Vale a pena comprar imóveis que estejam ainda enrolados em Inventário Judicial ou Extrajudicial?

15/01/2024 às 16:44
Leia nesta página:

O FATO DE UM IMÓVEL se encontrar vinculado a um Inventário não pode significar, por si só, a impossibilidade da sua compra e venda por terceiros (ou mesmo algum dos co-herdeiros, se for o caso). É muito comum se cogitar da venda de um dos bens imóveis do acervo justamente para se viabilizar a conclusão do inventário já que a venda de um bem pode representar verba útil e rápida para o pagamento de despesas como impostos, honorários, certidões ou custos diretos do processo judicial ou mesmo dos emolumentos cartorários, na hipótese de Inventário Extrajudicial.

Como já sabemos, em sede de Inventário Judicial ou Extrajudicial pode ser possível lançar mão da CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS (art. 1.793, CCB) porém não é disso que se fala exatamente quando a hipótese seja de VENDA DE BENS DO ESPÓLIO. Efetivamente a cessão de direitos hereditários - embora alguns ainda confundam - não vai representar a "venda de bens do espólio" exatamente mas sim a transmissão dos "direitos hereditários" (que embora sejam considerados imóveis por definição legal - inc. II do art. 80, CCB - não se confundem com"propriedade"- inc. I do art. 1.225, CCB). Também não se deve confundir a hipótese ora analisada com aqueles casos onde o morto já tenha em vida realizado a venda de bens e infelizmente falece deixando pendente a outorga da ESCRITURA DEFINITIVA. Para esses casos a solução é outra como já analisamos outrora.

É muito importante considerar a assessoria jurídica de um Advogado Especialista para essa operação, tanto sob o prisma de quem VENDE (os herdeiros) quanto sob o prisma de quem COMPRA (os terceiros que não estão no bojo do Inventário) já que da mesma forma que a aquisição de bens atrelados a um Inventário pode significar uma operação de RISCO, pode também representar uma grande OPORTUNIDADE de negócio: tudo deve sempre considerar os contornos do caso concreto, suas peculiaridades, seus detalhes e principalmente as DESPESAS PARA A REGULARIZAÇÃO REGISTRAL - mormente quando no cenário normativo atual muitos pontos incidentes na compra e venda de imóveis já estão em pleno vigor (vide por exemplo Lei 13.097/2015, Lei 14.382/2023 e Provimento CNJ 149/2023).

Em sede EXTRAJUDICIAL pode ser possível, como autoriza com muito acerto o Código de Normas Extrajudiciais do Rio de Janeiro (Provimento CGJ/RJ 87/2022), a alienação de bens do Espólio INDEPENDENTEMENTE DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. As regras - que estão em pleno vigor desde 01/01/2023 - estão elencadas no art. 453 do NCN/2023 rezam:

"Art. 453. É possível a alienação, por escritura pública, de bens integrantes do acervo hereditário, independentemente de autorização judicial, desde que dela conste e se comprove o pagamento, como parte do preço:

I – da totalidade do imposto de transmissão causa mortis sobre a integralidade da herança, ressalvado o disposto no artigo 669, II, III e IV, do CPC; e

II – do depósito prévio dos emolumentos devidos para a lavratura do inventário extrajudicial".

A leitura dos artigos e parágrafos que seguem o referido art. 453 é de suma importância e já tratamos deles aqui em outras passagens, de modo que enfatizamos a necessidade da sua leitura no momento da efetiva atuação no caso concreto.

Em sede de Inventário JUDICIAL a venda de bens do espólio será possível -cabendo ao INVENTARIANTE - e obrigatoriamente exigirá a autorização do Magistrado que preside o Inventário, ouvidos os interessados como destaca o inc. I do art. 619 do Código Fux:

"Art. 619. Incumbe ainda ao inventariante, ouvidos os interessados e com autorização do juiz:

I - alienar bens de qualquer espécie";

A postulação a ser feita na forma do art. 619, no caso do Inventário Judicial obviamente, será mediante ALVARÁ como ensinam os mestres OLIVEIRA e AMORIM (Inventário e Partilha - Teoria e Prática. 2020):

"Considera-se 'incidental', o alvará requerido no curso do processo de inventário ou de arrolamento, quando formulado por inventariante, meeiro, herdeiro ou sucessor. Será juntado aos autos, independente de distribuição, ensejando decisão interlocutória. As hipóteses mais comuns são os pedidos de levantamento de depósitos, alienação, recebimento ou permuta de bens, outorga de escrituras, aplicação de numérarios etc".

Cabe ressaltar que a autorização estará sempre vinculada à necessidade de prestação de contas por parte do inventariante, como destacam os referidos mestres - ressalvando ainda que "nenhuma alienação será judicialmente autorizada sem a prova de quitação da dívida ativa e manifestação da Fazenda Pública" - tudo com base na regra dos artigos 654, 659, § 2º, e 664, § 5º do Código de Ritos e art. 31 da da LEF.

Não se olvide que é muito importante analisar as peculiaridades de cada caso concreto - e daí a importância da valiosa assessoria jurídica especializada em favor das partes - já que, como acontece com certa frequencia, há casos onde o "de cujus" possa ter deixado bens imóveis que na verdade não possuem nem mesmo ESCRITURA e REGISTRO, o que pode para muitos ainda causar espanto. Como também sabemos, mesmo esses bens desprovidos de Escritura e Registro Imobiliário em nome do titular (agora falecido) possuem importância econômica e jurídica, passam a ser titularizados pelo ESPÓLIO e, não por outra razão devem ser arrolados e partilhados em Inventário e, da mesma forma como os regularmente registrados; podem ser objeto de alienação mas com as devidas cautelas, especialmente para a segurança e tranquilidade do COMPRADOR - porém mesmo assim, resolvida a "venda" pode o comprador ainda ter um bom caminho pela frente enfrentando muitos desafios e despesas para a tão sonhada regularização registral em seu nome.

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POR FIM, decisão do E. TJRJ que, amparada em jurisprudência do STJ confirma que a venda antecipada de bens imóveis que estejam atrelados a INVENTÁRIO em que pese serem possíveis são medidas excepcionais, que podem e devem sim ser autorizadas, desde que observadas as diretrizes legais:

"TJRJ. 00580502420178190000. J. em: 10/04/2018. AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVENTÁRIO. REQUERIMENTO DE EXPEDIÇÃO DE ALVARÁ PARA VENDA DE IMÓVEL PERTENCENTE AO ESPÓLIO. POSSIBILIDADE. VALOR DA ALIENAÇÃO QUE NÃO PODERÁ SER INFERIOR AO DA AVALIAÇÃO, DETERMINANDO-SE O DEPÓSITO EM JUÍZO DA INTEGRALIDADE DO PRODUTO DA VENDA. 1. Cuida-se de agravo de instrumento veiculado contra parte da decisão proferida pelo Juízo a quo que (...) indeferiu o pedido de alienação do bem imóvel, ao fundamento de que este é o objetivo final de todo e qualquer inventário, após a devida partilha. 2. Com efeito, o inventario judicial se constitui um processo que tem como desígnio aquilatar o acervo hereditário e apurar as dívidas deixadas pelo inventariado para, resolvendo o passivo, repartir os bens entre os herdeiros. (...) 4. Com a abertura da sucessão, estabelece-se um condomínio indiviso entre os herdeiros em relação ao domínio e a posse dos bens transmitidos, na forma do art. 1791, do CC/02, assim permanecendo até que, efetuado o pagamento das dívidas do de cujus e da massa (art. 1997 do CC), o restante possa ser distribuído aos herdeiros e legatários. 5. A universalidade da herança permanece indivisa, quanto à propriedade e posse da herança, até a partilha e responde pelo pagamento das dívidas do de cujus, razão pela qual eventuais frutos devem ser depositados à disposição do Juízo, considerada a possibilidade de o espólio vir a responder por dívidas superiores às suas forças. (...) 7. A venda antecipada de bem integrante do espólio, nos termos do disposto 619, do CPC, incumbe ao inventariante, ouvidos os interessados e com autorização do juiz. 8. Dentro de tais perspectivas, a venda antecipada de qualquer bem que componha o acervo patrimonial em inventário causa mortis é MEDIDA EXCEPCIONAL e deve ser justificada, dependendo da concordância de todos os herdeiros e destinada a prover as despesas do espólio, ou evitar iminente perecimento do bem. 9. De fato, diante da alegada impossibilidade financeira do inventariante, bem como do outro herdeiro, tornando impraticável o pagamento das despesas ordinárias incidentes sobre o imóvel, notadamente, condomínio e IPTU e, impossibilitando o próprio recolhimento do imposto causa mortis, a venda antecipada do bem é medida que se impõe. (...) 11. O Superior Tribunal de Justiça já assentou a possibilidade de alienação de bem específico, desde que haja concordância de todos os sucessores e autorização judicial. 12. Necessidade de os herdeiros se manifestarem previamente acerca da alienação do bem integrante do acervo hereditário, sendo certo que eventual objeção injustificada e não apontada outra fonte para a quitação das dívidas não obstará a autorização para a venda do bem. 13. Recurso parcialmente provido".

Sobre o autor
Julio Martins

Advogado (OAB/RJ 197.250) com extensa experiência em Direito Notarial, Registral, Imobiliário, Sucessório e Família. Atualmente é Presidente da COMISSÃO DE PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS da 8ª Subseção da OAB/RJ - OAB São Gonçalo/RJ. É ex-Escrevente e ex-Substituto em Serventias Extrajudiciais no Rio de Janeiro, com mais de 21 anos de experiência profissional (1998-2019) e atualmente Advogado atuante tanto no âmbito Judicial quanto no Extrajudicial especialmente em questões solucionadas na esfera extrajudicial (Divórcio e Partilha, União Estável, Escrituras, Inventário, Usucapião etc), assim como em causas Previdenciárias.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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