Revisitando a teoria do crime. A teoria da tipicidade conglobante e sua (desnecessária) aplicação prática

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1. INTRODUÇÃO

Pretendi escrever curso crítico de Direito Criminal. Escrevi grande parte e muitos fatores, os mais variados possíveis, me desestimularam de o publicar. Seu quarto capítulo versava sobre a teoria do crime, sobre a qual já escrevi e expus em palestras pontuais alhures.

Teoria é um conjunto de princípios, preceitos e regras de uma ciência. Neste texto, a teoria será o estudo tendente ao conhecimento especulativo e racional do crime, ou seja, será desenvolvida a pesquisa do crime, procurando responder racionalmente às indagações que surgem no cotidiano do criminalista. Todavia, procurarei ficar adstrito, especialmente, à tipicidade conglobante.

Já se afirmou que o crime constitui todo fato humano proibido pela norma criminal,[2] sendo seu ponto central de estudo, hoje, o funcionalismo. Este representa uma nova corrente filosófica que preferimos classificar como sistêmica, uma vez que atenta aos diversos sistemas que funcionam na sociedade complexa.

Empregarei as palavras sistêmico(a) e sistemático(a) com sentidos completamente diversos, eis que a primeira traduzirá o que já expus, ou seja, a observação dos diversos sistemas que participam da sociedade complexa. De outro modo, a palavra sistemático significará método, tecnicismo, ou a organização metodológica da estrutura do delito. O estudo sistêmico do direito criminal conduziu ao estudo também sistêmico do delito, trazendo uma nova roupagem ao conceito analítico ou operacional do crime, eis que todo ele passou a ser enfocado por Claus Roxin dentro de uma perspectiva de política criminal, provocando a ruptura do estudo sistemático do delito, que passou a ser um estudo global, sem a necessária metodologia.

Até chegarmos à jusfilosofia funcionalista, passamos por vários períodos filosóficos, o que não pode ser objeto de estudo neste texto senão perderemos seu enfoque monográfico.

Para o finalismo, na apreciação analítica do delito (segundo seus elementos) devemos observar:

(a) tipo objetivo (ação, causalidade e resultado) e o tipo subjetivo (dolo e elementos subjetivos especiais).

Segundo Luís Grego, para a imputação objetiva, é necessário, também, observar os tipos objetivo e subjetivo, dos quais, no conceito analítico/operacional do crime somente o tipo objetivo sofre alteração, passando a ser constituído por:

(b) ação, causalidade, resultado, criação de um risco juridicamente desaprovado e realização do risco.[3]

Entretanto, não há como estudar separadamente a imputação objetiva. Ela decorre do funcionalismo criminal, sendo que seu estudo isolado constituirá uma fragmentariedade inadmissível, por tornar o estudo incompleto, consequentemente, insuficiente.

Por tal teoria, há uma tentativa de mudança dos conceitos outrora conhecidos, ou melhor, há uma adaptação dos velhos conceitos, dos quais, congregados, resultaria a imputação objetiva, como medida complementar para a correta percepção dos fatos juridicamente relevantes. Outros, mais extremistas, pregam o próprio fim do Direito Criminal.

Esperamos, portanto, encontrar um leitor atento às limitações traçadas para a exposição do tema, bem como às grandes divagações teóricas que ele oportuniza. Porém, não podemos deixar invocar o respeito ao nosso “eu”. Daí, desde já, eu afirmar que a teoria da tipicidade conglobante se apresenta desnecessária, uma vez que sérias posturas práticas dispensam qualquer esforço intelectual para sua defesa.

Já se discutiu acerca da neutralidade científica. A vulgarização do conhecimento científico tem levado à premente necessidade de se ensinar referido conhecimento aos não-cientistas, transformando a própria ciência em mito. Transmitir tais conhecimentos sem carregá-los de certa carga opinativa, o que evidência constituir mito a neutralidade científica.[4] Desse modo, este texto estará repleto de opiniões pessoais, mas sem abandonar as diversas posições que se apresentam sobre o assunto.

2. O CRIME: CONCEITOS

O crime é um ente mediato, talvez o mais importante, que será conceituado neste texto, do Direito Criminal. Ele não objeto de estudo imediato porque o objeto primeiro de estudo é a norma que institui o crime e os reflexos decorrentes para quem os comete.

Nos dias atuais, em face do princípio da ofensividade, pelo qual a norma criminal só deve descrever condutas graves e que atingem ou coloquem em risco bens jurídicos sérios, a contravenção deveria pertencer ao campo do Direito Administrativo, conforme já previa Ferri.[5] Aliás, tal realidade já se dá no âmbito militar, eis que o CPM prevê a desclassificação da lesão corporal levíssima para infração administrativas (art. 209, § 6º) e o Regulamento Disciplinar para a Marinha especifica “contravenções disciplinares” em seu título III (Decreto n. 88.545, de 26.7.1983, arts. 6º-7º).

Hoje, o Direito Criminal é visto como sendo um instrumento para a criação de uma sociabilidade terrorista.[6] Com efeito, ele se apresenta como um meio para a violação de direitos humanos fundamentais, sob o manto de uma pretensa segurança social, ameaçando a todos de que a concretização de um suposto mal (a conduta tida como criminosa), trará, certamente, miséria, tratamento desumano e dor. Tudo isso, com a tutela do aparelho estatal. Daí Hulsmann propor uma mudança de linguagem, a fim de tornar possível a abolição do sistema criminal repressivo.[7] Porém, incumbe ressaltar que o autor não quer afastar toda medida coercitiva do Estado, mas pretende que haja uma bilateralidade (concordância das duas partes), no processo de aplicação da sanção, pois só assim a pena é legítima.[8] Tal proposição, em relação à perspectiva habermasiana, é funcionalista, na medida em que faz referência ao consenso, necessário, dos participantes da sociedade complexa.

O fato é que não existe acordo na doutrina sobre os diversos movimentos que surgem. Luigi Ferrajoli, por exemplo, faz severa crítica ao abolicionismo, afirmando:

Moralismo utopista e nostalgia repressiva pelos modelos arcaicos e ‘tradicionais’ de comunidades sem direito, constituem, por derradeiro, também os traços característicos do atual abolicionismo criminal, pouco original em tradição anárquica holística.[9]

O que se deseja é demonstrar que – ante as teorias da pena, absolutas (a pena é a retribuição do mal com outro mal), utilitárias (a pena é unicamente utilidade, ou seja, uma prevenção) e mistas (a pena é retributiva, mas é utilitária) -, migramos das teorias absolutas para as mistas, sendo que hoje pretendemos dar à pena enfoque unicamente utilitário, mas sem grande fundamentação teórica acerca da sua legitimação. Dessa postura, discordo.

Diz-se que crime é a violação da lei criminal. Este é o seu conceito formal.[10] De outro modo, o conceito material é mais complicado, uma vez que o crime é a ofensa ao objeto jurídico tutelado, ou é, nas palavras de Regis Prado, a “lesão ou perigo de lesão a um bem jurídico-criminal, de caráter individual, coletivo ou difuso”.[11]

Por afetar à liberdade, o dever ser só pode ser imposto pelas normas jurídicas. Entre nós e em todos os Estados de Direito, ante o princípio nullum crimem nulla poena sine praevia lege, a norma criminal estará contida em uma lei em sentido estrito. Assim, o costume, a jurisprudência, a doutrina, a medida provisória (ato normativo transitório emitido pelo Poder Executivo que tem força de lei), o decreto, ou qualquer ato normativo de natureza executiva ou judiciária, não podem criar crime. Não obstante isso, podem complementar sua descrição hipotética.

Conforme exposto, segundo o conceito formal, crime é a violação da norma criminal. Porém, a simples prática de um fato definido como crime na lei, por si só, não constitui crime, pois muitos outros aspectos precisam ser analisados, uma vez que o agente pode ter praticado a conduta amparado por uma excludente de ilicitude ou de culpabilidade.

Na moderna concepção do Direito, devemos considerar a lei em sentido estrito apenas como princípio de proibição, tendo em vista que toda norma precisa ser interpretada e a proibição contida no tipo não se esgota nele, fazendo-se necessário o exame do sistema global (sociedade). Isso se deve ao fato de que o sentido de uma norma só pode ser apreendido se ela for observada em consonância com os diversos sistemas da sociedade complexa, que se comunicam.

Por outro lado, toda pessoa humana, ao nascer, traz consigo determinados direitos, os quais são denominados direitos subjetivos (v.g., vida, liberdade, integridade física). Com o tempo, ao longo da vida, outros direitos subjetivos vão se acrescendo àqueles, sendo que muitos deles serão protegidos pelo Direito. Daí falar-se em objeto jurídico, ou bem jurídico, que nada mais é que o direito subjetivo tutelado por determinada norma jurídica.

O princípio da ofensividade tem relação mais próxima com a necessidade de o aplicador da lei verificar se o bem jurídico foi afetado, pois ele se traduz em uma idéia de um Direito Criminal “do bem jurídico”.[12] Nesse sentido caminha a doutrina de Roxin, que sustenta “que o legislador não possui competência para, em absoluto, castigar pela sua imoralidade condutas não lesivas a bens jurídicos”.[13]

O conceito analítico ou operacional de crime é feito segundo a sua composição. Assim, examina-se seus requisitos, ou elementos, para se dizer o que é crime.

Há certa discussão sobre a natureza das partes conceituais que intregram o crime. Para Damásio, não seriam propriamente elementos, mas requisitos, isto é, sendo o crime uma unidade que não pode ser fracionada, melhor seria falar em requisitos, uma vez que faltando qualquer deles, não haverá a figura delituosa.[14] Essa discussão é vazia de conteúdo, haja vista que lexicologicamente requisito significa condição necessária para se atingir determinado fim,[15] e elemento é tudo que entra na composição de alguma coisa.[16]

Maggiori diz que a questão terminológica não é de muita importância, sendo que a palavra, ou o conceito, não é a substância. Assim, denomina as partes essenciais do crime de elementos, caracteres, ou aspectos. Não obstante, reconhece que o crime resulta de um todo unitário e monolítico, ainda que ele seja considerado de um ou de outro ângulo visual.[17] Essa é, sem dúvida, a melhor posição.

Depois, a partir da construção clássica, o crime era compreendido por um critério bipartido, representado por um elemento objetivo (ação ou omissão) e outro subjetivo (culpabilidade), o que foi denominado por Ferri de “anatomia jurídica do crime”.[18] Somente em 1906 é que se desenvolveu o critério tripartido, pelo qual crime é a conduta humana típica, antijurídica e culpável. Este é “o conceito mais aceito pela grande maioria dos penalistas”.[19]

No presente texto, interessa o fato típico, dividido em: (a) conduta; (b) relação de causalidade; (c) resultado; (d) tipicidade.

Esse último elemento do fato típico, a tipicidade, é o que nos interessa, tendo relação com a ilicitude (denominação mais técnica que a corrente antijuridicidade). Sendo sucinto, a tipicidade é a adequação do fato concretizado ao tipo (este é a descrição do crime na lei).

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3. TIPICIDADE

Diz-se que fato típico é a conduta humana que se adequa ao tipo, produzindo um resultado (normativo ou naturalístico) proibido pela lei criminal. Dessa forma, são elementos do fato típico: conduta; resultado; relação de causalidade; e tipicidade. Seu estudo passou por diversas transformações, na medida em que evoluímos do causalismo para o finalismo, deste para a doutrina social e, finalmente, para a imputação objetiva. Talvez, dentre os elementos do fato tíupico, a tipicidade é o que mais sofreu mutações nos últimos anos.

Nesta seção não nos delongaremos, esclarecendo que tipicidade é a adequação da conduta concretizada ao tipo (teoria finalista). Não obstante, a teoria social inseriu um elemento na tipicidade, qual seja, a reprovabilidade social. Daí, para que haja tipicidade, não basta que a conduta concretizada se adeque à descrição contida na lei criminal. É necessário, ainda, que a conduta seja socialmente reprovável. A lei será apenas um indício da ocorrência de crime, tendo em vista que a ela deve ser acrescentado um elemento normativo,[20] que é a adequação social. O que é socialmente adequado não pode ser crime.

Welzel chamou de adequação social, o que, hoje, é visto como sendo princípio da confiança. Vejamos os exemplos: imagine-se a punição de Tício, que trafegando dentro do limite de velocidade de segurança, continua na mesma velocidade em uma via de trânsito rápido e venha a colidir com algum veículo que desavisadamente adentra na via sem observar a sinalização de respeito à preferência de Tício. Do mesmo modo, imagine-se a punição de Ticiana, mulher recatada, que pagou para que furassem, nos primeiros dias, as orelhas de sua filha. Em nenhum dos dois casos seria racional pensar na punição, tendo em vista que no primeiro havia o resguardo da lei e no segundo da adequação social, repercutindo diretamente na confiança das pessoas. Destarte, a adequação social e a confiança, embora existam pessoas que falem em diferenças ontológicas ou cognitivas, verificamos que tendem ao mesmo sentido.

4. TIPICIDADE CONGLOBANTE

Ainda no campo da tipicidade, não pode deixar de ser comentada a doutrina de Zaffaroni e Pierangeli que criam a teoria da tipicidade conglobante. Partindo da noção de que não pode constituir fato típico obedecer a lei, os autores distinguem tipicidade penal de tipicidade legal e de tipicidade conglobante. De acordo com sua teoria, tipicidade penal é gênero, que comporta duas espécies cumulativas: tipicidade legal e tipicidade conglobante. Veja-se:

...Sintetizando, tipicidade legal e tipicidade penal não são a mesma coisa; a tipicidade penal pressupõe a legal, mas não a esgota; a tipicidade penal requer, além da tipicidade legal, a antinormatividade.[21]

A tipicidade legal é aquela traduzida pela adequação do fato concretizado à lei, enquanto que tipicidade conglobante é a contrariedade ao direito. Dessa forma, se um oficial de justiça, cumprindo determinação contida em um mandado de busca e apreensão, invade uma casa e subtrai dali um forno microondas, não haverá tipicidade conglobante porque ele estará cumprindo a lei. Na verdade, ante tal instituto, ficou esvaziada a excludente de ilicitude do estrito cumprimento do dever legal (art. 23, inciso III, do CP), uma vez que todo aquele que cumpre seu dever legal, estará fazendo exatamente o que lei manda.[22]

Diante da nova teoria, é necessário distinguir autorização para praticar o ato (excludente de ilicitude), de obrigação legal de o executar (excludente da tipicidade penal). Assim, se alguém mata em legítima defesa, não estará obrigado a fazê-lo, portanto, atuará com excludente de ilicitude. De outro modo, como tipicidade penal (TP) é junção da tipicidade legal (TL) com a tipicidade conglobante (TC), a ausência de qualquer delas excluirá, não a ilicitude, mas a própria tipicidade, como é o caso do Oficial de Justiça que pratica ato com tipicidade legal (art. 155 do CP), ao subtrair um carro da casa de um devedor inadimplente, mas cumprindo mandado judicial. Destarte, ratificamos, no caso, faltará tipicidade conglobante. Consequentemente, não haverá tipicidade penal.

O princípio da adequação social, desde que foi concebido, se apresenta como um corretivo à tipicidade legal. No entanto, Zaffaroni diz que esta é uma solução asséptica que desemboca em um formalismo estéril. Para ele a tipicidade conglobante “não é – como a teoria da adequação social da conduta” – uma concepção corretiva proveniente da ética social material, e sim uma concepção normativa”.[23] Porém, o autor não esclarece duas possibilidades que podem emergir da adequação social:

Ø  a adequação social obriga a pessoa a se conduzir de determinada maneira, mesmo que se afete a tipicidade legal, que constituirá hipótese de atipicidade penal, por faltar tipicidade conglobante;

Ø  a adequação social autoriza a pessoa a se conduzir de determinada maneira, mas não a compele a atuar afetando a tipicidade legal. Nesse caso, haverá tipicidade penal, eis que estará presente a tipicidade conglobante. Desse modo, eventual inocorrência de crime deverá ser tratada no campo da ilicitude ou da culpabilidade, em face de alguma excludente.

A posição de Zaffaroni e Pierangeli, acerca da tipicidade da conglobante, ao nosso ver é confusa, não merecendo acolhimento. Com Paulo Queiroz, afirmo: “Apesar da autoridade daqueles que a defendem, temos que tal teoria, um tanto confusa e desnecessária, não procede”.[24]

Zaffaroni e Pierangeli inserem o consentimento do ofendido dentre as causas de excludentes de tipicidade conglobante, bem como as intervenções cirúrgicas, as práticas perigosas fomentadas e as lesões desportivas. Ao ampliar as hipóteses de atipicidade conglobante os autores acabam destruindo a distinção que ele mesmos dizem ser necessária, no sentido de que fazer o que a lei autoriza (excludente de ilicitude) não pode ter o mesmo sentido de fazer o que a lei manda (atipicidade conglobante). Desse modo, é melhor nos mantermos fiéis à teoria social (mas com alguns cuidados para evitarmos, por exemplo, incorrermos em linchamentos) do que falarmos em uma tal tipicidade conglobante.

A teoria da tipicidade conglobante fascinou alguns “operadores do Direito” porque assim poder-se-ia deixar de levar aos tribunais certos casos que evidentemente não constituíam crimes. Suposta vantagem parte da equivocada premissa de que a comprovação do fato típico obriga a instauração do processo, ou seja, o Ministério Público deve denunciar e o Juiz deve receber a denúncia, sendo que quaisquer discussões em torno de excludentes de ilicitude e de culpabilidade devem ser reservadas ao curso do processo. Aqui é oportuna a sábia lição de Afrânio Silva Jardim:

Aqui nos parece residir o equívoco maior, pois a divisão da infração penal em elementos ou requisitos tem uma finalidade meramente metodológica na ciência penal. O crime é um todo indivisível e o Estado somente poderá, processualmente, ver acolhida a sua pretensão punitiva se provar que o réu praticou uma conduta típica, ilícita e culpável, vale dizer, este ‘todo indivisível’. Qualquer presunção, neste particular, somente pode ser reconhecida se estiver determinada na lei, o que não ocorre no direito dos povos cultos.[25]

O exposto me autoriza dizer inócua a teoria desenvolvida por Zaffaroni e Pierangeli. Mais ainda, por incluir o fazer o que a lei autoriza, como excludente da tipicidade conglobante, ele tornou sua teoria confusa, ou melhor, a destruiu.

O STJ confunde institutos jurídicos distintos ao tratar o furto famélico (princípio da insignificância), com reparação do dano superveniente (devolução dos bens), à ausência de tipicidade conglobante.[26] Noutro processo, a insignificância da quantidade de psicotrópicos, não foi reconhecida sob o argumento de que não se aplica a inexistência de tipicidade conglobante ao caso.[27]

Ainda no STJ, um importador de sementes para plantio e produção de medicamento, por não dispor de recursos para comprar canabidiol, impetrou habeas corpus preventivo. Tendo a ordem sido denegada e o recurso improvido, impetrou novo habeas corpus substitutivo do REsp, o qual não foi conhecido e a ordem concedida de ofício por faltar tipicidade conglobante.[28]

5. CONFIRMANDO A NOSSA HIPÓTESE

Desde o título deste texto, optamos pela hipótese de que a teoria da tipicidade conglobante é desnecessária. Ao final, entendemos estar a confirmando e, mais ainda, ser a teoria algo mal compreendida e mal aplicada na jurisprudência pátria, especialmente do STJ.

Não é necessária uma nova teoria para deixar de denunciar aquele que age em respeito ao comando legal, visto que uma pessoa só deve ser processada criminalmente por crime (com todos os seus elementos), não apenas pelos elementos objetivos do fato. Quando for evidente o estrito cumprimento do dever legal ou o exercício regular do direito do Médico (evidenciado por estado de necessidade ou qualquer outro motivo), obviamente, não deverá haver denúncia ou ela deverá ser rejeitada.

A atipicidade por insignificância não é estar fazendo o que a lei manda, mas agindo nos limites autorizados pela lei. Com isso, a ampliação do conceito de normatividade por estar fazendo o que a lei autoriza, não se coaduna com a doutrina de Zaffaroni e Pierangeli.

Sobre o autor
Sidio Rosa de Mesquita Júnior

Procurador Federal e Professor Universitário. Graduado em Segurança Pública (1989) e em Direito (1994). Especialista Direito Penal e Criminologia (1996) e Metodologia do Ensino Superior (1999). Mestre em Direito (2002). Doutorando em Direito. Autor dos livros "Prescrição Penal"; "Execução Criminal: Teoria e Prática"; e "Comentários à Lei Antidrogas: Lei n. 11.343, de 23.8.2006" (todos da Editora Atlas).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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