, onde a proteção da Quarta Emenda é mais forte e rigorosamente aplicada, e espaços abertos, onde a proteção é limitada. Esta diferenciação baseia-se na percepção e nas normas sociais sobre onde e em que medida a privacidade é mais valorizada.

Além disso, ela reconhece que, embora a proteção contra buscas e apreensões irracionais seja um direito fundamental, existem circunstâncias onde a flexibilidade é necessária para o bem público.

3. TEORIA DOS CAMPOS ABERTOS NO CONTEXTO BRASILEIRO

A Teoria dos Campos Abertos, enquanto doutrina jurídica estabelecida nos Estados Unidos, não tem aplicação direta no Brasil, mas conceitos análogos podem ser encontrados no ordenamento jurídico brasileiro. No Brasil, as normas relativas à privacidade e às buscas e apreensões são regidas por princípios e leis distintos.

No Brasil, a expectativa de privacidade é protegida pela Constituição Federal, principalmente em seu artigo 5º, que garante o respeito à intimidade e à vida privada. Essa proteção é abrangente, cobrindo não apenas a residência, mas potencialmente outras áreas onde se possa razoavelmente esperar privacidade.

Diferentemente dos Estados Unidos, no Brasil, a regra geral é que buscas e apreensões precisam ser realizadas com base em um mandado judicial, exceto em situações específicas previstas em lei, como flagrante delito ou para afastar perigo iminente.

Enquanto a proteção à privacidade é mais intensa em relação à residência e áreas imediatamente adjacentes, a aplicabilidade dessa proteção a campos abertos ou áreas semelhantes pode depender de circunstâncias específicas e interpretação jurídica. Isto é, as autoridades devem equilibrar a necessidade de investigação com o respeito aos direitos de privacidade garantidos pela Constituição.

Em situações onde não há uma expectativa razoável de privacidade, como em áreas abertas e acessíveis ao público, as autoridades brasileiras podem ter mais liberdade para atuar sem um mandado. No entanto, essa ação deve sempre estar alinhada aos princípios legais e constitucionais

4. CONCLUSÃO: TEORIA DOS CAMPOS ABERTOS E A ATUAÇÃO DO DELEGADO DE POLÍCIA NO BRASIL

A ausência de uma jurisprudência específica no Brasil sobre a Teoria dos Campos Abertos traz à tona considerações importantes para a atuação dos delegados de polícia, especialmente na execução de mandados de busca e na condução de investigações criminais.

O Superior Tribunal de Justiça, no HC n. 598.051/SP1, abordou questões cruciais relativas à entrada forçada em domicílios sem mandado judicial, ressaltando a necessidade de "fundadas razões" para justificar tais ações. O Ministro Rogerio Schietti Cruz, ao tratar do tema, enfatizou a importância de uma interpretação jurisprudencial que ofereça segurança tanto para os indivíduos quanto para os policiais, evitando riscos de cometerem infrações legais em casos onde a diligência não atinge seu objetivo.

A tese definida pelo Supremo Tribunal Federal no Tema 280, com relatoria do Ministro Gilmar Mendes no RE n. 603.616/RO, estabelece que a entrada forçada em domicílio sem mandado é lícita apenas quando baseada em razões fundamentadas e justificadas a posteriori.

Esta decisão é particularmente relevante em situações de suspeita de atividades ilícitas, mas requer que a ação policial seja respaldada por elementos objetivos e convincentes que ultrapassem a mera desconfiança.

Enquanto a Teoria dos Campos Abertos no contexto americano permite buscas em áreas abertas sem mandados, a jurisprudência brasileira, conforme refletida neste julgado do STJ, impõe restrições mais rigorosas para a entrada em domicílios, mesmo em situações de suspeita de atividades criminosas.

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A decisão do STJ alinha-se com a necessidade de equilibrar a eficácia na aplicação da lei com a proteção dos direitos fundamentais, particularmente em comunidades economicamente vulneráveis. Assim, mesmo que a Teoria dos Campos Abertos sugira maior flexibilidade em áreas abertas, a prática no Brasil requer cautela e fundamentação sólida para ações em espaços privados.

As forças policiais, incluindo delegados que cumprem mandados de busca, devem ter fundamentos robustos para suas ações, especialmente ao invadir domicílios, para não violarem direitos constitucionais.

A decisão do STJ ressalta os desafios enfrentados pelos policiais em equilibrar a necessidade de responder a crimes graves e a preservação dos direitos fundamentais dos cidadãos, principalmente em contextos sociais e econômicos delicados.

A condução de buscas e apreensões, mesmo quando amparadas por mandados judiciais, requer uma análise cuidadosa para garantir que não ultrapassem os limites estabelecidos pelos direitos à privacidade e intimidade assegurados pela Constituição Federal.

Isso implica em reconhecer a diferença entre espaços claramente privados, onde a expectativa de privacidade é alta, e áreas abertas ou de acesso público, onde tal expectativa é significativamente menor. A habilidade em discernir essas nuances pode ser fundamental para a validade legal das provas coletadas e, consequentemente, para o sucesso da investigação criminal.

Na medida em que o Brasil avança em seu entendimento jurídico sobre questões de privacidade em investigações criminais, a atuação dos delegados de polícia deve refletir um compromisso contínuo com o respeito aos direitos fundamentais. Isso inclui a necessidade de equilibrar a eficácia na investigação criminal com a proteção dos direitos de privacidade e intimidade.

A capacidade de navegar por essas questões complexas não apenas assegura a legitimidade e a legalidade das investigações, mas também fortalece a confiança pública no sistema de justiça criminal. Assim, a figura do delegado de polícia emerge não apenas como executor da lei, mas como guardião fundamental dos direitos e liberdades individuais no âmbito da investigação criminal.

REFERÊNCIAS

  1. STJ, HC n. 598.051/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 2/3/2021, DJe de 15/3/2021

  2. BRASIL. Constituição da República, de 05 de outubro de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm. Acesso em: 12 jan 2024.

  3. CARVALHO, Stephanie Carlesso de Oliveira, e DEZEM, Guilherme Madeira. "A Possibilidade de Admissibilidade das Provas Ilícitas no Processo Penal Brasileiro." XV Jornada de Iniciação Científica e IX Mostra de Iniciação Tecnológica – 2019. Disponível em: http://eventoscopq.mackenzie.br/index.php/jornada/xvjornada/paper/viewPDFInterstitial/1646/1087. Acesso em: 12 jan 2024.

  4. SANNINI, Francisco, Abordagem policial é instrumento para garantir direitos fundamentais coletivos. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-jul-12/francisco-sannini-abordagem-policial-direitos-coletivos/#:~:text=A%20teoria%20dos%20campos%20abertos,4%C2%AA%20Emenda%20dos%20Estados%20Unidos. Acesso em: 12 jan 2024.

Sobre o autor
Eduardo Franco Defaveri

Delegado de Polícia da Delegacia de Homicídios de Joinville-SC. Graduado pela Pontifícia Universidade Católica do Estado do Rio Grande do Sul. Pós-graduado lato sensu em Ciências Penais pela Universidade Anhanguera, Pós-graduado lato sensu em Direito Administrativo e Gestão Pública e Pós-graduado lato sensu em Segurança Pública e Atividade Policial, ambas pela Faculdade Orígenes Lessa-Facol. Cursando a Pós-graduação lato sensu em Direito Constitucional e em Direitos Humanos, ambas pela Universidade Cândido Mendes. Delegado de Polícia do Estado de Santa Catarina. Professor de cursos preparatórios para concursos públicos voltados para a área policial. Orientador de estudos do Inquérito da Aprovação Mentoria.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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