A legitimidade processual dos animais

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RESUMO: O presente artigo versa sobre “a legitimidade processual dos animais’’, sob a ótica jurídica e social, uma vez que o tema ainda enfrenta dificuldades para ser estabelecido. O principal intuito, é analisar a possibilidade de os animais não-humanos figurarem em uma demanda judicial, desde que representados. Diante das diversas discussões acerca do assunto no Poder Judiciário, principalmente pelo não reconhecimento da capacidade processual dos animais e o aumento de processos em que estes figuram como autores, foi necessário a propositura de um projeto de lei que imponha limites e prerrogativas. A fim de entender o processo histórico que levou a essa necessidade, foram feitas pesquisas bibliográficas e documentais, desde o advento do Direito Animal, a proteção constitucional dos animais não-humanos, o reconhecimento dos animais como sujeitos de direitos, bem como uma análise sob a perspectiva do Processo Civil, analisando os pressupostos processuais e as condições da ação, e ainda, discorrer acerca do projeto de lei proposto sobre a temática. Ao término, analisar as decisões judiciais brasileiras e o direito comparado.

PALAVRAS-CHAVES: Processo Civil. Direito Animal. Capacidade Processual.

1. INTRODUÇÃO

O Direito Animal não é tema atual, há muito, têm sido objeto de discussão no âmbito jurídico-social, todavia, a discussão acerca dos animais não-humanos terem ou não capacidade processual tem sido cada vez mais frequente, principalmente nos tribunais brasileiros, apresentando mudança gradativa de percepção desta seara do direito.

O presente trabalho, mediante uma revisão bibliográfica, busca analisar a possibilidade de os animais não-humanos figurarem como parte em um litígio processual e destacar a tendência do entendimento dos tribunais acerca da legitimidade processual dos animais.

Em primeiro lugar, o estudo procura discorrer sobre o Direito Animal, definindo-o e apresentando a proteção que a Constituição Federal confere aos animais não-humanos, levando em consideração serem estes, dotados de senciência.

Adiante, apontá-los como sujeitos de direitos, observando a função de determinados animais para a economia do país, tendo em vista a obrigação do Poder Público em fomentar a atividade agropecuária, e ainda, apontá-los como sujeitos de direitos.

Por conseguinte, será abordado o Direito Animal sob a perspectiva do Processo Civil, analisando os pressupostos processuais de capacidade, isto é, a capacidade de ser parte, a capacidade processual e a capacidade postulatória, bem como as condições da ação, ou seja, o interesse de agir e a legitimidade, demonstrando através dessa abordagem, a possibilidade de os animais figurarem em uma demanda processual.

Em seguida, serão desenvolvidas considerações sobre o instituto da Representação, assim como, será apresentado o Projeto de Lei 145/21 que prevê a capacidade processual dos animais e os motivos que levaram a propositura do projeto em comento, além disso, serão feitas breves considerações a respeito do Projeto de Lei 179/23, que define e institui a Família Multiespécie.

Ainda, apontar o Decreto n. º 24.645/34 e suas observações, e também, a mudança de perspectiva da sociedade para com os animais, especialmente os de natureza doméstica, considerando a relação de afetividade entre os tutores e os animais.

Finalmente, serão destacadas as decisões brasileiras sobre o tema, observando suas fundamentações, valendo-se do Direito Comparado, principalmente das legislações Argentina e Colombiana.

2. DIREITO ANIMAL

O Direito Animal pode ser definido como “o conjunto de regras e princípios que estabelece os direitos fundamentais dos animais não-humanos, considerados em si mesmos, independentemente da sua função ambiental ou ecológica” (ATAIDE-JÚNIOR, 2018, p. 50).

O debate acerca dos animais não-humanos, serem ou não sujeitos de direitos, não é atual, antes de Cristo filósofos já discorriam suas opiniões sobre o assunto. Conforme elucida Stephen (2017, p. 91) “(...) os argumentos contra e a favor dos direitos dos animais têm atraído pensadores tão diversos quanto Plutarco, Descartes e Nietzsche ao longo da história da filosofia”. Trata-se de argumentos e posicionamentos que surgiram com as ciências sociais gerais, como a Sociologia e a Filosofia, e seus reflexos alcançaram as ciências sociais aplicadas, como o Direito.

Ocorre que, mesmo diante de tantos estudos, pesquisas, dados e opiniões, o Direito Animal enfrenta obstáculos, sua existência e aplicação não é pacificamente aceita, portanto, convém discorrer sobre a temática e seus desdobramentos.

2.1 Proteção Constitucional dos Animais

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 foi a primeira a tratar da questão animal, quando em seu art. 225, §1.º,VII encarregou o Poder Público de “proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade”.

Assim, para Ataíde Junior (2021), a Constituição ao proibir a crueldade e valorar positivamente a consciência e a senciência animal, reconhece, mesmo que de forma implícita, a consciência, a senciência e a dignidade animal.

Importante pontuar que, a senciência é entendida como a capacidade de sentir de forma consciente. A senciência animal foi reconhecida em 2012 quando foi promulgada a Declaração de Cambridge sobre a Consciência em Animais Humanos e Não Humanos, na ocasião, um grupo de renomados especialistas e estudiosos declararam, após avaliações, a seguinte conclusão:

A ausência de um neocórtex não parece impedir que um organismo experimente estados afetivos. Evidências convergentes indicam que animais não humanos têm os substratos neuroanatômicos, neuroquímicos e neurofisiológicos de estados de consciência juntamente como a capacidade de exibir comportamentos intencionais. Consequentemente, o peso das evidências indica que os humanos não são os únicos a possuir os substratos neurológicos que geram a consciência. Animais não humanos, incluindo todos os mamíferos e as aves, e muitas outras criaturas, incluindo polvos, também possuem esses substratos neurológicos (IHU, 2012, online).

Nesse sentido, alegar que animais não-humanos são seres sencientes é dizer que estes são passíveis de sofrimento e detém capacidade de expressar emoções, o que confere a eles relevância e direito à dignidade, reconhecidos pela Constituição.

Além disso, a Constituição também prevê em seu art. 3.º que: Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (BRASIL, 1988). Criando espaço para uma possível interpretação de que “as outras formas de discriminação” se enquadram aos animais não-humanos.

Conforme o exposto, o Direito Animal busca o reconhecimento dos animais como sujeitos de direitos a existência digna, divergindo do Código Civil Brasileiro, que considera os animais não-humanos como coisas, logo, sem relevância jurídica.

O Código Civil de 2002, apesar de ser norma posterior à CRFB/88, não inovou, e permaneceu com a mesma concepção do Código Civil de 1916, conceituando os animais como bens móveis, como se verifica na redação do art. 82 do códex de 2002 “são móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social” (BRASIL, 2002).

Referido conceito é alvo de críticas dos apoiadores do Direito Animal. Medeiros e Petterle (2019, p. 8), lecionam que “o enquadramento dos animais como coisas móveis, desprezada a sua capacidade de ser senciente, que sente dor, que está sujeito ao sofrimento e, portanto, fora da esfera das coisas (inanimadas) no nosso entendimento, viola materialmente a constituição”.

Neste diapasão, o atual Código Civil, apesar de posterior a Constituição, não recepcionou as inovações trazidas pela Carta Magna, o que caracteriza uma incompatibilidade material de normas.

É cediço que há a existência de uma hierarquia entre as normas, e a Constituição é reputada como a Lei Maior, portanto, as demais normas do ordenamento são consideradas infraconstitucionais e não podem ser incompatíveis com o dispositivo constitucional.

Nas palavras de Lucio Feres da Silva Telles (2020):

[...] a Constituição como fundamento de validade de uma ordem jurídica legitima as normas deste sistema, ou a sua vigência, pois é a norma jurídica primeira do Estado e todas as demais normas com ela precisam estar compatibilizadas, sendo que tal autoridade, como explicitado anteriormente, encontra o seu fundamento de validade na norma hipotética fundamental pressuposta (TELLES, 2020, p. 6).

A disposição do atual Código Civil Brasileiro, norma infraconstitucional, que trata dos animais não humanos como coisas, não dialoga com o determinado pela Constituição Federal, e, portanto, o Direito Animal busca a transformação do entendimento civil, como aponta Ataide Júnior (2021):

São os fatos da consciência e da senciência animal, valorados pela Constituição, que revelam a dignidade animal, incompatível com as equiparações tradicionais entre animais e coisas, animais e bens ou com a consideração dos animais como simples meios para o uso arbitrário desta ou daquela vontade humana. Em outras palavras, o Direito Animal opera com a transmutação do conceito civilista de animal como coisa, para o conceito animalista de animal como sujeito de direitos (ATAIDE-JÚNIOR, 2021, p. 5).

Assim sendo, diante da hierarquia e da incompatibilidade material das normas, o estabelecido pelo CC/2002 é ultrapassado e não merece prosperar, sobressaindo-se, portanto, o entendimento constitucional, que reconhece a consciência, a senciência e a dignidade animal e os considera dignos de proteção.

2.2 Animais como sujeitos de Direitos

De forma objetiva, o Direito visa o controle ideológico da sociedade, impondo deveres e obrigações por meio de um conjunto de normas jurídicas que pretende garantir uma sociedade organizada.

Para a plena satisfação do Direito é essencial que as normas impostas sejam cumpridas e para isso precisam ser destinadas aos indivíduos, titulares desses direitos e obrigações, as pessoas físicas, pessoas jurídicas e os entes despersonalizados.

Ocorre que, não há como ignorar que existem aqueles titulares de direitos e obrigações que não conseguem alcançá-los, se não estiverem representados. Conforme exemplifica Raquel Fabiana Lopes Sparemberger e Juliana Lacerda (2015):

[...] a titularidade de direitos e obrigações dessas pessoas não implica na sua capacidade de exercê-los, pois há certa incapacidade (quando são bebês, ou pessoas com deficiência mental) que o legislador supre nomeando representantes legais a esses incapazes, para representá-los em juízo ou perante terceiros (SPAREMBERGER; LACERDA, 2015, p. 193).

O mesmo ocorre com as pessoas jurídicas, entidades às quais se atribui personalidade jurídica, e que exercem suas atribuições mediante a representação de uma pessoa física que é a responsável pela entidade, e ainda, com menores de idade, especificamente, os recém-nascidos, que apesar de terem direitos não possuem obrigações.

Voltando-se para os animais não humanos, é importante ressaltar que embora sejam protegidos pela Constituição Federal, conforme o disposto no art. 225, §1.º, VII, não se pode interpretar o dispositivo individualmente. A Carta Magna também confere ao Poder Público o fomento da produção agropecuária e o planejamento desta atividade, concordante aos seguintes artigos:

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

VIII - fomentar a produção agropecuária e organizar o abastecimento alimentar; (BRASIL, 1988).

...

Art. 187. A política agrícola será planejada e executada na forma da lei, com a participação efetiva do setor de produção, envolvendo produtores e trabalhadores rurais, bem como dos setores de comercialização, de armazenamento e de transportes, levando em conta, especialmente:

§1.º Incluem-se no planejamento agrícola as atividades agroindustriais, agropecuárias, pesqueiras e florestais (BRASIL, 1988).

Nesse sentido, simultaneamente, a Lei Maior prevê a proteção aos animais, mas não despreza sua importância para a atividade agropecuária, ou seja, concede importância aos animais não-humanos do ponto de vista econômico. No entanto, essa previsão não descarta a possibilidade de os animais serem titulares de direitos, consoante as palavras de Vicente de Paula Ataíde Junior:

O fato de a Constituição permitir – e até fomentar – a pecuária e a pesca não faz retroceder seu avanço ético em reconhecer os animais não-humanos como sujeitos sencientes – e não como meras coisas ou bens sujeitos à arbitrária disposição humana. Ademais, note-se, a permissão constitucional para a atividade pecuária e pesqueira como suposto fundamento para rebaixar os animais não-humanos ao status de coisa, não pode ser evocado para uma faixa significativa de espécies animais, não submetidos à exploração econômica (ATAIDE-JÚNIOR, 2018, p. 53).

O que se pretende, na realidade, é a aplicação do princípio da dignidade animal que segundo os dizeres de Jorge, Oliveira e Piacenti (2022, p. 2) “fundamenta a necessidade de os animais terem os seus direitos, como o de não serem tratados com crueldade e o de viverem em um meio ambiente equilibrado, ambos consolidados na Constituição Federal brasileira [...]”.

A dignidade animal é requisito essencial para o bem-estar animal que se refere a uma boa qualidade de vida e é norteada pelas chamadas 5 Liberdades demonstradas a seguir:

Liberdade nutricional: Livre de fome e sede. Considera que o animal deve ter acesso à comida e à água em quantidade, frequências e qualidade ideais para consumo.

Liberdade sanitária: Diz respeito a viver livre de doenças, dores e livre de ferimentos de qualquer espécie, além do tratamento adequado, incluindo a prevenção com vacinas.

Liberdade ambiental: Diz respeito a viver livre de desconforto em um ambiente com temperatura, superfícies e áreas confortáveis.

Liberdade comportamental: Livre para exercer o seu comportamento natural. É imprescindível que o animal esteja em um ambiente compatível para exercer, por meio de objetos, ações, espaços, entre outros, os seus comportamentos naturais.

Liberdade psicológica: Viver livre de sentimentos negativos que possam causar estresse, ansiedade ou medo, evitando assim o sofrimento psicológico (UFPR, s.d. online, grifo nosso).

Desse modo, ainda que alguns animais sejam utilizados para produção, o bem-estar animal deve ser respeitado de acordo com a previsão constitucional, inclusive, é o que defende a Declaração Universal do Direito dos Animais, proclamada pela UNESCO em sessão realizada em Bruxelas - Bélgica, em 27 de janeiro de 1978. Consoante ao abordado, a declaração em seu art. 3.º prevê especificamente que “1. Nenhum animal será submetido nem a maus tratos nem a atos cruéis. 2. Se for necessário matar um animal, ele deve ser morto instantaneamente, sem dor e de modo a não lhe provocar angústia”., e ainda, art. 9.º, “quando o animal é criado para alimentação, ele deve ser alimentado, alojado, transportado e morto sem que disso resulte para ele nem ansiedade nem dor”.

Ou seja, a Declaração Universal do Direito dos Animais não nega a serventia dos animais para o abastecimento familiar e setores de produção que fomentam a economia, mas resguarda a necessidade de tratamento digno, ainda que sejam criados com fins alimentícios.

Nesse sentido, reconhecendo a relevância de determinados animais para a economia, e levando em consideração a proteção constitucional, proibindo práticas que os submetam à crueldade, considera-se os animais não humanos como sujeitos do direito fundamental à existência digna.

3. DIREITO ANIMAL E PROCESSO CIVIL

Tendo em vista que este trabalho busca analisar a possibilidade de os animais não-humanos figurarem como parte em um litígio processual, convém averiguar a aplicação do Direito Processual Civil no âmbito do Direito Animal, observando seus pressupostos e condições, sobretudo, a tutela jurídica dos animais por meio do processo, assunto este que ainda carece de discussões doutrinárias.

3.1 Pressupostos Processuais

Os Pressupostos Processuais são requisitos para que um processo judicial tenha sua validade e existência caracterizado e são fundamentais para que a sentença de mérito seja proferida. Para Humberto Theodoro Júnior (2015):

Os pressupostos são aquelas exigências legais sem cujo atendimento o processo, como relação jurídica, não se estabelece ou não se desenvolve validamente. E, em consequência, não atinge a sentença que deveria apreciar o mérito da causa. São, em suma, requisitos jurídicos para a validade da relação processual. São, pois, requisitos de validade do processo (THEODORO-JÚNIOR, 2015, p. 209).

Por não existir previsão legal que limite quais são os requisitos processuais necessários, a doutrina diverge, há quem utilize um rol mais amplo e há quem considere um rol mais taxativo. Apesar da divergência, o critério tradicional divide os pressupostos entre subjetivos e objetivos.

Daniel Amorim Assumpção Neves (2016) os classifica da seguinte forma:

São pressupostos processuais subjetivos:

(a) investidura;

(b) imparcialidade;

(c) capacidade de ser parte;

(d) capacidade de estar em juízo;

(e) capacidade postulatória.

São pressupostos processuais objetivos:

(a) coisa julgada;

(b) litispendência;

(c) perempção;

(d) transação;

(e) convenção de arbitragem;

(f) falta de pagamento de custas em demanda idêntica extinta sem resolução de mérito;

(g) demanda;

(h) petição inicial apta;

(i) citação válida;

(j) regularidade formal.

Os pressupostos processuais subjetivos são divididos em dois grupos: os referentes ao juiz e os referentes às partes (NEVES, 2016, p. 243/244, grifo nosso).

Apesar da importância de todos os pressupostos aqui citados, nos interessa a classe dos pressupostos processuais subjetivos, especificamente no que tange a capacidade.

Importante ressaltar que a capacidade no direito material e no processo civil há distinção, enquanto no direito material há capacidade de direito e de fato, no processo civil existem a capacidade de ser parte, a capacidade de estar em juízo e a capacidade postulatória.

A capacidade no Direito Civil pode ser assim distinguida:

O Direito Civil distingue entre capacidade de direito, aptidão de todas as pessoas físicas ou jurídicas, de ser titular de direitos e obrigações na ordem civil; e capacidade de fato, aptidão de algumas pessoas físicas de exercer seus direitos e obrigações por si sós, sem precisarem ser representadas ou assistidas (GONÇALVES, 2016, p 407).

Sendo assim, para o Direito Civil a capacidade se resume à titularidade de direitos e obrigações e a condição de representar a si próprio em juízo. Quanto à capacidade para o Processo Civil, abordaremos de forma mais específica uma a uma.

A capacidade de ser parte, é a possibilidade de alguém ser parte em um processo judicial, seja como autor ou réu. O processo atua com um instrumento para efetividade do direito, portanto, todos os titulares desses direitos detêm a capacidade de ser parte, sejam eles pessoas físicas ou jurídicas (GONÇALVES, 2016).

Porém, a capacidade de ser parte não se confunde com a capacidade de estar em juízo, Neves (2016, p. 247), exemplifica que “[...] como ocorre com os incapazes, que têm capacidade de ser parte, mas necessitam de um representante processual na demanda por lhes faltar capacidade de estar em juízo”.

Ou seja, o Código de Processo Civil amplia a capacidade de ser parte aos entes despersonalizados, que são titulares de direitos, mas necessitam de representação para estar em juízo, como o espólio, a herança a massa falida, dentre outros previstos em lei que só terão a capacidade de estar em juízo na hipótese de previsão legal. A capacidade de ser parte é um pressuposto processual de existência, assim sendo, o desenvolvimento válido e regular do processo depende que as partes envolvidas a tenham.

No que concerne a capacidade processual, esta é a aptidão para praticar os atos processuais sem a necessidade de estarem representados ou assistidos. “A capacidade processual pressupõe a capacidade de ser parte. É possível ter capacidade de ser parte e não ter capacidade processual; a recíproca, porém, não é verdadeira” (DIDIER-JÚNIOR, 2016, p. 319).

Em outras palavras, um sujeito pode ter capacidade de ser parte, por ter direitos e obrigações, mas não necessariamente tem capacidade processual para realizar os atos de um processo pessoalmente, em função disso, existe a necessidade de representação ou assistência.

Não se confunde a representação legal com a figura do advogado, segundo Gonçalves (2016):

Não se trata de advogado, mas de representante legal. As pessoas naturais que têm capacidade de fato, que podem exercer, por si sós, os atos da vida civil, têm capacidade processual, pois podem figurar no processo sem serem representadas ou assistidas. O incapaz não tem capacidade processual. Mas passará a ter, por intermédio das figuras da representação e da assistência (GONÇALVES, 2016, p. 408).

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Em suma, quando o sujeito de direitos não puder defender seus interesses por conta própria, restará configurada a incapacidade processual que deverá ser suprida pela representação ou assistência.

Por sua vez, a capacidade postulatória não se relaciona com as partes, especificamente. “Deriva da necessidade de uma aptidão especial para formular requerimentos ao Poder Judiciário” (GONÇALVES, 2016, p. 409).

Didier Júnior exemplifica:

A capacidade postulacional abrange a capacidade de pedir e de responder. Têm-na os advogados regularmente inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil, os defensores públicos e os membros do Ministério Público e, em alguns casos, as próprias pessoas não-advogadas, como nas hipóteses dos Juizados Especiais Cíveis (causas inferiores a vinte salários-mínimos), das causas trabalhistas e do habeas corpus (DIDIER-JÚNIOR, 2016, p. 335).

É, portanto, a capacidade para se atuar em um processo de forma adequada, defendendo os interesses de um sujeito de direitos, que pode ou não necessitar de representação ou assistência.

O Código de Processo Civil dispõe, em seu art. 76 que “Verificada a incapacidade processual ou a irregularidade da representação da parte, o juiz suspenderá o processo e designará prazo razoável para que seja sanado o vício” (BRASIL, 2015). Desse modo, se a falta de capacidade postulatória não for sanada, o feito será extinto.

No que diz respeito ao Direito Animal e aos Pressupostos Processuais de Capacidade, extrai-se que os animais não-humanos são sujeitos de direitos a existência digna, e assim entendendo, tem capacidade de ser parte quando da violação desses direitos. Ainda que não tenham capacidade processual, esta pode ser sanada pela representação, como veremos no item 4, da mesma forma que incapazes, pessoas jurídicas e entes despersonalizados podem ser representados ou assistidos em juízo. Por fim, a capacidade postulatória pode ser aplicada da mesma forma como é para os outros sujeitos, mediante advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público.

Quanto ao pressuposto processual de capacidade, que trata única e exclusivamente sobre as partes, resta demonstrado que podem os animais não-humanos tê-la sem a necessidade de extinção do processo. Todavia, para que um sujeito de direitos figure em um processo válido existem outras condições que devem ser preenchidas, como passaremos a discorrer a seguir.

3.2 Condições da Ação

Em que pese a utilização do termo “Condições da Ação”, seja motivo de divergência doutrinária, por não estar previsto no Código de Processo Civil de 2015, ainda se exige determinadas condições para que exista a possibilidade de postular em juízo, conforme se extrai do texto do art. 17 “para postular em juízo é necessário ter interesse e legitimidade”.

O Código de Processo Civil de 1973 utilizava este termo, e além da legitimidade e interesse, era necessário a possibilidade jurídica do pedido. Há quem defenda que pela falta de denominação no texto legal, a legitimidade e interesse são enquadradas nos pressupostos processuais, no entanto, não se deve confundir os institutos.

Conforme expõe Thamay (2023):

Enquadrar a legitimidade e o interesse entre os pressupostos processuais implica confundir ação com processo. Negar a existência de condições da ação implica negação do que a Lei afirma: a necessidade de interesse e legitimidade para a postulação em juízo.

O art. 485 claramente distingue os dois conceitos: o juiz não resolverá o mérito quando: a) verificar a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo (inc. IV); b) verificar ausência de legitimidade ou de interesse processual (inc. VI) (THAMAY, 2023, p. RB-2.3).

As Condições da Ação e os Pressupostos Processuais não se confundem, mas se completam, enquanto aquela se refere aos requisitos que viabilizam o julgamento de mérito, estes importam para que uma relação jurídica processual seja válida.

Nesta mesma linha manifesta Theodoro Júnior (2015):

As condições da ação são requisitos a observar, depois de estabelecida regularmente a relação processual, para que o juiz possa solucionar a lide (mérito). Operam, portanto, no plano da eficácia da relação processual. Em razão disso, não se confundem com os pressupostos processuais, que são requisitos de validade, sem os quais o processo não se estabelece ou não se desenvolve validamente (THEODORO-JÚNIOR, 2015, p. 222).

Gonçalves (2016) elucida que antes de proferir qualquer decisão acerca da tutela jurisdicional, é necessário que o juiz examine primeiro os pressupostos processuais, verificando se há desenvolvimento válido e regular do processo, caso não haja deve-se solicitar que o vício seja sanado, e se não for, o processo deverá ser extinto sem resolução de mérito. Tendo os pressupostos processuais sido preenchidos o juiz analisará se o autor tem direito à resposta de mérito, ou seja, se preenche as condições da ação, e se não preencher, o processo também deverá ser extinto sem resolução de mérito. Sendo assim, só se examinará o mérito se os pressupostos processuais e as condições da ação estiverem preenchidas.

A falta das condições da ação elencadas enseja a extinção do processo sem resolução de mérito, consoante ao previsto no CPC/15, art. 485 “O juiz não resolverá o mérito quando: VI - verificar ausência de legitimidade ou de interesse processual” (BRASIL, 2015).

A primeira das condições da ação é o interesse processual ou o interesse de agir, dependendo da doutrina adotada. Segundo Araújo (2016), no interesse processual está contida a possibilidade jurídica do pedido, tendo em vista que sem a viabilidade do pedido inexiste o interesse processual. O doutrinador acrescenta que “o interesse, expresso pelo art. 17 do CPC, é meramente processual e deve refletir a necessidade, a utilidade e a adequação do pedido formulado pelo autor” (ARAÚJO, 2016, p. 351).

Logo, para a formação do interesse processual deve haver necessidade de tutela jurisdicional, e utilidade e adequação do pedido para o caso concreto, não sendo admissível a provocação do Estado diante da inutilidade do pedido, segundo os ensinamentos de Theodoro Júnior:

Vale dizer: o processo jamais será utilizável como simples instrumento de indagação ou consulta acadêmica. Só o dano ou o perigo de dano jurídico, representado pela efetiva existência de uma lide, é que autoriza o exercício do direito de ação (THEODORO-JÚNIOR, 2015, p. 226).

Portanto, como expõe Wambier e Talamini (2021, p. 239), “em suma, o interesse processual nasce da necessidade da tutela jurisdicional do Estado, invocada pelo meio adequado, que determinará o resultado útil pretendido, do ponto de vista processual”.

No tocante à legitimidade, esta é definida por Araújo (2016, p. 352), como “a pertinência subjetiva do titular da demanda. Como condição da ação, a legitimatio ad causam revela a possibilidade de a parte realizar afirmação de direito em juízo”.

Todavia, não é apenas o autor de uma demanda que necessita ter legitimidade, esta é uma condição que devem ter tanto o autor quanto o réu, nas lições de Wambier e Talamini (2021):

Autor e réu devem ser partes legítimas. Isso quer dizer que, quanto ao primeiro, deve haver ligação entre ele e o objeto do direito afirmado em juízo. O autor, para que detenha legitimidade, em princípio deve ser o titular da situação jurídica afirmada em juízo (arts. 17 e 18 do CPC/15). Quanto ao réu, é preciso que exista relação de sujeição diante da pretensão do autor (WAMBIER; TALAMINI, 2021, p. 239).

Nesse sentido, também leciona Thamay (2023):

Por fim, a legitimatio ad causam, a seu turno, diz com a pertinência subjetiva da ação, devendo ser aferida tanto no plano ativo (legitimidade ativa) como no passivo (legitimidade passiva). Com efeito, verificar a legitimidade ativa e passiva significa, evidentemente, aferir se autor e réu são realmente as partes que podem litigar, visto que a noção de legitimidade traz a de transitividade, significando que um determinado autor é legitimado em relação a um determinado réu, tendo em vista uma dada situação que a ambos diz respeito (THAMAY, 2023, p. RB-2.7).

A legitimidade pode ser ordinária ou extraordinária, de forma resumida, Araújo (2016) elucida que a legitimidade ordinária ocorre quando o titular da ação e o titular do direito se confundem na mesma pessoa, enquanto na legitimidade extraordinária um terceiro afirma o direito de outro, em nome próprio ou pelo titular.

Detém legitimidade ordinária todo aquele que pode postular em juízo em nome próprio, assim, a legitimidade extraordinária tem relação com a capacidade processual que, como visto anteriormente, pode ser suprida pela representação ou assistência.

Desse modo, nas palavras de Wambier e Talamini (2021, p. 241), “[...] a legitimidade para a causa está retratada na correspondência entre as partes no processo e os titulares dos interesses controvertidos ou está fundada em autorização extraordinária para defender-se interesse alheio em nome próprio”.

Isto posto, considerando que os animais são sujeitos de direitos à existência digna, e, portanto, têm interesse em não sofrer maus tratos, possuem interesse processual. Quanto à legitimidade, levando em consideração a pertinência do direito requerido, se caracteriza na legitimidade extraordinária, quando o Ministério Público, Defensoria Pública, ou Sociedade Protetora dos Animais reclamam em nome próprio os direitos destes.

4. PROJETO DE LEI

É incontestável a incapacidade dos animais de postularem sozinhos em juízo, aliás, como demonstrado anteriormente, a capacidade processual e a legitimidade apenas são admitidas mediante o instituto da representação, assim, estes devem ser representados para demandarem seus direitos.

Inicialmente, é importante compreender acerca da representação processual, e de que forma ela se configura no meio jurídico. ‘’A representação e a assistência são formas de suprir a incapacidade processual das partes. São meios de integrar a capacidade” (ARAÚJO, 2016, p. 478).

Diante da existência de sujeitos de direitos que não têm aptidão para praticar os atos processuais, se faz necessária a representação.

As hipóteses de representação processual são previstas no art. 75 do Código de Processo Civil, concernente às palavras de Wambier e Talamini (2021):

A representação, como solução dada pelo sistema jurídico positivo a uma necessidade criada pela natureza das coisas, rege-se fundamentalmente pelo art. 75 do CPC/2015. Neste dispositivo se diz, por exemplo, que o espólio será representado pelo inventariante; que o município será representado por seu prefeito ou por procurador, e que uma pessoa jurídica deve ser representada por aquele a quem os seus atos constitutivos designam, ou por seus diretores (WAMBIER; TALAMINI, 2021, p. 342).

No entanto, dentre todas as hipóteses previstas pelo dispositivo em comento, não há nenhuma previsão acerca dos animais não-humanos.

Levando em consideração, que cada vez mais admite-se que animais não-humanos figurem em uma demanda, desde que devidamente representados, há a necessidade de normatização.

Nesse sentido, os defensores do Direito Animal recorrem ao Decreto n.º 24.645, de 10 de Julho de 1934 que estabelece medidas de proteção aos animais, publicado pelo então presidente Getúlio Vargas.

O Decreto estabelece medidas de proteção aos animais e prevê em seu art. 2.º, §3.º que:

Art. 2.º Aquele que, em lugar público ou privado, aplicar ou fizer aplicar maus tratos aos animais, incorrerá em multa de 20$000 a 500$000 e na pena de prisão celular de 2 a 15 dias, quer o delinquente seja ou não o respectivo proprietário, sem prejuízo da ação civil que possa caber.

§3.º Os animais serão assistidos em juízo pelos representantes do Ministério Público, seus substitutos legais e pelos membros das sociedades protetoras de animais (BRASIL, 1934).

Logo, antes mesmo da promulgação da Constituição Federal de 1988, já havia previsão acerca da capacidade processual dos animais. Todavia, sua vigência e aplicação não é pacífica.

De forma resumida elucidam Gordilho e Ataíde Júnior (2020) que o Decreto foi editado em época de Governo Provisório, onde foi atribuído ao Presidente da República o acúmulo temporário das funções executivas e legislativas. Ocorre que, em 1991 o Presidente da República, à época Fernando Collor de Mello, editou o Decreto n.º 11/91, que revogou atos promulgados por governos anteriores, inclusive o Decreto n.º 24.645/34. Porém, levando em consideração que o Decreto de 1934 foi promulgado enquanto o Chefe do Poder Executivo tinha função legislativa, este tem força de lei ordinária, e não pode ser revogada por simples decreto.

Por conseguinte, conclui Ataíde Júnior (2021):

O Decreto 24.645/1934 está em vigor (com exceção, apenas, das suas disposições penais) e, prova disso, é que continua sendo utilizado na fundamentação de importantes decisões judiciais das Cortes Supremas brasileiras: no Supremo Tribunal Federal, conforme Medida Cautelar na ADIn 1.856-6/RJ, pela qual foi declarada a inconstitucionalidade da lei carioca que regulamentava a “briga de galos”, conforme fundamentação da decisão do relator, Ministro Carlos Velloso; no Superior Tribunal de Justiça, conforme REsp 1.115.916/MG, ementa e voto do Ministro Humberto Martins, pelo qual foi mantido acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que impedia o uso de gás asfixiante no abate de cães, considerado prática cruel (ATAIDE-JÚNIOR, 2021, p. 11).

Apesar disso, dado o aumento de propositura de ações onde figuravam no polo passivo animais não-humanos, a discussão acerca da vigência do Decreto e a fim de sanar a discussão acerca da capacidade processual dos animais não-humanos, em 2021 foi protocolado na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 145/2021, de autoria do Deputado Federal Eduardo Costa (PTB/PA), que “disciplina a capacidade de ser parte dos animais não-humanos em processos judiciais e inclui o inciso XII ao art. 75, da Lei n.º 13.105, de 16 de março de 2015 – Código de Processo Civil, para determinar quem poderá representar animais em juízo” (BRASIL, 2021).

O Projeto de Lei em comento reconhece a capacidade processual dos animais e prevê quem serão os legitimados para representá-los com a seguinte composição:

Art. 1.º. Os animais não-humanos têm capacidade de ser parte em processos judiciais para a tutela jurisdicional de seus direitos.

Parágrafo único. A tutela jurisdicional individual dos animais prevista no caput deste artigo não exclui a sua tutela jurisdicional coletiva.

Art. 2.º. O art. 75 da Lei n.º 13.105, de 16 de março de 2015 – Código de Processo Civil passa a vigorar acrescido do inciso XII, com a seguinte redação:

Art. 75 [...]

XII – os animais não-humanos, pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública, pelas associações de proteção dos animais ou por aqueles que detenham sua tutela ou guarda.

Art. 3.º. Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação.

Art. 4.º. Revogam-se as disposições em contrário (BRASIL, 2021, grifo nosso).

Interessa analisar a inclusão do inciso XII ao Art. 75 (que dispõe sobre a representação em juízo), são legitimados para representar os interesses individuais dos animais não-humanos o Ministério Público, a Defensoria Pública, associações de proteção dos animais, ou seus tutores e guardiões.

Importante pontuar, que a norma proposta dispõe sobre a capacidade processual nas tutelas individuais, tendo em vista que, aqueles que possuem a legitimidade extraordinária já postulam quanto às tutelas coletivas.

Como justificativa para propositura do Projeto de Lei, o antigo Deputado Federal alegou:

Se até uma pessoa jurídica, que muitas vezes não passa de uma folha de papel arquivada nos registros de uma Junta Comercial, possui capacidade para estar em juízo, inclusive para ser indenizada por danos morais, parece fora de propósito negar essa possibilidade para que animais possam ser tutelados pelo Judiciário caso sejam vítimas de ações ilícitas praticadas por seres humanos ou pessoas jurídicas (BRASIL, 2021).

Eduardo Costa (2021), conclui que a aprovação do projeto de lei atua como norma pacificadora dessa questão processual, o que possibilita uma ampliação na tutela jurisdicional prestada aos animais, dessa forma, cumprindo com a disposição constitucional de proteção ao meio ambiente.

Atualmente, o Projeto de Lei 145/21 está apensado ao projeto de Lei 171/23, sob a responsabilidade dos Delegados e Deputados Federais Matheus Laiola e Bruno Lima (BRASIL, 2023), sem previsão de aprovação.

A propositura deste regulamento é um importante passo para o Direito Animal, com a evolução da sociedade é possível perceber grande mudança de perspectiva no que concerne aos animais não-humanos, em especial, os animais domésticos. Este é um fenômeno interessante, que merece ser aprofundado.

Segundo dados do Instituto Pet Brasil - IPB (2022), o Brasil, em 2021, contava com cerca de 149,6 milhões de animais de estimação, sendo em suma maioria cães, em segundo lugar as aves canoras, em terceiro os gatos, após os peixes e por fim os pequenos répteis e mamíferos. Além disso, o Brasil está em terceiro lugar no ranking em população total de animais de estimação.

Esses números são resultado da visão que tem se construído sobre os animais e sua afetividade com o ser humano, ocupando cada vez mais espaço na instituição familiar. Por este motivo, os já mencionados Delegados e Deputados Federais Matheus Laiola (UNIÃO/PR) e Bruno Lima (PP/SP), protocolaram na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 179/23 que “reconhece a família multiespécie como entidade familiar e dá outras providências” (BRASIL, 2023a).

Em suma, o Projeto de Lei busca recriar o conceito de família, reconhecendo os animais de estimação como membros e conferindo diversos direitos a estes. Os Deputados, em justificativa, aduziram:

Apresentando-se como novo modelo de entidade familiar, a relação entre humanos e animais de estimação passa a ser forjada no vínculo jurídico de poder familiar dos humanos para com os animais, o que atribui aos primeiros uma série de deveres fundamentais para com os segundos (BRASIL, 2023a).

Como se observa, a propositura de ambos os projetos de lei, são resultado da concepção atual da sociedade, assim, argumenta Dias (2018):

Não é incomum a situação de inúmeras pessoas que "adotam" animais de estimação os elevando a qualidade de "filho" em detrimento da procriação tradicional, optando por não dar continuidade a família por meio de descendentes. Noutro ponto, ainda vislumbra-se casais com filhos humanos e animais de estimação, ambos convivendo em condições de igualdade e tratamento (DIAS, 2018, online).

Não é incomum encontrar famílias como mencionada pela autora. Com o desenvolvimento da sociedade, os animais domésticos têm estado cada vez mais em ascensão nos lares, essa ascensão tem refletido no judiciário e por consequência a propositura dos projetos de lei em comento.

Ao comparar os dois projetos propostos é possível notar similaridades, ao passo que um complementa o outro. Contudo, há certa divergência, a PL 145/21 se refere a tutela jurisdicional e a capacidade processual de todos os animais não-humanos, enquanto o proposto pela PL 179/23 tem se direcionado, exclusivamente, aos animais domésticos.

E atualmente, é essa a realidade do tema no judiciário brasileiro. Existem raras exceções de propositura de ações em que figuram no polo ativo animais que não sejam domésticos, em sua maioria, as ações são propostas por animais de natureza doméstica representados.

Não obstante, a propositura dos mencionados projetos demonstra um desenvolvimento do pensamento da sociedade e é um avanço no tema, ainda que provavelmente receba ressalvas.

Em vista disso, a aprovação dos regulamentos é medida importante a ser tomada, sobretudo o Projeto de lei 145/21, que trata da capacidade e legitimidade processual dos animais não-humanos. Dessa forma, pacificaria a discussão nos tribunais e o acesso à justiça seria garantido.

5. DIREITO COMPARADO E AS DECISÕES BRASILEIRAS

Tendo em consideração não haver, ainda, nenhuma norma que altere a visão quanto à natureza dos animais, ou autorize a capacidade destes para estar em juízo, os tribunais brasileiros têm recorrido a previsões estrangeiras, utilizando-se do Direito Comparado para fundamentar suas decisões.

Gordilho e Ataíde Júnior (2020) nos advertem que a principal fonte do Direito Animal tem sido a doutrina anglo-saxônica, e a legislação de alguns países europeus que têm reconhecido os animais não-humanos como seres sensíveis. Entretanto, no que concerne aos precedentes judiciais, são as decisões latino-americanas que tem revolucionado e reconhecido os animais não-humanos como sujeitos de direitos, e ainda, afirmado a capacidade processual destes.

No ano de 2021, o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná sinalizou um avanço para o Direito Animal ao reconhecer a capacidade processual dos animais por sua natureza de seres sencientes, o Relator do Agravo de Instrumento, Marcel Guimarães Rotoli de Macedo, assim emitiu o Acórdão:

RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS. DECISÃO QUE JULGOU EXTINTA A AÇÃO, SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO, EM RELAÇÃO AOS CÃES RAMBO E SPIKE, AO FUNDAMENTO DE QUE ESTES NÃO DETÊM CAPACIDADE PARA FIGURAREM NO POLO ATIVO DA DEMANDA. PLEITO DE MANUTENÇÃO DOS LITISCONSORTES NO POLO ATIVO DA AÇÃO. ACOLHIDO. ANIMAIS QUE, PELA NATUREZA DE SERES SENCIENTES, OSTENTAM CAPACIDADE DE SER PARTE (PERSONALIDADE JUDICIÁRIA). INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 5º, XXXV, E 225, § 1º, VII, AMBOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988, C/C ART. 2º, §3º, DO DECRETO-LEI Nº 24.645/1934. PRECEDENTES DO DIREITO COMPARADO (ARGENTINA E COLÔMBIA). DECISÕES NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO RECONHECENDO A POSSIBILIDADE DE OS ANIMAIS CONSTAREM NO POLO ATIVO DAS DEMANDAS, DESDE QUE DEVIDAMENTE REPRESENTADOS. VIGÊNCIA DO DECRETO-LEI Nº 24.645/1934. APLICABILIDADE RECENTE DAS DISPOSIÇÕES PREVISTAS NO REFERIDO DECRETO PELOS TRIBUNAIS SUPERIORES (STJ E STF). DECISÃO REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO (TJPR - 7ª Câmara Cível - 0059204-56.2020.8.16.0000 - Cascavel - Rel. Des. MARCEL GUIMARÃES ROTOLI DE MACEDO - J. 14.09.2021) (BRASIL, 2021b, grifo nosso).

Em suma, a presente Ação de Reparação de Danos foi proposta na Comarca de Cascavel-PR, onde constavam no polo ativo os cães Rambo e Spike, representados pela ONG Sou Amigo, em face dos tutores dos animais domésticos, tendo em vista situação de maus tratos e abandono que os cães foram submetidos por 29 dias. O Juízo de primeiro grau extinguiu a ação, sem resolução de mérito, alegando incapacidade das partes, por consequência, a ONG interpôs Agravo de Instrumento e em segundo grau foi reconhecida a capacidade de ser parte dos animais, possibilitando que estes constem no polo ativo das demandas desde que devidamente representados.

No dia 01/09 os tutores interpuseram Recurso Especial junto ao Superior Tribunal de Justiça, e atualmente, se encontra pendente de julgamento.

A íntegra do Acórdão em comento se valeu, para sua fundamentação, do Decreto n.º 24.645/34 já explanado neste artigo, ainda, da senciência e dignidade animal e do Direito Comparado, sobretudo, às legislações Argentina e Colombiana.

Desta forma expôs o Relator:

Ao olhar para o direito comparado, verifica-se que na Argentina, em 21 de outubro de 2015, no caso denominado Sandra v. Zoológico de Buenos Aires, a eminente magistrada Dra. Elena Libertori concedeu ordem de habeas corpus, a fim de determinar que a orangotango-fêmea, de nome Sandra, fosse enviada para um Centro de Grandes Primatas, localizado na Flórida, Estados Unidos da América, reconhecendo, expressamente, que ela era uma pessoa não-humana.

Outro precedente argentino que merece destaque é o caso Cecília v. Zoológico de Mendoza (2016), no qual foi reconhecido que a chimpanzé-fêmea, de nome Cecília, era titular do direito de liberdade corporal, concedendo ordem de habeas corpus para que o animal fosse transferido para um santuário no Brasil..

Na Colômbia, em 26 de julho de 2017, a Suprema Corte de Justiça, no caso Chucho v. Zoo Barranquilla, decidiu, por meio do voto do Ministro Relator Luiz Armando Villanova, que o urso de óculos, conhecido como Chucho, era uma pessoa não-humana, titular do direito de liberdade corporal, determinando a sua transferência do Zoológico de Barranquilla para uma reserva de vida selvagem.

(TJPR - 7ª Câmara Cível - 0059204-56.2020.8.16.0000 - Cascavel - Rel.: DESEMBARGADOR MARCEL GUIMARÃES ROTOLI DE MACEDO - J. 14.09.2021) (BRASIL, 2021b, grifo nosso).

Veja-se, portanto, que tanto a Colômbia como a Argentina têm reconhecido os animais como sujeitos de direitos, demonstrando uma possível tendência dos países da América Latina para com o tema.

Além disso, o Relator também citou casos brasileiros em que os animais foram admitidos, como sujeitos de direitos em juízo:

Acerca do tema, cabe destacar o paradigmático caso tratado pela justiça brasileira, conhecido como Suíça v. Gavazza, considerado o primeiro precedente judicial em nosso país em que um animal foi reconhecido por um tribunal como sujeito de direito dotado da capacidade de ser parte.

[...]

Mais recentemente (2020), a justiça baiana, na ação denominada Diego e outros v. Barcino, em que 23 (vinte e três) gatos - representados pela guardiã C.O - ingressaram com ação de obrigação de fazer, cumulada com indenização por dano moral, em face de uma empresa de construção civil, tendo na ocasião o eminente Juiz de Direito, Dr. Érico Vieira, recebido a petição inicial e determinado a citação do réu para apresentar defesa, em 15 (quinze) dias, reconhecendo, assim, ainda que tacitamente, a tese de que os animais são sujeitos de direito, inclusive com capacidade para estarem em juízo, através de representação processual.

Registre-se, por oportuno, que, ainda que tais julgados não possam ser considerados como “precedentes” em seu termo técnico, por outro lado revelam uma certa tendência da justiça brasileira quanto ao acolhimento da tese de capacidade processual dos animais.

(TJPR - 7ª Câmara Cível - 0059204-56.2020.8.16.0000 - Cascavel - Rel.: DESEMBARGADOR MARCEL GUIMARÃES ROTOLI DE MACEDO - J. 14.09.2021) (BRASIL, 2021b, grifo nosso)

Conforme dispõe o Relator é possível perceber uma tendência da Justiça Brasileira em recepcionar os animais não-humanos, como parte em um processo judicial, ao final, conclui expondo sua fundamentação para acolher Spike e Rambo no polo ativo da demanda:

Forte nessas razões, e em observância ao disposto nos artigos 5º, XXXV, e 225, § 1º, VII, ambos da Constituição da República de 1988, c/c art. 2º, §3º, do Decreto-Lei no 24.645/1934, o qual, como visto, permanece vigente em nosso ordenamento, entendo como cabível o pleno acesso à justiça aos animais não-humanos, inclusive podendo constar no polo ativo da demanda, porquanto detentores da capacidade de estar em juízo (personalidade judiciária), desde que, obviamente, devidamente representados.

(TJPR - 7ª Câmara Cível - 0059204-56.2020.8.16.0000 - Cascavel - Rel.: DESEMBARGADOR MARCEL GUIMARÃES ROTOLI DE MACEDO - J. 14.09.2021) (BRASIL, 2021b, grifo nosso)

Como visto, a capacidade processual dos animais não-humanos pode ser admitida desde que presente o instituto da representação.

Recentemente, ao final do mês de setembro e início de outubro de 2023, foi protocolado, perante o juízo de Ponta Grossa/PR, a Ação de Indenização por Danos Morais n.º 0032729-98.2023.8.16.0019, onde consta no polo ativo da demanda, Tokinho representado pelo Grupo Fauna de Proteção aos Animais.

Dos fatos se extrai que o Réu agrediu Tokinho, um cachorro, com um pedaço de madeira e foi flagrado por câmeras de segurança, ademais foi preso em flagrante, mas recebeu liberdade provisória logo após.

O Grupo de Proteção, promoveu a ação em comento, e a juíza de primeiro grau Poliana Maria Cremasco Fagundes Cunha Wojciechowski, da 3.ª Vara Cível de Ponta Grossa, entendeu pela legitimidade de Tokinho para figurar no polo ativo da demanda.

Apesar das referências nos países da América Latina e em alguns julgados brasileiros, não é apenas esses países que têm, ainda que de forma gradativa, acolhido os animais como sujeitos de direitos.

Nos Estados Unidos uma cadela recebeu uma herança milionária, mais precisamente, um fundo onde o dinheiro será investido para os seus cuidados:

A cadela Lulu, uma Border collie de oito anos de idade, terá uma boa vida em Nashville, cidade dos Estados Unidos, após a recente morte do tutor dela. O homem deixou US$5 milhões de herança para o animal de estimação, que está sob os cuidados de uma amiga dele.

[...]

Empresário de sucesso, o homem de 84 anos deixou um testamento no qual afirma que o dinheiro deve ser colocado em um fundo para os cuidados da cachorra.

[...]

O valor será administrado por uma pessoa que aprovará e reembolsará Martha pelas despesas para cuidar da Border collie. Não ficou definido o que ocorrerá com o dinheiro se Lulu morrer antes da quantia acabar (AGÊNCIA ESTADO, online, 2021).

Assim, resta evidenciado, mais uma vez, que o aumento da afetividade entre humanos e animais não-humanos, sobretudo os domésticos, têm transformado as relações da sociedade e atingindo a esfera jurídica.

No entanto, há ainda, julgadores que entendem de maneira diversa a exposta aqui, causando grande controvérsia nos tribunais brasileiros.

Na ação conhecida como Boss e outros vs. BP Pet Shop, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul reconheceu um cão como sujeito de direitos, mas não entendeu por sua capacidade processual por não haver previsão legal:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. ANIMAL DE ESTIMAÇÃO. CÃO BOSS. AUSÊNCIA DE CAPACIDADE DE SER PARTE NO ATUAL ORDENAMENTO JURÍDICO VIGENTE. ILEGITIMIDADE ATIVA. RECONHECIMENTO. MANUTENÇÃO. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE. PLEITO DE CONDENAÇÃO POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ FORMULADO EM CONTRARRAZÕES. IMPOSSIBILIDADE. ARGUIÇÃO DE AFRONTA A DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. DESCABIMENTO. IMPROPRIEDADE DA VIA RECURSAL ELEITA. ANÁLISE DE DIREITO LOCAL (LEI ESTADUAL). INVIABILIDADE. SÚMULA 280/STF. CONTROVÉRSIA DECIDIDA COM BASE NA ESTRITA APLICAÇÃO DE DISPOSITIVOS DE LEI FEDERAL. ARTS. 70 E 75 DO CÓDIGO CIVIL. SUBSISTÊNCIA DE FUNDAMENTO NÃO ATACADO. SÚMULA 283/STF. AUSÊNCIA DE PLAUSIBILIDADE DA TESE SUSTENTADA. PLEITO DE ATRIBUIÇÃO DE EFEITO SUSPENSIVO. INDEFERIMENTO. RECURSO NÃO ADMITIDO. (Agravo de Instrumento, Nº 50412952420208217000, Terceira Vice-Presidência, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ney Wiedemann Neto, Julgado em: 14-06-2021)

(TJ-RS - AI: 50412952420208217000 PORTO ALEGRE, Relator: Ney Wiedemann Neto, Data de Julgamento: 14/06/2021, Terceira Vice-Presidência, Data de Publicação: 14/06/2021) (BRASIL, 2021c, grifo nosso)

Nessa toada, também decidiu o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, no caso Mel Leão vs. Pet Shop:

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS - LEGITIMIDADE ATIVA DE ANIMAL DE ESTIMAÇÃO - RECONHECIMENTO - IMPOSSIBILIDADE - AUSÊNCIA DE CAPACIDADE PROCESSUAL - ART. 1.º DO CÓDIGO CIVIL E ART. 70 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. Não se pode confundir a "proteção", que é um direito dos animais, com uma absurda pretensão de que isso lhes confira "personalidade jurídica". Reconhecer que os animais têm direito à "proteção", é uma coisa, e outra, completamente diferente, é dizer ou pensar que eles, por isso, têm capacidade jurídica ou personalidade jurídica, de modo a ostentar "capacidade processual", ou seja, capacidade para estar em juízo. Não há confundir a "dignidade animal" com capacidade jurídica. Conforme dispõe o artigo 1º do Código Civil, "toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil" (capacidade de direito). E na conformidade do disposto no artigo 70 do CPC/2015 "toda pessoa que se encontre no exercício de seus direitos tem capacidade para estar em juízo" (capacidade processual). Como se vê, mencionados dispositivos não conferem aos animais a capacidade de ser parte e, por consequência, de figurar como sujeito processual, sendo imperioso concluir que somente as pessoas (ou os entes despersonalizados legalmente previstos) são capazes de estar em juízo, ativa ou passivamente, para a defesa de seus direitos. Disso decorre a absoluta ilegitimidade ativa do animal da agravante para figurar, como ela pretende, como "autora" da ação que deu origem a este agravo, competindo isso a ela, autora/agravante, como proprietária ou detentora do referido animal e no exercício do seu direito de lhe assegurar a devida "proteção". Os direitos dos animais, por certo que podem ser defendidos em Juízo, mas pelos seus proprietários, detentores ou possuidores.

(TJ-MG - AI: 10000212619993001 MG, Relator: José de Carvalho Barbosa, Data de Julgamento: 23/06/2022, Câmaras Cíveis / 13ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 24/06/2022) (BRASIL, 2022, grifo nosso)

Observa-se que o Relator, mesmo que não tenha admitido a capacidade processual dos animais, declarou que “os direitos dos animais, por certo que podem ser defendidos em Juízo, mas pelos seus proprietários, detentores ou possuidores”, e de forma muito parecida, é o que prevê o Projeto de lei 145/2021 já apresentado aqui.

Portanto, nota-se que assim como outros países, sobretudo da América Latina, o Brasil tem transformado sua concepção sobre os animais não-humanos, consolidando suas opiniões e perspectivas sobre a temática, contudo, ainda que exista uma tendência para reconhecer a capacidade processual dos animais o tema enfrenta obstáculos.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto no presente artigo, vislumbra-se que a legitimidade processual dos animais é motivo de grande controvérsia, gerando debates e interpretações variadas na jurisprudência. Quanto à doutrina, ainda pouco se discute, mas cada vez mais o tema vem sendo centro de argumentações.

O Direito Animal prevê regras e princípios que buscam garantir os direitos dos animais não-humanos, ainda que estes detenham proteção constitucional, que reconhece a dignidade, a consciência e senciência. O que vigora atualmente é a natureza de bens de apropriação pelo ser humano, ou seja, são considerados como coisas, conforme prevê o Código Civil, norma infraconstitucional.

Ao examinar os animais como sujeitos de direitos, é imprescindível considerar sua importância para a economia. Dessa forma, concluímos que há a possibilidade de considerar os animais como sujeitos de direitos, tendo em vista o que prevê a Declaração Universal do Direito do Animais, dispondo que, ainda que os animais devam ser sacrificados ou tenham fins alimentícios, o alojamento, alimentação, transporte e a morte devem ser feitos de modo que não cause sofrimento ou maus tratos aos animais. Assim, os animais são sujeitos de direito à existência digna.

Ante a ótica do processo civil, para que um processo seja considerado válido e regular, é necessário que estejam presentes determinados pressupostos e condições. Quanto aos pressupostos, em especial o de capacidade, restou demonstrado que os animais possuem a capacidade de ser parte por terem direitos, por sua vez a capacidade processual é suprida pelo instituto da representação, e a capacidade postulatória é exercida da mesma forma que para qualquer outro processo. Já as condições da ação também restaram demonstradas, estando presente o interesse de agir, pelo interesse dos animais em não sofrer maus-tratos e a legitimidade em sua forma extraordinária.

Tendo em vista a controvérsia, por não haver norma específica que a regule, foi proposto no ano de 2021 o Projeto de Lei 145 da Câmara dos Deputados, prevendo que os animais não-humanos possuem capacidade processual e serão representados em juízo pelo Ministério Público, Defensoria Pública, Ongs de proteção aos animais ou quem detenha sua tutela ou guarda. A criação deste projeto é resultado do debate, mas também leva em consideração a discussão acerca da vigência do Decreto n.º 24.645/34, e principalmente, o estreitamento das relações entre humanos e animais, progressivamente mais a sociedade tem alterado seu ponto de vista para com os animais, resultando em grande afetividade entre estes, e alterando os conceitos, sobretudo o familiar, já que atualmente muitos animais são tratados como membros da família.

Tendo em mente que o Projeto de Lei 145/21, atualmente está apensado ao Projeto de Lei 179/23, e ainda não foi aprovado ou vetado, os tribunais brasileiros têm enfrentado obstáculos para decidir sobre o tema, é possível encontrar decisões diversificadas, o que pode gerar insegurança jurídica. Por este motivo, os julgadores têm se apoiado no Direito Comparado.

Sendo assim, após a apresentação das decisões, tanto favoráveis quanto desfavoráveis para o tema, nota-se uma predisposição da justiça brasileira em reconhecer a capacidade processual dos animais, entretanto, o tema é oscilante. Dessa forma, a aprovação do Projeto de Lei mencionado, é medida necessária, ainda que tenha ressalvas, pois dessa forma sanaria a discussão.

REFERÊNCIAS

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ARAÚJO, Fábio Caldas de. Curso de processo civil: parte geral. 1ª ed. São Paulo: Malheiros, 2016.

ATAIDE JUNIOR, Vicente de Paula. A capacidade processual dos animais. Revista de Processo. São Paulo, v. 46, n. 313, p. 95-128. 2021.

____________________. Introdução ao Direito Animal Brasileiro. Revista Brasileira de Direito Animal, Salvador, v. 13, n. 03, p. 48-76, Set-Dez, 2018. Disponível em: https://periodicos.ufba.br/index.php/RBDA/article/view/28768. Acesso em: 15 set. 2023.

BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 145, de 01 de fevereiro de 2021. Disciplina a capacidade de ser parte dos animais não-humanos em processos judiciais e inclui o inciso XII ao art. 75 da Lei n.º 13.105, de 16 de março de 2015 – Código de Processo Civil, para determinar quem poderá representar animais em juízo. Brasília: Câmara dos Deputados, 2021. Disponível em: https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2268821. Acesso em: 09 ago. 2023.

_______. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 171, de 02 de fevereiro de 2023. Disciplina a capacidade de ser parte dos animais não-humanos em processos judiciais e inclui o inciso XII ao art. 75 da Lei n.º 13.105,de 16 de março de 2015 – Código de Processo Civil, para determinar quem poderá representar animais em juízo. Brasília: Câmara dos Deputados, 2023. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2252372&filename=Avulso%20PL%20171/2023. Acesso em: 09 ago. 2023.

_______. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 179, de 02 de fevereiro de 2023. Reconhece a família multiespécie como entidade familiar e dá outras providências. Brasília: Câmara dos Deputados, 2023a. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2346910. Acesso em: 09 ago. 2023.

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Sobre os autores
Fábio Ferreira Bueno

Possui graduação em Direito pela Universidade Paranaense - UNIPAR (1997). Pós-graduação em Direito Civil e Processual Civil pela Universidade Paranaense - UNIPAR (2001). Mestrado em Direito Processual e Cidadania pela Universidade Paranaense - UNIPAR (2005). Advogado em exercício desde 1998. Foi docente da Escola da Magistratura do Paraná. É Professor da Universidade Paranaense - UNIPAR, Umuarama/PR, no Curso de Graduação em Direito, desde 2000, ministrando as disciplinas de Direitos Difusos e Coletivos e Direito Processual Civil. Professor em cursos de Pós-graduação ofertados pela Universidade Paranaense - UNIPAR.

Larissa Silveira Fernandes

Acadêmica do curso de Direito pela Unipar

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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