Animais domésticos e seu direito ao recebimento de pensão alimentícia e à constituição de patrimônio

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RESUMO: O presente estudo objetiva analisar a aplicabilidade dos institutos da pensão alimentícia e da constituição de patrimônio aos animais domésticos, uma vez que eles vêm assumindo papéis cada vez mais relevantes no corpo social da sociedade contemporânea, como pode ser verificado pelos diversos direitos concedidos a eles pela Constituição Federal. Nesse viés, a relevância dessa análise é amplificada quando se trata de animais domésticos, pois, esses, integrados ao seio familiar, deram origem ao conceito de “família multiespécie”, uma representação da união afetiva entre humanos e animais dentro de uma unidade familiar, desprovida da necessidade de compatibilidade sanguínea. Desse modo, a incorporação dos animais domésticos às famílias humanas e a importância a eles atribuída têm suscitado debates acerca da expansão dos direitos animais já existentes, a fim de assegurar direitos que, até o momento, são exclusivos aos seres humanos. Nesse contexto, foi proposto o Projeto de Lei 179/23, que busca definir legalmente o termo “família multiespécie” e estabelecer uma legislação que outorga aos animais domésticos o direito aos institutos da pensão alimentícia e da constituição de patrimônio. Entretanto, a aprovação do projeto poderia causar controvérsias no judiciário e na sociedade, onde muitos resistem à equiparação entre animais e humanos, embora essa já seja uma realidade em outros países, tendência que o Brasil parece seguir. Portanto, por meio da metodologia da pesquisa bibliográfica – realizada em monografias, dissertações, enunciados legais e livros, sendo esses últimos a principal fonte referencial – esta pesquisa irá elucidar que Constituição Federal permite a concessão dos Institutos da Pensão Alimentícia e da Constituição de Patrimônio aos animais domésticos, prática já adotada em outros países.

PALAVRAS-CHAVE: Animais domésticos; Pensão alimentícia; Constituição de patrimônio; Constituição Federal; Família Multiespécie; PL 179/23.

1. INTRODUÇÃO

Ao longo dos anos, os animais têm adquirido uma importância cada vez maior e recebido um cuidado mais meticuloso em todo o mundo. Prova disso, é que, a eles, têm sido garantidos diversos direitos, que visam preservar sua dignidade e assegurar que não sejam vítimas de maus-tratos por parte dos seres humanos.

No Brasil, essa pauta vem ganhando mais relevância desde a Constituição Federal de 1988, que passou a assegurar a eles alguns direitos, sendo esses: a primazia animal, a liberdade animal, dentre outros, que garantem uma significativa segurança jurídica na sociedade, com o intuito de que eles possuam melhores condições de vida e dignidade, bem como, para que não sejam privados de suas condições mínimas de existência.

Nesse contexto, posteriormente, a Constituição Federal trouxe em seus artigos o que pode ser chamado de Direito Animal, que disciplina sobre os animais em geral, em consonância com a sociedade. Todavia, esse Direito vem destoando os animais dos entendimentos anteriores atribuídos a eles, como a classificação dada pelo Código Civil, que os consideraria como objetos de direito, sendo considerados bens semoventes.

Ou seja, bens moveis que possuem movimento próprio, entendimento que advém do art. 82 do Código Civil que dispõe no Art. 82, que “são móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social.” (BRASIL, 2002)

Por esse prisma, os animais não possuiriam direitos próprios, apenas seriam parte dos direitos de outrem, qual seja, dos seres humanos, sendo esse o entendimento do Código Civil e de parte dos doutrinadores.

No entanto, com o passar dos anos, novas visões constitucionais e novos entendimentos doutrinários sobre o Direito Animal estipulado pela Constituição Federal, lecionam que os animais têm se tornado sujeitos de direito, o que tem lhes dado maior autonomia. Desse modo, essa conjuntura seria coerente, pois o Direito animal traz essa mudança, uma vez que trata os animais como seres de direitos.

Nesse sentido, o doutrinador Vicente de Paula Ataide Jr. (2022, RB-1.5) elenca o principal elemento diferenciador do Direito animal instituído pela CF/88 para com outras formas de direito que tratam dos animais:

Certamente esse é o seu principal elemento diferenciador: para o Direito Animal, os animais não são objetos de direitos, mas sujeitos de direitos. As normas de Direito Animal são normas que contemplam a subjetividade jurídica dos animais. (ATAIDE, 2022, p. 1-5)

Sob esse entendimento, têm-se que, perante os Direitos Animais, eles seriam donos de seus próprios direitos, sendo esses a eles inerentes, e não advindos de terceiros, o que lhes garantiria mais segurança no mundo jurídico, pois significaria que seus direitos fundamentais não necessitam da intervenção de terceiros.

Nessa esfera, cabe evidenciar que tal visão advém do entendimento de que os animais possuem consciência e são capazes de sofrer do mesmo modo que os seres humanos, havendo, portanto, que garantir a eles direitos fundamentais que buscam inibir seu sofrimento.

Ademais, um ponto muito importante exposto na própria Constituição Federal sobre os direitos dos animais está disciplinado no artigo art. 225, §1º, VII, que dispõe:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade (BRASIL, 1988).

Assim, os animais são garantidos como sujeitos de direitos, por serem seres que possuem certa consciência e por possuírem grande impacto na sociedade. Todavia, por não possuírem meios próprios de manterem sua subsistência e segurança perante a sociedade, essa passou a ser uma obrigação do Estado e da própria sociedade, que, por meio do Direito Animal, visou lhes constituir direitos fundamentais para assegurar seu bem-estar.

Nessa acepção, essa mudança de entendimento, com maior abrangência dos animais perante a sociedade e a fixação desses como sujeitos de direitos, têm criado diversas discussões no meio jurídico e doutrinário, que incluem a necessidade e a possibilidade de expansão dos direitos possuídos pelos animais atualmente, concedendo-lhes direitos como aos institutos da pensão alimentícia e da constituição de patrimônio.

Todavia, de maneira implícita ao Direito Animal e aos direitos fundamentais concedidos aos animais, pode-se verificar uma equiparação dos seres humanos com os animais, em especial, no tocante da importância de seu bem-estar e do valor da sua vida. Isso ocorre, pois a ideia de aplicação desses institutos é uma grande demonstração dessa implícita equiparação. Logo, caso ela ocorra, poderá gerar grandes impactos na vida de todas as pessoas, pois muitas ações correrão em todo o judiciário.

Por outro viés, essa aplicação será de grande importância aos animais, razão pela qual passará a se analisar aqui, por meio de estudos doutrinários, jurisprudenciais, legislativos, entre outros meios, o que são esses institutos, de onde surgem os direitos animais e se tais institutos podem ser incluídos nesses direitos.

2. DESENVOLVIMENTO

2.1. PENSÃO ALIMENTÍCIA:

A pensão alimentícia se trata da prestação de alimentos, necessários à subsistência de alguém, sendo uma parte beneficiária e a outra credora desses alimentos.

Sobre a pensão alimentícia, Maria Andrade Nery (2022) leciona:

Se entende tudo aquilo de que alguém necessita para sobreviver, exteriorizado em prestações que o alimentante deve ao alimentado, com a finalidade precípua de garantir-lhe a sobrevivência” (NERY, 2022, p. 22)

Desse modo, esse alguém beneficiado pela pensão alimentícia é chamado de alimentado, enquanto quem a provém, é chamado de alimentante. Com efeito, o alimentado, por sua vez, recebe alimentos do alimentante a fim de que sua subsistência seja garantida, bem como, que ele possa ter uma vida digna e receber alimentos da maneira que supra suas necessidades e lhe garanta boas condições.

Assim, para que haja o estabelecimento da pensão alimentícia e para que ela seja realizada de maneira correta, é necessário analisar um grande requisito do instituto, que é o binômio necessidade-possibilidade, que implica na necessidade do alimentando em receber os alimentos para seu sustento e na possibilidade do alimentante em realizar o pagamento desses alimentos sem comprometer sua própria subsistência.

Nesse sentido, o doutrinador Fabio Ulhoa Coelho (2020) estipula três requisitos para caracterização da pensão alimentícia:

Para que os alimentos sejam devidos, três requisitos devem estar preenchidos: a) alimentante e alimentado são parentes, estavam casados ou conviviam em união estável; b) o alimentado não dispõe de patrimônio ou renda que lhe permita viver de acordo com a sua condição social; c) o alimentante tem patrimônio ou renda que lhe possibilita pagar os alimentos sem desfalque injustificado ao seu padrão de vida (CC, art. 1.695). (COELHO, 2020)

Tais requisitos se encontram no Código Civil, no qual disciplina sobre o instituto da pensão alimentícia, consoante aos artigos 1.694 a 1.710. Ou seja, a possibilidade de solicitar alimentos para parentes (primeiro requisito) está elencado no art. 1.694, Código Civil, que assim dispõe:

Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação (BRASIL, 2002).

Por sua vez, o binômio necessidade-possibilidade acima mencionado e elencado como segundo e terceiro requisito, encontra-se no art. 1.694, §1º, no qual cita que “§1º Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada.” (BRASIL, 2002).

Em complemento, constata-se a presença do segundo e terceiro requisito no art. 1.695, CC, que assim dispõe:

“Art. 1.695. São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento.” (BRASIL, 2002)

Dessa forma, têm-se que a pensão alimentícia pode ser solicitada por aquele que a necessita (alimentado), requerendo-a de quem possui meios para fornecê-la (alimentante). Ou seja, pode-se verificar nesse artigo, todo o explicado acima, estando presente o polo ativo e passivo, e o binômio necessidade-possibilidade.

Além disso, a pensão alimentícia pode ser constituída de várias formas, todas elencadas nos artigos supracitados. Todavia, para se analisar a aplicabilidade dessa pensão aos animais domésticos, faz-se essencial destacar dois casos em especial, que são:

I) O caso da separação do casal, em que será um cônjuge devedor daquele que não possui condições de sobreviver por seus próprios meios, sendo, portanto, estabelecida a pensão alimentícia após prévio acordo, ou então, por sentença judicial que determinará os parâmetros a serem seguidos.

II) Quando a pensão alimentícia é devida para membros de uma família que são incapazes, não havendo como manter sua subsistência, sendo devido o pagamento por parte do outro cônjuge ou então de algum familiar próximo.

Tais casos são destacados nos Arts. 1.696 e 1.702 do CC, que assim dispõem:

Art. 1.696. O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros”

“Art. 1.702. Na separação judicial litigiosa, sendo um dos cônjuges inocente e desprovido de recursos, prestar-lhe-á o outro a pensão alimentícia que o juiz fixar, obedecidos os critérios estabelecidos no art. 1.694 (BRASIL, 2002)

Nesse caminho, os casos destacados demonstram a extrema importância da pensão alimentícia no seio familiar, em especial, para manter a boa vida dos participantes do núcleo familiar, mesmo que separados, como no caso do pagamento de um cônjuge a outro, mas, principalmente, no caso de pagamento dos pais para filhos, pois esses, apesar de distantes, sempre manterão um vínculo.

Portanto, têm-se que o estabelecimento da pensão alimentícia forma uma maneira de garantir a dignidade e a existência da pessoa, pois lhe permite ter uma vida digna e um mínimo existencial, mantendo sua subsistência, mediante o recebimento da prestação de alimentos por outrem, mesmo que esse não esteja mais presente ativamente no núcleo familiar.

2.2. CONSTITUIÇÃO DE PATRIMÔNIO:

A constituição de patrimônio trata-se do aglomerado de bens que uma pessoa possui em seu nome, podendo ser essa pessoa física ou jurídica e podendo o patrimônio ser público ou privado.

Sobre essa questão, o doutrinador Edvar Marcel Simões (2023), ao conceituar patrimônio diz que ele se trata de:

Conjunto ou complexo de posições jurídicas subjetivas, ativas e passivas, simples e complexas, suscetíveis de valoração econômica e consequente expressão pecuniária, titularizadas por um sujeito de direito em determinado momento do tempo (SIMÕES, 2023, p. 3).

Desse modo, tal conjunto de posições subjetivas, também chamado de aglomerado de bens, é composto por diversas coisas, como imóveis, veículos, móveis, dinheiro, entre outros bens, sobre os quais leciona Fernando Rodrigues Martins (2021), apresentando uma maior gama de composição de bens para este instituto jurídico:

Tais bens podem ser de natureza móvel ou imóvel, na dimensão corpórea, ou seja, presos à categoria do “direito das coisas”, como também de natureza incorpórea, já que relacionados à prestação de fazer ou não fazer, como, no caso, a energia elétrica. Englobam ainda a noção de patrimônio os parâmetros afetos aos direitos, créditos e às ações de qualquer pessoa (MARTINS, ano, p. RB-1.1.).

Nesse viés, ainda deve ser analisado que o patrimônio pode ser separado em dois tipos: o patrimônio particular e o patrimônio público.

A título de conceituação para fins pedagógicos, têm-se que o patrimônio público é aquele pertencente aos entes estatais e a administração pública em geral. Assim, tal patrimônio é definido doutrinariamente como aquele que pertence a toda a sociedade, sendo ela sua real proprietária.

Todavia, a fim de vislumbrar objetivamente seu conceito, em especial o conceito legal, faz-se importante a análise do elencado na Lei 4.717 de 1965 que em seu art. 1º, §1º, dispõe:

Art. 1º Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos Municípios, de entidades autárquicas, de sociedades de economia mista (Constituição, art. 141, § 38), de sociedades mútuas de seguro nas quais a União represente os segurados ausentes, de empresas públicas, de serviços sociais autônomos, de instituições ou fundações para cuja criação ou custeio o tesouro público haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita ânua, de empresas incorporadas ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios, e de quaisquer pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas pelos cofres públicos.

§ 1º - Consideram-se patrimônio público para os fins referidos neste artigo, os bens e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico ou turístico (BRASIL, 1965)

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Ou seja, o patrimônio público é aquele pertencente a União, ao Distrito Federal, aos Estados, aos Municípios, dentre outros entes acima disciplinados, sendo considerado como bens pertencentes a esse patrimônio, aqueles de valor econômico, artístico, estético, histórico ou turístico.

Por sua vez, o patrimônio privado pertence a um dono particular, a um sujeito de direito no singular, e não uma coletividade, sendo este dono pessoa física ou jurídica. Desse modo, por se tratar de bem privado, do qual um sujeito possui a propriedade, ele pode utilizá-lo subjetivamente, conforme sua vontade. Isto é, doando, alienando, emprestando ou utilizando de várias outras formas.

Ainda, tal patrimônio, por ser privado, é constituído conforme o recebimento de bens, como no recebimento de dívidas, de salário, de pensões, da compra de bens e tudo aquilo que agrega bens ao sujeito proprietário.

Todavia, a propriedade que o sujeito possui sobre seu patrimônio privado não é absoluta, vez que essa pode ser utilizada ainda para pagamento de dívidas por meio de penhora judicial, para pagamento como garantia real, como outras inúmeras maneiras, que farão com que o proprietário perca seu patrimônio contra a sua vontade.

Portanto, têm-se que, em se tratando de patrimônio particular, este será usado para o bem-estar daquele que o detém. No entanto, caso esse não arque com suas dívidas ou cause prejuízo a outrem, o patrimônio poderá ser penhorado judicialmente.

3. DIREITO DOS ANIMAIS PREVISTO NA CF/88

A ideia da aplicabilidade dos institutos da pensão alimentícia e da constituição do patrimônio gerará uma ampliação dos direitos animais já existentes e garantidos pela CF. Isso ocorre, pois, ela é a fonte primária das normas do Direito Animal, da qual se extraem a regra da proibição da crueldade contra animais e os princípios da dignidade animal, da universalidade, da primazia da liberdade natural, da substituição e da educação animalista (ATAIDE, 2022, p. 1-19).

Nesse viés, tais direitos dos animais são garantidos pela CF, resultante da aplicabilidade do art. 225, que garante a vida a todos os animais, pois assim dispõe:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (BRASIL, 1988).

Em especial, o §1º, inciso VII do referido artigo, trata sobre os animais, garantindo-lhes os direitos acima referidos:

§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade (BRASIL, 1988).

Nesse sentido, leciona Mitidiero (2023,) que interpretando o referido artigo, compreende que os animais são sujeitos de direitos fundamentais:

Reconhecida uma (particular) dignidade dos animais e mesmo que se encontrem outros fundamentos na literatura especializada, o fato é que com base nisso também para nós não resulta difícil (muito antes pelo contrário) reconhecer que na perspectiva do direito (e aqui com foco no direito constitucional) os animais sejam titulares de direitos fundamentais (MITIDIERO, 2023, p. 894-896).

Dessa forma, constata-se que os animais possuem direitos que se equiparam aos garantidos pelos seres humanos. Logo, seria possível, então, interpretar princípios iguais, como o da dignidade.

Nessa esteira, isso pode ser possível, uma vez que em julgamentos que visavam a proibição de eventos que causassem mal a animais, como o da vaquejada, a ministra do Supremo Tribunal Federal, Rosa Weber utilizou da fundamentação de existência da dignidade animal, sendo esse artigo fundamental para essa interpretação.

Portanto, a fim de se analisar mais a fundo a questão da aplicabilidade dos direitos fundamentais aos animais, é necessário realizar a apreciação de um dos primeiros artigos da CF, que rege as garantias fundamentais, qual seja, o art. 3º, IV da CF que elenca ser uma garantia fundamental da República Federativa, promover o bem de todos, sem distinção:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (BRASIL, 1988).

Ademais, nesse ponto, faz-se importante destacar e ressaltar no artigo que, ao contrário de outros dispositivos legais, aqui não se vê a limitação da garantia apenas para as pessoas humanas, mas, para todos. Logo, é possível o entendimento amplo com a inclusão dos animais para terem seu bem promovido.

Nessa conjuntura, esse entendimento pode ocorrer, pois os animais fazem parte da sociedade e, atualmente, são considerados seres conscientes, fazendo jus ao reconhecimento de que seu bem-estar deve também ser promovido pela sociedade, conforme o art. 225, esse direito é essencial para o Estado e a sociedade.

Desse modo, esse entendimento permite então concluir que o referido artigo é aplicável não somente aos seres humanos, mas também a todos aqueles que fazem parte da República Federativa, como os animais, o que abre margem para aplicação de institutos que garantam o bem-estar, a subsistência e uma boa vida a eles, tais como o da pensão alimentícia e da constituição de patrimônio

Outrossim, assim como no direito civil, tais institutos também serviriam para manter a subsistência dos animais, sendo esse um local ainda mais importante para essa subsistência, uma vez que os animais domésticos são seres totalmente incapazes de se sustentar sozinhos.

Por fim, cabe ressaltar que à luz dos referidos artigos, a aplicabilidade desses institutos e a expansão do Direito Animal vêm sendo discutidas infraconstitucionalmente e dentro do judiciário. Sendo que, neste último, a fim de preencher lacunas legais, e definir uma forma mais restritiva e razoável de aplicação dos institutos, está sendo determinado que esses sejam aplicados perante os animais domésticos, frente à natureza familiar dos institutos, especialmente, o da pensão alimentícia.

4. CONCEITO DE ANIMAIS DOMÉSTICOS

Animais domésticos são os que convivem com os seres humanos por razões de afeto, assistência ou companhia. Nesse contexto, esses animais são, normalmente, gatos, cachorros, entre outros que comumente encontramos nas residências. No entanto, nada impede que sejam animais mais exóticos, desde que atendam aos mesmos critérios outrora citados.

Tais animais, unidos aos humanos, que são seus cuidadores, englobam o conceito de família multiespécie, concepção que torna o animal doméstico, parte de uma família humana, a fim de garantir direitos que estariam garantidos apenas aos seres humanos.

Nesse sentido, em seu artigo, Jônes Figueiredo Alves (2021) conceitua:

Se conceitua a família multiespécie como aquela formada pelo núcleo familiar humano em convivência compartilhada com os seus animais de estimação, importando que a doutrina e uma legislação de regência operem, com maior precisão e amplitude, as relações jurídicas daí advenientes (ALVES, 2021, p.2).

Assim, além de estar elencado em artigos, como o supracitado, esse conceito já se encontra sendo aceito nos Tribunais Pátrios, como exemplo, no TRF4, que teve a seguinte decisão:

ADMINISTRATIVO E DIREITO AMBIENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO ORDINÁRIA. LICENÇA DE EXPORTAÇÃO DE FAUNA. PROTEÇÃO DA FAUNA. INTERAÇÕES ENTRE ANIMAIS E HUMANOS. NOVOS NÚCLEOS FAMILIARES. 1. O meio ambiente é voltado para a satisfação das necessidades humanas. Todavia, de forma alguma impede que ele proteja a vida em todas as suas formas, conforme determina o artigo 3º da Política Nacional do Meio Ambiente Lei n. 6.938/81. Se a Política Nacional do Meio Ambiente protege a vida em todas as suas formas, e não é só o homem que possui vida, então todos que a possuem e podem sofrer devem ser tutelados e protegidos pelo direito ambiental, na medida em que são essenciais à sadia qualidade do Planeta, em face do que determina o artigo 225 da Constituição Federal. 2. Hoje, é possível afirmar que temos a chamada família multiespécie na qual existe uma rede de interações entre animais e humanos onde os seus membros se reconhecem e se legitimam. Nesses novos núcleos familiares, a questão da consanguinidade fica em segundo plano, destacando-se a proximidade e afetividade como liame agregador dos integrantes dessa nova família, sejam eles humanos ou animais. 3. Seja para se proteger o próprio animal não-humano, no caso, o Loro, evitando-lhe o sofrimento da solidão (e lhe proporcionando sobrevivência, já que não consegue alimento sozinho na natureza), seja para se proteger a pessoa humana da agravada, enquanto tutora (e não mais proprietária), seja para se proteger o meio ambiente, no que se relaciona à melhor qualidade de vida do conjunto das espécies e do planeta e, por fim, para proteger a família existente entre o Loro e a agravada e, também, quiça numa visão cosmo jurídica, a nossa grande família planetária, se faz imperiosa a liberação (licença) do Loro para a viagem internacional. (TRF-4 - AI: 50243720720224040000, Relator: V NIA HACK DE ALMEIDA, Data de Julgamento: 26/07/2022, TERCEIRA TURMA)

Dessa forma, pela falta de legislação sobre o tema, os entendimentos jurisprudenciais como o demonstrado acima, vem moldando essa pauta, o judiciário em si e concedendo aos animais tal conceito, o que, por sua vez, pode gerar a eles, até mesmo, o direito de estar em um processo que corre em uma Vara de Família, como no caso julgado pelo TJPR:

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA ENTRE 2ª VARA Cível DO FORO central DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA (SUSCITANTE) E 4ª VARA de família DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA (SUSCITADO). AÇÃO DE GUARDA COMPARTILHADA C/C REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS DE ANIMAL DE ESTIMAÇÃO. MATÉRIA QUE ENVOLVE VÍNCULO AFETIVO ENTRE AS PARTES, APÓS O TÉRMINO DE RELACIONAMENTO, E O ANIMAL DE ESTIMAÇÃO. REGRAS DO DIREITO DE FAMÍLIA QUE DEVEM SER APLICADAS POR ANALOGIA AO CASO. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. CONFLITO DE COMPETÊNCIA NEGATIVO CONHECIDO E PROVIDO PARA DECLARAR A COMPETÊNCIA DO JUÍZO SUSCITADO.

(TJPR - 11ª Câmara Cível - 0015266-58.2022.8.16.0188 [0000331-89.2022.8.16.0195/0] - Curitiba - Rel.: DESEMBARGADOR SIGURD ROBERTO BENGTSSON - J. 23.05.2022)

Com efeito, denota-se que os animais domésticos vêm ganhando uma maior equiparidade aos humanos, tanto na forma como são tratados na sociedade, como também no meio jurídico, sendo enquadrados nos núcleos familiares, como é possível constatar acima, verificando-se, inclusive, que os casos relacionados a eles são julgados perante as Varas de Família.

Portanto, com o ganho de destaque na sociedade, em especial no seio familiar, concedendo aos animais a inclusão na família e maior “humanização”, a ideia de concedê-los institutos que são inerentes a família, como o da pensão alimentícia e inerentes a pessoas, como o da constituição de patrimônio, têm-se tornado cada vez mais populares.

5. PROJETO DE LEI 179/2023:

Conforme elencado acima, os animais, em especial, os domésticos, ganham cada vez mais notoriedade na sociedade, havendo discussões que normalmente só ocorreriam com humanos, em especial, quando se trata de relações familiares.

Frente a isso, surgem doutrinadores que entendem serem devidos alimentos aos animais domésticos, como leciona Maria Berenice Dias (2020), em seu livro “Alimentos”, no qual ela elenca que

quando da separação de casal, surgem de forma frequente grandes embates, sobre quem irá ficar com eles. A disputa chega aos tribunais, a quem definir quem ficará com a guarda, sendo estipulado o regime de convivência. Como animais de companhia geram custos, há a imposição da obrigação alimentar. Com a sofisticação dos cuidados assegurados ao chamado mundo pet, os custos são consideráveis. Desse modo, nada justifica impor a somente um dos donos o encargo de arcar sozinho com esses gastos (DIAS, 2020, p. 74).

Portanto, seria essa uma forma de estabelecer pensão alimentícia aos animais, como outras formas aqui já demonstradas, mas sem nenhuma legislação que regule isso, apenas com base nos entendimentos doutrinários e jurisprudenciais.

Por outro lado, a questão da constituição de patrimônio também é algo que busca alcançar os animais domésticos, da mesma forma que a pensão alimentícia. Todavia, a ideia de aplicação desses institutos, nada mais é, até o momento, do que desdobramentos de entendimentos doutrinários e jurisprudenciais.

Nessa esteira, visando regulamentar essa questão, dentre os Projetos de Lei que tratam desse assunto, têm o PL 179/23. Este Projeto de Lei traz esse conceito da família multiespécie em seu teor e busca legislá-lo, dando-lhe o seguinte significado:

Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a proteção integral às famílias multiespécies.

§ 1º Considera-se família multiespécie a comunidade formada por seres humanos e seus animais de estimação como entidade familiar. (BRASIL, 2023)

Ainda, a fim de limitar e definir melhor o conceito, no §2º do referido artigo, é delimitado o que seriam os animais domésticos, conceituando-os da seguinte forma: “§ 2º Consideram-se animais de estimação os animais domésticos selecionados para convívio com o ser humano por razões de afeto, assistência ou companhia”.

Ou seja, além de trazer o conceito de família multiespécie, o Projeto de Lei ainda traz o conceito de animal doméstico, nos termos acima referidos, o que garante mais segurança sobre o tema, definindo, assim, de que modo ele deve ser aplicado e, também, restringindo sua aplicação.

Por conseguinte, para além desses conceitos, o Projeto de Lei busca também trazer a aplicabilidade da pensão alimentícia e da constituição de patrimônio aos animais domésticos. No caso da pensão alimentícia, por exemplo, os animais domésticos teriam direito a ela, em caso de fazer parte de um casal que vive em união estável e quando ocorresse a separação desse casal.

Desse modo, sendo o animal um membro da família, ele terá de haver a decisão sobre a guarda e será fixado uma pensão alimentícia específica para a que as suas necessidades possam ser supridas, conforme art. 13 do PL:

Art. 13. Em caso de separação, de divórcio ou de dissolução da união estável, judicial ou extrajudicial, deverá ser acordado ou decidido sobre a guarda, unilateral ou compartilhada, dos animais de estimação, além de eventual direito de visitas e de pensão alimentícia específica para a manutenção das necessidades do animal (BRASIL, 2023).

Ou seja, têm-se que o animal claramente será visto como parte da família humana e, sendo, inclusive, concedido a ele os direitos que, igualmente, seriam conferidos a um dependente do casal. Logo, há uma clara equiparação e junção dos dois casos de pensão alimentícia destacados do Código Civil, durante o tópico da pensão alimentícia.

Em continuidade a esse artigo, em seu §3º, é possível vislumbrar que outra questão que vem sendo discutida atualmente no judiciário, conforme foi verificado no conflito de competência acima relacionado, será estabelecido, que é quanto ao local de competência para a ação do animal doméstico: § 2º São competentes os juízos de família para decidir sobre o destino e os direitos do animal de estimação em caso de separação, divórcio ou dissolução da união estável (BRASIL, 2023).

Por outro lado, o PL também estabelece o direito dos animais domésticos em constituir patrimônio, que visa atender as necessidades do animal e garantir-lhe saúde, dignidade, dentre outras coisas, conforme artigo 14:

Art. 14. Aos animais de estimação, no âmbito das famílias multiespécies, poderá ser constituído capital, ou destinados bens ou rendas específicos, visando a atender às necessidades decorrentes dos seus direitos fundamentais, especialmente no que se refere à saúde animal (BRASIL, 2023).

Tal patrimônio deverá ser administrado por quem detiver o poder familiar ou a tutela, devendo tudo ser feito em proveito exclusivo do animal, com a apresentação das contas desse patrimônio, como o de qualquer outro. Sobre essa questão, de acordo com o §1º do referido artigo: “§ 1° O patrimônio animal, constituído na forma do caput deste artigo, será administrado por quem detiver o poder familiar ou a tutela, em proveito exclusivo do animal” (BRASIL, 2023).

Já no seu §2º, o Projeto de Lei institui uma forma de evitar que o patrimônio pertencente ao animal doméstico seja desviado, estabelecendo a necessidade de prestação de contas: “§ 2° Sempre que solicitados pelas autoridades competentes, os pais humanos do animal, ou o seu tutor, deverão apresentar contas da administração do patrimônio animal” (BRASIL, 2023).

Por conseguinte, cabe destacar que, nesse patrimônio, estarão integrados tudo aquilo que o animal possuir, como valores decorrentes de decisão judicial condenatória ou de pensão alimentícia exclusivamente destinados ao animal, como dito anteriormente e conforme §3º: “Também integrarão o patrimônio animal os valores decorrentes de decisão judicial condenatória ou de pensão alimentícia exclusivamente destinados ao animal” (BRASIL, 2023).

Além disso, essa constituição de patrimônio poderá se dar por testamento, tendo que, para tanto, serem respeitados os preceitos da lei civil. Ou seja, ser realizado no mesmo formato definido para os humanos: “§ 4° A constituição do patrimônio referido no caput poderá se dar por testamento, respeitados os preceitos da lei civil” (BRASIL, 2023).

Desse modo, caso o animal doméstico que possua patrimônio venha a falecer, os valores ou bens deixados poderão ser aplicados em benefício de sua prole ou outros animais que pertençam à família multiespécie:

§ 5° Em caso de morte do animal que possua patrimônio, os valores ou bens deixados poderão ser aplicados em benefício exclusivo da respectiva prole ou de outros animais pertencentes à mesma família multiespécie, mantido o dever de prestação de contas.

E caso não possua prole, nem haja outros animais domésticos que compunham a família multiespécie, o patrimônio deixado pelo animal será convertido ao fundo dos direitos animais municipal, estadual ou federal, de domicílio do animal.

§ 6° Na hipótese do parágrafo anterior, caso o animal falecido não tenha prole, nem existam outros animais de estimação na família, os valores ou bens deixados serão revertidos ao fundo municipal dos direitos animais do domicílio do animal ou, na falta deste, aos fundos estadual e federal, nesta ordem, ressalvadas as disposições especiais contidas nesta Lei (BRASIL, 2023).

Nessa acepção, cumpre por fim analisar que sobre esse patrimônio, igualmente ao dos seres humanos, aplica-se tributação, nos termos do art. 134 da Lei nº 5.172/66, buscando, assim, uma maior regulação, até mesmo dos patrimônios animais, pois, de acordo com § 7°, “Aplica-se, para fins tributários, quanto aos bens e rendas do animal o disposto no art. 134 da Lei n.° 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional” (BRASIL, 1966).

Portanto, como pode ser visto, o PL legisla toda a questão da pensão alimentícia e da constituição de patrimônio, expandindo as possibilidades da Constituição Federal para normas infraconstitucionais e ampliando, assim, o Direito Animal, delimitando sua aplicação e os entendimentos sobre ele.

Contudo, toda essa questão traz grandes consequências e grandes impactos na sociedade, que ainda precisam ser ampliados e analisados.

6. IMPACTOS SOCIAIS E JURÍDICOS:

A implementação de tais institutos aos animais domésticos resultará em uma grande mudança no mundo jurídico, pois gerará diversas ações judiciais e grande rejeição por parte dos julgadores, sobretudo, considerando que o mundo jurídico é arcaico, além de causar uma grande rejeição da sociedade quanto a esse assunto, em especial quanto à parte que julga inaceitável.

Essa rejeição dentro dessa conjectura ocorre, pois com tais direitos, os animais domésticos serão equiparados às pessoas humanas em relação aos direitos, o que, para muitos, é incoerente, mesmo que isso seja permitido pela própria CF.

Além disso, apesar da grande repercussão que será gerada pela implementação de tais institutos – mesmo não havendo atualmente legislação vigente acerca da implementação da pensão alimentícia e da constituição de patrimônio aos animais domésticos, devido a estes serem considerados assemelhados a um bem e desprovidos de personalidade jurídica – já é possível constatar no judiciário decisões que deferem o pedido de auxílio financeiro aos animais domésticos, o que é bem próximo de uma pensão alimentícia.

Nesses casos, cabe salientar, tal auxílio financeiro é concedido para a parte escolhida como tutora do animal. Desse modo, apesar de não serem considerados sujeitos de direitos, o animal doméstico ainda é um ser vivo, e mesmo não possuindo contato com a parte que ficou sem a guarda, essa deve arcar com os custos de manutenção e despesas do referido animal.

Sendo assim, bem semelhante à pensão alimentícia de pais para filhos – em casos de separação, em que um dos pais fica com a guarda do filho e a outra parte custeia a pensão alimentícia para ajudar na subsistência da criança –, há diversos casos julgados nesse sentido, como este do TJ-MG:

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO- AÇÃO DE DIVÓRCIO C/C PARTILHA DE BENS, FIXAÇÃO DE CUSTÓDIA DE ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO E DE PENSÃO ALIMENTÍCIA TRANSITÓRIA - DIVÓRCIO - DIREITO POTESTATIVO DO CÔNJUGE - DECRETAÇÃO IMEDIATA - ALIMENTOS ENTRE CÔNJUGES - DEVER DE MÚTUA ASSISTÊNCIA - DEPENDÊNCIA ECONÔMICA COMPROVADA CABIMENTO - ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO - FAMÍLIA MULTIESPÉCIE - RESSARCIMENTO DE PARTE DAS DESPESAS REALIZADAS PELO CÔNJUGE GUARDIÃO - POSSIBILIDADE. - A partir da Emenda Constitucional nº 66, foi suprimida a separação judicial, desaparecendo também o requisito temporal para o divórcio, que passou a ser exclusivamente direto, tanto por consentimento dos cônjuges, quanto na modalidade litigiosa - A obrigação alimentar em favor do cônjuge tem por fundamento o dever de mútua assistência, conforme exegese do inciso III do artigo 1.566 c/c artigo 1.694, ambos do Código Civil - O dever de prestar alimentos entre cônjuges, fundamentado no dever de mútua assistência, é considerado uma exceção, incidente somente quando configurada a dependência econômica e nas hipóteses de incapacidade laboral permanente ou impossibilidade prática de inserção no mercado de trabalho - Demonstrado nos autos a existência de dependência financeira entre os cônjuges, devem ser estabelecidos os alimentos provisórios em favor do agravante - O Superior Tribunal de Justiça firmou o seu entendimento no sentido de que "os alimentos devidos entre ex-cônjuges devem ser fixados por prazo certo, suficiente para, levando-se em conta as condições próprias do alimentado, permitir-lhe uma potencial inserção no mercado de trabalho em igualdade de condições com o alimentante" ( REsp 1531920/DF, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/04/2017, DJe 11/04/2017) - Os alimentos provisórios devem ser fixados na proporção das necessidades do alimentando e das possibilidades do alimentante, consoante o § 1º, do artigo 1.694, do Código Civil - Diante da evolução do conceito de família, que passou a incluir entre seus membros os animais de estimação, dentro do conceito de família multiespécie, os custos com saúde e alimentação dos "pets" deve ser suportado de forma solidária pelos cônjuges e, em caso de rompimento do núcleo familiar, são devidos alimentos ao cônjuge ou companheiro a quem competir a guarda dos animais. V .V. - A decretação do divórcio deve observar as regras do devido processo legal, sendo imprescindível efetivar a prévia citação do outro cônjuge, para que tome conhecimento da propositura da ação e possa apresentar sua defesa, em estrita observância ao contraditório e à ampla defesa. (TJ-MG - AI: 13659032020218130000, Relator: Des.(a) Ana Paula Caixeta, Data de Julgamento: 29/09/2022, 4ª Câmara Cível Especializada, Data de Publicação: 30/09/2022) (grifo nosso).

Nesse caso em específico, nota-se que apesar de não haver legislação regulando a pensão alimentícia aos animais domésticos, o próprio julgador determinou que, com a evolução do conceito de família (surgimento do termo multiespécie), faz-se necessária a estipulação de auxílio nos custos e na manutenção dos animais, por parte daquele que ficou sem a guarda do animal.

Dessa forma, verifica-se que a aprovação do PL 179/23, com a legislação da pensão alimentícia aos animais domésticos poderá causar grande mudança no judiciário e na sociedade.

Ademais, com a evolução contemporânea no tocante ao entendimento sobre os animais domésticos, o próprio judiciário já vem se moldando no sentido de implementação desse direito, sendo questão de tempo até que ele esteja implementado.

Por outro lado, no tocante à questão da constituição de patrimônio aos animais domésticos, não é possível verificar-se no judiciário decisões que concedam a eles esse direito. Isso ocorre, pois a questão da constituição de patrimônio é algo mais complexo e totalmente novo aos animais domésticos, particularmente, no Brasil, uma vez que deve ser regulado como será utilizado esse patrimônio, quem será o responsável pela fiscalização, dentre outras várias questões.

No entanto, há de se elencar que o Brasil segue no rumo de possibilitar a aplicabilidade da constituição de patrimônio aos animais domésticos, devido ao PL 179/23. Bem como pelo fato de que no direito alienígena, isso já é possível, e o Brasil, comumente, percorre o caminho de incluir em seu sistema leis de países estrangeiros, em especial, quando se trata dos Estados Unidos.

Como exemplo, nos Estados Unidos, pode-se verificar o caso do cachorro Gunther VI, que, atualmente, reside no país estadunidense e um patrimônio de 500 milhões de dólares, deixado em seu nome, em um fundo truste, por sua ex dona, que era uma condessa, residindo atualmente em uma casa que era da cantora Madonna e tendo pessoas que cuidam de seu patrimônio e o convertem em seu favor.

Portanto, se esse caso é visto lá fora com certa naturalidade e sendo possível ver casos semelhantes em outros países, isso demonstra que esse é o caminho que o Brasil tende a seguir e, desse modo, a aceitação da sociedade será uma consequência disso.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir das inquietações suscitadas sobre a temática desta pesquisa, o presente estudo fomentou a análise da aplicabilidade da pensão alimentícia e da constituição de patrimônio aos animais domésticos, verificando os impactos da aplicação desses institutos perante a sociedade e o judiciário.

Nesse sentido, no decorrer do trabalho, foi possível verificar que a pensão alimentícia e a constituição de patrimônio são institutos que atualmente abrangem apenas os seres humanos. Todavia, ao se interpretar a Constituição Federal, constata-se que há uma semelhança entre os direitos, inclusive, os fundamentais, concedidos aos seres humanos e aos animais, tal como disposto nos artigos 3º e 225 da CF.

Com base nessa semelhança, têm-se que é possível a ampliação dos direitos dos animais, buscando aplicar a eles os institutos da pensão alimentícia e da constituição de patrimônio, pois a Constituição Federal permite isso, em decorrência desses princípios garantirem ainda mais o bem-estar dos animais, o que é um dever do Estado brasileiro.

Entretanto, para que essa aplicação seja feita de forma correta, os institutos devem ser limitados aos animais domésticos, em especial, àqueles pertencentes das chamadas famílias multiespécies, uma vez que, ao menos preliminarmente, o fito de aplicação dos institutos é na área familiar e, igualmente, por estarem esses englobados nesse seio, são domesticados e, em razão disso, mais equiparados a humanos.

Além disso, têm-se que para aplicação dos referidos institutos é necessária a formulação de uma lei que regule: o que é a família multiespécie; o que são os animais domésticos; e como será a pensão alimentícia e a constituição de patrimônio para esses animais.

Nessa esteira, torna-se imperativo evidenciar que não cabe ao judiciário decidir sobre essas questões, pois, além de, muitas das vezes, preferir se esquivar dessas pautas – por medo de revoltas da sociedade – estipular novas leis é de competência do legislador.

Por fim, cumpre analisar que a aplicação de tais institutos aos animais domésticos poderá gerar grandes impactos sociais e jurídicos. No entanto, a sociedade e o judiciário tendem a aceitar tais questões, ainda mais considerando que no direito alienígena, verificando que se trata algo muito comum e o Brasil tende a seguir esse caminho.

REFERÊNCIAS

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TJPR. Conflito de Competência: 0015266-58.2022.8.16.0188, Relator: Desembargador SIGURD ROBERTO BENGTSSON, Data de julgamento: 23/05/2022, DÉCIMA PRIMEIRA C MARA CÍVEL, Publicação DJe: 23/05/2022.

TRF-4. AG: 5024372-07.2022.4.04.0000, Relatora: Desembargadora VÂNIA HACK DE ALMEIDA, Data de julgamento: 26/07/2022, T3 - Terceira Turma, Data de Publicação DJe: 25/09/2023.

Sobre os autores
Fábio Ferreira Bueno

Possui graduação em Direito pela Universidade Paranaense - UNIPAR (1997). Pós-graduação em Direito Civil e Processual Civil pela Universidade Paranaense - UNIPAR (2001). Mestrado em Direito Processual e Cidadania pela Universidade Paranaense - UNIPAR (2005). Advogado em exercício desde 1998. Foi docente da Escola da Magistratura do Paraná. É Professor da Universidade Paranaense - UNIPAR, Umuarama/PR, no Curso de Graduação em Direito, desde 2000, ministrando as disciplinas de Direitos Difusos e Coletivos e Direito Processual Civil. Professor em cursos de Pós-graduação ofertados pela Universidade Paranaense - UNIPAR.

Matheus Moraes Cravou Barbosa

Acadêmico do Curso de Direito da Universidade Paranaense - UNIPAR

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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