Invisibilidade social; um olhar jurídico-sociológico sobre a problemática.

05/02/2024 às 11:01

Resumo:


  • A Constituição Federal do Brasil de 1988 estabelece fundamentos como a cidadania e a dignidade da pessoa humana, mas sua efetiva aplicação é questionável, especialmente no que se refere à classe trabalhadora.

  • A invisibilidade social é um fenômeno que desconsidera certos grupos da população em diferentes contextos sociais, podendo ser analisada sob perspectivas fenomenológicas, hermenêuticas e críticas, e tem implicações significativas no cenário político e jurídico.

  • A eficácia simbólica da Constituição é limitada quando as normas e princípios que ela propõe não são plenamente observados pelo Estado, resultando em uma realidade onde muitos cidadãos são tratados como invisíveis e marginalizados socialmente.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

INTRODUÇÃO

De acordo com o Artigo I, incisos II e III, da Constituição Federal de 88 (CRFB/88), todo brasileiro tem o direito à cidadania e à dignidade da pessoa humana, ad verbum:

“ Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

(...) II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; “

O Artigo acima apresentado não é, e, com quase completa certeza, nunca foi devidamente posto em vigor, ou, sequer, foi parcialmente alcançado pela população brasileira, principalmente pela classe trabalhadora, a qual, apresenta a esmagadora maioria da sociedade.

Faz-se imprescindível elucidar o simbolismo da Constituição suso apresentada, o qual, trata por relatar as metas que determinada sociedade, guiada por um determinado Estado que detém poder político e jurídico normativo, visa alcançar; ou seja, não se restringe tão somente a determinar normas de conduta, como também, goza de normas de preceitos fundamentais e principiológicas. Portanto, evidenciada a questão simbólica da Carta Magna, cabe-se a crítica à ineficaz busca pela efetivação dessas normas.

INVISIBILIDADE SOCIAL

A invisibilidade social é a desconsideração de determinada parte da população perante um determinado ciclo social, seja esse em pequena ou grande amplitude.

A temática suso elucidada não se trata tão somente de excluir determinado indivíduo ou conjunto de indivíduos da sociedade, trata-se também da fenomenologia, hermenêutica e contextualização que envolve essa problemática, a qual, reverbera no panorama social, político e até mesmo jurídico de um determinado Estado.

De acordo com Júlia Tomás, em seu bem escrito artigo: “A invisibilidade social, uma construção teórica”, a douta escritora disserta sobre a construção teórica da invisibilidade social, construção essa que se faz edificada em três esquemas de inteligibilidade, sendo: na Fenomenologia, na Hermenêutica e na Teoria Crítica; a autora prossegue na sua obra, explica também o sentimento de invisibilidade e sua reverberação social, versa, ipsis litteris:

“O sentimento de invisibilidade é, paradoxalmente, particular à época contemporânea da hiper-visualização na qual ser visível é quase uma obrigatoriedade. Neste contexto, a ocultação do Outro constitui uma alteridade invisível. ”

Além de classificar a teorização da invisibilidade social, a autora pondera um fato elementar, que é o da divisão entre invisibilidade social sofrida e a invisibilidade desejada, apresenta-se o quadro explicativo da autora:

Outrossim, tem-se em mente a classificação metodológica e hermenêutica1 do que é a invisibilidade social, resta, portanto, elucidar o caráter ineficaz do Estado, que falha ridiculamente em cumprir com os preceitos fundamentais evidenciados na bela e utópica Constituição Federal brasileira.

INEFICÁCIA DO SIMBOLISMO CONSTITUCIONAL

É mister elucidar que a CRFB/88 possui não tão só caráter normativo, como também exala aquilo que a sociedade brasileira visa alcançar.

Por mais evidente que seja, atualmente, o Estado falha diariamente em alcançar as devidas normas principiológicas suso dissertadas, o que, apresenta a ineficiência do sistema jurídico brasileiro.

Evidentemente que o Brasil é um país com uma grande extensão territorial, fato que prejudica e dificulta muito a plena vigência das normas estatais, porém, a quantidade absurda de impostos pagos pela população deveria garantir o mínimo zelo pelos seus devidos direitos constitucionais; restando a crítica ao excesso de garantias providenciadas aos membros do congresso; o que é, obviamente, um absurdo.

Enquanto 62,5 milhões de pessoas vivem abaixo da linha da pobreza, e entre elas, são 17,9 milhões que vivem na extrema pobreza*, os políticos brasileiros gozam alegremente de Auxílio-moradia, Previdência social especial, Foro privilegiado e Plano de Saúde. Presente o axioma da crítica exercida pelo vosso autor, resta a observância dos fatos óbvios.

Portanto, resta evidente que o simbolismo da Constituição, por mais belo e patriótico que seja, resta utópico por aparentar nunca conseguir ser efetivamente alcançado, e, faz-se óbvio o despautério com o povo brasileiro.

ESSÊNCIA DA CONSTITUIÇÃO

Ferdnand Lassalle, teórico social-democrata, político e escritor nascido em abril de 1825 na Polônia dissertou de maneira clara e eficaz sobre o conceito sociológico da Constituição, versando acerca do que representa a Constituição e, ainda, sobre a subjetividade das normas constitucionais, as quais, caso não sejam devidamente postas em vigor, restam como ineficazes, tornando a Constituição em uma mera folha de papel sem valor.

A obra “Über Verfassungswesen” de 1862, traduzida para o português como: “A essência da Constituição” trata-se de uma temática tão bem dissertada que reverbera no mundo atual. Com uma premissa atemporal, Lassalle versa de maneira plena sobre o papel da Constituição na sociedade, tutelando de modo objetivo o papel político-constitucional e as consequências da não obediência da norma constitucional.

Portanto, com fulcro no suso dissertado, depreende-se o papel materialista da Carta Magna, a qual, deve objetivar não só alcançar a máxima plenitude de determinada sociedade, como também alcançar as normas que ela mesma propõe, pois, caso contrário, a mesma não passará de uma mera folha de papel escrita.

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INVISIBILIDADE SOCIAL NO ÂMBITO TRABALHISTA

Ademais, faz-se imprescindível evidenciar também o cenário de invisibilidade social dos trabalhadores.

Em uma exímia dissertação tecida na obra “A invisibilidade social no âmbito do trabalho”2, Cristiane R. Jorge Celeguim e Heloísa M Kiehl Noronha Roesler alçaram o questionamento acerca do ambiente de trabalho dos garis.

A obra evidencia, por intermédio de entrevistas e pesquisas sociais, que os trabalhadores responsáveis por exercer a higiene pública – strictu sensu – os garis, ao utilizarem seus uniformes de trabalho, além de se tornarem visíveis socialmente, servindo até mesmo de proteção para esses determinados proletariados, em uma sociedade capitalista extremamente ligada ao de poder de consumo, o uniforme trajado pelos trabalhadores recém apresentados culmina na: “exclusão social velada, na forma de invisibilidade social”, como diz as doutas autoras.

Infelizmente não são apenas os trabalhadores acima elucidados que sofrem com a invisibilidade social, diversos outros, tais como: motoristas de ônibus, “caixas” de supermercado, atendentes dos mais diversos tipos. Isso claramente é um absurdo, haja vista que aqueles que cooperam ativamente, com sua força de trabalho e persistência, para que o capital gire, infelizmente, em um contexto social capitalista, além de sofrerem com discriminação constante por conta do seu emprego, sua força de trabalho é utilizada em prol do proprietário. Vale ponderar que esse diapasão discriminatório ocorre em detrimento de uma política econômica liberal, ou seja, capitalista.

CONCLUSÃO

Ao longo da concisa dissertação acima tecida, foram feitas críticas e classificações que perpassam pelo ramo jurídico e sociológico, visando realizar uma compreensão multidisciplinar que perpassa pelo bojo científico social, bem como, pelo ramo do Direito Constitucional, com intuito de alçar a dialética propriamente dita a posteriori.

Portanto, faz-se mister que o Poder Estatal, além de apenas propor normas e princípios na sua Carta Maior, proponha também a incessante busca pela sua inerente observância, entregando assim o mínimo à minoria menos favorecida, a qual, sofre com a omissão do estado, sendo sempre marginalizados socialmente, culminando no maior despautério possível ao cidadão, tratando-os como invisíveis, ignorando-os como se inexistissem socialmente.

3


  1. Uma das maiores classificações hermenêuticas da invisibilidade social é a de Hans-George Gadamer, devidamente versada em: “A invisibilidade social: uma análise hermenêutica”.

  2. J Tomás - Colóquio “Crise das Socializações”. Braga, 2012 - researchgate.net, acesse: https://www.researchgate.net/profile/Julia-Tomas/publication/228333133_A_invisibilidade_social_uma_construcao_teorica/links/0fcfd4ff9604f657c0000000/A-invisibilidade-social-uma-construcao-teorica.pdf

  3. * Ver mais em “Pobreza e extrema pobreza batem recorde no Brasil, mostra IBGE” acesse: https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/ansa/2022/12/02/pobreza-e-extrema-pobreza-batem-recorde-no-brasil-mostra-ibge.htm#:~:text=S%C3%A3o%2062%2C5%20milh%C3%B5es%20de,%2C4%25%20dos%20cidad%C3%A3os).

Sobre o autor
Ary Maximus Ferreira Ramos

Bacharelando em Direito pela Universidade Salvador; Monitor da Unidade Curricular (UC) Contratos e negócios jurídicos durante período do semestre 2023.2, mediante supervisão do Professor Doutor Fábio Santos; Estagiário do Escritório de Advocacia "Dirceu Noguera Filho"

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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