VIA DE REGRA não se deve utilizar a Usucapião como forma de regularização (e principalmente substitutivo) nos casos onde couber o Inventário para essa finalidade. O ponto em questão é que haverá casos onde a prescrição aquisitiva operará em favor do ocupante ao mesmo tempo em que em detrimento do direito hereditário daqueles que sucederam ao (à) falecido (a). Nesse ponto da questão é importante deixar claro que, ainda que excepcionalmente, a jurisprudência pátria e a doutrina admitem como plenamente possível o reconhecimento da USUCAPIÃO em favor do ocupante (co-herdeiro ou não, parente ou não) quanto aos bens componentes do Espólio.
Inicialmente é preciso compreender que falecido o titular/proprietário do bem operar-se-á em favor dos seus herdeiros (ainda que desconhecidos e ainda que estes por suas vezes desconheçam que de fato há uma herança) a transmissão da herança. Essa é a categórica regra estampada no art. 1.784 do Código Civil, que reza:
"Art. 1.784. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários".
A respeito desse importante fenômeno do Direito Sucessório comenta o ilustre professor ROLF MADALENO (Sucessão Legítima. 2020), contextualizando-o:
"O direito de saisine surgiu na Idade Média, através da fórmula: 'le mort saisit le vif' (o morto sucede o vivo) e pela qual o herdeiro ingressa na posse espiritual dos bens deixados pelo defunto mesmo sem que de fato tenha a posse física desses bens e independentemente da sua expressa aceitação, tanto que a herança é tida como aceita desde o exato momento da morte do seu titular, sem nenhum intervalo de tempo e seus herdeiros podem vir ao inventário para, querendo, renunciarem à herança, ou simplesmente confirmarem sua qualidade de herdeiros e recebê-la por meio do inventário, como instrumento necessário para a partilha, ou adjudicação, e registro formal da transferência".
O renomado professor esclarece ainda que "A transmissão da herança é IMEDIATA e não depende da prévia adição dos herdeiros, que sequer precisam ter conhecimento da morte do titular dos bens, e tampouco estar presentes ou gozarem da capacidade civil, sucedendo a aceitação ou o repúdio da herança em ato posterior". De fato, o fenômeno é necessário para a correta concepção do complexo procedimento de INVENTÁRIO, sendo aplicado tanto na via judicial quanto na via extrajudicial.
No momento da transmissão forma-se um condomínio "pro indiviso" entre os herdeiros, todavia, não se desconhece que uma vez exercida a posse de maneira exclusiva (e por isso excludente), com "animus domini" além do preenchimento dos demais requisitos necessários para a Usucapião, será possível o reconhecimento também da Usucapião sobre os BENS DA HERANÇA, tanto pela via judicial quanto pela via EXTRAJUDICIAL. A doutrina especializada do ilustre Desembargador Aposentado, Dr. BENEDITO SILVÉRIO (Tratado de Usucapião. 2012) esclarece:
"Há, todavia, possibilidade de um herdeiro usucapir contra coerdeiro, mas isso tem cabimento quando aquele exerça POSSE EXCLUSIVA e tenha manifesta intenção de possuir a coisa toda para si, excluindo os demais, de forma que se afigurem límpidas as condições de afastamento dos outros. Deverá essa posse ser exercida com o ÂNIMO DE PROPRIETÁRIO (cum animo domini), observando-se os demais requisitos de lei. (...) O herdeiro ou condômino que pretender usucapir contra os consortes precisa alegar e provar que cessou de fato a COMPOSSE, estabelecendo-se POSSE EXCLUSIVA pelo tempo necessário à usucapião extraordinária, com os demais requisitos que esta requer".
De fato, afastada a posse comum estabelecida por força do direito de saisine uma vez que pujante a comprovação dos requisitos para a Usucapião outro não poderá ser o resultado senão a aquisição da propriedade por aquele co-herdeiro ou terceiro que ocupe o bem objeto da herança, como inclusive confirma com tranquilidade recente decisão do TJRJ, senão vejamos:
"TJRJ. 0002158-54.2012.8.19.0082. J. em: 14/11/2023. Apelação cível. AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. Sentença de procedência. Usucapião extraordinária que apresenta como requisito o exercício da posse, sem oposição e com animus domini por 15 anos. Inteligência do art. 1238 CC. Autora que era companheira do proprietário do imóvel, tendo permanecido no bem após o óbito do mesmo por mais de 32 anos até a propositura da demanda. STJ que possui entendimento no sentido da possibilidade de que um herdeiro adquira o bem em condomínio por meio da USUCAPIÃO, desde que exerça a POSSE EXCLUSIVA do imóvel com animus domini e sem oposição dos demais herdeiros. Requisitos para a aquisição do imóvel usucapiendo que restaram preenchidos pela parte autora. Propositura de inventário pelos herdeiros no ano seguinte ao falecimento do de cujus, que não se mostra instrumento hábil a afastar o caráter da posse exercida pela autora originária. Ausência de comprovação pelo espólio que os filhos do de cujus pretendiam para si o imóvel, já que INEXISTE AÇÃO POSSESSÓRIA movida em face da autora originária ou qualquer movimento dos herdeiros nesse sentido. Herdeiros discordantes que não mais se manifestaram nos autos da ação indenizatória ou no inventário desde 1982. INTERVERSÃO DA POSSE, caracterizada pela transformação unilateral do caráter da posse de forma a atender a função social da propriedade. Inteligência do art. 1203 CC. Manutenção da sentença. Honorários majorados na forma do art. 85 § 11 CPC/2015. Desprovimento do recurso".