Afinal de contas, posso mesmo deixar a herança toda para só um filho ou pelo menos beneficiar um deles com uma parte maior?

31/01/2024 às 11:31
Leia nesta página:

RECENTEMENTE a mídia noticiou que um famoso ex-técnico e ex-jogador de futebol teria "beneficiado" por testamento um filho em detrimento dos demais. A notícia pode espantar aos leigos mas a bem da verdade, se feito dentro do que a Lei legitimamente autoriza, não há razão para espanto algum e nada deverá abalar a vontade assim manifestada.

Pelas regras atuais do Código Civil, em que pesem serem todos filhos (e por isso com iguais direitos de herança) é plenamente possível a destinação da parte disponível para qualquer pessoa (inclusive um filho preferido, digamos assim, em detrimento dos demais). A razão nos parece muito óbvia: nem todos os filhos são iguais, razão pela qual, no que for possível, deve mesmo a Lei permitir que tratamento distinto possa ser dado pelo titular do patrimônio a ser distribuído. Nos parece questão de efetiva JUSTIÇA. Essa distribuição "adequada" ao caso concreto vivenciado pelo titular dos bens pode ser feita via TESTAMENTO ou via DOAÇÃO com a dispensa da colação, como reza o Código:

"Art. 2.006. A dispensa da colação pode ser outorgada pelo doador em testamento, ou no próprio título de liberalidade" .

Para entender melhor a questão é preciso ter em mente que o Código diz ser "LEGÍTIMA" a metade do patrimônio da pessoa que possua herdeiros necessários. Esses por sua vez são os descendentes, os ascendentes e o cônjuge (e aqui também anoto que os companheiros também devem ser considerados necessários). Os artigos 1.845 e 1.846 são claros:

"Art. 1.845. São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge" .

"Art. 1.846. Pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima".

A"COLAÇÃO"é instituto também do direito sucessório, delineado nos artigos 2.002 e 2.003 do mesmo Código Civil e representa obrigação dos herdeiros que foram beneficiados com doações. A indispensável lição do professor LUIZ PAULO VIEIRA DE CARVALHO (Direito das Sucessões. 2019) esclarece e conceitua:

"Em síntese, o instituto jurídico pelo qual determinados herdeiros necessários, contemplados em vida, são obrigados a recompor, isto é, restituir à massa da herança, os bens ou valores recebidos do hereditando, para obter-se a igualdade na partilha, é denominado colação".

É importante gizar que tanto por testamento (como ocorreu no caso noticiado pela mídia) quanto por doação é plenamente possível e válido ao Testador/Doador realizar a disposição afastando a obrigação de que o beneficiário faça a colação, de modo que possa, portanto, amealhar patrimônio maior que os demais, haja vista a possibilidade de destinação da parte disponível, como aponta o artigo 2.005:

"Art. 2.005. São dispensadas da colação as doações que o doador determinar saiam da PARTE DISPONÍVEL, contanto que não a excedam, computado o seu valor ao tempo da doação".

Fazer constar expressamente essa informação na Escritura é tarefa de suma importância. Doutro turno, a regra do citado art. 1.846 não deixa dúvidas de que efetivamente a outra banda da herança pertencerá aos herdeiros necessários (observadas as regras do art. 1.829 e seguintes do CCB) não podendo ser deixada toda a herança apenas para um só filho, sendo possível e legítimo, entretanto, beneficiar algum ou alguns deles com uma parcela maior.

POR FIM, é preciso anotar também que a só informação expressamente lançada no ato (testamento ou escritura pública) pode não ter o condão de absolutamente afastar a necessidade de colação, vez que pode ser possível sim aos interessados demonstrar pelas vias próprias (art. 612, CPC/2015 equivalendo ao art. 984 do CPC/1973) que a disposição extrapolou os limites legais. Nesse exato sentido a acertada decisão do TJSP:

"TJSP. 990103128141/SP. J. em: 05/10/2010. INVENTÁRIO - Colação de bens doados pelo"de cujus"a alguns de seus filhos - Ato realizado por ESCRITURA PÚBLICA onde determinado que a doação estaria saindo da metade disponível da doadora - Hipótese que não dispensa a colação do valor que exceder a parte disponível - Fato, no entanto, a ser provado apenas por meio de documentos, no restrito e especial procedimento do inventário - Art. 984 do CPC - Inexistência de qualquer indício nesse sentido - Caso em que a própria escritura atesta o contrário - Possibilidade, no entanto, da agravante recorrer às vias ordinárias, onde é possível a produção de outras provas - Recurso desprovido".

Sobre o autor
Julio Martins

Advogado (OAB/RJ 197.250) com extensa experiência em Direito Notarial, Registral, Imobiliário, Sucessório e Família. Atualmente é Presidente da COMISSÃO DE PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS da 8ª Subseção da OAB/RJ - OAB São Gonçalo/RJ. É ex-Escrevente e ex-Substituto em Serventias Extrajudiciais no Rio de Janeiro, com mais de 21 anos de experiência profissional (1998-2019) e atualmente Advogado atuante tanto no âmbito Judicial quanto no Extrajudicial especialmente em questões solucionadas na esfera extrajudicial (Divórcio e Partilha, União Estável, Escrituras, Inventário, Usucapião etc), assim como em causas Previdenciárias.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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