RECENTEMENTE a mídia noticiou que um famoso ex-técnico e ex-jogador de futebol teria "beneficiado" por testamento um filho em detrimento dos demais. A notícia pode espantar aos leigos mas a bem da verdade, se feito dentro do que a Lei legitimamente autoriza, não há razão para espanto algum e nada deverá abalar a vontade assim manifestada.
Pelas regras atuais do Código Civil, em que pesem serem todos filhos (e por isso com iguais direitos de herança) é plenamente possível a destinação da parte disponível para qualquer pessoa (inclusive um filho preferido, digamos assim, em detrimento dos demais). A razão nos parece muito óbvia: nem todos os filhos são iguais, razão pela qual, no que for possível, deve mesmo a Lei permitir que tratamento distinto possa ser dado pelo titular do patrimônio a ser distribuído. Nos parece questão de efetiva JUSTIÇA. Essa distribuição "adequada" ao caso concreto vivenciado pelo titular dos bens pode ser feita via TESTAMENTO ou via DOAÇÃO com a dispensa da colação, como reza o Código:
"Art. 2.006. A dispensa da colação pode ser outorgada pelo doador em testamento, ou no próprio título de liberalidade" .
Para entender melhor a questão é preciso ter em mente que o Código diz ser "LEGÍTIMA" a metade do patrimônio da pessoa que possua herdeiros necessários. Esses por sua vez são os descendentes, os ascendentes e o cônjuge (e aqui também anoto que os companheiros também devem ser considerados necessários). Os artigos 1.845 e 1.846 são claros:
"Art. 1.845. São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge" .
"Art. 1.846. Pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima".
A"COLAÇÃO"é instituto também do direito sucessório, delineado nos artigos 2.002 e 2.003 do mesmo Código Civil e representa obrigação dos herdeiros que foram beneficiados com doações. A indispensável lição do professor LUIZ PAULO VIEIRA DE CARVALHO (Direito das Sucessões. 2019) esclarece e conceitua:
"Em síntese, o instituto jurídico pelo qual determinados herdeiros necessários, contemplados em vida, são obrigados a recompor, isto é, restituir à massa da herança, os bens ou valores recebidos do hereditando, para obter-se a igualdade na partilha, é denominado colação".
É importante gizar que tanto por testamento (como ocorreu no caso noticiado pela mídia) quanto por doação é plenamente possível e válido ao Testador/Doador realizar a disposição afastando a obrigação de que o beneficiário faça a colação, de modo que possa, portanto, amealhar patrimônio maior que os demais, haja vista a possibilidade de destinação da parte disponível, como aponta o artigo 2.005:
"Art. 2.005. São dispensadas da colação as doações que o doador determinar saiam da PARTE DISPONÍVEL, contanto que não a excedam, computado o seu valor ao tempo da doação".
Fazer constar expressamente essa informação na Escritura é tarefa de suma importância. Doutro turno, a regra do citado art. 1.846 não deixa dúvidas de que efetivamente a outra banda da herança pertencerá aos herdeiros necessários (observadas as regras do art. 1.829 e seguintes do CCB) não podendo ser deixada toda a herança apenas para um só filho, sendo possível e legítimo, entretanto, beneficiar algum ou alguns deles com uma parcela maior.
POR FIM, é preciso anotar também que a só informação expressamente lançada no ato (testamento ou escritura pública) pode não ter o condão de absolutamente afastar a necessidade de colação, vez que pode ser possível sim aos interessados demonstrar pelas vias próprias (art. 612, CPC/2015 equivalendo ao art. 984 do CPC/1973) que a disposição extrapolou os limites legais. Nesse exato sentido a acertada decisão do TJSP:
"TJSP. 990103128141/SP. J. em: 05/10/2010. INVENTÁRIO - Colação de bens doados pelo"de cujus"a alguns de seus filhos - Ato realizado por ESCRITURA PÚBLICA onde determinado que a doação estaria saindo da metade disponível da doadora - Hipótese que não dispensa a colação do valor que exceder a parte disponível - Fato, no entanto, a ser provado apenas por meio de documentos, no restrito e especial procedimento do inventário - Art. 984 do CPC - Inexistência de qualquer indício nesse sentido - Caso em que a própria escritura atesta o contrário - Possibilidade, no entanto, da agravante recorrer às vias ordinárias, onde é possível a produção de outras provas - Recurso desprovido".